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QUEIMADURAS

Queimaduras são caracterizadas por uma lesão de pele causada por um agente externo, com
destruição parcial ou total da mesma, em determinada extensão da superfície corpórea, em
decorrência de trauma térmico, elétrico, químico ou radioativo. Estão em quarto lugar como o
tipo de trauma mais comum no mundo, após acidentes de trânsito, quedas e violência
interpessoal, e representam uma grande crise de saúde pública global, por ser uma das mais
devastadoras de todas as lesões. No Brasil, ocorrem 1 milhão de casos de queimaduras a cada
ano, sendo a causa mais comum escaldadura em acidentes domésticos na faixa etária de 0 a 4
anos e com acidentes com álcool e fogo em adultos jovens, bem como acidentes de trabalho,
transtornos psiquiátricos e neurológicos (epilepsia). Trata-se de um trauma grave, de
tratamento complexo, e multidisciplinar, que pode causar sequelas funcionais, estéticas,
psicológicas e até mesmo a morte. Causam também repercussões sociais, econômicas e de
saúde pública.

A resposta fisiológica de lesões por queimaduras é complexa. Os resultados estão


influenciados pela rapidez e adequada estabilização e ressuscitação do paciente. A pele
possui 4 funções: proteção contra infecções, prevenção à perda de líquidos, regulação da
temperatura corporal, contato sensorial com o meio ambiente e todas elas estão acometidas
nas queimaduras.

Queimaduras de 1° grau acometem a epiderme e se apresentam com vermelhidão e


hipersensibilidade. Queimaduras de 2° grau acometem a epiderme e parte da derme (podem
ser superficiais ou profundas) e se apresentam com bolha e edema. Queimaduras de 3° grau
acomete epiderme, derme na sua totalidade e todos os tecidos que estiverem abaixo dela, e se
apresentam com aspecto esbranquiçado ou marmóreo.

A extensão da queimadura é calculada através da regra da “palma da mão”, regra “dos


nove” e Diagrama de Lund & Browder (mais fidedigno, pois leva em conta cada segmento
corpóreo e é dividido por faixa etária). A reposição volêmica é calculada pela “Regra de
Parkland” (2 a 4 ml/kg/SCQ) onde devemos administrar cristaloides, de preferência soro
ringer com lactato (é o que mais se assemelha aos fluídos corporais normais), sendo 50% nas
primeiras 8 horas da queimadura e os outros 50% nas 16 horas seguintes. Não administramos
colóides nas primeiras 24 horas pelo aumento da permeabilidade capilar (atividade
aumentada da histamina e das propriedades catalíticas da xantina oxidase).

O tratamento das queimaduras se inicia na sala de emergência, interrompendo o processo


de queimadura, removendo roupas, jóias, anéis, próteses e cobrindo as lesões com tecido
limpo. Passamos para o ABCDE do trauma, iniciando com as vias aéreas pérvias, resolvendo
qualquer tipo de obstrução, administração de O2 por máscara se suspeita de lesão inalatória
ou até IOT em casos de insuficiência respiratória ou que possa evoluir (edema face, vibrissas
nasais queimadas, rouquidão, escarro carbonáceo). Deve ser obtido preferencialmente acesso
venoso periférico calibroso e iniciar a hidratação. Avaliar se há indícios de lesão neurológica
ou trauma associado. Está indicada a passagem de sonda vesical de demora para controle
rigoroso da diurese para queimaduras acima de 20% em adultos e 10% em crianças. Devemos
manter a diurese entre 0,5 a 1 ml/kg/hora e no trauma elétrico acima de 1,5 ml/kg/hora ou até
o clareamento da mesma. A dor é tratada com medicações endovenosas (dipirona e morfina).
Devemos sempre nos atentar para prescrição de protetor gástrico para evitar úlcera de stress,
profilaxia antitetânica e de trombose venosa profunda. Em queimaduras acima de 20% SCQ
está indicado passagem de sonda nasoenteral para diminuir o catabolismo, pois a taxa
metabólica basal aumenta em até 3 vezes seu valor original.

A limpeza da ferida é feita com água e clorexidine degermante. O curativo é realizado com
sulfadiazina de prata 1% tópica, sendo exposto na face e períneo e coberto nas demais áreas
em 4 camadas (antibiótico tópico, rayon, gaze absorvente, algodão e atadura crepe). Não
utilizar antibiótico profilático sistêmico. Se apresentar queimaduras circunferenciais em tórax
e membros, avaliar a necessidade de realizar escarotomias ou fasciotomias.

No trauma elétrico, devemos definir se houve passagem da corrente, com ponto de entrada
e saída, avaliar trauma associado, se ocorreu perda de consciência ou parada cárdio
respiratória no momento do acidente, avaliar extensão da lesão e passagem da corrente.
Devemos monitorizar enzimas (CPK E CKMB) e cardiológica contínua por 24-48 horas.
Sempre internar. Devemos aumentar a hidratação se eventualmente apresentar mioglobinúria.
Avaliar sempre se há necessidade de realização de fasciotomia.

Na queimadura química, a equipe que atende deve utilizar proteção universal para não ter
contato com o agente químico, que deve ser identificado (ácido, base, composto orgânico).
Avaliar concentração, volume e duração do contato. Como a lesão é progressiva, remover
roupas e retirar o excesso da substância previamente com escovas (pó) ou compressas de
tecidos. Irrigar exaustivamente com água corrente por no mínimo 30 minutos, inclusive os
olhos.

Os sinais de infecção de uma ferida por queimadura são: mudança de coloração da lesão,
edema de bordas das feridas, aprofundamento das lesões, mudança no odor, separação rápida
da escara, escara úmida, coloração hemorrágica sob a escara, celulite ao redor da lesão,
vasculite no interior da lesão, aumento ou modificação da queixa dolorosa.

Os critérios de transferência para um Centro de Tratamento de Queimaduras, após a


estabilização hemodinâmica e medidas iniciais, são: queimaduras de 2° grau em áreas
maiores que 20% SCQ em adultos e 10% em crianças, queimaduras de 3° grau em qualquer
extensão, lesões em face, olhos, períneo, mão, pé e grande articulação. Queimadura elétrica.
Queimadura química. Lesão inalatória, ou lesão circunferencial de tórax ou membros.
Doenças associadas, autoextermínio, politrauma, maus tratos ou situações sociais adversas.
Podemos nos deparar também com casos onde não há lesões por queimadura na pele e
sim lesão inalatória (fumaça), ou até mesmo casos onde essas lesões estão associadas. Na
suspeita de lesão inalatória, sempre devemos ofertar oxigênio e realizar monitorização com
oximetria de pulso, mesmo se o paciente se apresenta eupnéico. Em casos associados com
queimadura em face, acometendo lábios, vibrissas nasais, edema, escarro escuro, devemos
proceder com intubação oro traqueal, protegendo essa via aérea.

As queimaduras de primeiro grau não necessitam de tratamento cirúrgico. Elas se


apresentam com vermelhidão e após 5 a 7 dias ocorre descamação das células lesionadas,
sem deixar cicatriz. As queimaduras de segundo grau se subdividem em superficiais e
profundas. As superficiais apresentam apêndices viáveis (queratinócitos presentes no interior
das glândulas sudoríparas e dos folículos pilosos), permitindo a epitelização em até duas
semanas. As profundas podem se curar espontaneamente em 3 ou 4 semanas (qualidade ruim
da cicatriz, contratura cicatricial) e sempre deixam cicatrizes; tem indicação de enxertia de
pele total ou parcial (pele retirada com faca de Blair ou dermátomo), dependendo da
localização e extensão das mesmas. As queimaduras de terceiro grau nunca se curam
espontaneamente, pois estão comprometidas todas as camadas da pele. Somente podem ser
curadas epitelizando-se desde as bordas (qualidade ruim, maior chance de sequelas) ou com
enxertos de pele (podem ser expandidos ou não, dependendo da extensão da queimadura).

Vale ressaltar que temos como opção a pele de cadáver, obtida de banco de tecidos
(substituto temporário de pele, curativo biológico), as matrizes dérmicas e também os
curativos de prata nanocristalina de liberação prolongada, disponíveis no mercado com
diversos nomes e marcas).

O tratamento de uma vítima de queimadura não termina com a alta hospitalar. O


seguimento ambulatorial é longo, às vezes por anos e envolve o uso de malhas compressivas,
fisioterapia motora, terapia ocupacional, acompanhamento psicológico e, por várias vezes,
dependendo do caso, novas internações para tratamento de sequelas motoras e cicatriciais.

Ações de prevenção devem ser feitas continuamente, pois acidentes com queimadura
quase na maioria das vezes podem levar a sequelas estéticas e funcionais devastadoras, e
inclusive à morte, interferindo na qualidade de vida diária, trabalho, relacionamentos,
autoestima.

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