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ENTRE
ELISABETH E DESCARTES
Elisabeth a Descartes
Haia, 6 de Maio de 1643
Senhor Descartes,
Elisabeth
Descartes a Elisabeth
Egmond de Hoef, 21 de Maio de 1643
Senhora,
Senhor Descartes,
Elisabeth
Descartes a Elisabeth
Egmond de Hoef, 28 de Junho de 1643
Senhora,
Descartes
Elisabeth a Descartes
Haia, 1 de Julho de 1643
Senhor Descartes,
Receio que não recebais tanto incómodo pela minha estima das
vossas instruções e pelo meu desejo de tirar proveito delas como pela
ingratidão daqueles que a si mesmos se privam delas e queriam privar
delas o gênero humano; e não vos enviaria um novo efeito da minha
ignorância antes de vos saber liberto da obstinação deles, se o senhor
Van Bergen não me tivesse obrigado a isso mais cedo, pela sua
gentileza de querer ficar nesta cidade até eu lhe dar uma resposta à
vossa carta de 28 de Junho, que me faz ver claramente os três tipos
de noções que temos, os seus objetos e como devemos utilizá-las.
Acho também que os sentidos me mostram que a alma move o
corpo, mas que não me ensinam (como tampouco o entendimento e a
imaginação) o modo como ela o faz. E, para isso, penso que há
propriedades da alma, que nos são desconhecidas, que poderão
talvez inverter aquilo de que as vossas Meditações Metafísicas me
persuadiram, por muito boas razões, da inextensão da alma. E esta
dúvida parece fundar-se na regra que aí apresentais ao falardes do
verdadeiro e do falso e que todo o erro nos vem de formarmos juízos
acerca do que não percebemos suficientemente. Ainda que a extensão
não seja necessária ao pensamento, o que não repugna nada, ela
poderá convir a alguma outra função da alma que lhe não é menos
essencial. No mínimo, ela deita por terra a contradição dos
Escolásticos, que ela está toda em todo o corpo e toda em cada uma
das suas partes. Não peço desculpa por confundir a noção da alma
com a do corpo pela mesma razão que o vulgo, mas isso não me livra
da primeira dúvida e desesperarei de encontrar alguma certeza em
algo do mundo, se não me derdes, vós que fostes o único que me
impediu de ser céptica, para onde me levava o meu primeiro
raciocínio.
Ainda que vos devesse esta confissão, para vos agradecer,
considerá-la-ia demasiado imprudente, se não conhecesse a vossa
bondade e generosidade, igual aos vossos outros méritos tanto pela
experiência que já tive deles como pela reputação. Não a podeis
manifestar de um modo mais prestável do que pelos esclarecimentos
e conselhos que me confiais e que estimo acima dos maiores tesouros
que pudesse possuir.
Elisabeth
Descartes a Elisabeth
Senhora,
Tendo sabido pelo senhor Pollot que Vossa Alteza se deu ao
trabalho de investigar a questão das três circunferências e que
encontrou o meio de a resolver, supondo apenas uma quantidade
desconhecida, pensei que o meu dever me obrigava a apresentar aqui
a razão pela qual propusera várias e a maneira como as distingo.
Ao investigar uma questão de Geometria, procedo sempre de tal
modo que as linhas, de que me sirvo para a resolver, sejam, tanto
quanto possível, paralelas ou se cruzem formando ângulos retos; e
não considero quaisquer outros teoremas senão que os lados dos
triângulos iguais têm, entre si, uma proporção igual e que, nos
triângulos retângulos, o quadrado da base é igual aos dois quadrados
dos lados. E não receio supor várias quantidades desconhecidas para
reduzir a questão a tais termos, porquanto ela depende tão-só desses
dois teoremas; pelo contrário, prefiro supor mais do que menos. Com
efeito, por este meio, vejo mais claramente tudo o que faço e, ao
distingui-las, encontro melhor os caminhos mais curtos e evito
multiplicações supérfluas; ao passo que, se se traçam mais linhas,
utilizam-se mais teoremas; embora possa acontecer, por acaso, que o
caminho encontrado seja mais curto que o meu, no entanto acontece
quase sempre o contrário. E não se vê tão claramente o que se faz, a
não ser que se tenha a demonstração do teorema a que se recorre
bem presente no espírito; e, neste caso, verifica-se quase sempre que
depende da consideração de alguns triângulos que são ou retângulos
ou iguais entre si e, assim, vem-se ter ao caminho que eu sigo.
Por exemplo, se se quiser investigar esta questão das três
circunferências, com a ajuda de um teorema que ensine a encontrar a
área de um triângulo pelos
e, fazendo
AE = d, BE = e, CE = j, DF ou GE = y, DG ou FE = z
AF = d - z e FD = y
BG = e - y e DG = z
CF = j + z e FD = y
Depois, fazendo o quadrado de cada uma destas bases igual ao
quadrado dos dois lados, tenho as três equações seguintes:
aa + 2ax + xx = dd - 2dz + zz + yy
bb + 2bx + xx = ee - 2ey + yy + zz
cc + 2cx + xx = f f + 2 fz + zz + yy
e vejo que, só com uma delas, não posso achar nenhuma das
quantidades desconhecidas sem calcular a raiz quadrada, o que
complicaria demasiado a questão. É por isso que sigo a segunda
possibilidade, que consiste em juntar duas equações, e apercebo-me
imediatamente de que, sendo os termos xx, yy e zz iguais nas três
equações, se retirar uma de uma outra, à minha escolha, eles
desaparecerão e, assim, não terei mais termos desconhecidos para
além dos simples x, y e z. Vejo também que, se retirar a segunda da
primeira ou da terceira, terei os três termos x, y e z, mas, se retirar a
primeira da terceira, só terei x e z. Escolho portanto este último
caminho e obtenho
ou
z = cc - aa + dd - ff + 2cx - 2ax
2d+2f
ou
1 d _ 1 f + cc - aa + 2cx - 2ax
2 2 2d+2f
ou
ou
Senhor Descartes,
Se eu tivesse tanta habilidade para seguir os vossos conselhos
como tenho vontade de o fazer, encontraríeis já os efeitos da vossa
caridade nos progressos que teria realizado no raciocínio e na álgebra,
de que, neste momento, só vos posso mostrar as falhas. Mas estou
tão habituada a vo-las mostrar, que me acontece, como aos velhos
pecadores, perder completamente toda a vergonha. Pelo que fizera
tenção de vos enviar a solução da questão que me tínheis
colocado, pelo método que me haviam ensinado outrora, tanto para
vos obrigar a dizer-me as suas falhas como porque não sou tão
versada no vosso. Pois notava de facto que as havia na minha solução,
não vendo suficientemente claro para daí deduzir um teorema; mas
nunca teria encontrado a sua razão sem a vossa última carta, que me
dá toda a satisfação que eu pedia e me ensina mais do que teria
conseguido em seis meses com o meu mestre. Devo-vos muito por
isso e nunca teria perdoado ao senhor Pollot se ele tivesse usado a
vossa carta segundo a vossa ordem. No entanto, só quis entregar com
a condição de que vos enviaria o que fizera. Por conseguinte, não
acheis mal que vos dê um incómodo supérfluo, porque há poucas
coisas que eu faria para obter estes efeitos da vossa boa vontade, que
é infinitamente estimada pela
Elisabeth
Descartes a Elisabeth
Egmond de Hoef, Novembro de 1643
Senhora,
AK = dd + df + dx - fx
d+f
AD = dd + df + de - fe
d+f
onde já pode notar que x está na linha AK como e está na linha AD,
porque se encontra pelo triângulo AHC como o outro pelo triângulo
ABC. Depois, finalmente, terá esta equação,
Pois, se os raios destas três dadas são, por exemplo, d/2, e/3 e f/4,
terei 576 para ddeeff e 36xx para ddeexx e assim em relação aos
outros.
Donde acharei
x = 156 + 31104
47 2209
se não me enganei no cálculo que acabo de fazer.
E Vossa Alteza pode ver aqui dois procedimentos muito
diferentes numa mesma questão, conforme os diferentes objectivos
que nos propomos.
Pois, se quiser saber de que natureza é a questão e de que modo
pode ser resolvida, tomo como dadas as linhas perpendiculares ou
paralelas e suponho diversas quantidades desconhecidas, para não
fazer nenhuma multiplicação supérflua e ver melhor os caminhos mais
curtos; ao passo que, se a quiser acabar, tomo como dados os lados
do triângulo e suponho apenas uma letra desconhecida. Mas há uma
quantidade de questões, onde o mesmo caminho conduz a um e a
outro, e não duvido de que, em breve, Vossa Alteza veja até onde pode
alcançar o espírito humano nesta ciência. Considerar-me-ia
extremamente feliz, se pudesse contribuir alguma coisa para isso, pois
um zelo muito particular me leva a ser,
Senhora,
Descartes