Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Seres Híbridos
Rogerio Migliorini
Resumo
Até mesmo diante da grande mutação das coisas na contemporaneidade
o resgate do pensamento do teólogo Paul Tillich se faz extremamente
atual, como em relação à tecnologia, à arte, ao sagrado dentre outros,
permitindo, inclusive, um diálogo com a questão do hibridismo próprio
da pós-modernidade. Diante disso, é estabelecida neste texto, uma dis-
cussão de um elenco de conteúdos aparentemente desconexos inspirados
pela novela de M. Shelley, possibilitando sua integração em um todo
orgânico.
Palavras-chave: Mary Shelley, Paul Tillich, Hibridismo, Frankenstein,
Quíron, Prometeu, Natureza, Cultura.
Abstract
Even in the presence of the great changes that occur in actuality, the
recovery of Paul Tillich’s thoughts is extremely up-to-date, as they are
related to technology, arts, and the sacred, as well as to other subjects.
They provide a dialog with hybridism, an issue concerned with post-
modernism. Therefore, even though in this text we deal with a set of
issues apparently disconnected from each other, they all spring out from
the reading of Mary Shelley’s novel and so they are integrated into an
organic whole.
Key-words: Mary Shelley, Paul Tillich, Hybridism, Romanticism, Fran-
kenstein, Chiron, Prometheus, Nature, Culture.
Introdução
1. Arte e religiosidade
Paul Tillich diz que o homem de nossa época perdeu a dimensão
de profundidade, o que significa dizer que ele não tem mais respostas
para as perguntas de qual é o significado da vida.
Segundo ele, originalmente a religião e os símbolos forneciam
respostas a essas questões. Porém, na atualidade, a religião institucio-
nalizada somente o faz superficialmente. A arte, contudo, faz perguntas
existenciais profundas e as responde de acordo. Assim, está imbuída
de uma religiosidade real.
1.5 Frankensteis e eu
Peço desculpas por tomar-me como um exemplo, mas creio que
aqui cabe fazê-lo. Assim, entre outras características, a que desejo
ressaltar em primeiro lugar, é uma hibridação física na forma de uma
pequena deficiência que eu tenho nos membros superior e inferior de
um dos lados do corpo. Entendo que essa hibridação existe no sentido
de que essa deficiência além de não ser pronunciada, só fica realmente
evidente quando eu estou em movimento. Sendo assim, a conseqüência
mais direta disso, é que para quem não tem deficiência ou quando não
eu estou parado, posso ser – e quase sempre sou - considerado uma pes-
soa com deficiência física. Porém, por não ter crescido com deficiência
nenhuma, ter subido em árvores, ido a bailes e não ter freqüentado uma
escola especial e nem tampouco usar bengala, muleta ou cadeira de
rodas, posso ser – e novamente, quase sempre sou - considerado uma
pessoa sem nenhuma deficiência por pessoas com uma deficiência de
nascença ou grave ou por pessoas que pensam que afirmando isso me
consola e me amam.
Considerações finais
Assim, mesmo que como “prometeus” e “quírons” soframos de
uma tortura eterna ou que como “frankensteins”, a angústia tome conta
de nós, espero que não busquemos solucionar nossa angústia como a
criatura romântica, nos auto-imolando em uma pira funerária — ou
Bibliografia
BLOOM, Harold (posfácio). In: Mary SHELLEY: Frankenstein. 3. ed., Porto
Alegre, L&PM, 1985
BRADBURY, Ray. O Vinho da Alegria. Trad. Maria Cláudia Fitipaldi. São
Paulo, Editora Best Seller, s/d.Original inglês: Dandelion wine. New York,
Bantan Books, s/d.
CANCLINE, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair
da modernidade. 2. ed., São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo,
1998.
CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos, São Paulo, Moraes, 1984.
HIGUET, Etienne. A teologia “apologética” da cultura de Paul Tillich: profun-
didade e superfície na busca de sentido. Revista Eletrônica Correlatio (www.
metodista.br/correlatio). n. 8 (outubro de 2006).
LE BRETON, David: A síndrome de Frankenstein. In: Denise Bernuzzi de
SANT’ANA (org). Políticas do Corpo. São Paulo, Estação Liberdade, 1995.
MIGLIORINI, Rogério. Frankenstein e eu. Texto não publicado, 2000.
________. Release. Texto de divulgação de “Dorme, Dorme, Frankenstein”,
1991 (rev. em 2004/2006).
REINHART, Melaine. Quíron e a jornada em busca da cura: uma perspectiva
astrológica e psicológica. Rio de Janeiro, Rocco, 1993.
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Trad. Miécio Araújo Jorge Honkins. Porto
Alegre, L&PM, 1985. Original inglês
________. Frankenstein. Oxford, Oxford University Press, 1969.
TILLICH, Paul. Capítulo 2. In: The spiritual Situation in our Technical Society.
Macon, Mercer University Press, 1988, p. 42-7.
________. A coragem do desespero na arte e na literatura contemporâneas. In:
A coragem de ser. 6 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p; 111 -5..
NOTAS
[1] Rogério MIGLIORINI. Release. Texto de divulgação de “Dorme,
Dorme, Frankenstein”, 1991 e revisado em 2004 e 2006..
[2] Rogério MIGLIORINI. Release. Texto de divulgação de “Dorme,
Dorme, Frankenstein”, 1991 e revisado em 2004 e 2006..
[3] David LE BRETON: A síndrome de Frankenstein. In: Denise Ber-
nuzzi de SANT’ANA (org). Políticas do Corpo.
[4] Harold BLOOM (posfácio). In: Mary SHELLEY; Frankenstein.
[5] Rogério MIGLIORINI. Frankenstein e eu. Texto não publicado, 2000.
[6] Rogério MIGLIORINI. Frankenstein e eu. Texto não publicado, 2000.
[7] Ibid.
[8] Penso em hibridação no sentido definido por Cancline de que as-
pectos contrastantes convivem lado a lado simultaneamente.
[9] Etienne HIGUET. A teologia “apologética” da cultura de Paul Tillich:
profundidade e superfície na busca de sentido. In: Revista Eletrônica
Correlatio (www.metodista.br/correlatio). n. 8 (outubro de 2006)
[10] “Strange Fish” é o título de uma coreografia do grupo de dança
contemporâneo inglês DV 8. Aliás, esse grupo também é híbrido., uma
vez que trabalha simultaneamente as linguagens da dança e do cinema.
[11] Traduções livres do título.
[12] Referência ao livro 1984 de George Orwell.
[13] Em um primeiro instante, julguei que essa associação se referisse
somente à criatura. Porém, o criador, o cientista, também tem car-
acterísticas de ser híbrido, a começar pela relação de amor e ódio que
nutre por sua criatura que, por sua vez, é o resultado de um fascínio
do cientista pelo controle da natureza — ou do fogo que, outrossim,
era uma dádiva dos deuses —e do medo deste diante da grandeza da
natureza e da pequenez humana.
[14] c/f Melaine REINHART. Quíron e a jornada em busca da cura.
p. 46.
[15] Ibid. p. 26.
[16] Melaine REINHART. Quíron e a jornada em busca da cura.
p.26.
[17] Um centauro, por si só, já é um ser fisicamente híbrido por ter um
corpo que é meio animal e meio humano.
[18] Melaine REINHART, op.cit., p.51