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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

BACHARELADO EM ANTROPOLOGIA
ANTROPOLOGIA E MEIO AMBIENTE

Aluna: Millene G. Lima

Ficha de leitura referente ao texto: “Natureza incomum: Histórias do antropo-cego”


de Marisol de la Cadena

Marisol nasceu em Lima, Peru, onde fez licenciatura em Antropologia pela


Pontifícia Universidáde Católica de Lima, em 1985. Em 1986 curso M.A. em
Antropologia na Universidade de Durham, Inglaterra. Em 1987, conquistou o Diploma
de Estudos Aprofundados pela École des Hautes Études, em París. Tornou-se P.h.D. em
antropologia pela Universidade de Wisconsin, em 1996. Seus interesses de estudo
incluem política, multiespécies, indigeneidade, a história e a-históricos, antropologia do
mundo e dos mundos, preocupando-se em relacionar conceitos e métodos.

Áreas de Estudo – Áreas de estudo: América Latina, mais especificamente Peru.

UM PREÂMBULO

A autora inicia o texto trazendo um embate que aconteceu entre os indígenas


AwajunWanpi do norte amazônico e a polícia, houveram mais de 30 mortes. O embate
se deu quando o Governo permitiu a exploração petrolífera do território sem consulta
prévia à população o que fere as leis locais.

O líder indígena AwajunWampi e outros indígenas da mesma etnia se


pronunciaram trazendo a falta de comunicação entre Estado e indígenas locais,
trouxeram sua luta expondo o território como parte da cosmologia indígena, como parte
de seus próprios seres, havia em suas falas um sentimento de proteção ante aos
elementos da natureza.

Aqui há uma dualidade de sentido da palavra território, de um lado representa


uma porção de terra sob a jurisdição do Estado, de outro uma entidade que emerge pelas
práticas AwajunWampi capazes de criar parentesco entre pessoas e florestas.

Dada essa natureza dualística, o conflito torna-se ontológico- localizado tanto


fora quanto dentro da lei. Para explicar a ontologia do conflito traz as noções de
“equívoco” dada por Viveiro de Castro como sendo um mal entendido que é uma
relação ontológica e de “dissenso” dada por Rancière que coloca os indivíduos
socialmente desiguais em disputa para serem socialmente equivalentes.

POLÍTICA IMPOSSÍVEL, GUERRA SILENCIOSA E O “ANTROPO-CEGO”.

Pela noção de dissenso o evento em Baguá pode ser visto como a irrupção da
política – sujeitos inicialmente sem voz iniciam uma redistribuição de vozes e noções
corpos.

A autora traz o conceito de antropo-cego como “o processo de criação de mundo


por meio do qual mundos heterogêneos que não se fazem por meio de práticas que
separam ontologicamente os humanos (ou a cultura) dos não-humanos (ou a natureza) –
nem necessariamente concebem como tal as diferentes entidades presentes em seus
agenciamentos – (...) São ambos obrigados a operar com essa distribuição e excedê-la.”.
Aqui o sentido de “excedê-la” pode ser exemplificado por humanos compostos por
não-humanos e vice-versa.

O antropo-cego inclui uma guerra silenciosa entre entidades e práticas que


ignoram a separação entre natureza e cultura, em um processo antagônico. Essa guerra
torna-se aberta quando o Estado coloca-se em oposição a demandas populares em nome
do bem-comum.

Outro conceito que traz é o do Antropoceno que surge no meio acadêmico, que
consiste em humanos com força geológica capaz da destruição planetária.

O EXTRATIVISMO OU O FIM DA GUERRA SILENCIOSA (E DO


ANTROPO-CEGO)

O extrativismo torna o Antropoceno presente materialmente ligado a articulação


financeira e crescimento infra-estrutural. Essa prática trouxe o aumento da renda
nacional, a “transformação” ecológica e morte da população (em sua maioria indígenas
e escravos africanos).

A mineração é uma das formas de extrativismo abordadas pela autora. Traz que
a mineração de túnel foi substituída por poços abertos que destroem a paisagem local.
Com o aumento e magnitude de práticas extrativistas aumenta-se também os impactos
ambientais.

A oposição ao extrativismo desenfreado vem em uma aliança inusitada de uma


gama de coletivos que apresentam demandas heterogêneas. Quando o Estado sente seu
monopólio ameaçado pode rejeitar as demandas e a guerra pode tornar-se aberta.
HISTÓRIAS DO ANTROPO-CEGO.

A autora traz exemplos de como comunidades específicas compreendem o


ambiente como seu próprio ser, compondo seu corpo e como o Estado e empresas veem
a natureza – como um depósito de recursos a ser utilizado pelo ser-humano visando o
bem-comum da nação.

Enquanto as comunidades veem a natureza como algo insubstituível o Estado e


as empresas a veem como recursos, substituíveis ou até mesmo descartáveis. Separar
pessoas dessas comunidades das entidades as transformariam em outras coisas. Essa
linguagem se comunica com gramáticas usuais, porém abre outras possibilidades ao
extrapolar o que se conhece e espera.

Em um dos exemplos dado, Máxima conhecida também como “a mulher que


não vai sair” dona de uma propriedade que uma mineradora tenta adquirir com anuência
do Estado utiliza uma defesa mista, ao passo em que defende o território a partir de sua
visão do que ele representa como constituinte de seu próprio ser, porém perante os
tribunais apresenta documentos que comprovam a posse das terras como o Estado as
reconhece.

UM FIM ESPERANÇOSO: UMA NATUREZA INCOMUM OU UM COMUM


DIVERGENTE

Observando as inúmeras histórias locais através da política do equivoco, pode-se


atingir novas possibilidades interpretativas que diferem do que a nós agora é o comum.

As alianças heterogêneas são um dos fatores que poderiam levar a tal desfecho,
em um exemplo, a autora traz um cartunista que representa uma família que se recusa a
sair e uma mineradora que quer comprar as terras. Mesmo com uma visão diferente da
das famílias nessa situação o cartunista e elas concordam que o melhor seria a terra não
ser vendida. Através de tais movimentos e uniões poderia reformular-se a visão de
bem-comum.

Essas alianças surgiram do extrativismo e suas consequências, e nesse panorama


de mudanças futuras como diz Marisol “a era do Antropoceno pode testemunhar o
histórico fim do antropo-cego”.

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