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CPTL - CÂMPUS DE TRÊS LAGOAS

HISTÓRIA – LICENCIATURA
FICHAMENTO

SOUZA, Fernando Lucas Garcia de. Pelos bons serviços prestados e em


razão do amor que lhe tenho: estratégias de luta dos escravos pela conquista
da alforria em Rio Grande (1820-1860). In: Sankofa. Revista de História da
África e de Estudos da Diáspora Africana Ano IX, NºXVII, agosto/2016.

Pg. 20 Pelos bons serviços prestados e em razão do amor que lhe tenho:
estratégias de luta dos escravos pela conquista da alforria em Rio
Grande (1820-1860)

Resumo: A intenção do artigo é discutir as diferentes estratégias utilizadas


pelos escravos para conseguir a liberdade através da manumissão, no
município de Rio Grande, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
de 1820 a 1860. Para isso, o autor faz uso de fontes disponíveis no Acervo
dos Tabelionatos de municípios do interior do Rio Grande do Sul, e do
diálogo com outros autores que pesquisam a mesma temática em diferentes
regiões.

Palavras-chave: Escravidão, Alforria, Rio Grande.

Introdução

Apesar de a manumissão ou alforria ser geralmente atingida por meio do


pecúlio, esta não era a única maneira.

Pg. 21 Podia haver também a renegociação com o senhor, diante da dificuldade do


escravo de acumular ganhos; a alforria condicionada a um parcelamento;
pagamento, parcial ou integral, por meio de mercadorias ou de um escravo
que o substituísse; a compra da liberdade por um familiar ou por outra
pessoa, a quem o escravo ficaria sujeito por tempo determinado; e a
concessão gratuita da liberdade por parte dos senhores.

A formação do pecúlio

Essa pratica foi silenciada por lei até 1871, mas era costumeira no sistema
escravista brasileiro. Ela por analisada por Freire na região de Juiz de Fora
(MG) no século XIX; por Pires, no alto sertão da Bahia no século XIX; por
Campos, em Vitória no século XIX.

Pg. 22 Sendo também comum nas fontes analisadas nesse trabalho, apontando para
uma atividade profissional desses sujeitos no mundo do trabalho, eliminado
ideia de uma condição sujeita e inerte, muitas vezes atribuída pela
historiografia.
As negociações de valor

Segundo Pires, ao comprarem suas alforrias, negociavam preços e utilizavam


de diversas estratégias para que fossem concedidas.

Pg. 23 O fato de serem os senhores quem estabeleciam os preços, e a dificuldade dos


escravos em poupar, justificavam, para Motta e Lopes, a constante
negociação entre esses indivíduos. Mesmo depois que a prática do pecúlio se
tornou regulamentarizada, em 1871, esse tipo de negociação continuou ativa,
sofrendo intervenção da justiça somente em casos de impasse.

A alforria condicionada

Nesse caso, o senhor concedia, “gratuitamente” ou por meio de pagamento


acertado, a alforria, entretanto, essa não começava a valer logo de início. Pelo
contrário, os escravos muitas vezes ficavam condicionados a situações como
a morte do senhor ou do cônjuge ou filho deste.

Pg. 24 “A imposição destas condições revela muito mais uma estratégia de


dominação senhorial sobre os escravos do que a benevolência do ato de
alforria. Longe de ser gratuita, Mattoso nos mostra que a alforria
condicionada custava muito caro ao escravo, sendo sempre revogável,
acirrando a dependência do escravo, que ao menor sinal de desavença, um
instante de mau humor, poderia significar o fim de sua futura libertação
(Mattoso apud. Pires, 2006, p.147).”.

Havia uma diversidade de imposições, como uma viagem a Inglaterra (caso


do escravo Tobias); “boa conduta” (caso da escrava Amélia), que se
descumprida resultaria na escravização de seus futuros filhos.

Pg. 25 Casamento (caso da escrava Anastácia), ou outros tipos de assédio.

O parcelamento da alforria

Segundo Pires, nesse caso se em prestações ou pagamentos parcelados, com a


confiança dos senhores, que deveriam esperar pelo pagamento a prazo.

Pg. 26 A alforria em troca de bens, mercadorias ou escravos

Nesse caso, trocava-se a liberdade por mercadorias ou bens que os escravos


conseguiam acumular.

Pg. 27 No caso do escravo Felipe, por exemplo, vemos que a liberdade, mesmo
depois de concedida, podia tardar, no caso dele, 11 anos.

Tinha-se também a substituição de um escravo por outro (complementada ou


não com mercadorias), o escambo era praticado desde que não houvesse
prejuízos ao senhor.
Pg. 29 A compra da liberdade por terceiros

Segundo Freire, as relações familiares tinham importante papel na escravidão,


sendo que esses indivíduos não deixavam de lutar pela liberdade de seus
familiares. Nos casos de Belmira e Catarina, vemos a compra da liberdade
feita pelas mães, uma que havia sido liberta há um ano, e outra que ainda se
encontrava na condição de escrava.

Segundo Robert Slenes, as relações familiares transformavam os cativos em


reféns, impedindo que estes se revoltassem, afinal, se o fizessem deixariam
seus entes queridos para trás.

Vemos também a libertação concedida por terceiras, como no caso de Maria


Delfina, que ainda bebe foi liberta por meio do pagamento de sua madrinha.

Pg. 30 Muitas vezes, a libertação por meio de terceiros tinha valores menos nobres,
como a condição de o escravo ter de servi-lo por um tempo determinado, caso
de Francisco, que alforriado por Antônio Ferreira Batista Maldonado, teve de
servi-lo por seis anos, para só então se tornar plenamente livre.

Pg. 31 Um aspecto importante a ser analisado é que, independente da forma de


pagamento, ela estava sujeita a aprovação do senhor.

Entre o direito costumeiro e os silêncios da lei escrita: espaços de luta

Em seu artigo Sobre os silêncios da Lei: Lei costumeira e positiva nas


alforrias de escravos no Brasil no século XIX, Manuela Carneiro da cunha,
desmitifica a ideia de que o Estado mediava às relações entre senhores e
escravos por meio da lei, Até 1871, essa pratica nem mesmo era
regulamentada em lei, mas era bastante difundida na sociedade. Era do
interesse do Estado que os senhores fossem os responsáveis pela decisão de
libertar ou não o escravo, dessa maneira, eles continuariam responsável
somente pelos pobres e livres.

Pg. 32 A regulamentação da manumissão veio com o parágrafo 4° da Lei N° 2040, a


Lei do Ventre Livre aprovada pela Princesa Isabel.

Pg. 33 Entretanto, a negociação continuou a ser feita com o senhor, recorrendo-se a


justiça somente em casos de impasse.

A manumissão, mesmo antes de ser aprovada por lei, sobreviveu por meio do
costume, e a sua cristalização em lei foi fruto das lutas dos escravos.

Pg. 34 Manuela Carneiro da Cunha mostra como o costume estava acima da lei. Esta
ultima não era devidamente respeitada, principalmente longe das cidades,
Entretanto, a prática se mantinha pelo costume, afinal, além de temerem a
fuga ou o suicídio dos escravos, rejeitar essa lei costumeira poderia resultar
em desaprovação social.

Pg. 35 As várias outras formas de luta pela liberdade

A manumissão, entretanto, não era a única estratégia utilizada pelos escravos


para conseguir a liberdade, muitíssimos deles recorriam a revoltas ou
rebeliões. Segundo Morel, houve uma proliferação de quilombos no século
XIX que, se somados, resultariam em mais indivíduos do que Palmares.
Entretanto, segundo Marquese, com a derrota de Palmares, estes foram
reduzidos, o que pode ser atribuído ao fato de que “o aumento das alforrias,
que fariam uma espécie de controle da quantidade de escravos africanos e dos
libertos nascidos no Brasil, estes últimos, segundo o autor, sendo utilizados
no controle dos escravos revoltosos.”.

Pg. 36 Segundo Marquese, apesar de importantes, as revoltas de levantes africanos,


não abalaram a ordem escravista brasileira, levando os escravos a buscarem
muito mais pela manumissão. A isso, Morel acrescenta que, apesar de não
abalarem o sistema, essas revoltas causaram grande pânico na população não-
escrava, imprimindo novos rumos na legislação repressiva.

Para além de tudo isso, João Reis e Eduardo Silva ressaltam que a liberdade
se configurava das mais variadas formas, “seja pela criatividade, inteligência
ou azar”.

Considerações finais

Pg. 37 O desejo constante dos escravos de conquistar a liberdade, para si e para sua
família, desconstroem a ideia destes indivíduos como sujeitos passivos. Seja
pela manumissão, praticada antes mesmo de seu estabelecimento por lei, ou
pelas revoltas “o espaço de resistência encontrado pelo sujeito escravizado se
constituía em estratégias que se assemelham à acomodação, mas longe estão a
significar a conformação.”.

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