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Universidade de Brasília

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social

Disciplina: Clássicos II (semestre 2/2021)

Docente: Sílvia Guimarães

Discente: Diego Gomes Pereira Flôres (210013893)

Durante todo o atual governo do Brasil, o presidente da república Jair


Bolsonaro tem utilizado um discurso contra as populações indígenas brasileiras. O
presidente afirma que ao longo dos anos as populações estão em processo de
evolução e que logo serão “um ser humano igual a nós” (Bolsonaro, 2020).
É com esse contexto em mente que irei escrever uma pequena resenha
crítica do texto “Natureza incomum: Histórias do antropo-cego” (2018) da autora
Marisol De La Cadena. Busco aqui apresentar os argumentos centrais do texto ao
mesmo tempo que busco pensar criticamente a discussão de natureza e cultura
apresentada pela autora. Irei utilizar como suporte para a arguição, o capítulo
intitulado “Ciência do concreto” (1989) de Lévi-Strauss para pensar a ideia de
bricolagem dentro do conceito central sobre o “antropo-cego” utilizado por Marisol
De La Cadena.
A autora inicia o texto com um preâmbulo que apresenta ao leitor o contexto
histórico de seu argumento. No norte amazônico um conflito se inicia entre a força
estatal e um grupo de cidadãos peruanos pertencentes ao grupo índigena
AwajunWanpi. Esse confronto dá início a uma série de percepções sobre como a
vida social nessas regiões está ligada ao espaço em que esses povos existem e
como o Estado Peruano separa essas populações de sua ligação com seu território,
pois caberia ao Estado decidir sobre o uso e utilização do território nacional (DE LA
CADENA, 2018). Segundo a autora o entendimento do território desses povos é a
ligação entre estes e toda a paisagem e espaço em que residem. Não existe uma
separação entre aquilo que é humano e aquilo que não é humano, um líder chega a
chamar os rios de “irmãos” (IDEM).
O território emerge então para além de um pedaço de terra, ele se torna uma
entidade na vida AwajunWampi, estes são parentes um do outro e por tanto não
podem estar separados.
A autora apresenta o conceito de equívoco, que existe na maneira em que
diferentes humanos, que habitam diferentes mundos, mas que compartilham de um
mesmo espaço, nesse caso o território peruano. Pensando por esses argumentos é
possível pensar no argumento do “humanismo estruturalista” de Lévi-Strauss que
defende uma perspectiva universal do pensamento humano, fugindo do positivismo
o autor demonstra que a diferença entre natureza e cultura seria a intersecção que
diferentes culturas fazem do que seria universal e do que seria particular. A
hegemonia do estado Peruano apresentada pela autora é política, enquanto o
entendimento dos povos indígenas afetados pela modificação da sua paisagem
demonstra a diversidade de relação entre aquilo que é humano e aquilo que não
seria.
Ao entrar no conceito de “guerra silenciosa” e o “antropo-cego” a autora
demonstra como o Estado Peruano não entende as reivindicações dos povos
AwajunWampi pois segue uma lógica colonial que pela ordem capitalista já devia ter
sido sanada. O equívoco aqui é está no fato de que as leis do Estado não possuem
capacidade de entender a disputa em questão, Ambos os lados estão em posições
diferentes e portanto existiria o que a autora define como “antropo-cego” (DE LA
CADENA, 2018).
A vontade do Estado de destruir aquilo que está no caminho do progresso
não entra em acordo com a vontade dos AwajunWampi de defender aquilo que eles
consideram como parentes.
Essa é a guerra silenciosa que existe entre os Estados nacionais que foram
colonizados e dizimados e entre aqueles que resistem até hoje ao domínio total de
sua territorialidade e cultura. A autora demonstra ao longo do texto que durante a
colonização das Américas o cristianismo criou um inimigo comum, era preciso
enfrentar aqueles que cultuam outros deuses. Quando a política capitalista é
estabelecida o inimigo se torna aquele que se opõe à noção de progresso (DE LA
CADENA). Esse argumento volta à divisão entre ciência e magia que Lévi-Strauss
apresenta em “A ciência do concreto” (1989), para o autor a sociedade ocidental
não considerava o pensamento nativo como real pois esse não estaria domesticado
pela ciência ocidental. O que fica demonstrado no texto de Marisol De La Cadena é
que para além do pensamento científico existem outros tipos de pensamento lado a
lado, mas como existe uma “guerra silenciosa" esses pensamentos ainda estão em
conflito. A transformação do antagonismo entre essas duas formas diferentes de
pensar a relação entre “natureza” e “cultura” coloca em cheque a questão: quem
tem mais poder para exercer a hegemonia sobre o território?
Após apresentar os conceitos que demonstram uma guerra silenciosa entre
duas percepções de mundo antagonistas, a autora entra no conceito de
extrativismo. Para Marisol de La Cadena (2018), o extrativismo é a principal
estratégia econômica atual de governos latino-americanos. Podemos pensar aqui na
maneira que o atual governo brasileiro vem incentivando uma nova corrida por
minérios na amazônia brasileira, destruindo territórios indígenas e modificando a
estrutura da vida das pessoas nessas regiões. O extrativismo vira motor para
apropriar e capitalizar a terra. O presidente Bolsonaro e seu governo incentivam
esse tipo de ação sem se comprometer em tentar legalizar a extração, a falta de
fiscalização por si já garante ao garimpeiro liberdade para entrar nesses espaços e
se apropriar do território.
Marisol de La Cadena demonstra como as pessoas que são desalojadas e
mortas pelo extrativismo desenfreado se tornam “geografias do sacrifício", e não
somente as pessoas, mas também a paisagem desses lugares deixa de existir e
nunca mais voltará a ser a mesma. Os habitantes desses territórios se tornam
refugiados em seus próprios países, sem ter para onde ir são absorvidos por uma
sociedade que marginaliza e abusa de seus corpos, e onde a memória se torna o
último recurso até que essa também desapareça. É uma assimilação forçada.
Para Marisol De La Cadena (2018) esses desentendimentos estão na ordem
gramatical, são visões de mundo conflitante: existem aqueles que querem objetificar
a natureza e aqueles que vivem a natureza como irmãos e parentes. É a partir
dessa visão gramatical dos conflitos que também surgem possibilidades de
resistência. A autora conta a história de uma “guardiã das lagoas” que consegue se
associar com um ideal ambientalista. Se para aqueles que possuem uma relação de
parentesco com o rio e a paisagem a destruição dos mesmos está condicionada a
uma destruição de seu modo de vida, para os ambientalistas a destruição dos rios e
da paisagem está ligada a destruição da natureza como um todo, a destruição do
planeta. A “natureza” se torna então uma ponte que une políticas com o mesmo
objetivo.
Como existe uma perseguição do Estado aos povos originários e aos
ambientalistas a união dessas forças possuem um potencial de falar na mesma
“gramatica”.
Esse entendimento sobre o conflito entre natureza e cultura, entre Estado e
Povo, entre Progresso e Atraso, são os pontos mais interessantes do ponto de vista
apresentado por Marisol De La Cadena. A autora termina com um toque de
esperança, onde a junção entre ambientalistas e povos originários permite quebrar
uma hegemonia da notícia sobre conflitos ambientais, desse jeito envolvendo a
grande maioria da população que vive longe desses conflitos. É uma aliança que
apesar das diferentes visões de mundo podem se converter em si mesmas (DE LA
CADENA, 2018) e romper com a visão única de mundo que vem imperando na
América Latina desde 1500.
Acredito que a antropologia também possui um papel importante na questão
ambiental e no uso de recursos, é preciso que os antropólogos busquem apresentar
da melhor maneira possível que outras visões de mundo são tão importantes de
serem preservadas quanto rios e montanhas. O antropoceno que nos assombra
cada dia precisa de mais informações e menos generalizações.

BIBLIOGRAFIA

Lévi-Strauss, Claude. Pensamento Selvagem. SP: Papirus, 1989

De La Cadena, Marisol. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. Revista do


Instituto de Estudos Brasileiros, n.69, p 95-11, 2018
Universidade de Brasília

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social

Disciplina: Clássicos II (semestre 2/2021)

Docente: Sílvia Guimarães

Discente: Diego Gomes Pereira Flôres (210013893)

O Gênero da Dádiva (2006) de Marilyn Strathern talvez seja o livro mais


importante da autora, e é sem dúvida uma das leituras mais importantes atualmente
na área da antropologia. O livro em suma aborda a questão da dádiva nos grupos
da Melanésia, região conhecida por ser estudada em diversas monografias de
antropologia.
O que pretendo fazer aqui é uma resenha sobre os principais aspectos da
primeira parte do livro, visto que sua magnitude não permite uma entrada mais
profunda nos limites deste trabalho de conclusão de curso.

Primeira Parte
O controle social, a integração entre os grupos e a promoção da própria
sociabilidade foram interpretados no engajamento das pessoas nas trocas
cerimoniais. O significado do feminismo e a relativa autonomia de suas premissas
no que diz respeito à antropologia aborda os artefatos e imagens (as culturas) das
sociedades melanésias por meio de um deslocamento particular. A criatividade da
linguagem e a metáfora do “presente” ocupa um lugar particular nas formulações
ocidentais, e essa colocação é explorada ao delinear sua relação com a ideia de
“mercadoria”. A visão ocidental da “cultura ocidental”, como a visão da ciência
social, é que ela está perpetuamente inacabada. A autonomia do indivíduo e da
natureza prova o ponto: sempre será preciso continuar pesquisando e escrevendo.
O debate feminista está além das ciências sociais em outro sentido. Seus
ideais não são os de um projeto incompleto, mas sim de uma abertura à diversidade
da experiência social que se apresenta para descrição. É radical na medida em que
deve compartilhar com outros radicalismos a premissa de que a conclusão é
indesejável. A maneira pela qual os estudos feministas organizam o conhecimento
desafia a maneira pela qual grande parte das ciências sociais, incluindo a
antropologia, também organiza o conhecimento. As organizações feministas,
sensíveis aos interesses particulares das mulheres, são sensíveis aos interesses
das minorias étnicas e à etnicização de atributos como a sexualidade. O problema
das mulheres nunca foi apenas sobre as mulheres. O pluralismo da antropologia
permite uma diversidade de entradas na representação das sociedades humanas, e
até certo ponto do próprio observador. O feminismo é visto então com uma dessas
entradas para se compreender a diversidade.
A maneira como as questões relativas à identidade sexual nas Terras Altas
de Papua Nova Guiné foram encapsuladas nas preocupações antropológicas com a
estrutura do grupo nas décadas de 1950 e 1960 explicita uma prática comum:
estender de algum estudo central certos problemas que se tornam um eixo geral de
classificação comparativa. Essa é uma problemática centrada nas Terras Altas da
Melanésia ao se concentrar na maneira pela qual a vida pública e coletiva é
constituída como assunto dos homens. A autora também argumenta que as formas
de vida coletiva estão intimamente ligadas às construções do parentesco doméstico.
A autora se volta para uma crítica de origem feminista embutida em sua
própria história do surgimento das relações de gênero como um tópico autônomo de
investigação na década de 1970. As críticas feministas e antropológicas sobre os
domínios doméstico e político que dominaram a década de 1970, essas críticas
estavam divididas entre aquelas antropólogas que estavam interessadas em
analisar como essas construções sociais confinavam as mulheres, e outras estavam
interessadas em demonstrar como seria impróprio projetar conceitos ocidentais
sobre outras culturas que não discriminam no mesmo sentido. Um modelo holista da
antropologia, versus um modelo pluralista.
Strathern também está muito atenta aos modelos da vida social. Os estudos
realizados na década de 1970 revelaram que não são os homens que emergem
como especificamente “sociais” em suas orientações, mas as mulheres, e isso havia
sido bem documentado, mas os casos são extraídos das sociedades estudadas na
melanésia também demonstram cujas instituições "públicas" tradicionais eram
dominadas pelos homens. Mas as mudanças que vinham ocorrendo nessas
sociedades em anos recentes são reveladoras. As mulheres alegavam habilidade
financeira superior para contornar a irresponsabilidade masculina, mas não para
controlar os homens como tal. A atividade de culto tradicional dos homens parece
ter envolvido afirmações enfáticas de superioridade como base para a dominação
sobre as mulheres. Existindo assim algo que não é fixo ou holista.
Desmantelar a maneira concreta que as metáforas antropológicas vem
sendo atribuídas às mentes dos melanésios, principalmente na maneira que a
antropologia pensa a sociedade em termos de domínio. A autora apresenta o
argumento de que a imagem ocidental de controle depende dos conceitos de posse
e identidade. A primeira metáfora que a autora fala é a da “imposição sobre a
realidade”, onde os homens dominam as mulheres e enganam a si mesmos, os
antropólogos então criam leis gerais que comparam a puberdade ocidental com o
amadurecimento nativo. a Segunda metáfora seria a do ritual como um domínio
separado das outras áreas da vida real.
Segundo a autora essas duas metáforas são uma suposição antropológica de
que a dominação das mulheres deve ser do interesse dos homens. Esse tipo de
explicação estaria baseado em um pensamento ocidental onde uma parte da vida
está em uma esfera e outra parte em outra. Para a autora o pensamento melanésio
não classifica essas esferas dos mesmos modos que a sociedade ocidental, mas
estas estariam constantemente em adaptação uma com a outra, de forma unida.
São apresentados exemplos que mostram que os rituais cercam a entrada dos
homens em um sistema “domínio” público e como as metáforas criadas pelos
antropólogos sobre essas ações sociais estão sempre voltadas para ideias de
“poder” ocidentais, ideias de ganhar ou perder.
Segundo a autora a preocupação da teoria feminista e da antropologia
feminista sobre a maneira que o trabalho das mulheres não receberia o mesmo
reconhecimento do trabalho dos homens implicaria em uma exploração dos homens
sobre o trabalho das mulheres, essa seria a maneira que os antropologos ocidentais
viram os povos da melanesia, uma competição dos homens pelo controle do
trabalho das mulheres . Homens e mulheres devem ser conceituados como
diferentes para que a divisão sexual do trabalho funcione, e como desiguais, uma
vez que o trabalho de um sexo recebe mais valor social do que o trabalho do outro.
As esposas Hagen são claramente colocadas na posição de “ajudar” seus maridos a
ganhar nomes enquanto elas mesmas não ganham nenhum. O conceito ocidental
de exploração repousa, em última análise, na ideia de que a violência pode ser
realizada a uma suposta relação intrínseca entre o eu como sujeito e sua realização
nos objetos de suas atividades.
Para a autora, este povo não imagina nada próximo ao entendimento
ocidental da relação natureza e cultura.
Assim, Strathern (2006) ressalta a necessidade da antropologia assumir o
que ela é/tem sido “[...] um esforço para criar um mundo paralelo ao mundo
observado, através de um meio expressivo que estabelece suas próprias condições
de inteligibilidade.”

BIBLIOGRAFIA

Strathern, Marilyn. O Gênero da Dádiva: problemas com as mulheres e problemas


com a sociedade na Melanésia. SP: Editora Unicamp, 2006. (seleção de capítulos:
Introdução, Parte I)

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