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Violência doméstica - qual o impacto aos

filhos das vítimas?


Como traumas e medos afligem a vida de filhos que vivem em contexto violento

O referencial “lar doce lar” que carrega um ideal como a proteção, ao nível real se
apresenta como um lugar em que atos e práticas violentas contra os seus
integrantes é comum. Apenas no primeiro semestre de 2022 já foram registradas
mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres, de
acordo com os dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.

Percebe-se que, além das marcas na mãe, há também a presença de traumas na


vida dos filhos, que cresceram em casas onde a violência tem e/ou teve espaço.
Vivenciar uma relação violenta no círculo familiar acarreta danos à saúde mental,
pois se configura em uma ação que vai contra a integridade física e moral.

Das vivências – boas ou ruins – uma criança e adolescente constrói os seus


modelos de interação e de relação com o ambiente e pessoas a partir de
experiências do núcleo primário (família). Para a psicanalista Carla Menezes, por
trás de toda criança traumatizada deve-se procurar uma família. “As crianças e
adolescentes ao presenciarem atos de violência doméstica, tais como: agressões do
pai contra a mãe, serem usados como instrumento de chantagem, ou agredidos
física e moralmente, geralmente desenvolvem complexos de rejeição e abandono,
além de sentirem constante sentimento de tristeza e aflição”, afirma Carla.

Nesse mesmo contexto há um outro problema complexo - o processo de reprodução


de comportamento. A estudante “maria” (pseudônimo, pois preferiu não se
identificar) relata como vivenciou o ciclo de violência na sua casa. “Eu e meu irmão
crescemos assistindo o nosso pai bater na nossa mãe. Ela tinha muita dependência
emocional dele e aceitava sempre as suas desculpas. Quando nos tornamos
adultos, a violência parou, mas os medos continuaram. Eu tinha pesadelos com a
minha mãe fugindo para não apanhar. Eu fiquei extremamente sensível a barulhos
por ouvir por tanto tempo o meu pai espancando minha mãe. Eu fui buscar terapia, e
lá eu descobri que se eu não ficasse atenta poderia me casar com um homem
parecido com o meu pai”, afirmou.

A filha da vítima ainda descreveu que, em terapia, ela conseguiu analisar como a
violência presenciada na sua infância e adolescência faziam parte de um ciclo. “Em
uma das sessões na terapia, nós analisamos como a minha mãe estava repetindo o
comportamento da minha avó. Ela também cresceu em um lar onde o pai dela era
violento, e no futuro viu os próprios irmãos espancando suas mulheres, e suas irmãs
se casando com homens abusivos. Uma vez minha mãe viu a cunhada dela
apanhando no meio da rua. Ela também chegou a salvar a irmã da morte, quando o
marido ateou fogo na casa quando ela ainda estava dentro”, disse.

Para a psicanalista Carla, a violência traz para os filhos uma percepção de rejeição
por parte desse pai. Resultando assim, em comportamentos de impulsividade,
agressividade, diminuição da autoestima, depressão, ansiedade e maior
instabilidade emocional. “Os meninos expostos a violência doméstica, praticada pela
figura paterna, se identificam com o seu agressor – o pai – e reproduzem essas
ações a longo prazo. Já a menina busca inconscientemente um homem bem
parecido com seu pai – desejando o amor que lhe fora privado ainda na infância –
desenvolvendo relacionamentos dependentes e tóxicos, reproduzindo um padrão
disfuncional de violência a que foi exposta, como se essa fosse a forma correta de
viver padronizada pelo seu aparelho psíquico”, afirma a psicanalista Carla.

A personalidade humana desenvolve-se durante toda a infância, sendo estabelecida


aos 21 anos. Ela é determinada por fatores genéticos e ambientais. Como o
ambiente de criação é um dos principais fatores moduladores da personalidade, a
violência doméstica impacta no desenvolvimento da criança e do adolescente, uma
vez que trará prejuízos no desenvolvimento dos traços de personalidade. Assim, a
desorganização do grupo familiar tem consequências graves no nível das relações
humanas, em que todos repetem o mesmo comportamento vivenciado dentro de
casa, como um ciclo que parece não ter fim.

Como a terapia trabalha no tratamento de crianças e adolescentes que


vivenciaram violência doméstica:

Para a psicanalista Carla Menezes o primeiro passo é permitir-lhes preencher o


vazio do pai dentro do seu aparelho psíquico. “O pai representa o papel de
segurança e proteção. Freud diz: ‘Não me cabe conceber nenhuma necessidade tão
importante durante a infância de uma pessoa que a necessidade de sentir-se
PROTEGIDO por um pai’. E a violência doméstica rouba isso dessas crianças e
adolescentes. É importante o acompanhamento psicológico à família afetada pela
violência ”, afirma.

Você sabe como a violência doméstica se configura nas dinâmicas familiares?

As mulheres que são vítimas de violência doméstica possuem medo do agressor,


vergonha da família de origem e a culpa por ter escolhido um homem abusador
como companheiro e pai de seus filhos, além da situação financeira que geralmente
é a que mais pesa na hora de tomar uma decisão, pois muitas dessas mulheres não
tem como sustentar seus filhos, a maioria são dependentes financeiramente do
agressor/abusador.

Um dos fatos que também fazem com que a vítima permaneça nessa relação, é
acreditar que é responsável pelos atos de violência e pensar que merece ser tratada
dessa forma. Isto se deve a manipulação que o agressor faz, geralmente se
vitimando, chorando e agindo com remorso após o ato de violência. Dessa forma, ao
passo que os atos vão se tornando diários, tudo passa a ser tratado com
normalidade.
Confira os tipos de violência doméstica:

Violência Física: espancar, dar tapas, socos, chutes, empurrões, sufocar, mutilar,
usar armas.

Violência Psicológica: xingar, perseguir, ameaçar, intimidar, chantagear.

Violência Sexual: obrigar a ter relações sexuais, forçar a engravidar ou a abortar.

Violência Patrimonial: controlar o dinheiro, o salário, estragar ou quebrar bens


estimados da vítima.

Violência Moral: humilhar e expor intimidade à frente dos outros.

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