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O USO DE FONTES

NA COBERTURA
POLICIAL NO
JORNALISMO
ONLINE NO
AMAPÁ: ESTUDO
DOS SITES
G1 AMAPÁ E
SELESNAFES.COM

[ ARTIGO ]
Antonio Carlos Sardinha
Abinoan Santiago
[ RESUMO  ABSTRACT  RESUMEN ]

Este trabalho dedica­‑se a estudar como as fontes jornalísticas são usadas pelos sites G1
Amapá e SelesNafes.com nas matérias de cobertura policial. A análise quantitativa
e qualitativa demonstra amplo predomínio do uso das fontes oficiais pelos veículos
de comunicação em foco, deixando em evidência, na maioria das vezes, apenas um
lado da versão sobre determinado fato. O referido estudo aponta para os riscos
que os portais de notícias podem ter ao utilizar e confiar somente nas informações
repassadas por fontes oficiais, afetando diretamente na vida dos atores envolvidos, a
exemplo de uma condenação ou absolvição prévia.

Palavras­‑chave: Jornalismo. Polícia. Fontes Jornalísticas. Amapá.

This article is dedicated to study how journalistic sources are used by G1 Amapá
and SelesNafes.com on police news. The quantitative and qualitative analysis
demonstrates a frequente use of official sources by the medias, leaving in evidence,
in most cases, only one version of a fact. This study points to the risks to which the
news portals are exposed when using and relying only on information provided by
official sources, affecting directly the lives of the actors involved, such as previous
conviction or acquittal.

Keywords: Journalism. Police. Journalistic Sources. Amapá.

Este trabajo se dedica a estudiar cómo las fuentes periodísticas son utilizadas por los
sitios “G1 Amapá” y “SelesNafes.com” en materia de cobertura de la policía. El aná‑
lisis cuantitativo y cualitativo demuestra el uso más frecuente de fuentes oficiales,
dejando en evidencia, en la mayoría de los casos, sólo una versión del hecho en las
noticias. El estudio señala el riesgo que los portales de noticias pueden tener por uti‑
lizar y confiar únicamente en la información transmitida por las fuentes oficiales,
que afectan directamente la vida de los actores implicados, por ejemplo, con condena
o absolución previa.

Palabras clave: Periodismo. Policía. Fuentes periodísticas. Amapá.


[ EXTRAPRENSA]  O uso de fontes na cobertura policial no jornalismo online no Amapá  179

INTRODUÇÃO

Uma das características da estrutura da no‑ das fontes no trabalho de reportagem é uma
tícia é o uso de fontes jornalísticas, segundo forma de observar a qualidade da produção
Lage (2002). Elas podem ser classificadas de da informação, ao considerarmos que a plu­
diferentes formas e são comuns na constru­ ralidade de discursos em torno de um fato
ção de um texto informativo, com sua utili­ noticioso pode ser traduzida em um debate
zação na forma direta ou indireta. de interesse coletivo pela configuração do
jornalismo como espaço para confrontos
As fontes, no entanto, não eram usa­ discursivos (CHAPARRO, 2001).
das no passado de maneira semelhante aos
tempos atuais. Charron e Bonville (2004) Com base na importância da fonte
dizem que uma das fases iniciais do jor­ para construção do jornalismo como lin­
nalismo adaptada às demandas sociais foi guagem do conflito nos termos assinalados
o “jornalismo de transmissão”, surgido no acima, este trabalho propõe analisar o uso
século XVII e que tinha como função re­ e tipologia das fontes utilizadas nas cober­
passar a informação das fontes diretamen­ turas policiais do G1 Amapá e SelesNafes.
te ao público, sem alterações de conteúdo. Com. O estudo analisou de maneira quali­
Ou seja, consistiam nas chamadas gazetas tativa e quantitativa as matérias produzi­
feitas em impressoras com o “objetivo de das no período de 1º a 10 de abril de 2015,
difundir correspondências, anúncios e in­ com a proposta de identificar a presença e o
formações em geral” (SOUSA, 2014, p. 3). perfil das fontes.

Somente com o surgimento da figu­ Os dois veículos são usados neste tra­
ra do repórter, por volta de 1870, passou­ balho por terem as maiores audiências de
‑se a utilizar efetivamente as fontes como sites de notícias no estado do Amapá. A
fornecedoras de informações, deixando o soma de acessos de ambos chega a quase
jornalista à margem da opinião nos textos dois milhões de usuários mensais, segundo
considerados informativos, segundo Cha­ dados fornecidos pelos próprios veículos.
laby (2003). Ele acrescenta que a criação Além disso, eles têm a cobertura policial de
do posto de repórter ocorreu a partir da ca­ maneira diária, com publicação de textos
racterística funcional de ir atrás da notícia, noticiosos sobre fatos envolvendo casos de
considerando fatos de relevância social. polícia. Para fins de análise, foram colhidas
matérias jornalísticas de ambos.
Como o passar do tempo, o jornalis­
mo sofreu mudanças, mas as fontes per­ Além disso, os conteúdos jornalísti­
maneceram como as principais formas de cos da editoria de Polícia produzidos pelos
conseguir informações. Para Wolf (1999), sites atendem aos critérios de noticiabilida­
as fontes são um fator determinante para de mais básicos, sobretudo porque o meio
a qualidade da informação produzida pelos digital requer atualização rápida e dinâ­
meios de comunicação de massa. Nesse sen­ mica. Sobre os critérios de noticiabilidade,
tido, conhecer o modo de uso e a natureza Traquina (2005) pontua que a exemplo da
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“proximidade”, caracterizada pelo caráter principais matérias­‑primas para a referida


geográfico do acontecimento; a “morte” des­ editoria, com presença constante em noti­
perta interesse fundamental para o jorna­ ciários. A afirmação é sustentada por Sobri­
lismo; além disso, o fato policial carrega a nho (1995), que avalia o jornalismo policial
“novidade”, que para o autor é o relato de um como estilo “ligado ao homicídio, à morte e
acontecimento novo do dia­‑dia da comuni­ ao sangue derramado. O sangue representa
dade, provocando a curiosidade; estende­‑se simbolicamente esse gênero de imprensa”
no “tempo”, exigindo o desdobramento em (SOBRINHO, 1995, p.64).
outras publicações, com o acompanhamen­
to do caso; e caracteriza­‑se pelo “inesperado”, O estudo elegeu a análise das fon­
fundamentado pelo fato sem previsibilidade tes pela importância que elas assumem na
ter mais chances de se tornarem notícias. produção jornalística, sendo elemento im­
prescindível para definir a natureza, carac­
A cobertura policial é destaque na terísticas e qualidade do agendamento de
imprensa pela forma sensacionalista, ten­ um tema, apontando o tratamento público
do como pioneiros os jornais franceses do (ou não) por parte do jornalismo.
século XIX, que tinham muito sucesso pela
forma como repassavam as notícias aos lei­ Lage (2002) corrobora com o autor
tores. Eram estampados nas capas “crian­ ao afirmar que o jornalista não é a fonte da
ças martirizadas ou violadas, parricídios, notícia produzida, mas sendo o profissional
cadáveres cortados em pedaços, queimados que apura as informações a fim de resultar
ou enterrados” (SOBRINHO, 1995, p. 13). em um texto a ser apreciado pelos recepto­
res da mensagem.
Sensacionalismo é tornar sensacional um
fato jornalístico que, em outras circuns­ A mensagem é codificada e através do ca­
tâncias editoriais, não mereceria esse tra­ nal, vai da fonte ao receptor. Ressalvamos
tamento. Como o adjetivo indica, trata­‑se o fato de que o sistema produtor de notí­
de sensacionalizar aquilo que não é ne­ cias não é em sentido absoluto uma fonte,
cessariamente sensacional, utilizando­‑se mas um codificador inteligente, dotado
para isso de um tom escandaloso, espa­ de competência definida para intervir na
lhafatoso. (SOBRINHO, 1995, p. 10). mensagem. Ao codificá­‑la, o receptor não
é único, mas plural, indefinido e atuante.
Sobrinho (1995) reforça a tese de que Fontes e receptor estão imersos no meio
o sensacionalismo usado pelo jornalismo social. (LAGE, 2002, p. 25).
policial garante a audiência, corroborando
que tanto o leitor do jornal não sensaciona­ O uso de fontes no jornalismo é uma
lista quanto ao sensacionalista se interessa estratégia para imprimir veracidade aos fa­
pelo crime, tragédia ou catástrofe. tos narrados pelo repórter. A pluralidade de
fontes é fundamental por garantir a quali­
Além do sensacionalismo, a morte é dade do relato, considerando as múltiplas
uma das características mais latentes do leituras e abordagens sobre um mesmo fato
jornalismo policial. Souza (2009) diz que que são proporcionadas pela diversidade de
os crimes hediondos, por exemplo, são as discursos que circulam, por meio das fontes.
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As fontes são tipificadas por diver­ 2. D ESENVOLVIMENTO


sos autores. “As classificações possíveis são DA PESQUISA
muito diversas, de acordo com o parâmetro
a que se faz referência: por exemplo, po­
dem distinguir­‑se as fontes institucionais
das fontes oficiosas ou as estáveis por opo­ A pesquisa colheu informações sobre a na‑
sição às provisórias” (WOLF, 1999, p. 223). tureza das fontes das matérias da editoria
de polícia produzidas nos dez primeiros
Para Lage (2002), as fontes podem ser dias de abril de 2015 no G1 Amapá e Seles‑
tipificadas por oficiais, oficiosas e indepen­ Nafes.Com. O período foi escolhido de for­
dentes. A primeira é aquela que fornece in­ ma aleatória por se tratar de um estudo de
formações em nome do Estado, empresas, caráter exploratório a fim de analisar o uso
organizações e classes sindicais. As oficio­ das fontes nos conteúdos publicados.
sas são as que possuem relação formal com
determinada instituição, no entanto, sem O percurso metodológico inclui a
poder de representação. No caso das inde­ análise de conteúdo (FONSECA JUNIOR,
pendentes, são fontes sem relação direta 2011), tomando como referência a editoria
com o referido caso. Conforme Wolf (1999), especializada em cobertura policial de am­
Gans classificou as fontes em institucio­ bos os sites noticiosos. A partir da seleção
nais, oficiais, oficiosas, provisórias, passi­ do material, observou­‑se especificamente
vas, ativas, conhecidas e desconhecidas. a utilização de fontes nas notícias publica­
Segundo ele, todas têm sua característica e das, considerando Schmitz (2011).
importância de acordo com a exigência de
determinada situação. De imediato a proposta foi verificar
qual a predominância de fontes utilizadas.
Ainda sobre a tipificação de fontes, O pressuposto da análise de cobertura é
Schmitz (2011) diz que elas podem ser ofi­ verificar a natureza e características gerais
ciais, empresariais, institucionais, popula­ do agendamento da pauta de segurança
res, notáveis, testemunhais, especializadas pública pelos portais, a partir da origem e
e referências. tratamento das informações pelos repórte­
res, na perspectiva de observar o fluxo de
Cabe ressaltar que apesar da nomen­ informação policial no jornalismo on line
clatura diferente na tipificação das fontes, do Amapá, considerando a inserção e im­
em todas as divisões existem as fontes ofi­ portância desses veículos digitais na esfera
ciais que, segundo Schmitz (2011), são aque­ jornalística local.
las que ocupam determinado cargo público
que representam órgãos do Estado, sejam Foram observados os tipos de fontes
eles do legislativo, executivo ou judiciário, usadas no G1 Amapá e SelesNafes.Com e
além de entidades com relação direta ou a relação entre elas pela busca do contra­
indireta com os poderes. A fonte oficial “é a ditório e pluralidade dos pontos de vistas
preferida da mídia, pois emite informação observados com as fontes nos referidos
ao cidadão e trata essencialmente do inte­ fatos noticiados, levando em consideração
resse público” (SCHMITZ, 2011, p. 25). que “a melhor forma de atrair o público
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para as notícias é oferecer­‑lhe um relato A busca pela imprensa às fontes oficiais


equilibrado das questões” (COMASSETTO, gera um risco de dependência, colocando a
2003, p. 43). polícia como instituição de agendamento da
pauta noticiosa. Coronel da Polícia Militar e
A análise do objeto de estudo se deu presidente do Fórum Brasileiro de Seguran­
pelos tipos de fontes citadas nos textos pu­ ça Pública, Augusto Severo (VEIGA, 2008),
blicados no G1 Amapá e SelesNafes.Com. diz que a legitimidade do uso frequente da
Com base nas informações coletadas em polícia como fonte principal é dada pela opi­
ambos, um quadro demonstrativo foi mon­ nião pública como resultado do reflexo das
tado para ilustrar quais são as fontes mais próprias escolhas feitas pela imprensa nas
comuns nas matérias de polícia, de acordo coberturas dos fatos. “Quem nos ajuda a for­
com a classificação definida Schmitz (2011). mar a opinião pública é a imprensa. Por isso,
é importante que sejamos capazes de esta­
Em linhas gerais, a preferência por belecer relações de compreensão entre re­
fontes oficiais na mídia é observada de pórteres, editores e policiais” (SEVERO apud
forma qualitativa e quantitativa nos por­ VEIGA, 2008, p. 11).
tais de notícias analisados. Mesmo com
a variedade de fontes, conforme citadas Pacheco (2005) comenta que a edito­
anteriormente, o G1 Amapá e SelesNafes. ria policial é uma das mais difíceis de fa­
com optam pela versão da polícia em ampla zer cobertura por causa do contexto social
maioria das notícias publicadas no período que às vezes o jornalista deve se atentar
de análise, colocando em risco a credibili­ ao relatar um fato ao público. Ele critica o
dade e veracidade dos fatos estampados discurso usado pela imprensa quando o as­
nas páginas dos portais. sunto é tratado pela falta de esclarecimento
da população por parte da mídia.
Em uma cobertura policial, em que
determinados fatos são considerados com­ O discurso dos repórteres e apresenta­
plexos na interpretação de propagação dores de programas policiais não condiz,
das informações colhidas pelos jornalistas na maior parte, com a própria realidade
por envolverem mais de um ator no fato, do que está sendo praticado. Atualmen­
a visão policial escolhida como fonte pelo te, a mídia não está cumprindo com a sua
jornalista, fica evidente pela facilidade principal função, que é a de esclarecer a
das fontes oficiais no acesso aos meios de opinião pública e de levar conhecimento
comunicação em razão da autoridade que e cultura à sociedade em que está inseri­
exercem na sociedade. da. (PACHECO, 2005, p. 15 e 16).

Os jornalistas preferem as fontes ofi­ Melém (2011) corrobora sobre a com­


ciais porque são mais fáceis de contatar plexidade da cobertura policial. A autora
e porque são consideradas tanto mais in­ afirma que o discurso do jornalista pode
formadas como mais credíveis. Fishman ser considerado como uma tarefa diária dos
(1980) concluiu que a dependência dos profissionais de redação para poder escrever
jornalistas das rotinas também influen­ de forma compreensível para todos os tipos
cia a sua análise das notícias. (TRAQUI­ de público sobre roubos, furtos, sequestros,
NA, 2005, p. 121). assaltos e homicídios, por exemplo.
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As fontes oficiais, na maior parte das TV Globo e Rede Amazônica. A redação


vezes, repassam ao repórter o aconteci­ nacional do G1 fica em São Paulo, mas o
mento, mas não com uma visão jornalís­ portal mantém sucursais no Rio de Janeiro
tica de forma isenta. Dessa forma, pode e em Brasília, além de filiais nos 26 estados
a notícia perder em qualidade, uma vez brasileiros e Distrito Federal.
que o repórter apresenta dificuldade para
relatar o fato. Além disso, é fácil ocorrer O site SelesNafes.Com foi fundado
equívocos na veiculação da notícia. (PA­ em dezembro de 2013, segundo o próprio
CHECO, 2005, p. 20). responsável pelo portal, o jornalista Seles
Nafes, para ser inicialmente um blog. Mas
Antes da análise da amostra de fontes a produção feita pelo veículo resultou na
colhida nos sites G1 Amapá e SelesNafes. modificação do perfil para um site de notí­
Com, cabe apresentar um breve histórico cias cotidianas. Atualmente, conta com seis
desses objetos de estudo. jornalistas e três articulistas, que escrevem
artigos semanais para o site, que também
conta na equipe com o suporte tecnológico
de um web designer e uma empresa espe­
cializada. O veículo cobre política, polícia,
3. SITES PESQUISADOS cidades, cultura, comportamento e empre­
go. São mais de 500 mil acessos mensais, de
acordo com o anúncio na home.

O site G1 Amapá foi lançado em 7 de junho Entre 1º a 10 de abril de 2015, o G1


de 2013. Com uma equipe de 12 jornalistas, o Amapá e SelesNafes.com utilizaram de
portal possui em média 1,2 milhão de acessos forma bastante frequente as entrevistas
mensais, segundo informações fornecidas oficiais como fontes de informações nas
pela sua coordenadora, Lorena Kubota, du­ matérias de coberturas policiais. Foram
rante entrevista concedida aos autores no dia produzidos 60 textos, sendo 38 no G1 Ama­
16 de abril de 2015. O veículo cobre notícias pá e 22 no SelesNafes.Com. Afim de ana­
do cotidiano, política, meio ambiente, cultura, lisarmos cada texto publicado, elegemos
polícia, dentre outras editorias locais, a exem­ categorias de fontes utilizadas por Schmitz
plo do esporte, que possui hospedagem com (2011) para elaborarmos um quadro para
endereço próprio: globoesporte.com/ap. identificar quantitativamente a predomi­
nância das fontes.
O site faz parte do portal G1, lança­
do em 2006, e que atualmente têm filiais De acordo com os dados coletados,
em mais de 40 cidades do país. Os sites em podemos dividir as fontes predominante­
âmbito nacional e regional também bus­ mente em três categorias dentre as elen­
cam relação com o jornalismo da TV Globo cadas por Schmitz (2011): a oficial, popular
(nacional) e Rede Amazônica, no caso do e testemunha. Na primeira, o estudo uti­
Amapá. As redações compartilham, ainda, liza a Polícia Militar, Corpo de Bombeiros
o acesso a um mesmo servidor que reúne e Polícia Civil por desempenharem “fun­
informações como matérias, agenda de ção ou cargo público que se pronuncia por
contatos, espelhos e pautas de jornais da órgãos mantidos pelo Estado e preservam
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os poderes constituídos” (SCHMITZ, 2011, Quantitativamente, os 60 textos pro­


p.25); na segunda estão familiares, suspeitos duzidos reuniram o total de 72 fontes pelos
e vítimas tendo em vista que suas manifes­ veículos. Dessas, 52 eram oficiais, correspon­
tações falam por si mesmo, sem vinculo com dendo a 72.2%. As outras fontes usadas com
qualquer institução ou grupo social; como mais frequências foram as populares, com
testemunhal estão as pessoas que presen­ 22.2% e testemunhais, com apenas 5.6%. Não
ciaram o fato, entrevistadas pelos veículos foram identificadas outras classificações nos
e usadas textualmente nos conteúdos. Para textos analisados, a exemplo de advogados
o referido autor, esse último tipo de fonte é ou especialistas em segurança pública, que
usado como álibe pelo jornalista em razão da poderiam ser enquadrados como “notáveis”
possibilidade da ser um agente portador do e “especializadas”, respectivamente, confor­
relato da realidade do acontecimento, ser­ me definição de Schmitz (2011). O quadro
vindo para preencher lacunas da apuração. abaixo ilustra as informações.

[ TABELA 1 ] QUANTIDADE E TIPOS DE FONTES USADAS


NO PERÍODO DE 1º A 10 DE ABRIL DE 2015

FONTES G1 SELESNAFES.COM TOTAL %

Oficiais 34 18 52 72.2%
Populares 11 5 16 22.2%
Testemunhais 1 3 4 5.6%
Total 46 26 72 ­‑­‑

Fonte: Autores, 2015.

A predominância das fontes policiais, mostra a relevância dada pelo veículo à


que neste caso, são oficiais, é evidente. Es­ fonte oficial logo na chamada do texto. A
sas mesmas fontes aparecem em 52 textos. matéria foi uma suíte de um assalto ocor­
Por causa da grande quantidade de produ­ rido no dia anterior, na casa de um empre­
ção do período em foco, este trabalho des­ sário em Macapá. O portal buscou o policial
tacou matérias que tiveram repercussão que acompanhou o fato para tentar uma
em número de acessos para mostrar como novidade do caso, conforme o trecho a se­
essas fontes são usadas pelo G1 Amapá e guir e não expôs no texto demais versões
SelesNafes.Com. do crime, com as vítimas e testemunhas,
por exemplo.
Na matéria publicada em 10 de abril
pelo G1Amapá com o título “Empregada O tenente Wendel Gonçalves, do Bata­
doméstica participou de assalto, diz polícia” lhão de Operações Especiais (Bope), disse
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que o envolvimento da doméstica foi des­ fornecido ter grande probabilidade de ser
coberto após a prisão dos suspeitos em mais confiável e ter mais credibilidade, mas
um supermercado na Zona Norte onde por outro lado pondera que apesar de ser
ocorreu a troca de tiros. “Todos estavam considerada uma versão oficial, as mesmas
com armas de fogo e entraram na casa informações devem ser checadas exausti­
após serem avisados por ela através de vamente com outras óticas dos referidos
mensagens. Outras três pessoas estavam fatos apurados.
no imóvel, a filha do dono e mais dois ho­
mens de uma empresa de limpeza de cen­ Ao justificar o domínio das fontes
tral de ar. Eles foram amarrados e agredi­ oficiais pela facilidade de acesso aos jor­
dos”, detalhou. (G1 AMAPÁ, 10/04/2015). nalistas, Wolf (1999) cita novamente Gans
para explicar que os detentores do poder
Na matéria “Aposentado preso teria político e econômico têm acesso mais fácil
comprado menina de 10 anos por R$ 6 mil, aos jornalistas; ao contrário dos que não
no AP”, o site G1 Amapá também usa a polí­ tem detêm esse poder, que dificilmente se
cia como fonte principal no texto publicado transformam em fontes, a não ser que suas
em 10 de abril. Neste caso, o veículo utiliza a ações produzam efeitos noticiáveis negati­
fonte na forma indireta para relatar o depoi­ vos do ponto de vista moral ou social.
mento de um idoso suspeito de comprar uma
criança de dez anos ao valor de R$ 6 mil. Além disso, acrescenta o autor, a re­
petição das fontes oficiais pode ser expli­
Segundo a polícia, o homem contou em cada também pela probabilidade de tê­‑las
depoimento que levaria a menina em como fontes de informações em outra oca­
troca de dinheiro para colocá­‑la para es­ sião e pelo próprio interesse das oficiais em
tudar e para que a menina lhe auxilias­ serem usadas pelos jornalistas.
se em trabalhos domésticos em uma co­
munidade ribeirinha paraense. Exames A vantagem indicada refere­‑se ao fato
da Polícia Técnico­‑Científica (Politec) do de as fontes, que, em outras ocasiões for­
Amapá não apresentaram indícios de neceram materiais credíveis, terem boas
violência física ou sexual na garota. A probabilidades de continuarem a ser uti­
negociação teria ocorrido há oito dias. lizadas, até se transformarem em fontes
Os pais da criança não foram localizados regulares. Do ponto de vista do interesse
pela polícia. (G1 AMAPÁ, 10/04/2015). da fonte em ter acesso aos jornalistas, os
fatores relevantes parecem ser quatro:
Com base nesses dois exemplos de a. os incentivos; b. o poder da fonte; c. a
textos do G1 Amapá, é claro o domínio das sua capacidade de fornecer informações
fontes oficiais nas construções dos textos credíveis; d. proximidade social e geográ­
jornalísticos. Além da facilidade de acesso à fica em relação aos jornalistas (WOLF,
polícia, como já mencionado por Traquina 1999, p. 99).
(2005), essa característica de uso frequen­
te das fontes oficiais também pode ser ex­ Lage (2002), no entanto, ressalta que
plicada por Wolf (1999). Ele avalia os dois o jornalista acaba criando o hábito de acre­
lados dessa utilização, acreditando ser van­ ditar que fontes oficiais são confiáveis, tor­
tajoso optar por elas por causa do material nando a repetição delas um vício praticado
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nas redações. Para ele, a mentira resulta na Pereira Júnior (2006) acrescenta que
ocupação estratégica nas intervenções de as fontes defendem seus interesses, quesi­
personalidades ou instituições, quando estão to fundamental que o jornalista não deve
em jogo interesses particulares ou coletivos. esquecer ao avaliar o uso de uma fonte na
produção de um conteúdo. Ele ressalta que
A utilização das fontes oficiais de for­ Nelson Traquina (2005) comenta sobre os
ma repetitiva evidencia a dependência por critérios a serem utilizados para analisar as
essa modalidade de fonte para produção do fontes, que são a hierarquia da autoridade,
conteúdo noticioso. Além disso, o uso de­ a produtividade e a credibilidade.
las pode resultar na falta da capacidade de
analisar uma notícia. Hierarquia da autoridade – A respeitabili­
dade da origem da informação é um fator
É preciso muito cuidado para não cair no de grande apelo para jornalistas que pre­
círculo vicioso da hierarquia rígida en­ ferem fazer referências a fontes oficiais
tre as fontes de informação, dar trela a ou que ocupam posições institucionais
oficialismo ou lobbies e fazer do veículo de autoridade. Quanto mais prestigio for
de informação uma tribuna para o jorna­ o título ou a posição da pessoa, maior a
lismo declaratório, aquele que se satisfaz confiança em sua autoridade. A produti­
com declarações de celebridade, políticos vidade – Fontes institucionais fornecem
e empresário, pouco importa se sustenta­ materiais muitas vezes suficientes para
das em fatos, por isso, analisar as fontes uma notícia, poupando tempo e esforço
implicadas na notícia e as fontes secun­ dos repórteres, que dispensam o trabalho
dárias ajuda a estruturar uma estratégia de procurar muitas. (PEREIRA JÚNIOR,
geral de abordagem do tema. (PEREIRA 2006, p. 81 – 82).
JÚNIOR, 2006, p. 82 – 83).
A preferência pelas fontes oficiais leva
Esse vício mencionado por Lage (2002) o jornalista a confiar em informações que
e Pereira Júnior (2006) é possível observar podem ser consideradas arriscadas em ter­
também na prática quando são analisados mos de credibilidade, conforme explicado
os dados da pesquisa. É verificado que o uso por Traquina (2005) e Pereira Júnior (2006).
da polícia como fonte oficial resultou em re­
petições da utilização somente em um único Essa problemática sobre a credibili­
parágrafo, como aconteceu no texto “Ho­ dade das fontes pode ser exemplificada na
mem é preso com 700 gramas de maconha matéria “Idoso é suspeito de comprar meni­
em Macapá”, publicado em 3 de abril, no G1 na de 10 anos”, publicada pelo SelesNafes.
Amapá. A reportagem, que conta a prisão de Com, em 10 de abril de 2015. O veículo usa
um suspeito de tráfico de drogas, é sustenta­ a fonte oficial da polícia para expor o que
da totalmente no discurso policial, a exemplo o suspeito envolvido no crime relatado na
do trecho “Segundo a polícia, os PMs faziam matéria poderia ter falado às equipes de se­
patrulhamento de rotina na Avenida Caubi gurança pública no momento da prisão.
Sérgio Melo com Alameda José Viana, quan­
do avistaram o suspeito, que tentou fugir, de Casca Grossa confessou tranquilamente
acordo com a PM, quando viu a viatura” (G1 que deu R$ 6 mil para os pais da menina. A
AMAPÁ, 03/04/2015). garota disse aos policiais que já estava com
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ele há oito dias e que ele já havia tentando to é o que mais corresponda ao órgão de
acariciar as partes íntimas dela, contou o imprensa, quando se trata de apresentar
aspirante Cecílio Costa, do BRPM. (SELES­ uma realidade de forma “positiva”, isto é,
NAFES.COM, 10/04/2015). de maneira que o leitor não apenas acre­
dite nela, mas a aceite e adote. (BIONDI,
Exemplo semelhante ocorreu na maté­ 2003, p. 30).
ria “’Eu queria comprar roupas’, diz assaltante
da Unimed”, de 7 de abril de 2015, no Seles­ Ao citar Cremilda Medina, Pereira
Nafes.Com. Também é usada a fonte policial Júnior (2006) corrobora com a tese da auto­
para dar a versão do envolvido no caso, que ra de que o uso das fontes oficiais de forma
na referida reportagem, foi o registro da pri­ única nos conteúdos é decisivo para deixar
são de uma universitária suspeita de assaltar o material superficial, sem relato de cenas
um hospital particular em Macapá. de quem presenciou determinado fato. Ao
priorizar as fontes oficiais, o repórter perde
Nós conseguimos informações através de a possibilidade de apresentar relatos huma­
uma denúncia anônima dando conta que nos que são fundamentais para construir
July se encontrava na casa dos pais, onde significados sobre os fatos narrados.
foi buscar alguns pertences. Quando che­
gamos à residência ela estava terminando Para Felipe Pena (2005), cada fonte
de guardar algumas roupas em uma saco­ tem uma intenção ao que vai ser declarado
la. Ela não resistiu à prisão e nem esboçou ao jornalista. Segundo ele, “como a boa fé
qualquer reação, detalhou o delegado que não é propriamente a característica mais
efetuou a prisão, Glemerson Arandes. (SE­ comum de determinadas fontes, princi­
LESNAFES.COM, 07/04/2015). palmente, as oficiais, ainda acredito que o
ceticismo é o principal elemento em nossa
As matérias que utilizam a fonte po­ relação com elas”, (PENA, 2005, p. 58). Sch­
licial como única versão do fato, inclusive mitz (2011, p.25) corrobora e também con­
sendo a voz dos demais envolvidos nos ca­ sidera que a fonte de caráter oficial pode
sos, corroboram com o que Pereira Júnior “falsear a realidade, para preservar seus in­
(2006) defende em relação à hipótese de as teresses ou do grupo político” que faz parte.
coberturas policiais não mostrarem o con­ Pereira Júnior (2006) exemplifica como não
traditório, tendo em vista a oportunidade se deve confiar somente em fontes oficiais.
de defesa dos suspeitos envolvidos no caso,
podendo afetar a opinião pública sobre os É o ápice do ceticismo, que Protess aplica
fatos. Na medida em que a polícia possui ao estudo de casos de pena de morte. A
as interpretações e visões sobre os casos, premissa é que as fontes oficiais (a polícia,
pode­‑se haver uma condenação ou absol­ os advogados e os tribunais, por exemplo)
vição prévia com base somente no depoi­ são sempre suspeitas e deve­‑se chegar
mento das fontes oficiais direcionado pela mais perto das fontes básicas (suspeitos
imprensa ao público. descartados, testemunhas, o condenado).
(PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 91).
No lugar dos fatos uma versão, sim, mas
de preferência a versão oficial. (...) a ver­ A predominância das fontes oficiais
são oficial da autoridade, cujo pensamen­ na cobertura policial tem relação com a
1 88  O uso de fontes na cobertura policial no jornalismo online no Amapá  [ EXTRAPRENSA ]

perspectiva apontada em Gomes (2003) de designar um poder eficiente por torná­‑lo


que as mídias são dispositivos de controle mais rápido, leve e eficaz (GOMES, 2003).
e disciplina na sociedade. A linguagem jor­
nalística mais do que representar os fatos Esse pré­‑julgamento que os envol­
narrados, acabam por construir a realidade vidos podem ter com a veiculação do fato
na medida em que as palavras funcionam como notícia na cobertura policial “é capaz
como “dispositivo disciplinar, educando na de prejudicar a imagem da pessoa ou da
configuração por ela oferecida e nas articu­ instituição que cometeu erros ou infringiu
lações derivadas desta configuração” (GO­ normas”. (SOUZA, 2009, p. 3).
MES, 2003, p. 67).
Por despertar a atenção dos espectado­
A cobertura sobre a violência, portan­ res, o “interesse do público” no jornalismo
to, tem um efeito que se distancia de uma policial pode cumprir o papel de reforçar
abordagem contextual e aprofundada sobre valores humanos e sociais, demonstran­
o sentido que permeia os fatos retratados do o que é certo ou errado fazer, além de
na cobertura policial. Nesse apagamento complementar os efeitos do “interesse
que desconsidera as contradições envolven­ público”, ao sensibilizar cidadãos em tor­
do a produção social da violência, estão as no de uma determinada questão. (SOU­
palavras de ordem como disciplinadoras, ZA, 2009, p.8).
a exemplo das denominações de ‘bandi­
dos’, ‘sequestradores’ e ‘homicidas’, fazendo Souza (2009) completa afirmando que
com que a pessoa envolvida tenha um pré­ as matérias jornalísticas de “interesse do pú­
‑julgamento imposta pela interpretação ge­ blico” atuam como incentivo ao controle das
rada pela veiculação do fato pela mídia. autoridades e instituições envolvidas no cri­
me, pelos cidadãos receptores das mensagens.
As palavras de ordem como voz de or­
denação (...) opera por uma lógica da Caso a abordagem da violência de crimes
emancipação: da limpeza e da erradica­ bárbaros fosse superficial e rápida, a mí­
ção do mal, este último como produto dia passaria uma imagem de conivente
espontâneo sempre desviante. Passa­‑se com a dura realidade, como se o ocorrido
a borracha sobre o fato básico de que o fosse algo comum que não devesse ser
desvio supõe uma ordem instituída a se destacado. Ao abordar com frequência,
que se atribui uma naturalidade. Ora, a televisão cumpre sua função social de
nesse caso devemos pensar em desvios expor o que é certo ou errado, através
do que, de que ordem; devemos pensar a de um exagero que gera lucro. (SOUZA,
que remete essa fragmentação (GOMES, 2009, p.9)
2003, p. 71).
Apesar de predominância verificada
A partir desse entendimento, observa­ nos textos do G1 Amapá e SelesNafes.Com,
‑se na editoria de polícia que toda informa­ o estudo encontrou dois textos, sendo um
ção é uma palavra de ordem. As palavras em cada site, que utiliza um tipo de fon­
como efeitos tem uma ação performática te a mais além oficial, como acontece, por
e são colocadas a serviço da disciplina do exemplo na “Vela acesa em quarto pode
mecanismo, termo usado por Focault para ter causado incêndio que destruiu casa”,
[ EXTRAPRENSA]  O uso de fontes na cobertura policial no jornalismo online no Amapá  189

publicada em 8 de abril pelo G1 Amapá, que A fonte de qualquer informação nada


utiliza três fontes, o Corpo de Bombeiros, mais é do que a subjetiva interpretação
como oficial; uma testemunhal e a vítima, de um fato. Sua visão sobre determinado
como popular. acontecimento está mediada pelos “ócu­
los” de sua cultura, sua linguagem, seus
O tenente coronel do Corpo de Bombei­ preconceitos. E, dependendo do grau de
ros, Roberto Neri, conta que a família miopia, a lente de aumento pode ser di­
repassou as suspeitas aos bombeiros que recionada para seus próprios interesses.
foram ao local, ainda na terça­‑feira. Se­ (PENA, 2005, p. 57).
gundo ele, a família ainda não solicitou
a realização da perícia na residência. (...) A forma como a fonte oficial é usada
O morador Weverson Viana, de 41 anos, resulta até em críticas de autores sobre a
conta que as chamas iniciaram em um apuração das notícias. Pereira Júnior (2006)
quarto que estava trancado. (...) A autô­ diz que passar uma informação para o leitor
noma Elizângela Ramos, 40 anos, revela não é simplesmente repassar uma informa­
que os familiares tentaram salvar ob­ ção que uma fonte oficial tem a relatar para
jetos pessoais e móveis que estavam na uma matéria e excluir demais pessoas que
residência. Mas as chamas consumiram também podem ser incluídas no conteúdo.
a maior parte dos bens da família. (G1
AMAPÁ, 08/04/2015). Todo cuidado é, portanto, pouco para não
se flertar a indiferença, não fazer o jogo
No SelesNafes.Com, a utilização de das fontes ou transformar a assepsia ins­
mais fontes é verificada no texto “Psicóloga trumental em defeito ético. O risco em
é executada a tiros”, de 5 de abril de 2015. A cada um desses casos é, em parte, selecio­
matéria tem a presença de três fontes. Cada nar informações alheias que, no fundo,
uma foi utilizada para apresentar uma in­ são a de sua preferência e, com isso, pas­
formação diferente do caso, e não diferen­ sar opinião que, na verdade, é a sua – o
tes versões do mesmo fato. que significa, por exemplo, usar a fonte
especializada para passar recibo para a
Segundo testemunhas, dois homens ar­ sua pauta ou amealhar aspas desampa­
mados desceram de um carro e atiraram radas de fatos, apenas na celebridade de
contra Patrícia. (...) De acordo com o Cen­ quem as declara (que, em si, raramente
tro Integrado de Operações em Defesa garante informação consistente). (PEREI­
Social (Ciodes), na sexta­‑feira, 3, ela foi RA JÚNIOR, 2006, p. 94 – 95).
conduzida para a Delegacia de Crimes
Contra a Mulher (DCCM). (...) De acordo Pela falta do contraditório e pluralida­
com familiares, o motivo foi  uma bri­ de na cobertura policial, o jornalista Márcio
ga entre Daiane Patrícia  e a ex­‑esposa Pessoa entrevistado pelo pesquisador Pache­
do marido da psicóloga. (SELESNAFES. co (2005), diz que o jornalismo policial acaba
COM, 05/07/2015). perdendo a essência da responsabilidade de
informar com aprofundamento dos fatos.
Neste sentido, Pena (2005) reforça
sobre a importância da utilização de mais O jornalismo responsável tem como obje­
pontos de vistas sobre um caso. tivo propor uma investigação mais apro­
1 90  O uso de fontes na cobertura policial no jornalismo online no Amapá  [ EXTRAPRENSA ]

fundada dos fatos, coberturas mais am­ Nas matérias em que as testemunhas
plas e discussões mais democráticas, para são utilizadas, as pessoas são identificadas,
melhorar as condições culturais e sociais assim como os policiais e as delegacias en­
dos cidadãos. Apurar também com mais volvidas. Assim, este trabalho reforça a
fundamentação todas as notícias que são tese dos diversos autores citados neste arti­
veiculadas nos meios de comunicação, go, que apontam para dependência dos veí­
filtrando o que pode ou não contribuir culos de comunicação com as fontes oficiais
para melhorar o dia­‑a­‑dia das pessoas. e os riscos que isso pode causar.
(PESSOA apud PACHECO, 2005, p.22)
A utilização apenas da fonte oficial
pode comprometer a qualidade do material,
resultando até em uma condenação prévia
de um envolvido no caso, por exemplo, por
CONCLUSÃO causa da falta do contraditório e pluralida­
de nas versões sobre o ocorrido. Além dis­
so, a forma correta da produção jornalística
vai de encontro com a ética da profissão, fa­
Depois de analisar as matérias de maneira zendo o público formar uma opinião de um
quantitativa e qualitativa da editoria de po‑ fato diretamente ligada à forma como ela
lícia nos sites G1 Amapá e SelesNafes.Com, foi repassada pela imprensa. A mídia tem
é possível afirmar que ambos os veículos são o papel de formar cidadão, não se abstendo
dependentes de fontes oficiais no relato dos da deformação de um fato criminoso para
fatos policiais no Estado. causar prejuízos a determinada pessoa
apenas pelo motivo de não ter tempo hábil
O uso das aspas de fontes oficiais pe­ para apurar profundamente a informação.
rante o não uso de demais fontes sobre um Isto é, nos tempos atuais, são os jornalistas
fato acontece em mais de 70% dos conteúdos que devem se adequar a demanda da agili­
publicados entre 1º a 10 de abril, tornando dade da informação, e não o contrário.
os fatos com apenas uma versão, a relatada
pelas polícias, seja ela Militar ou Civil.

Em todos os textos, é perceptível a [ ANTONIO CARLOS SARDINHA ]


predominância de detalhes de como o fato Mestrado em Comunicação pela Universidade
aconteceu, onde ocorreu e quem se envol­ Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil (2011).
veu. A única visão dos fatos deixa em evi­ Doutorando da Universidade Estadual Paulista Júlio de
dência, também, a falta de preocupação Mesquita Filho.
do jornalismo local com o contraditório e Email: sardinhajor@yahoo.com.br
a humanização de relatos de pessoas que
podem ter presenciado ou se envolvido [ ABINOAN SANTIAGO ]
no caso, colocando até em risco as infor­ Bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal do
mações dos fatos colocados na matéria por Amapá. Mestrando do Programa de Pós-Graudação em
causa da possibilidade de existir outras ver­ Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
sões sobre elas. Email: abinoansantiago@gmail.com
[ EXTRAPRENSA]  O uso de fontes na cobertura policial no jornalismo online no Amapá  191

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