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Horieste Gomes

~
:::r:: Conselho Editorial

Deis Siqueira
Eliane Leão
Francisco Itami Campos
Gil Perini
Ildeu Moreira Coelho
José Carlos Libâneo
Laerte Araujo Pereira
Lana de Souza Cavalcanti
Mauro Urbano Rogério

TEORIA E CRÍTICA

2ª edição
revista e ampliada
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS CONSELHO EDITORIAL

Chanceler Presidente
Dom Washington Cruz, CP Prof. José Nicolau Heck

Reitor
Prof. Wohnir Therezio Amado
Prof. Athos Magno Costa e Silva (SER)
Profa. Danya Ribeiro Moreira (FONO) A (9,
editora
Prof. Eduardo José Reinat'o (HGSR)
Prof. Eduardo Simões de Albuquerque (CMP)
ücé3 vieira

Prof. Gustavo Neiva Coelho (ARQ)


Prof. Lorismário Ernesto Simonassi (PSI)
Goiânia
Coordenador Geral da Editora da UCG Prof'. Máira Barberi (BIO)
Prof. Gil Barreto Ribeiro Prof'. Marília Gouveia de Miranda (EDU)
2007 .
Copyright© 2007 by Horieste Gomes AGRADECIMENTOS

Capa, projeto gráfico, ilustrações:


Thiago Luis Gomes

Revisão:
Manoel Bueno de Brito (Nequito)

Editora Vieira
Av. Universitária, 754, sala 9 - Setor Universitário
74.605-010 - Goiânia - Goiás
Fone/Fax: 62 3218-6292 / 3218-5652/3218-5458
E-mail: editora@grupovieira.com.br

EDITDRA DA UCG
Rua Colônia, Qd. 240-C, Lts. 26 a 29
Chácara C2, Jardim Novo Mundo
CEP. 74.713-200 G oiânia G oiás Brasil
Secretaria e Fax (62) 32271814 Revistas (62) 32271815
Coordenação (62) 32271816 Livraria (62) 32271080

Gomes, Horieste.
Reflexões sobre a teoria e crítica em geografia / Horieste Gomes.
2. ed. rev. e ampl. Goiânia: UCG, 2007.
198 p.
Aos meus colegas agebeanos dedico esta
Inclui referências bibliográficas nova versão do Reflexões em Geografia,
como contribuição ao debate crítico
l. Geografia. I. Titulo. da geografia brasileira.
CDU911

Índice para catálogo sistemático

1. Geografia ................................................... 911

Ao meu filho Thiago Luis Gomes,


esquecido nas Lembranças da Terrinha,
sem o qual, jamais, eu poderia
Impresso no Brasil finalizar este livro.

~
NOTA AO LEITOR

A
razão, o móvel que me levou a produzir este texto teórico de
difícil assimilação por parte de muitos segmentos da sociedade
brasileira, obedeceu a objetivos bem determinados. Entre os
fundamentais, apontamos:
a) dotar o nosso estudantado universitário de um instrumental teó-
rico que lhe possibilite imprimir reflexões e análises mais reais da
objetividade do mundo da natureza e da sociedade;
b) corttribuir para que a formação universitária seja enriquecida pela
assimilação de conceitos básicos de ordem filosófica, científica e
social; de conceitos básicos da dialética como teoria e método de
interpretação da realidade objetiva; de conceitos básicos atinentes
às mensurações espácio-temporais, e para que deles, no amanhã,
possam fazer correto uso social;
c) ativar os profissionais brasileiros no campo da ciência geográfica
e das ciências afins para a necessidade permanente do emprego
da lógica dialética materialista como valor universal no exercício
do magistério, no manejo da pesquisa e da prática social;
d) finalmente, o de encaminhar no espaço da universidade brasileira
formulações críticas geradoras de contradições positivas que pos-
sam contribuir, no presente e no futuro, para dotar, efetivamente,
o espaço da sociedade de uma nova dimensão de valor cultural/
comunitário.
Tenho a devida certeza de que o leitor é ávido por conhecer a direção
do movimento dialético do mundo da natureza, da sociedade e do
pensamento; o objeto e função da ciência, inclusive da ciência geográfica
na vida da sociedade, encontrará neste trabalho alguns novos elementos
de análise revestidos de valores universais.

O autor

~-~-~""°"-rc-ce-_-,-_~·-,,,-.,,-~''"'"'.""=""'""'-'~" "'" """'" ~"" ,..~" ~" uu ~ - < ~ -, • ~ - ~. º •.• _ ' " - . __ • _ _ _ _ _ _ .•.. _ _ _ _ • _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ • _ .. _ _ _ _ _ _ _ _ _
SUMÁRIO

lNmODUÇÃO
Uma Explicação Necessária ...................... : ............ . 11

CAPÍIULOI
Teoria do Conhecimento ....................................... 15
O Desenvolvlln.ento d.o Conhecimento ........................ 16
Pesquisa e Sociedade ~ ....................................... 24
Referências .................. ; .............................. 28

CAPíruwII
Reflexões Sobre a Dialética . ................................... 29
A Dialética: Concepção e Método ............................. 30
. Da Lógica Formal à Lógica Dialética .......................... 37
As Categorias da Dialética.................................... 40
Referências ................................................... 48

CAPíruwIII
. Espaço!fempo em Geografia .................................. 49
Espaço/Tempo ..................·.................. , ......... 50
Materialismo Histórico ...................... , ................. 56
i Espaço/Tempo em Geografia.......................... : ...... 57
A Ordem Espácio-Temporal .................................. 67
Notas ................. ; ..................................... 76
Referências ......................... , ....................... 76
,,
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'
:_.

CAPÍTULO IV
INTRODUÇÃO
Ciência e Geografia . .................................... ,. . ~ .. , 79 ·
A Ciência: Objeto e Função na Vida da Sociedade............... 80
Desenvolvimento e Revolução Científico-Temológica.•....... ~ . 87 .
. A Ciência Geográfica ........................................ 95
O Espaço Geográfico como Realidade Objetiva .....·........... '. . 96 . 'l
;
O Espaço Geográfico como Resultado do Trabalho do Homem ... 99
O Espaço Geográfico como Tempo Histórico .......... ·.....•.. 103
O Espaço Geográfico como Categoria Social .................. 105 ·
O Espaço Geográfico no Capitalismo ......................... 108
O Espaço Geográfico no Socialismo (antevisão histórica} .......... 115
Trajetória da Ciência Geográfica ............................. 121
Notas ...................................................... 124
Uma Explicação Necessária
Referências ............................................. ;.... 125

CAPÍTULO V
O Marxismo na Geografia Brasileira .................... ,; .. , ;127·
Introdução ............................................... ; .. 128 marcha do. ser humano em seu universum é infinita como a
A Relação Natureza-História no Marxismo ................ , ; . 139
O Papel da Dialética como Teoria e Metodologia de Análise ..... 141
Os Caminhos da Renovação da Geografia Brasileira ........... 142
Conclusões Analíticas ..................... , ................. 166
A própria infinitude do universo. Ao longo de sua. caminhada
histórica, o homem, por meio do seu trabalho, vem construindo,
para melhor, o seu espaço de vivência terrena. Na medida em que a rea-
lidade objetiva do mundo da natureza, da sociedade e do próprio homem
Referências ·. , ................................... ·..........· .. 172 vai sendo desvendada pelo contínuo avanço das ciências e das técnicas
e transformada pelo saber filosófico em lei maior, o ser humano passa a
CAPÍTULO VI atuar, cada vez mais racionalmente, em interação mútua com o seu meio
A Dialética Aplicada ao Ensino e a Pesquisa Geográfica . ....... 179 ani.biente. Toda a estrutura do seu ser - material e espiritual - encontra-
O Surgimento da Sociedade de Classes ....................... 180 se submetida às leis da evolução dialética, portanto, inserida num contínuo
Relação Sociedade/Natureza ................................ 182 processo de evolução.
Compreensão Idealista da Natureza e da Sociedade ........... 184 · . O seu próprio pensamento torna-se sempre mais lógico e o reflexo sub-
Ensino e Pesquisa em Geografia ................. ··• ........... 185 · . jetivoda realidade objetiva evidencia, mais e mais, o seu caráter de ser cons-
A Construção do Espaço Geográfico no Ensino ciente. Na prática, há um constante avançar do seu conhecer e do seu agir
e na Pesquisa via Metodologia Dialética ........... , ......... .,192 · sobre o espaço geográfico existente. · ·
Referências ...................................... , ............ 194 . Mas é preciso que se diga que nessa sua caminhada no tempo pelo
espaço terreno, desde o aparecimento da sociedade classista, o humano
Conclusão ................................................... . 197 vem sendo objeto de sistemática exploração pela classe detentora dos
meios de produção.
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E C!úTJCA EM GEOGRAFIA INTRODUÇÃO - Uma Explicação Necessária

Ao longo dos anos, a filosofia de uma sociedade de classe com o seu Toda uma superestrutura - política, jurídica, religiosa - de instituições
conteúdo ideológico vem, por meio dos seus instrumentais de uso, pos:- . (normativas e doutrinárias) referendava o poder da nobreza feudal sobre
tulando a defesa dos interesses de uma minoria que controla. o poder os camponeses. Era, de fato, um direi.to de força, cuja doutrina provinda da
político-econômico, dado que mantém a posse da propriedade privada Igreja serviu de suporte ideológico dominante, especialmente na Europa
dos meios de produção. Amparada pelo poder do Estado, aCUill.ula bens Ocidental, uma vez que as teorias políticas daquele período histórico
de uso e de troca, ao passo que a maioria dos componentes das demais foram construídas sobre os dogmas religiosos, consubstanciados nas de-
classes sociais vão sendo marginalizados quanto ao possuir e usufruir. norrunadas teorias teocráticas. Mesmo nos períodos subseqüentes à forma-
destes bens sociais criados pelo desempenho do homem no processo da ção da sociedade e do Estado feudal, em que várias teorias traduziram o
produção. Trata-se de um segmento privilegiado que procura se manter desejo dos feudais de se libertarem datutela da Igreja, a filosofia escolástica
no poder e perpetuar o seu status quo de vivência. · · propagada tinha como objetivo institucionalizar os dogmas cristãos e per-
No regime escravocrata, senhores e escravos configuravam a socieda9-e petuar os interesses da classe exploradora.
de classes antagônicas fundamentais. Os primeiros eram representados No capitalismo, a filosofia idealista, em suas múltiplas correntes teóri-
pelos grandes proprietários de fincas (latifúndios) e pelos sacerdotes. So- cas (agnosticismo, dogmatismo, positivismo, neo-positivismo, existenci-
mados à classe dos pequenos produtores, constituíam-senos chamados alismo, pragmatismo etc), está a serviço dos interesses da classe dominante,
homens livres. Os segundos eram propriedades dos escravistas. Ao Esta objetivando manter as classes desprovidas dos meios de produção, nota-
do, fruto da propriedade privada e da divisão da sociedade em classes, damente a classe operária, subordinadas ao grande capital.
competia exercer o poder coercitivo sobre a classe oprimida, a fim de mantê- · Nele, a contradição antagônica fundamental é travada entre o capital
la submissa às conveniências da classe opressora. e o trabalho. De um lado, os que detêm a concentração do capital e do poder
Tomando a antiga Roma nos séculos II e I a.C., época em que os lirni- . ·político-econômico; do outro, os possuidores apenas de sua força de tra-
tes da cidade-estado haviam se convertido num vasto impérió escravagista, balho (física e mental). O potencial ideológico da filosofia a serviço da classe
pontificava a filosofia estóica, cujas origens buscamos na velha Grécia, nota-: 1 dominante é, continuadamente, acionado pelos complexos mecanismos
damente nas concepções aristotélicas e cujos princípios normativos pos- 1 de comunicação de massa (dos mais simples aos· mais sofisticados) e
tulavam o caráter ideológico da classe dominante. i .busca nebfralizar o processo de luta das classes oprimidas contra a classe·
1
Apregoavam (Cícero é um bom exemplo) a necessidade do dever a opressora.
cumprir pelos cidadãos romanos, no sentido de participarem ativamente ·Táticas alienantes são utilizadas com perspectivas bem definidas ·em .
na vida do Estado e a servi-:lo de maneira abnegada. 'fratava-se de um Esta- termos de estratégias que visam embotar o crescer da consciência política
do expansionista. do ser humano.
No regime feudal, o caráter antagônico de classe encontramo-lo entre Nos dias atuais, assisti.'11.os a um volume crescente de filosofias exóticas
1
os senhores feudais e os camponeses. Os primeiros; representados pelos 1 e estranhas; de religiões e seitas místicas; de publicações nocivas, que vão
1

grandes proprietários de terras, conjuntamente com o clero, encontravam- · desde a mediocridade literária, em todos os gêneros e níveis, até às indús-
se à frente dos negócios dos Estados feudais e formavam a denominada trias de suporte que elas engendram; de projeções cinematográficas e tele-
aristocracia. Do lado oposto, os servos de gleba, desprovidàs de terras e .. visibnadas propagadoras da violência, em suas diversas modalidades (as-
de direitos, constituíam a maioria oprimida e dependente dos senhores sassinatos, roubos, lesões, estupros, vícios etc), ou possuidoras de acen-
feudais e da Igreja. Esta relação de dependênôa foi uma resultante da con- tuadas dose de subcultura, destinadas a difundir hábitos e comportamentos
solidação da estrutura hierárquica da propriedade territorjal e do sistema de conduta, a fim de estimular e formar mentalidades alienadas e consu-
de milícias armadas, no dizer de Marx e Engels. mistas. Enfim, na prática, presenciamos toda uma estratégia montada pelos

12 13
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

ideólogos do sistema capitalista, embasada por uma. filosofia {idealista) e CAPÍTULO!


seu conteúdo ideológico, corno armas para preservar intocáveis os interes-
ses de classe daqueles que detêm o monopólio da propriedade privada-dos
meios de produção. ·
Ao Estado é reservado, como foi no passado, o exercício de sua função
coercitiva e opressora a serviço dos interesses vitais da classe dominante.
Outra verdade que se depreende do nosso questionamento é o caráter··
classista, produto de uma filosofia e ideologia assumida pelo indivíduo,
que o leva a tomar uma posição de classe, quer seja leigo ou não. E esta
·posição de classe assumida demonstra, de maneira irrefutável, que não
existe o apartidarismo no que concerne ao saber filosófico e científico.
Neste simples trabalho introdutório sobre a ciência e o inquérito geo-
gráfico, não poderíamos perder devista o valor que representa para o pes-
Teoria do Conhecimento
quisador, cientista social, o emprego da lógica dialética como teoria do·
conhecimento que permite ao homem de ciência distinguir, com maior
exatidão, o verdadeiro do falso.
Na Geografia, ciência do espaço produtivo/social, seus materializadores
assumem a cada momento, no espaço e no tempo, uma postura definida RESUMO: a primeira preocupação que deve orientar o nosso inquérito
em função de uma filosofia e de uma ideologia de classe. Aqueles que ·. geográfico é a de procurar dar respostas a certas indagações
julgam que há neutralidade científica, que seus trabalhos estão isentos de básicas no âmbito da teoria do conhecimento, tais como:
uma pretensa contarruruição filosófica/ideológica e classista, esquecem que
o próprio sujeito da pesquisa geográfica é a sociedade coletiva. E é ela que .. · • é possível o ser humano conhecer corretamente o mundo da
nos fornece, no território, os fatos geográficos que nos permitem estruturar . natureza, da sociedade e da sua própria consciência?
o tema de nossa produção. • podemos aceitar ou não a validade de nosso conhecimento, .
1
1
seja o saber vulgar ou o científico?
1.
• a nossa capacidade de conhecer é limitada ou infinita?
· • é a sociedade o sujeito da ciência moderna e da transformação
·\ social ou é o próprio sujeito/ indivíduo.?

Sabemos que, na luta pela existência, quando um ser vivo não


se orienta adequadamente no seu ambiente de vivência, quando
ele não sente as transformações que se operam em seu redor e
quando não reage de maneira justa a elas, mínimas são as suas
condicões sociais (no exemplo do homem) de sobrevivência. Daí,
a nos;a preocupação com o destino do homem, como ser social,
na presente realidade em que vivemos.

14
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO I - Teoria do Conhecimento
i
.1

O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO objetiva. Na composição destas imagens, o saber que já possuímos das
coisas, dos objetos, enfim de tudo aquilo que está incorporado ao nosso
abemos que é pela sua adaptação biológica que o ser vivo conhece

S o seu espaço vital e passa a atuar sobre o mesmo num processo


de interação mútua entre os componentes inorgânicos e orgânicos
(biótipo e biocenose) contidos no espaço mencionado,
acervo cultural, entra na sua estruturação. Na realidade, são ainda imagens
incompletas do mundo real.
Na segunda fase, a do reflexo conceituai, a imagem obtida que se
estabeleceu no plano do conceito, do juízo e do raciocínio lógico possui
O homem, como ser racional- entre todos os seres vivos~, possui uma correspondência mais verídica do conhecimento contido no objeto
superior capacidade de conhecer o mundo material objetivo que o visualizado.
rodeia e de reagir sobre ele, transformando-o em prol do seu próprio Muito embora o conhecimento conceitua! esteja intrinsecamente ligado
desenvolvimento. ao sensorial, ele representa uma etapa superior do saber que o homem tem
Como é notório, os nossos conhecimentos dependem de· fatores da natureza, da sociedade e de si, tendo em vista que abrange uma reali-
objetivos e subjetivos existentes ria realidade. Os primeiros existem dade maio~ mais ampla, consubstanciada em juízos, conceitos, inferências,
objetivamente, tanto na natureza quanto na sociedade, e independem do raciocínios, hipóteses, teorias, elaborados por intermédio da matéria viva
sujeito para existir, todavia, sendo assimilados pelo próprio homem, -mais desenvolvida, que é a nossa estrutura cerebral. .
dependem do fator subjetivo expresso pelo mesmo sujeito. No entanto, Enquanto o reflexo sensorial tem como objeto os fenômenos exteriores
em virtude do avanço das ciências, os chamados elementos subjetivos do e isolados, o reflexo conceitua! aglutina os fenômenos isolados, sintetiza-
nosso conhecimento vão sendo eliminados, gradativamente, na medida os e generaliza-os. Isto significa isolar do acidental, do secundário, o que
em que as ciências se revelam como saber aceito pela comunidade e a é-fundamental e descobrir a essência que se encontra na ordem interna,
verdade objetiva se afirma, cada vez mais, como categoria filosófica nas conexões primárias das coisas e dos fenômenos.
fundamental.
É certo também que é impossível ao homem atingir o conhecimento
de uma forma acabada; definitiva, tendo em vista que o mundo da
natureza, da sociedade e da consciência está submetido ao movimento
dialético contínuo, infinito e irreversível, do presente para o futuro.
Também é correto afirmar que o homem, na busca desse saber, vai
somando verdades relativas, as quais se aproximam, mais e mais, da
verdade maior absoluta, que em dado momento temporat representa · ,.i
MUNDO EXTERIOR
a exyressão mais exata da reaFdade. . .· · . · MUNDO INTERIOR Realidade objetiva
E evidente que este processo cognitivista vai depender .de nossa ação Realidade subjetiva da Consciência da Natureza e da Sociedade

sobre a natureza e a sociedade, bem como da conseqüente correspondência O conhecimento é a reflexo subjetivo superior do mundo objetiva
dos fenômenos wi.fu.rais e sociais sobre o nosso organismo.
Como reflexo do mundo natural e social de nossa· consciência, o co- A etapa conceitua! exprime um salto qualitativo rumo à sistematização
nhecimento atravessa duas etapas significativas: a sensorial e a conceihial. dos conhecimentos em leis.
Pela primeira, os nossos órgãos sensoriais captam por intermédio das per- Pelo fato de não estar diretamente ligada ao mundo objetivo, a fase
cepções (visuais, acústicas, tateáveis, olfativas etc) o mundo exterior, e conceitua! pode, pela generalização, conquistar conhecimentos mais
forma, por intermédio dele, imagens sensíveis e concretas da realidade avançados.

16 17
- ,-,.·_;-,-.-..,,:-.;-:,-· ·,·_

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO I - Teoria do Conhecimento

Pela ligação mais íntima com a vida, com a produção e com a prática • que se tome o objeto em seu desenvolvimento, em seu auto-movimento, em
social, o pensamento evita o risco de tomar-se abstrato. Como exemplo sua transformação;
elucidativo nas relações de produção entre o empregador capitalista e o • a prática dos homens deve entrar na definição completa do objeto como critério
l
operário, por meio do conhecimento conceitua! vemos não. uma simples .1 da verdade e como determinante prático da vinculação do objeto com o neces-
.t
relação contratual de trabalho, mas, sim, o caráter exploratório que recai .+ sáriO para o homem;
sobre o operário, identificado na defasagem existente entre o valor real do .- .não existe verdade abstrata, averdade é sempre concreta (LENIN, 1970, p. 554).
prodvto fabricado pelo trabalhador e correspondente remuneração recebida.
É evidente que a prática revelada no trabalho desempenha, ao aferir Não podemos nos esquecer de que, muito embora o critério da verdade
a autenticidade do conhecimento, uma importantíssima valia na elaboração se assente na prática, o resultado de-uma verificação prática necessita ser
do conhecimento científico~ É pela prática produtiva diária que o homem analisado criticamente. Pela mesma razão, devemos compreender que uma
amplia as suas possibilidades de conhecer o mundo objetivo que o rodeia prática mal encaminhada redundará, evidentemente, na apreensão de illna
e que existe fora de sua consciência. É pela prática que o homem corrige falsa realidade. A prática não é um indicador simples e cômodo da verda-
as deformações, os erros acumulados e tidos como verdadeiros. de e da não-verdade .
.É pela prática que o ser humano cria as condições materiais de sua A realidade objetiva é traduzida em uma imagem espiritual desta
existência na sociedade. É pela prática que estabelecemos a nossa união mesma realidade por um processo complexo elaborado pelo conjunto dos
concreta com o mundo exterio~ revelando-nos as sensações, as percepções, órgãos sensitivos, nervais e cerebraiS. Não só a formação dessa imagem,
as representações, as quais funcionam como nexos entre os conhecimentos bem como a reprodução sen5ível e conceituai do que existe fora do nosso
(sensorial e conceitua!). É pelo mecaillsmo da prática -produção, experi- eu, permite-nos apreender corretamente os dados da realidade exterior a
mentação, lutas de classes-que testamos a verei.cidade çle nosso saber. nós, o que nos leva a agir de maneira racional sobre o mundo orgânico
É manifesto que há casos em que o ser humano não recorre diretamente do qual participamos. Simultaneameníe, as condições técnicas, como
à prática, tendo em vista ser suficiente o emprego das leis da lógica para exemplb o uso de mecanismos artificiais - aparelhos e instrumentos -,
detectar o verdadeiro. Trata-se de uma utilização indireta do critério da desempenham expressiva atuação no tocante à exatidão do nosso reflexo
prática, uma vez que as próprias leis da lógica derivam da realidade e re- do mundo. Citamos, a título de ilustração, o papel exercido pelas condições
fletem as leis gerais desta mesma realidade. técnicas conjugadas com os órgãos dos nossos sentidos na correção das
Do mesmo modo, é óbvio que o conhecimento que se busca não pode ·nossas deformações sensoriais. A cada momento, tanto a produção quanto
ser revelà.do em toda a sua plenitude pela simples lógica formal - a témica criam novas possibilidades para o homem penetrar nos domínios
possuidora de limitações- o que leva o.homem de pesquisa a recorrer da natureza.
ao emprego da lógica dialética. Esta não se prende à análise de teorias Amplia-se continuadamente a capacidade cognitiva do homem, possi-
já elaboradas, mas "revela os princípios lógicos de passagem para novo bilitando o crescente aprunoramento do nosso saber.
conhecimento, investiga a formação e desenvolvimento das teorias" Amplia-se o grau de veracidade da verdade objetiva que se encontra
(KONSTANTINOV, 1975, p. 257). inserido nas verdades relativas, eestas aproximam-se mais da chamada
Lenin, em seu texto intitulado Dialética e Ecletismo: escola e aparato, de- verdade absoluta (conjunto das verdades relativas). Todavia, os limites da
finiu muito bem as exigências da lógica dialética: verdade absoluta são sempre relativos, em razão de que eles nunca ter-
minam, há sempre um continuum espacial e temporal.
• na busca de conhecer o objeto devemos estudar todos os seus aspectos, todas A relatividade de nossos conhecimentos não nega a verdade objetiva,
as suas vinculações e "intermediações"; · muito pelo contrário, afirma essa verdade.

18 19
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA


CAPÍTULO 1- Teoria do Conhecimento i~­
F
~

1
O relativismo no tocante ao conhecimento- deve ser compreendido, · Nesta última realização, atingimos o limite superior, de abstração e
como dizia Lenin (1970, p. 144), "no sentido da relatividade histórica de especificação do conteúdo, cujo sentido está contido na sua própria .
dos limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação a esta

1
denominação. .
verdade". E esta postura de entendimento contrapõe, de maneira anta- Neste processo de abstração operacional, a forma senso;i~ do conhe-
gônica, ao chamado "relativismo absoluto" que afirma que o tido como · cimento é substituída pelo chamado pensamento ~erbal teonco. o em- s: ~
prego de um conceito permitir conhecer as propnedade~ e relaçoes do~

1
absoluto é, em realidade, relativo, bem como o objetivo é, na realidade,
subjetivo. Trata-se, em verdade, de uma nova forma da metafísica que fenômenos observados, significa que as nossas abstraçoes passaram a
substitui o absoluto da constância, da estabilidade, do equilibrio pela prova da prática e são justas. · , .

I
metafísica do relativo. E, no dizer de muitos cientistas,"começa doravante A ciência aparece quando o homem faz uso ~o pens~ento teonco, ~-. ;.
~,

tendo em vista que ela visa atingir o âmago das c01sas que estão enco~e~as
.·~

a absolutizar a própria mudança" (SilvfPÓSIO..., 1978).


A simples captação da realidade pelos órgãos dos sentidos, como pela aparência externa. Na medida em que ca~a ci~ncia tem P?r O~Jetivo

1
vimos, é insuficiente para descobrir atrás do visível (externo) o essencial 0
descobrimento das leis, ela pratica a generalizaçao; generalizaçao esta
e necessário (interno), como também para dispor corretamente a realidade que pertence ao domínio específico estudado pela ci~ci~ em questão.
viva que se busca. Ex: o Sol parece girar em tomo da Terra (imagem visual), . · Em contrapartida, o caráter universal das generalizaçoes pertence ao
na realidade, sabemos que se sucede justamente o contrário.
Para penetrar a fundo na essência das coisas, isto é, nas características
doinínio filosófico.
Monbeig (1957, p. 11), um geógrafo preocupado em captar a v~rdade . 1
fundamentais dos objetos e fenômenos, ·O processo do conhecimento
utiliza-se de um instrumental cognoscitivo superior - o pensamento
absoluta inserida no corpo do complexo geográfico, ª.ssim se rr:~estou:
. " 0 estudo da paisagem constitui a essência da pesqms~ g:o~afic~._ Mas,
é absolutamente indispensável que o geógrafo não se limite a analise do
1~
teórico - que se vale do emprego da abstração e da generalização.
Abstrair é urna operação praticada pelo pensamento ·no sentido de cenário, à apreensão do concreto. A paisagem não exterioriza todos os ele- ~8§'"
~

separar os caracteres essenciais significativos dos secundários. Isto repre- mentos constituintes do complexo." ·
~

I~
senta omitir o diferente e captar o geral. Entretanto, a abstração dialética, Os ~eios que empregamos para chegarmos ~ ru_:i ~proposto deno-
no seu sentido lato, é mais complicada em virtude de agrupar conexões minamos método, Trata-se de um conjunto de pnnap1os, normas e proce- .
.
dimentos de investigação teórica e de atividade prática que utilizamos na

I
e até imaginar associações (imaginação científica).
Nas etapas principais do processo de abstração, operamos assim: abordao-em dos fenômenos da natureza e da sociedade.
isolamos efixamos uma certa quantidade de fenômenos, de processos, de Do ~onhecimento sensorial ao conhecimento lógico (sensorial, per-
.
coisas; isto conduz à formação do conjunto. Em seguida, comparamos os cepcional, representacional, lógico dialético), tendo a prática soc~al como ~"-'

elementos do conjunto e procuramos descobrir o análogo e o que deixa critério superior da verdade e auxiliado por mét.odos _(o~s:rvaç~o: expe- ·~~
rimentação, analítico e sintético, indutivo e deduti~o, hist~nco e logico etc)

de ser, buscando com essa operação conhecer propriedades, conexões e ·· ·
epor instrumentais e aparelhos, o homem amglia,. continuadamente, o
relações gerais. Na etapa seguinte, buscamos a denominação que temos
que dar a cada propriedade, conexão ou relação geral que já se encontram
isoladas e particularizadas na fase anterior. É o que denominamos genera-
conhecimento verdadeiro relativo e absoluto Jª eXIBtente. No ~lru::o da
descoberta, novas realidades são sempre reveladas. Sob a apreaaçao. do
materialismo científico, a verdade revela-se objetiva, c?ncreta ~ r~lativ~,
1·~~

I
~.
lização. Generalizar não é apenas identificar objetos e fenômenos, mas ·
em decorrência de refletir o mundo objetivamente, e diz respeito a ~ea~­
.
descer à compreensão da essência deles. É afastar o que é secundário (casu-
al, individual e irrepetível) e integrar os aspectos fundamentais (causais, dade concreta, não abstrata, pelo fato de não exprimir a correspondenaa
genéricos e comurts). completa do conhecimento com a realidade.
21 .
20
1
~
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO I - Teoria do Conhecimento

Ao mesmo tempo, a verdade possui a sua dimensão absoluta (conjunto dade, eterna e infinita, num contínuo aperfeiçoamento, muito embo-
das verdades relativas) para cada momento da manifestação reflexa ra haja aqui, ali e acolá momeµtos de retrocessos sociais. Estes, por sua
absolutamente exata da realidade objetiva. Portanto, o conhecimento natureza, são efêmeros, em virtude de serem resultantes de ações
·humano passa a ter duas dimensões: é relativo, em raZ:ão de nunca ser ditatoriais impostas como atos de força e são ilegítimos para a maioria
completo, acabado, em virtude da capacidade do ser humano de cada . das classes sociais que compõem a sociedade, por não se constituir em
geração ser limitada pelas condições históricas vividas, pelos níveis de necessidade histórica. É evidente que, para a minoria que se apossou
desenvolvimento produtivo, científico, técnico e social; é absoluto, por do poder, os retrocessos são reais e necessários.
conter os elementos do conhecimento universal que buscamos alcançar Concluindo, temos que ter ciência (de que):
- no processo infinito da reprodução nova do conhecimento - por • movimento e mudança são características do mundo objetivo, que
intermédio do emprego sistemático do saber filosófico, científico e social se encontra subordinado a um processo dialético infinito, cuja trajetó-
intercorrelacionado e interdependente. ria segue inexoravelmente do presente para o futuro;
Como saber superestrutura!, a Filosofia revela, por meio de suas leis • a dialética deve ser entendida como método de pesquisa dos fenô-
universais, o mundo em sua abrangência e totalidade. Já a ciência trabalha menos contidos na natureza e na sociedade; como desenvolvimento
com leis particulares, específicas a cada campo do saber científico. Por histórico em espiral; como reveladora das contradições existentes no
intermédio do manuseio da dialética materialista e respeétivas catego- interior das coisas e dos fenômenos (unidade e luta dos contrários);
rias, evidencia-se a totalidade parcial contida no âmbito de cada ciência como responsável pela transformação da quantidade em qualidade
e avança mais o saber rumo à verdade mais representativa: a absoluta. (o progresso por saltos);
Já a sociedade, como sabemos, é regida pelas leis históricas e sociais, por • a dialética na sua expressão materialista é concebida como uma
meio da ação do homem como ser social e histórico no desempenho de ciência das ligações, como um "sistema vivo que se desenvolve,
sua prática social. sensível ao movimento da prática social e do pensamento científico"
Todo este conjunto de conhecimentos (filosóficos, científicos e (SIIVIPÓSIO..., 1978).
sociais) está em mútua interação dialética. A Filosofia abastece a ciênda • na elaboração do pensamento científico, assume um papel central
com suas formulações genéricas, abrangentes e sistêmicas a respeito o conhecimento cada vez mais preciso das categorias da dialética.
da natureza, da sociedade e do indivíduo; tomados como totalidade. Deste modo, o particular e o geral, a necessidade e o acaso, a possibili-
A ciência, de posse desse patrimônio conceituai totalizante, amplia os dade e a realidade, o elemento e o sistema, a forma e o conteúdo etc,
diversos campos do saber científico, utilizando-se não só dessa estrutura revestem-se como categorias indispensáveis à sistemática de se bus-
conceituai filosófica, como também dos seus métodos específicos de car a verdade científica;
análise. Por sua vez, a ciência repassa à filosofia o novo saber acurri.u~ • a assimilação da verdade só é possível pela passagem do conheci-
lado, que irá exigir do raciocínio lógico dialético novas form:ulações · mento do particular ao geral, tendo em vista que o particular não
genéricas. E toda esta estrutura de conhecimento maior, filosófico e cien- ·define fenômenos, portanto, não é passível de tratamento científico.
tífico, desce à sociedade para ser testado e referendado pela sociedade, · Aqueles que mistificam a ciência, por ignorância ou por postura
como categoria universal de valor, mediante a prática social. Ós novos premeditada, normalmente invertem a prioridade do geral sobre o
valores passam a ser também valores positivos no processo de edifi- particular. _
cação contínua, portanto, infinita e histórica da sociedade. Toda esta É evidente que para se chegar ao geral temos que efetuar o estudo deta-
cadeia correlativa é sempre geradora de novas verdades, que se afir- lhado do particular. Todavia, jamais o particular pode ser concebido como
mam como realidades e necessidades históricas. É a marcha da humani- nível superior do conhecimento humano.

22 23
f·'···,······· CAPtruLo I - Teoria do Conhecimento
REFLEXÕES SOBRE TEORJA E CRlTICA EM GEOGRAFIA

J
;_-...:,
.,
PESQUISA E SOCIEDADE dade em que não haja incremento à pesquisa, se atri~~ pouco o~ ne~
nhum vaiar aos seus homens de ciência. Exemplo típico, mencion~­
A sociedade atua sobre o pesquisador, o geógrafo como exemplo, da mos a fase de obscurantismo cultural que tomou conta do nosso Pais
seguinte maneira: durante o regime militar. _ .
a) O pesquisador qualificado e integrado na sociedade geral - esta, A criação científica só é possível pela incorporaça? social de se~ ~sul-
possuidora de relações sociais e de classe que lhe são próprias, representa . tados. Cabe à comunidade apropriar-se dos frutos cnados pelos aen~t~.
o sujeito da ciência - sente e coleta as aspirações do seu povo por intermé- Se tal não acontecer, a pesquisa perderá muito do seu valor, sem proieçao
dio dos seus modos de vida. Desta maneira, obtém as condições concretas histórica, uma vez que permanecerá limitada e redúzida a segmentos
para poder estruturar o tema que será objeto de sua pesquisa. sociais, grupos ou indivíduos. _ . .
A sociedade, como sujeito da ciência moderna, é que fornece a escolha É necessário que·se diga que muitos autores burguese.s mve.rter;i o
do assunto, dado que o pesquisador, ao encaminhar uma determinada sujeito da ciência - a sociedade global - atribuindo à _coi:zuni.dade czentífic,a
investigação, tem sempre em mente as necessidades sócio-econômicos 0
papel de sujeito do conhecimento. Esta po~tur~ s~~Je~va cond~, os teo-
e culturais do seu povo. Mesmo que o seu projeto esteja sob os auspícios ricos do capitalismo a responsabilizar a propna c~~nc~a pela~ mum~ras
de empresa particular, o pesquisador, cientiSta social, não pode perder deformações no tocante ao desenvolvimento da c1enaa no se10 do slSte-
de vista essa dimensão social que reveste a pesquisa. Se ele não proceder ma capitalista, quando, em verdade, o responsável mentor é o sistema
assim, isto é, não se identificar com a sua sociedade, estq.rá fugindo a sua econômico e social em questão.
própria condição de homem de pesquisa, e o inquérito perderá valores e) o pesquisador está vinculado a~ sist~m~ ~alético de rela~es so-
estruturais de conteúdo científico e social. Especifica muito bem Álvaro ciais. Caso se rebele contra esse sistema, ficara suieito a sofrer penalidades
Vieira Pinto (1969, p. 480, 481, 484). existenciais e sociais. A ele cabe manter-se autêntico; isto significa ser ho-
nesto com a sociedade a que pertence e consigo mesmo, procurando sem-
a pesquisa científica é e sempre foi social, porque possui esse atributo não por pre transmitir a verdade social que se encontra ~erida no fruto de seu
acidente, por circunstância de época, mas por essência, por natureza [.. .]. A trabalho de pesquisa. Sua autenticidade é que define o se~ grau de coe-
sociedade, enquanto sujeito histórico coletivo, perdurando ao longo do tempo, rência no processo de elaboração e transmissão d~ pesqUlS~ ~xecutada.
carrega em si os conhecimentos adquiri.dos em sucessivas épocas, vai consti- ··Sua liberdade de pesquisa reside não só na autonomia n~essaria que deve
tuindo-se em saber científico, racionalmente compendiados, eos transmite como ter para o qualificado exercício profissional, mas tambe~ ~o p_oder que
herança cultural de uma geração a outra. tem para resistir a uma pretensa depreciação ou mercan~~çao ~o seu
O pesquisador de cada momento histórico, mesmo aqueles em que só era trabalho científico. Ele precisa ter elevado nível de co~~en~ia sooal pa-
possível a ação individual, não faz mais do que incorporar-se a este movimen- ra evitar cair no processo de alienação cultural e econormca impost~. Seu
to cultural, incorporando a si o conjunto das idéias que a sociedade do tempo senso crítico e auto-crítico, como não poderia deixar de ser, necessita ~e
lhe oferece[. .. ]. · contínuo aprimoramento, a fim de que cresça o seu domínio no que diz
Só as tarefas socialmente propostas têm vigência na criação dos novos conteúdos respeito às verdades fundamentais n~ ciências. . ,
de saber. As iniciativas sem a marca deste cunho social sã.o historicamente . A verdade científica efetiva, como diz Fedosseiev (apud SIMPOSIO... ,
visionárias. 1978) no artigo O Materialismo Dialético ea Ciência Contemporânea, "não pod~
como tal prejudicar o homem e a humanidade. E o mau us? dos co!111ea-
b) O valor da ciência advém do conceito estabelecido pela socie- · mentos, da verdade que prejudica o homem e a humarudade. E uma
dade. Resulta daí a escala de valores dos seus cientiStas. Numa sacie- questão social, de classe".
25
24
4 B
.'!
/( CAPITIJLO 1 - Teoria do Conhecimento
:i3
~
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
q 1
i identifi.~do
com o bem social coletivo. Em realidade, trata-se da única via i
i
d) Para realizar-se como profissional; como cientista social, o pesqui-
sador necessita do desfruto de plena liberdade - de pensar, de conceber, .'.i capaz de manter a ciência em seus valores húmanitários reais. Numa soei.e- 1
de questionar, de locomover-se etc - tendo em vista que a sua pesquisa
somente é científica quando o indivíduo é livre para realiZá-la. Isto não
~:~:::::iª!:';::;{ã:'!~~teexercerácada vezmaIB
significa que ele pode ser um livre atirador, que pode agir indiViduahnente )('.-
tz.;;
sem o devido respeito aos princípios e às normas de conduta científica. t~..:

Como pesquisador consciente, ele se pauta por um comportamento pro-


fissional que pertence ao todo, isto é, ao coletivo da equipe e ao sujeito
da ciência (a sociedade global).
1
~>:

No todo, cresce a sua responsabilidade científico-social, conseqüen- í


temente a sua própria individualidade. Ao receber o acervo cultural já
edificado pelas sociedades pretéritas, ele passa a entender o significado
de sua liberdade como necessidade objetiva para o bom desempenho
i
de sua missão científica. Ele .toma como responsabilidade a tarefa de
fazer avançar a ciência, cuja exigência básica repousa na impreterível
necessidade de conhecer, cada vez mais, as leis objetivas que regem a
natureza, a sociedade e o próprio homem. E, quanto maior for o conhe-
1
~
cimento delas, mais consciente e livre será a atividade exercida pelo ~~~

~
pesquisador.
O pesquisador executa produção individual justamente na etapa
em que emprega a sua inteligência, sua capacidade cognoscitiva, sua ~
~:,..:

habilidade, sua experiência profissional etc. No restante, o seu trabalho f'<


é coletivo, não só pelo fato dele usufruir dos estudos de outros espe-
cialistas, mas, notadamente, pelos laços que o unem à sociedade a que
~
pertence. Sua pretensa hegemonia absoluta é utópica.
Sua liberdade liga-se às formas de produção, e ele é tanto mais livre
quanto mais evoluídos forem os meios e relações de produção dos bens
1
f
~
materiais existentes na sociedade. Esta condição de plena liberdade com
responsabilidade, que deve ser uma constante em todo o trabalho de pes-
quisa, só pode ser preservada e mantida por um poder que realmente su-
bordine os eventos científicos ao bem do homem, ao seu desenvolvimento i
livre e integral. i
~
É impossível a ciência ser respeitada unicamente por meio de uma
regulamentação ética ou por autocontrole ético. Há necessidade de um
aparato legal que crie condições concretas e permanentes no sentido de
dirigir a ciência como um processo criador mais produtivo intimamente

26
27 ~
~
REFERÊNCIAS

KONSTANTINOV, F. V. et al. Os Fundamentos da Filosofia Marxista-leninista.


Tradução João Alves Falcato. Volume 1. Portugal: Novo Curso Editore~, 197S ..
LENIN, V. I. Diàlética e Ecletismo: escola e aparato. ln: INSTITUTO SOBRE OS
SINDICATOS. Obras Escolhidas. Moscou: Editorial Progresso, 1970. (Tomo 3)
LENIN, V. I. Materialismo e Empirocriticismo. ln: INSTITUTO SOBRE OS .
SINDICATOS. Obras Escolhidas. Moscou: Editorial Progresso, 1970. (Tomo 5)
FEOO,SSEIEV, P. O Materialismo Dialético e a Ciência Contemporânea. ln:
SIMPOSIO INTERNAOONAL. Revista Internacional, Checoslováquia, n. 49, 1978. Reflexões Sobre a Dialética
MONBEIG, P. Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1957.
VIEIRA PINTO, Á. Ciência e Existência. Rumos da Cultura Moderna, n. 20.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
RESUMO: no presente enfoque, o autor submete. aos estudiosos algumas
reflexões sobre a importância da dialética materialista como
concepção e método inerentes à realidade. objetiva do mundo,
da natureza e da sociedade. Na sua estrutura inicial, o trabalho
procura refutar uma série de interpretações que restringem e
deturpam a compreensão concreta do mundo, visto em sua di-
mensão sistêmica de totalidade, mediante o emprego da lógica
dialética. As leis e categorias dialéticas mais universais são
. reveladas como valores superiores, imprescindíveis em nossa
busca para conhecermos os fenômenos tais como existem e virão
a existir como reprodução nova.

28
A DIALÉTICA: CONCEPÇÃO E MÉTODO A dialética materialista não reduz o mundo da consciência a produto,
a resultado da matéria, como fazem 'os materialistas vulgares. Estes
reduzem mecanicamente a elaboração da consciência ao simples

A
dialética, como concepção e método, confirma o contínuo mo-
funcionamento fisiológico do cérebro, quando, na realidade, o conteúdo
:ime:ito da maté~ia - apresent~da. e~ todas ª.s suas fo~as, ·
inferiores e superiores - em sua in:finitude e urudade, define o .';'
da consdência como base espiritual do ser humano é formado, como
mundo como um processo ininterrupto do vir a ser, portanto, a transfor- já mencionamos, pela relação cognitiva do homem com o seu.m~do
mação da própria matéria. No dizer de Engels (1956, p. 42, p. 44), "O objetivo e tendo na estrutura cerebral o seu substratum especializado
conceito do mundo é unitário, o ser real, o mundo real, forma domes- capaz de refletir (imagem subjetiva) o mundo exterior (realidade
mo modo uma unidade indivisível[ ... ] a unidade real do mundo con- ·Í objetiva). · - ·
ºj Do mesmo modo, o materialismo dialético contrapõe-se a todos os
siste em sua materialidade".
A dialética materialista não reduz os processos espirituais existentes
na consciência do ser humano (pensamentos, sentimentos, aspirações,
] materialistas que consideram a consciência atributo da matéria inerente
a todas as suas formas animadas (inferiores e superiores). Da mesma for-
estados de ânimo, emoções etc) à condição de substânc;ia, tomo querem
1 ma, refuta aqueles que estabelecem a duali.dade na questão da essência da
1
fazer crer os 1'idealistas", notadamente os compromissados ideologica- consciência. Esta seria, em relação ao objeto refletido, uma imagem "ideal"
·1
mente como sistema de dominação reinante. Querem fazer crer oerante ! e, em relação ao substratum cerebral, manifestar-se-ia como material.
a sociedade que os materialistas dialéticos são desprovidos de senfunentos, Argumentação deveras falsa, tendo em vista que a consciência é de natu-
emoções, enfim, dos valores espirituais que os seres humanos têm em si. reza imaterial, traduzida em imagens abstratas configuradas em pensa-
Muito pelo contrário, os aspectos subjetivos do homem são, em ordem mentos, sentimentos, emoções etc.
·crescente, no dia-a-dia, valorizados pelos povos que imprimiram uma O materialismo dialético também refuta aqueles que não consideram
nova construção da sociedade humana, regida pelas leis objetivas do a consciência como reflexo da realidade objetiva, mas sim como criação
1 desta mesma realidade. São os que fundamentam tal proposição no fato
desenvolvimento dialético e histórico da humanidade. í
1
de o homem transformar o mundo mediante sua opção prática sobre ele,
Utilizando-se das ciências que se preocupam em conhecer o mundo l como também por sua ação interpretativa e explicativa. Assim, uma U:-
do consciente e do inconsciente do homem - neuropsicologia, neuro-
fisiologia, psicologia, psiquiatria etc-, a dialética materialista comprova teroretação do mundo desprovida de transformação deste mundo sena
cientificamente que as "emanações espirituais" do homem são reflexos impossível. Trata-se de uma formulação errônea, em virtude de que,ª
da realidade objetiva, portanto, do mundo circundante ao homem, re- criação encaminhada pelo homem em qualquer espaço concreto de ana-
fletidos por um complexo material - a estrutura cerebral. Por intermédio lise só pode advir se a sua consciência refletir os valores contidos no ~ei:i­
dos nossos órgãos sensoriais, a realidade objetiva exterior é captada e cionado espaço. Para tanto, há necessidade de o homem, em decorrencia
conduzida pelo sistema nervoso central até a mencionada estrutura e de sua atividade criadora mental, submeter-se às leis objetivas existentes
transformada por esta em forma de imagens ideativas reflexas dessa fora e independentes de sua consciência.
Pela mesma razão, o materialismo dialético refuta os investigadores
mesma realidade. Na seqüência das operações mentais - sensações,
metafískos relativistas pelo fato de absolutizarem a realidade, portanto, o
percepções, representações e pensamento lógico dialético - o reflexo,
que só produz em parte o objeto refletido, a partir da operação sensorial, caráter incompleto e aproximativo do conhecimento, eliminando a contra-
adquire, na el~boração final, a forma mais acabada que a etapa atual dição entre o verdadeiro e o falso.
Segundo os relativistas (como exemplo, Karl Popper), há sempre uma
do desenvolvimento do pensamento pode produzir: juízos, raciocínios,
substituição contínua do conhecimento em níveis cada vez mais absolutos:
hipótese, teorias.
31
30
REFLEXÕES. SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA

11
a ininterrupção do processo cognitivo, a continuidade entre o novo e o ...,1 da realidade objetiva maior, fruto de suas relações sociais com os seus
velho, o caráter positivo da negação, que é dialética por natureza, isto é, -:~·
semelhantes no processo da produção, da divisão e do consumo. De
que está ela mesma sujeita a negação, tudo isto desaparece do campo de acordo com o nível de organização social atingido pela sociedade e seu
visão de um relativista" (OIZERMAN, 1972, p. 43). · .. ·•·. grau de desenvolvimento, define-se a capacidade do homem de trans-
A dialética materialista reconhece a relatividade de nossos conheci- . formar a primeira natureza na segunda natureza, ou, em outras palavras,
mentos, não no sentido de negar a verdade objetiva existente no-nível da em elementos de vida social. Diz Cheptulin (1982, p. 113):
natureza e da sociedade, mas, corno dizia Lenin (1970), "no sentido da
'
condicionalidade histórica dos limites da aproximação dos nossos conhe- é precisamente esse fato, isto é, a presença no sujeito da capacidade de um
cimentos a esta verdade". Na questão epistemológica, o materialismo reflexo subjetivo da realidade objetiva, do seu conhecim1?1to, que o transfornu:-
dialético não reduz a consciência ao simples reflexo do novo, isto é, da des- em um sujeito real, capaz de agir sobre o mundo ambiente e de transforma-
coberta de que surge corno realidade nova, mas também no campo do já l lo de forma criativa, porque, como já dissemos, uma transformação que tende
conhecido. 1
a uma meta da realidade pressupõe o conhecimento de suas propriedades e
No processo de relacionar-se com o espaço geográfico, o homem im- ligações necessárias, das leis do seu funcionamento, do desenvolvimento e
1
. prime transformações concretas neste mesmo espaço. No dizer do autor das possibilidades que disso dependem.
materialista Cheptulin (1982, p. 109), constitui criação que 1

Os que se apegam ao fato de a consciência refletir a realidade e, corno


repousa sobre o reflexo da realidade existente e de suas possibilidades reais, tal o seu desenvolvimento deverá conduzir ao conhecimento acabado,
de seus aspectos e ligações necessários, das leis objetivas de sua transformação defuutivo da natureza e da sociedade, são analistas mecanicistas superfi-
e do seu desenvolvimento. É precisamente a essa atividade criadora que a ciais, pois reduzem a realidade refletida à forma estática, corno se nã?
consciência está ligada, porque é precisamente ela que determina sua essên- houvesse urna transfori:nação contínua do mundo, da natureza, da soa-
cia específica. e
. dade do indivíduo. A reprodução nova do universo é ininterrupta em ra-
zão de a matéria e a consciência estarem submetidas a permanentes mo-
Ao refletir a realidade objetiva, a consciência fixa não somente vimentos aue ascendem, cada vez mais, àS formas complexas e superiores.
aquilo que é próprio ao objeto refletor (reflexo imediato); mas também Einbora o homem possa adquirir consciência universal, em termos de con-
o objeto que não existe realmente em dado momento (reflexo mediato). .. ceitas gerais-por exemplo, o conceito da necessidade ~a ~az.univ~r~al,
Os que argumentam que a consciência não reflete mas cria a realidade, da necessidade da interdependência dos povos, da coeXIStencia pacífica,
justificam tal proposição na medida em que identificam o conceito de · da libertação de todos os povos oprimidos das garras do imperialismo etc
sujeito com o conceito de reflexo subjetivo da realidade objetiva, quan- - é impossível ao ser humano abarcar todos os conhecimentos de que a
do, em verdade, tal identificação é incorreta. Na concepção do materia- ·humcinidade dispõe em cada momento histórico de sua existência, tendo
lismo.científico, o sujeito é um sistema social material, tendo o homem, em~ que nenhum desenvolvimento conduzirá à transformação da cons-
por intermédio de seu trabalho, criado a sua segunda natureza - cultural ciência individual em consciência universal do "todo" conhecido.
e civilizatória. Isto significa ser o sujeito da história que se apropria da · Há que ressaltar o aumento progressivo do conhecimento do homem
primeira natureza e a transforma de acordo com as suas necessidades, · em vez de reduzir a faixa do a ser conhecido; amplia-se continuamente
seus desejos e aspirações, em função dó grau de desenvolvimento po- a bilscá do ser humano por conhecer, mais e mais, a realidade do univ~rso.
lítico, econômico, temológico e social de que dispõe a sociedade. Sendo A possibilidade criativa do homem e o seu campo de atividade ampliam-
um sistema social/material, ele (o sujeito) constitui urna das parcelas se progressivamente.

32 33

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
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CAPíruLo II - Reflexões Sobre a Dialética

·cl
:1 mo trabalhador, isto é, para obter o ganho para subsistir como traba-
Aqueles que reduzem o reflexo da realidade à cópia fiel do objeto
refletor para se contrapor à teseleninista do reflexo falham, na medida lhador, necessita do. capital (traduzido em capitalista/ detentor dos
em que Lenin não considerava as sensações como imagens físicas dos meios de produção). Trata-se de uma relação contratual unitária (conexão
objetos, mas como imagens ideais (subjetivas) concretizadas sob influ- do capital com o trabalho) calcada na interdependência (autonomia de
ências incidentes no objeto refletido (no todo ou na parte) e no refletor· cada um e reciprocidade necessária de ambos) em função dos propósitos
(o homem). As limitações de nossos órgãos sensoriais, oriundas de fato- objetivados. Ao mesmo tempo, por se constituir em realidade antagônica
res diversos, herdados ou adquiridos, são limitantes reais no que diz - o capitalista buscaacumúlação crescente do capital, por meio da explo-
respeito à formação de imagens subjetivas verdadeiras da realidade ração da mais-valia; o operário/trabalhador busca melhoria salarial - são
objetiva:. Pela mesma razão, o conhecimento não científico da realidade contrários por natureza e travam, nQprocesso da produção, uma luta de
· leva ao conhecimento falso da mesma realidade; em vista de partir do interesses, sendo que a libertação do operário do sistema de exploração
subjetivo das pessoas. · dominante imposto dar-se-á, somente, com a eliminação da propriedade
1
Na medida em que o homem avança em sua análise científica da rea- privada dos meios de produção. Conclui-se que a conexão manisfesta-se
lidade, utilizando-se do raciocínio lógico dialético, de instrumentais e da 1 sempre com interdependência e interação. ·
práxis social, o seu comportamento subjetivista de análise vai-se diluindo 1 Simultaneamente, com o desenrolar desse processo de interação
e a verdade científica vai-se afumando como realidade objetiva maior, isto e luta dos contrários, efetuam-se mudanças graduais "no que existia
1
é, verdadeira e necessária. e continua a existir", revelando-se, então, a continuidade no processo
Os materialistas pré-marxistas viam a consciência como reflexo sub- de transformação gradual da natureza, da sociedade e do indivíduo.
jetivo da realidade objetiva de forma contemplativa e mecanicista, o que O mesmo processo desenvolve-se no âmbito das categorias específicas
equivale a dizer "de forma passiva e estática". A filosofia e o método do de cada ciência. São essas mudanças parciais que preparam o processo
materialismo dialético e histórico, herdeiro de toda elaboração positiva da revolucionário, que se afirma cada vez mais como realidade necessária
humanidade; mostram que o reflexo da realidade objetiva pela consciência para romper a continuidade e produzir o salto qualitativo que dará ori-
se produz de maneira dinâmica, criativa e simultânea com a transformação gem a uma nova realidade.
imprimida no espaço concreto pelo exercício da atividade prática do ho-
mem. Desta maneira, a consciência é vista como uma forma superior de
reflexo do mundo exterior e, em virtude disso, passa a ser instrumento RUPTURA
(Descontinuidade)
de orientàção racional na ação de transformação que o ser humano/ social
imprime em nosso universo.
A metodologia dialética, utilizando-se da lei da unidade e da luta dos
contrários, confirma a conexão e a interdependência dos fenômenos em
toda a realidade objetiva. Tomando como exemplo, num marco industrial,
o estudo de suas categorias mais importantes - capital e trabalho-, veri-
.ficamos a respectiva.unidade entre ambos em tomo de seus objetivos
pragmáticos. Deste modo, o capital, para reproduzir-se como capital, para
que haja acumwação e reprodução orgânica contínua, necessita do tra- MUDANÇAS QUALITATIVAS
MUDANÇAS QUANTITATIVAS
balho traduzido na força física e mental dispendida pelo trabalhador no (Gradativas) (Radicais)
processo de produção. Por sua vez, o trabalhador, para reproduzir-seco-
35
34
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA CAPiTuLo II - Reflexões Sobre a Dialética

No exemplo mencionado, a contradição irreconciliável entre o capital · An~gação da negação aparece corno síntese de todo o desenvolvimento
. e o trabalho vai exigindo de ambas as partes posicionamentos cada vez anterior. Assim, no desenvolvimento das sociedades, cada urna das etapas
mais radicais, e a nova realidade surgida das contínuas transformações nega-se mediante outra etapa; esta, por sua vez, mediante urna terceira,
quantitativas vai-se impondo corno necessidade objetiva para a socie- e, sucessivamente, vai-se estruturando no processo dinâmico uma cadeia
.dade. Chega-se a um determinado momento em que as premissas para . contínua de negações. A tese é negada pela antítese, e ambas são negadas
o salto qualitativo estão maduras e a base de sustentação do capital - a pela síntese, sendo esta a resúltante superior das du~, três ou mais nega-
propriedade privada dos meios de produção - é rornpidél e substituída ções, já que, nem sempre, a dupla negação é suficiente para dar a passagem
pela base de sustentação do trabalho - a propriedade social dos meios · da coisa em seu contrário. É evidente que a lei da negação atuará diversa-
de produção. O salto começa no momento em que as mudanças ininter- mente em cada situação concreta de~acordo com as diferentes condições
ruptas chegam a um limite rigorosamente determinado para cada pro- existentes nos diferentes fenômenos. Trata-se de um movimento irreversível
cesso dado. É ele que determina o caráter do novo movimento ininter- em que cada fase sintetiza toda a riqueza das fases precedentes. É preciso
rupto que se segue. explicitar que, na lei da negação, o seu aspecto fundamental não é a du-
O salto, em sua dimensão qualitativa, portanto, superior, só se processa pla negação, mas sempre a "repetição" dos níveis da etapa transposta sobre
no âmbito das contradições antagônicas que carregam mteresses opostos. urna nova base, mais elevada, superior, e condicionada pela passagem do
Como exemplos que mais se evidenciam, citamos as contradições entre fenômeno em seu contrário, no curso da negação de certos estágios quali-
senhores feudais e servos de glebas, no período feudal; entre burgueses tativos por outros. O saltcrnegação representa dois momentos organica-
e proletários no período do capitalismo industrial; as existentes na atuali- . mente ligados, em que um não pode existir sem o outro: o momento da
dade entre proprietários latifundiários e carnpesinato, entre o modelo de destruição e o momento da criação formam a unidade dialética da negação
produção capitalista e sustentabilidade ambiental. e da afirmação. . ·
Lenin (1970) já dizia que "o desenvolvimento é luta de contrários" e A metodologia dialética revela a unicidade na pluralidade dos objetos,
a dialética considera a contradição corno a sua categona mais importante l
dos corpos existentes no universo. Define-se por meio de padrões comuns
1 -
em qualquer realidade de análise. Urna determinada coisa contém em si ' que todos os objetos, todos os corpos possuem existência própria, o que
a sua própria negação. Negar dialeticamente não significa apenas dizer significa.existir independente do nosso julgamento subjetivo, portanto,
não. Esta é urna postura bem metafísica. daquilo que pensamos. _
A negação dialética, além de ser condição e fator de desenvolvimento,· .· O método dialético confirma a inesgotabilidade, a conservaçao e a rencr
é, ao mesmo tempo, elemento de ligação do novo com o velho. Tornando vacão da matéria nas suas propriedades e manifestações, bem como o
corno exemplo a sociedade escravagista, em que os instrumentos de trà- •espaço e tempo objetivos e corno formas universais, infini~ da ~xistência
balho (as ferramentas) estavam separadas do produtor (escravo), sendo da matéria. Não há matéria fora do espaço e do tempo e nao ha espaço e
propriedade privada dos senhores, a história mostra-nos que senhores e ten:lpo fora da matéria.
escravos constituíam duas· classes sociais que se negavam, se contrariavam.
No momento em que o confronto atingiu o ápice, del!-Se a ruptura, sur-
gindo, então, urna nova forma superior de sociedade, a feudal, com per DA LÓGICA FORMAL À LÓGICA DIALÉTICA
der político descentralizado. Aparte da velha sotjedade que deixou de
ser necessária foi negada totalmente. A outra parte da velha sociedade, Finalmente, é preciso pontificar que a dialética, corno método supe~or
identificada em seus valores positivp§>. entrou na composição do novo está- do conhecimento humano, manuseia todo um conjunto de categorias
gio, real e necessário. " inerentes à essência dos fenômenos. São categorias que nos ajudam a

36 37
CAPíTuLO II - Reflexões Sobre a Dialética
REFLEXÕFS SOBRE TEORIA E OúTICA EM GEOGRAFIA

comprovar, a autenticar como científico o fato que pretendemos conhecer. · Se a lógica formal exclui a contradição como aspecto objetivo da
Todas elas- essência e fenômeno, conteúdo e forma, realidade· e possi- realidade e reduz o novo fato a um simples resultado de um processo
bilidade, necessidade e casualidade, causa e efeito, geral e particular e de transições gradativas, regulares, numa relação de concordância de
outras - são indispensáveis à investigação científica em qualquer ramo causa e efeito, em que a diversidade é substituída pela identidade, a
do saber humano. lógiea dialética, centrada na contradição com o anterior (~ngendrado
Na proporção em que os progressos se acentuavam. no domírúo da anteriormente), nega-o e dá surgimento a uma nova realidade que se
filosofia e da ciência, mais se configuravam as limitações da lógica formal · afirma como necessária, concreta e positiva.
como método de conhecimento humano capaz de explicar a gênese e o
desenvolvimento dos fenômenos que dão surgimento à nova realidade,:
\
fruto da contradição dialética.
A lógica formal foi e permanece válida na esfera das investigaçoes 1

simples, as que se efetuam no plano das relações mais diretas, externas


1
e próximas, em vista da preocupação central do pesquisador circunscre-
ver-se no plano de delimitar e de identificar com exatidão o fenômeno
ou objeto que se pesquisa, circunscrito ao processo que o faz existir~ O 1

fato observado exige aprofundamento somente no nível da aparência ' . \ POSITIVO . N~GATIVO l POSITIVO - NEGA~IVOJ
e não na da essência. O pesquisador trabalhará com correlações imediataS
estabelecidas nas categorias visíveis sem que haja necessidade do empre- L_ CONTRADIÇAO__j [ CONTRADIÇAO
go de categorias superiores, como, por exemplo, a reciprocidade deter- METAFÍSICA DIALÉTICA
minada e a totalidade, que têm por exigência e prática científica, a abs-
tração e a generalização.
Na medida em que a lógica formal considera o novo como resultante Vieira Pinto (1969, p. 186, p. 190),·em seu excelente trabalho Ciência e
'
.,i. · Existência, define com precisão o papel da lógica dialética:
da simples relação de concordância de causa e efeito, ellininando deste
modo o motor do desenvolvimento do mundo orgânico e inorgânico - a
contradição -, ela revela-se limitada como metodologia instrumental à A presença dn homem impõe oemprego da razão dialética porque acm:ipreensão
altura da interpretação científica deste mesmo mundo. A complexidade do fenômeno humano, em si mesmo e em sua atuação so~re a realidad~, per-
da realidade, materializada na infinitude dos fenômenos e objetos existentes . tence de direito àdialética. Esta é a ciência do processo universal da realidade,
nos micro e macro mundos, e a expansão progressiva dó saber filosófico, suas leis estão presentes no íntimo dos seres edos acontecimentos, mas. so~te
científico e social, na busca da realidade Ôbjetiva como totalidade, exigem n.a reflexão humana seJaz consciente de si [.. .]. Ao viver, o homem histonciza
que o pensar formal seja apenas um complementtrnecessário da lógica ·o tempo, a duração cronológica do existir da real!at:de: · · ~ .
superior generalizada do pensar, que é, por sua natureza, dialética. O pen- i
!
Sem ohomem, oque oc.orre é apenas evolução, geológica ou organ.t.ea, mas apenas
sar formal continua válido na sua aplicabilidade às condições restritas da · aintrodução da razão engendra ahistoricidade, a perspectiva histórica, pda intro-
realidade. O aprofundamento desta mesma realidade, em termos de atin- 1 dução da distinção entre passado, presente efuturo [. ..]. . . . .
O homem não pode compreender a realidade circundante, sempre limitada, que
gir (revelar cientificamente) a essência dos fenômenos, contida na estrutura · ·! o encerra e à qual tem acesso, aquela que constituí a sua "situação", e ainda
interna da matéria orgânica e inorgânica, exige do homem, como sujeito 1

histórico, o emprego da razão dialética. 1 a sua própria realidade senão por via dialética, e por isso tem de se interpretar
39
38
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO II - Reflexões Sobre a Dialética

1
como um processo particular dentro de processos cada vez mais gerais; o da As leis e as categorias da dialética, como sabemos, estão interligadas
sua comunidade, oda espécie, o da evolução biológi,ca, oda produção da maté- e elas são frutos dos objetos e fenômenos existentes objetivamente no espa-
rúz viva, e, por fim, o da existência absoluta., unitária e infinita do universo. ço natural e sociál. As categorias refletem as caracteríSticas mais gerais e
universais desta realidade objetiva.
Concluindo, a lógica formal configura-se como lógica de expressão Para entender a própria unidade do mundo material, é preciso traba-
de idéias traduzidas por símbolos, sinais organizados em linguagem, lhar, de maneira segura, as categorias como estruturas objetivas reflexas
ao passo que a lógica dialética existe de forma subjetiva no mundo da interligadas, mutáveis e móveis. No dizer de Rosental ~Iudin (1972, p. 129),
natureza, da sociedade e do indivíduo em suas expressões cognoscitivas li as categorias devem ser tão móveis e fleXíveis como os fenôme~1os de que

objetivas (relação do homem com a natureza) e subjetivas (relação do são reflexo".


homem com as idéias). Na primeira, a forma, o conteúdo do objeto sobre Os idealistas normalmente deturpam a natureza dialética das çate-
o qual o sujeito atua são estáticos, não dinâmicos, sendo desprovidos gorias, ora dissociando-as - como exemplo, as universais tidas como
de movimentos; na segunda (a dialética), o conteúdo é dinâmico e en- existência autônoma sob formas de essências ideais particulares
contra-se submetido a movimentos contraditórios e sucessivos e evolui (concepção realista da natureza)-; ora entendendo que os conceitos das
sempre do estágio inferior para o superior. categorias não exprimem ou não significam algo, dado que o objeto de
definição. não existe na realidade objetiva, existindo nela apenas
fenômenos particulares e coisas singulares (concepção nominalista); ora
AS CATEGORIAS DA DIALÉTICA subestimando o papel de determinadas categorias e absolutizando o
significado de outras (concepção relativista).
Resta-nos tecer algumas reflexões a respeito das categorias da · Passemos à análise simplificada de algumas categorias fundamentais:
dialética materialista como conceitos básicos que refletem as propi:i- • Geral e particular - o particular é definido por apresentar traços espe-·
edades e nexos comuns mais gerais e essenciais dos fenômenos da cíficos em termos de propriedade e ligação inerentes a uma formação dada
/1
realidade e do conhecini.ento, e que exprimem encadeamentos mais (coisa, objeto ou processo).
universais da realidade objetiva em desenvolvimento" (KRÁSSINE; Cada indivíduo possui o seu próprio conjunto de especificidades em
CHAKHNAZÁROV, 1981, p. 36). forma de cqracteres pessoais, hábitos, aptidões, inclinações, interesses, capa-
Entre as categorias mais importantes na concepção do materialismo cidade etc. Por outro lado, além dos caracteres mencionados, individuais
científico dialético estão: matéria e consciência, espaço e tempo, contradi- a cada coiSa, objeto ou processo, há, em todos, traços comuns com outros
. ção entre novo e velho, quantidade e qualidade, salto e negação, movimen- objetos e fenômenos, tendo em vista que o particular não existe sem nexo
to e repouso, geral e particular, conteúdo e forma, causa e efeito, essência com o geral. No exemplo, todas as pessoas possuem traços comuns entre
e fenômeno, necessidade e casualidade, realidade e possibilidade.· si; todas as árvores têm elementos comuns de identificação que possibilitam
/1
O sistema de categorias estrutura-se a partir da unidade entre o seu enquadramento na categoria do geral" árvore e, ao mesmo tempo,
histórico e o lógico; do processo de conhecimento que vai do fenômeno têm, sem exceção, as suas peculiaridades específicas.
à essência, do exterior para o interior; do abstrato para o concreto; do · O geral e o particular estão em unidade dialética em cada formação
simples para o complexo, levando-se em conta as particularidades das material, de modo que os dois componentes- o de distinção entre os objetos
diferentes formas de atividades do homem, seu relacionamento inter- confrontados (particúlar) e o de semelhança (geral)-permitem estabelecer
dependente com a natureza e com a sociedade mediante seu trabalho· analogias com outras formações materiais. A resultante é termos a repre-
produtivo/ social. sentação maiS exata do objeto em estudo.

40 41
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA Ú\PÍTIJLO II - Reflexões Sobre a Dialética

• Causa e efeito - a relação causa-efeito é fundamental em toda pes- objetivas e necessárias que materializam a passagem da possibilidade à
quisa de caráter científico. Um fenômeno só se revela em sua natureza na realidade. A própria sociedade humana desapareceria se os homens que
medida em que detectarmos a sua causa. O materi<ilismo dialético ensina- a compõem se guiassem pelo acaso, tendo em vista que não haveria pos-
nos que a causa de um determinado fenômeno encontra-se em sua natu- . sibilidade de organização científica da produção de bens sociais, fruto da
reza interna, reside-na essência do próprio fenômeno. É evidente que as produção material e necessários à manutenção e continuidade da espécie
ações externas podem acarretar mudanças nos fenômenos, todavia, não · humana no planeta Terra. Ex: No Brasil de hoje, as condições objetivas para
se pode atribuir às ações exteriores as origens e existência dos fenômenos. transformação da sociedade para melhor estão em grande parte amadu-
É na natureza interna das coisas que estão as razões de sua existência. Ex.: recidas, mas as condições subjetivas estão aquém, isto é, recuadas como
O movimento da Terra ao redor do Sol é resultado de suas forças inerentes necessidade histórica. _
- atração e repulsão. • Conteúdo e forma - ambos estão em correlação orgânica interdepen-
A concepção metafísica da causalidade reduz a correlação causa-efeito dente, de maneira que um fator não pode existir sem o outro. O conteúdo
à simples ação de um corpo sobre o outro. Hegel (1770-1831) já havia deve ser visto como um todo unitário no qual os elementos que compõem
superado esta concepção, na medida em que considerou causa-efeito um determinado objeto estruturam uma totalidade (em virtude da inte-
como uma interação dialética, aproximando-se bastante da concepção .ração) dialética em movimento.
marxista da causalidade. A integração, como já frisamos, é inerente à A forma é a maneira pela qual esses componentes do objeto que defi-
própria realidade determinada, isto é, acha-se subordinada às leis, à ne- nem o conteúdo se congregam compondo sua estrutura. Na relação con-
cessidade e à causalidade objetiva reveladas no processo do conhecimento teúdo/ forma, o primeiro desempenha o papel principal em vista de ser
e da prática exercidos pelo homem. o determinante da forma e de suas mudanças forçarem mudanças também
• Possibilidade e realidade - ambas estão organicamente ligadas, na forma. Esta, por sua vez, atua sobre o conteúdo, estimulando e acele-
sendo que a possibilidade constitui a condição objetiva (realidade con- rando o seu desenvolvimento, quando tem correspondência com ele. No
creta) do novo em seu estado potencial, e a realidade já traduz a trans- momento em que ela deixa de corresponder ao conteúdo, toma-se.um
formação da possibilidade no novo, ou, o que é equivalente, a possi- entrave e freia o desenvolvimento do mesmo. Surge, então, na unidade
bilidade concretizada. conteúdo/forma, a contradição crescente, havendo, no processo final
Cada realidade encerra em si mesma inúmeras possibilidades~ cuja desta, a destruição da forma obsoleta, e o novo conteúdo adquire uma nova
materialização no novo dependerá de premissas necessárias existentes forma. Por exemplo, as relações de produção e as forças produtivas no atual
em cada situação histórica concreta no âmbito da sociedade, no contexto estágio do sistema capitalista estão defasadas pelo fato de as últimas te-
da formacão socioeconômica. rem-se desenvolvido mais rapidamente do que as primeiras. Como resul-
É evid~nteque há possibilidades formais, isto é, as· desprovidas de tado, nao há a correspondência necessária para se manter o "equihbrio"
condições necessárias que as fariam concretizar-se como realidade.Já as· e poder perpetuar-se a reprodução capitalista. O resultado é a agudização
possibilidades reais, como o próprio nome indica, são concreta5, em vista progressiva das contradições até que se produza a ruptura do processo,
de as premissas estarem maduras para a transformação nova (fenômenos simultaneamente com o salto qualitativo, resultando, então, um novo con-
qualitativamente novos). teúdo revestido de uma nova forma.
As possibilidades são muitas, mas para cada dado momento somente· · · É bom frisar que o conteúdo é sempre mais dinâmico, pelo fato de estar
uma se realiza, se concretiza como realidade necessária. Igualmente, não subordinado ao movimento absoluto da matéria. Portantq, ele se trans-
se pode considerar a transformação das possibilidades em realidades, em forma constantemente, ao passo que a forma é mais "estática" (repouso
função da contingência, do acaso, uma vez que são a8 condições concretas relativo). Daí a defasagem mencionada.

43
42
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPITulo II - Reflexões Sobre a Dialética

O capitalismo seria "eterno" se conseguisse conciliar as forças produ-


ressaltar que o conteúdo não se define unicamente pela essência, mas pelas
tivas com as relações de produção. Mas, por sua essência exploradora da
força de trabalho físico e mental do trabalhado~ pela sua natureza classista condições objetivas de sua existência. Isto implica dizer que ele é efêmero
(flutuante), mutável e casual, ao passo que a essência revela determinada
em termos de dominante e dominado, pela contradição antagônica entre
capital e trabalho, por sua condição vital de existência calcada na repro- estabilidade imutabilidade e é causal durante o perdurar das mudanças
dução ampliada do capital e por ter como base de sustentação aproprie- quantitativa~ (graduais) na estrutura inte1:1a dos fenô~~os. A essência
dade privada dos meios de produção, o capitalismo inviabiliza totalmente exprime o geral, já o fenômeno é algo de sm?111ar, exp~do um ~utro
a sua condição de ser permanentemente necessário à humanidade. As ten- aspecto da essência. Ambos formam uma urudade correlativa entre s1, em
tativas de conciliação, as que foram e as que são implementadas nos dias . i
que um define o outro e os dois desempenham importante papel no pro-
cesso de detectar a verdade.científica.
atuais, são paliativas e temporárias. Acentua-se mais e mais o distancia-
É bom termos em conta que o fenômeno - forma de ser da essência-,
mento entre os possuidores e os despossuídos, e a ruptura vai-se caracte-
pelo fato de expressar o singular, não coincide ~om a essência, inve~amente
rizando nos processos de liberação dos povos que aspiram a um mundo
melhor, o mundo do socialismo. distingue-se dela e chega, às vezes, a deforma-la. Por :xemplo, a agua co-
locada num vasilhame de cristal revela ser pura (fenomeno), no entanto
A tentativa de etemização do capitalismo efetua-se na esfera dos ideó-
logos do sistema a serviço das classes dominantes. A dialética confirma submetida à análise química, sua essência revela centenas de microorga-
nismos. Outro exemplo reside no salário do trabalhador, que parece s~r
a trajetória infinita de reprodução nova em todos os domínios, até mesmo
a dos sistemas e respectivos regimes políticos. justo e corresponder ao pagamento do seu trabalho efetuado, mas,~ reali-
! dade, sabemos que corresponde a apenas uma parte dele, apropnando-
• pssência e fenômeno - pontificam Konstantinov et al. (1974, p. 205)
que compreender"a essência de um objeto significa compreender a causa
1 se o capitalista da outra, na forma de mais-vAali~. A .
1 Se o materialismo dialético afirma que essenaa e fenomeno se definem
do seu aparecimento, as leis de sua vida, as contradições internas que lhe
um por meio do outro, não significa coincidênci~ entre os dois; ele~ n_ão
são específicas, as tendências do desenvolvimento e as suas propriedades
determinantes". 1 coincidem, embora não sejam excludentes. O fenomeno sempre se distin-

gue da essência. Por conclusão, o primeiro não p~de ser com~ o ~egund~
Tal colocação conduz-nos a penetrar na natureza da coisa que se 1
e, em qualquer situação em que se revela, ele derorma ~ essenaa. Esta e
busca conhecer, a fim de que possamos detectar com maior cientificidade 1 a razão pela qual os fenômenos, de um mo~o gera~ n~o oferecem o re-
a causa, a necessidade e a lei que regem todos os fenômenos contidos num ·
conhecimento verdadeiro da natureza da coISa (essenaa).
determinado objeto submetido ao nosso inquérito analítico. Com base
Lenin (1977, p. 124), no estudo dessa correlação, definiu: "O que n~o
neste encaminhamento, penetramos no interior do objeto, onde a essência
é essencial, o aparente, o superficial, desaparece mais t;eq~~temente, nao
do fenômeno revela-se como o "conjunto de todos os aspectos e ligações 1
é tão "sólido" tão firmemente instalado, como a essenc1a .
Por suave~, a essência, apesar de ter certa estabilida_de em r~lação ~o
necessários e internos (leis) próprios do objeto, tomados em sua interde- 1
pendência natural" (CHEPTULIN, 1982, p. 276).
1 fenômeno; está subordinada à lei do movimento e, por conse~te, nao
Desse modo, a essência do capitalismo está na propriedade dos meios
de produção. . 1 permanece imutável, embora o seu moviment? se proc:s.se ma:s lenta-
mente. A passagem do capitalismo pré-monopolista_(dommio da ~vre con-
A essência liga-se à categoria do geral pelo fato de revelar o que o objeto
corrência -mercantilismo) para a sua fase monopolista (exportaçao de ca-
tem de elementos comuns, genéricos; o fenômeno é a fomia de que a essên- 1
pitais -imperialismo) e para a fase do capitalismo monopolista de Estado
cia se reveste exteriormente. Trata-se do conjunto dos aspectos exteriores, 1 e de empresas é uma boa exemplificação que demonstra_ce~as m~dm:ças
das propriedades da essência e, portanto, não pode existir sem ela. Há que
na essência, muito embora a sua natureza tenha se mantido rrnutavel, isto
44
45
CAPÍTULO II - Reflexões Sob~e a Dialética
REFLEXÕF.5 SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA

é, tenha permanecido a mesma base de sustentação do sistema capitalista, • a ideologia, sendo um sistema de idéias ligadas intrinsecamente à
a propriedade privada dos meios de produção. vida das classes sociais, constitui uma forma de conhecimento. As
Finalmente, o mundo é todo dialético e para conhecê-lo, há que se utili- ideologias burguesas estão eivadas de elevado grau de mistificação,
zar e manejar corretamente as categorias, tarefa, por sinal, não muito fácil o que contribui substancialmente para diluir o significado real da
para nós, membros da sociedade capitalista, em virtude de um conjunto ,verdade;
de razões concretas, entre as quais mencionamos: • a confiança plena de muitos pesquisadores nos chamados códigos
• a ausência de tradição filosófica na via do materialismo dialético e de ética profissional. Diga-se que tais códigos, se ~ão forem freqüen-
e
histórico em nossas escolas de nível médio superior; temente respaldados por uma ampla base social e política, perdem
• a doutrina materialista, vista a partir da Segunda República, como os seus atributos de validade e.a mistificação invalida mais o saber
algo "perigoso" à nossa soberania, por militares, políticos e empre~ científico e artístico (GOMES, 1981).
sários; A metodologia dialética confirma que o historicismo nos ensina que
• a doutrina materialista vista, a partir da Segunda República, como cada realidade deve ser analisada de acordo com a dimensão histórica
"nociva e corruptora" dos nossos prinápios étim·rellgiosos. retratada nas diferentes etapas do desenvolvimento da humanidade,
Acrescemos ainda um conjunto de dificuldades de diversas ordens, mmo: em suas formas concretas de manifestação histórica. A metodologia
• o emprego ainda muito corrente da linguagem de uma ciência no dialética ensina-nos que, ao buscar captar uma realidade, temos que
âmbito de uma outra, procedimento que prejudica a manutenção apreendê-la em seu desenvolvimento, em sua história, e para ta~to
da unidade do atual saber científico; necessitamos do emprego do método histórico e do lógico~ em perfeita
/1
• ·a prática de abordagens" estritamente especializadas que reduzem interação dialética.
o investigador, notadamente no campo das ciências sociais, ao do- Valendo-nos dessa compreensão geral do materialismo dialético
mínio do particular em detrimento dos sistemas de ligações e intera- como doutrina e método, da importância das categorias da dialética
ções que existem no corpo dos aspectos e fenômenos sociais concretos; materialista e das razões concretas para conhecermos o mundo dialético,
• uma certa dosagem de elementos subjetivos, enquanto a verdade per- encaminhamos nossa abordagem para o exame crítico das dimensões
tence à realidade objetiva; espaciais/temporais existentes em tudo que define uma realidade
• a exterioridade do fenômeno não coincide coma sua interioridade, objetiva. Esta, por sua vez, ocupa espaço determinado no plano da Terra
levando-nos a conclusões errôneas; e do Universo, e se reproduz, dialeticamente, na continuidade histórica
• o pensamento e o comportamento idealistas (mecanicista, agnóstico, da natureza e da sociedade.
positivista, pragmatista, neo-positivista etc) estão muito arraigados,
como teoria e prática, na sociedade capitalista;
• as investigações científicas estão inseridas no domínio das leis das
relações espaço-tempo (modos de ser da matéria) e a maioria dos nos-
sos teóricos não as manipulam corretamente;
• a mesma insegurança no tocante ao manuseio das leis da dialética
materialista no plano da estruturação teórica e da comprovação
prática;
• pelas mesmas razões, as categorias filosóficas são também mal ma-
nipuladas e mesmo desconhecidas;
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

REFERÊNCIAS
1
1
1
CAPITULO III

CHEPIULIN, A A Dialética Materialista.· Tradução Leda Cintra Ferraz. São Paulo: ~


Alfa-Omega, 1982. ~

I
~
.
ENGELS, F. Ànfi-dühring. Buenos Aires: Hemisfério, 1956. -

GOMES, H. A Pesquisa Geográfica. Boletim Goiano de Geografia. Goiânia, v. 1,


n. 2, 1981. 1

KONSTANTINOV, F. V. et al. Os Fundamentos da Filosofia Marxista-leninista.


Tradução João Alves Falcata. Volume 1. Portugal: Novo Curso Editores, 1975.

KRASSINE,.I.; CHAKHNAZAROV, G. Fundamentos do Marxismo-leninismo.


Moscou: Progresso, 1981.
Espaço /Tempo em Geografia 1;
-~
-
.

LENIN, V. I. Essência e Fenômeno. Obras Completas. Moscou: Instituto de


Marxismo-leninismo, 1977. (Tomo 38) ~
OIZERMAN, T. A Dialética Materialista e o Relativismo. Ciências Sociais, n. 2, 1972.
RESUMO: o presente capítulo é uma tentativa a mais, entre outras, na busca
~
1-:o<

ROSENTAL, M. M.; IUDIN, P. F. Dicionário Filosófico, v. 3. Tradução Luís Marques de subsidiar os interessados na aplicabilidade correta das di- ~
"-X
Silva. Lisboa: Estampa, 1972. mensões espácio-ternporais contidas em todos os fenômenos ~
VIEIRA PINTO, Á. Ciênci;:i e EYjstência. Rumos da Cultura Moderna, n. 20. .que dão ordem à rnateríalidade do planeta Terra e do próprio
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. . Universo. Anossa procura pretende, por meio da lógica dialé-
tica, conceituar e configurar com precisão o espaço/ tempo co-
rno manifestação da matéria (aqui tornada na sua abrangência
total) em movimento. Trata-se de urna fundamentação baseada
no materialismo dialético e histórico corno teoria e método e, co-
rno tal, permanece sempre aberta às complementações surgidas
ao longo do processo contraditório em interação dialética que,
por sua vez, geram as mudanças quantitativas e qualitativas no
âmbito da natureza, da sociedade e do indivíduo. Sempre novas
verdades, novas realidades necessárias serão acrescidas ao sa-
ber já existente.

48
CAPÍTULO ID - Espaço/Tempo em Geografia
REFLEXÕES SOBRE TEORJA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

ESPAÇO/TEMPO Na concepção filosófica do materialismo dialético, espaço e tempo são


duas dimensões de uma mesma realidade, amaterialidade do mundo. Não
há matéria fora do espaço e do tempo, como também não há espaço e tem-
o ~resente, muito se tem ~to a respeito do espaço geográfico.

N Ha crescente procura canalizada na busca de sua caracterização


precisa como objeto essencial da ciência geográfica; que passa
a ser agora abastecida por essa questão epistemológica de base.
po fora da matéria. Eles são inseparáveis e, pelo fato de não existir matéria
sem movimento, fazem parte da dinâmica da matéria. O espaço se repro-
duz indefinidamente como novo espaço, e o tempo como novo tempo.
O espaço é tridimensional e o tempo unidimensional e ambos são for-
No Brasil, nunca tivemos tanto interesse -por parte dos estudiosos -
dirigido para a gnoseologia espacial. Os trabalhos de Milton Santos, Ruy mas objetivas da matéria em movimento. Diz Konstantinov:
Moreira, Ariovaldo Umbelino, Antônio Carlos Roberto Morais, Armando -·
Corrêa da Silva, Lenyra Rique da Silva, Douglas Santos e outros, já forne- o conceito de espaço exprime a coexistência das coisas e o afastamento entre
cem um substancial acervo teórico para que possamos avançar um pouco si, a sua extensão e aordem em que estão dispostas umas em relação às outras,
· mais na compreensão lógica dialética da totalidade espacial. É bem ver- [... ]o tempo caracteriza a sequência do desenrolar dos processos materiais,
dade que muitas das propostas formuladas ainda encerram uma real dico- o afastamento entre si dos diferentes estágios destes processos, a sua duração
tomia entre o arcabouço teórico utilizado (pesquisa fuTidamental) e sua e o seu desenvolvimento. (KONSTANTINOV, 1975, p. 96, 97)
correspondência prática (pesquisa aplicada). Outras pecam pelo caráter
mecanicista imprimido à análise geográfica espacial, isto é, não detectam .
a produção e a reprodução do espaço geográfico como realidade espacial/
temporal em movimento. Outras mais são desprovidas da científicidade
da lógica dialética, tendo em vista que tomam por objeto o estudo de variá-
veis isoladas do processo combinatório e não a totalidade sistémica conti-
da ~a inte;aç~o do geral com o particular e vice-versa. Há também os que,
por 1gnoranaa ou por postura ideológica, negam a materialidade do mun-
do da natureza, da sociedade e do indivíduo, portanto, da abrangência total
do universum. Muitos são os que, providos pela ideologia do idealismo, ESPAÇO I TEMPO
atribuem à denominada intelectualidade científica o atributo de sujeito his-
tóri~o. Não ~conhecem a sociedade como sujeito de nossa pesquisa, o que
Como a matéria possui um movimento absoluto e um repouso relativo
eqmvale a ilizer que não referendam o papel da prática social comei labo- e se acha dividida em um conjunto de formações materiais específicas
ratório que testa e comprova a validade científica das formulacões teóricas (particulares), é evidente que o conceito de espaço está atinente à extensão
e experimentais. • dessas formações; à relação entre elas, bem como as demais relações com
Neste trabalho, a nossa intenção não se prende a uma minuciosa abor- outras circundantes. A duração e~tencial dessas formàções e o seu cor-
1
respondente relacionamento com as demais - anteriores e posteriores -
dagem crítica das diversas formulações teóricas apresentaàas. Preten- j define o tempo. Em virtude da rotatividade dialética dessas formações,
demos, todavia, estabelecer algumas considerações que julgamos válidas
para uma possível compreensão mais científica da categoria espaço/tem- o espaço e o tempo sempre se reproduzem em novos valores.
Sendo propriedades essenciais da matéria, espaço e tempo somente
po e de sua importância no processo de análise e de síntese de toda reali-
· podem existir ligados organicamente com a matéria. Na me~da em ~u_:
dade objetiva que buscamos conhecer. A exemplificação, especificamente,
esta muda suas formas de existência no processo do desenvolvimento diale-
recai na sua maior expressividade no âmbito do espaço geográfico.
51
50
REFLEXÕFS SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO III - Espaço /Tempo em Geografia

tico do mtmdo, ambas as dimensões, pela mesma razão, também mudam. A concepção newtoniana de espaço e tempo é ~ecanicis.ta en: r~ão
Podemos exemplificar com a teoria da relatividade, para demonstrares- de 0 espaço e tempo serem independentes do movrmento, 1mut~veIS, e
ta dependência do espaço e do tempo da matéria. Desse modo, quanto não terem ligação um com o outro. Muito embora Newton o~ cons1d~ras­
maior for a densidade da matéria (massa do corpo), maior será a curvatura .· se objetivos, ele mantinha-os também como abso;utos: aqm entendi~~s
(deformação) provocada por.ele na geometria do espaço-tempo.Por sua no sentido de serem independentes da matéria. Dai a evidente contradiçao
vez, o tempo "andará" mais lentamente, em relação a outro, em função na concepção newtoniana. · · A • _

/1
da densidade e aceleração desse corpo. Em corpos acelerados a densidade Bunge (1970-1971, p. 99) salienta que a mecaruca de Newtoi: nao pro-
aumenta, fica maior, o que significa um tempo menor, mais "lento". Por- curou aprofundar a natureza do espaço e do tempo. Ela os considerou co-
tanto, espaço e tempo existem numa realidade em movimento, dependente mo dados desde a origem e supôs que o espaço era dotado de uma estru-
de sua existência e de suas formas. tura euclidiana e que o tempo era um parâmetro contínuo."
Outrossim, espaço e tempo são infinitos como a própria infinitude da
matéria. Cada formação material está subordinada à mudança dialética,
tem um começo e um fim e liga-se perenemente à outra formação, em vista
de que o desaparecimento de uma dará origem a outra~
Se aceitarmos que as representações que temos do espaço e do tempo
são reflexos destas duas dimensões e, por conseguinte, estão contidos na
realidade objetiva, contrapomos a concepção idealista de que ambas as
dimensões são produtos da mente humana.
O homem não teria condições de adaptação ao meio ambiente se as suas
sensações não refletissem a realidade objetiva do mundo. Lenin (1983, p.
179), em Materialismo y Empirocriticismo, afirma com clareza: ao reconhe-
/1
MOVIMENTO DIALÉTICO
MOVIMENTO MECANICISTA
cera existência da realidade objetiva, ou seja, da matéria em movimento,
independente de nossa consciência, o materialismo está obrigado indubita-
velmente a reconhecer também a realidade objetiva do tempo e do espaço." . Newton formulou a sua concepção sobre a mecânica dos corpos ba-
A concepção idealista de espaço e tempo decorre do conceito de maté- seado na metafísica e na teodicéia, dado que o seu espaço era dependente
ria esposàdo pelos idealistas, quer atribuindo à matéria a dimensão de ser de Deus, e o seu tempo, além de autônomo, permanecia s~pre inaltera~o.
·uma "abstração" (Avenarius); quer resultante de uma série de "sensações" Cheptulin (1982, p. 184) pontifica que "segundo essa teona, o esp,aço nao
/1
(Berkeley, Mach); quer, como Kant entendia, a matéria como uma coisa em está ligado às coisas de forma necessária, não depende delas; ele e eterno,
si" incognoscível; quer como outros, que tomam por matéria "propriedades" imutável e imóvel, enquanto que as coisas particulares dependem do es-
do .mundo material (ex: o movimento, o espaço, o tempo etc) e não a reali- paço, .existem :no espaço, movem-se com relação a ele." _ ..
dade objetiva do mundo; quer, como Hegel, que, em última instância, re- O materialismo dialético supera totalmente essa concepçao mecaruCISta
duz o mundo material em suas dimensões de espaço e tempo à "idéia abso- de espaço e de tempo ao considera~ ~ue a:nba.s as dim~~ões, _al~m ~e
luta"; quer como Russel, para quem matéria e espírito são meras'!construçfies estarem organicamente ligadas à matena ou as c01sas matenais, ~tão intrin-
lógicas de palavras", ou para o astrônomo James Jean, que atribui o conceito secamente ligadas à forma e à existência da matéria ..Na m:dida e~ que
de espaço e de tempo apenas à aparência dos fenômenos", como dimensões
/1
esta muda de uma forma de existência para outra, as dimensoes menaona-
que somente podem existir nos aspectos exteriores dos corpos. das mudam em suas características existenciais.
53
52
REFLEXÕE.5 SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO III -Espaço/Tempo em Geografia

Bunge (1970-1971~ p. 102), em seu artigo, demonstra corno a Teoria da mas de referências, mas eles dependem de todo o conjunto da mate-
· Relatividade Restrita, de Einstein, elaborada em 1905, pôs por terra a con- rialidade do mundo, corno já afirmamos. Corno salientamos, as dimen-
cepção clássica de espaço, ao assinalar que: sões do espaço e do tempo mudam na proporção em que haja modi-
• o espaço e o tempo não são independentes um do outro, mas são os ficação no campo de gravidade. Quanto maiores as massas dos corpos,
componentes-de urna certa unidade de maior ordem, denominada maior será a força gravitacional e maiores as divergências das proprie-
espaço/tempo, que se decompõe em espaço e em tempo com relação· dades espaciais/temporais em comparação analógica com a geometria
a um sistema de referência determinado; euclidiana.
• a extensão e a duração não são absolutas, isto é, independentes do O espaço e o tempo exprimem continuadamente um ser (existir) e um
sistema de referência, mas tomam-se mais curtas ou mais longas pre- vir a ser (vir a existir). O rna:teria:lisrno-dialético considera o espaço e o tem-
cisamente em função do deslocamento do sistema de referência. po dotados de dimensões relativas e absolutas. São relativos na dimensão
A relação superior espaço/ tempo deve ser vista dialeticamente. Isto em que as suas propriedades concretas são sempre condicionadas pelas
significa que a conexão de ambas manifesta-se sempre com interdepen- propriedades da matéria em movimento, portanto, em mutação, e abso-
dência e interação. Cada dimensão tem a sua identidade, portanto, sua lutos corno formas gerais e objetivas da própria existência da matéria. Sem
especificidade, em que não há absorção de urna pela outra, embora ambas matéria, não há nem espaço e nem tempo, e vice-versa. Outrossim, o espaço
estejam simultaneamente ligadas. · e o tempo são também contínuos e descontínuos. A continuidade é revelada
pela inexistência do isolamento absoluto entre dois dos seus elementos
constitutivos. Sempre há um elo de ligação espacial e um elo de ligação
MOVIMENTO DIALÉTICO,
temporal, e ambos estabelecem a unidade espacial/ temporal existente nos
corpos materiais e seus processos. A descontinuidade do espaço e do tempo
está contida nos componentes estruturais dos objetos e dos processos
materiais, e é dimensionada em termos de diferenças qualitativas e de
propriedades internas.
Os dois sistemas filosóficos - materialismo e idea:lisrno - corno concep-
ção teórica: e metodológica distintos, definem a: questão fundamental da
filosofia, isto é, a questão da essência do mundo, da sua natureza e da
Pelo fato de o sistema de referência estar ligado ao observador, rnµi- possibilidade de o homem vir a conhecê-lo, corno também definem todo
tos são levados a pensar que as grandezas (corpos materiais corno sis- e qualquer encaminhamento científico teórico e prático, de acordo com
temas de referência) sejam realidades subjetivas, por conseguinte, a opção filosófica assumida.
dependentes do observador. Isto é falso, em vista de quetodas as gran- Depreende-se desta afirmação a postura partidária que assumimos
dezas- em micro, mesa ou macro escalas - têm existências reais objetivas; quando optamos, de forma consciente, ou não, por urna das vias. Portanto,
A dimensão de existir dos corpos materiais é objetiva; a de conhecer o tanto a filosofia quanto a ciência (notadamente as sociais) são partidárias.
que é verdadeiro ou falso é que depende das condições físicas, psicoló- Isto significa que a suposta "neutralidade científica", defendida por mui-
gicas, científicas do observador; conjuntamente com o grau de precisão tos, é um mito propagado, eni. grande parte, por aqueles que buscam diluir
dos seus instrumentos de trabalho. · as contradições entre o materialismo e o idealismo, corno se em ciência
Na segunda revolução einsteniana (Teoria da Gravitação, 1918), o es- (arte aqui também é ciência), em particular as humanísticas, pudéssemos
paço e o tempo não são unicamente relacionais ou relativos aos siste- permanecer à margem dos acontecimentos políticos e sociais.

54 55
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRJTICA EM GEOGRAFIA

MATERIALISMO HISTÓRICO mações fundamentais, o que significa examinar criticamente cada


formação determinada em seu estágio evolutivo, em decorrência de
Resta-nos tecer algumas considerações.sobre o materialismo histórico, . suas leis de desenvolvimento; ·
a fim de que possamos compreender o papel da formação econômico-social • considerar a sociedade humana em cada período de sua evolução,
.e respectivo modo de produção para encaminhar o nosso estudo crítico na condição de organismo social único, que inclui em si todos os fenô-
sobre o espaço da Geografia. menos sociais na sua unidade orgânica e na sua ação recíproca so-
Segundo a doutrina marxista, são as sucessões dos modos de produção bre a base do modo de produção.
na história que determinam o desenvolvimento progressivo da humani- Definidas, em termos de doutrina e método do materialismo cientifico
dade. Nesta compreensão, em cada modo de produção, as suas forças pro- dialético e histórico, as questões básicas arroladas:
dutivas (instrumentos, objetos de traballio e ação humana) e as suas rela- • o primado da matéria sobre a consciência;
ções de produção (relações dos homens entre si no processo da produção) • a capacidade cognoscitiva do homem ilimitada e infinita;
correspondem a uma determinada etapa histórica _da sociedade. Nas • o espaço e o tempo como materialidade do universo;
relações de produção, estão incluídas as formas de propriedade sobre os • o espaço/ tempo como unidade dialética superior e interdependente;
meios de produção; a situação das classes e dos grupos sociais no processo • a sociedade como sujeito histórico de nossa procura cientifica;
da produção e em suas relações mútuas, e as formas de distribuição da • o partidarismo em ~osofia e em ciência; _
produção. Em seu conjunto, as relações de produção formam a base eco- • a formação econômico-social como produto dos modos de produçao
nômica da sociedade (infra-estrutura). Já a ciência, a educação, os sistemas e determinante do desenvolvimento progressivo da humanidade,
filosóficos, jurídicos, éticos, estéticos etc, com as suas instituições corres- passamos a nossa incursão analítica no domínio do espaço e tempo,
pondentes (o Estado, o direito, os partidos, as organizações, as instituições e do espaço/ tempo em Geografia.
sociais, religiosas etc) e respectivas ideologias, constituem a superestrutura.
Esta, juntamente com o modo de produção vigente numa sociedade, ba-
se material de sustentação, funciona como um complexo orgânico unitá- ESPAÇO/TEMPO EM GEOGRAFIA
rio, cabendo à economia o papel determinante.
A superestrutura, alimentada pela base, exerce ativa influência sobre Inidaimente, vamos trabalhar com algumas das mais expressivas inter-
o sistema econômico da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento pretações e encaminhamentos propostos por geógrafos e profissionais
da infra-estrutura, ou, em caso inverso, entravando--o. afins, no que diz respeito às relações temporais e às espácio-tempor~.
É por meio da formação econômico-social que podemos analisar de:- George (1969), na sua produção intitulada Sociologia e ~grafia, ~ou
terminada sociedade (sistema econômico, interação das forças produtivas as três variáveis-espaço, tempo e número - numa tentativa de configurar
com as relações de produção, infra e superestrutura). É por intermédio da com maior precisão o palco em que se desenrolam as ações do homem,
formação econômico-social que podemos detectar a sociedade humana fruto de sua existência e do seu trabalho. Na materialização do espaço,
em cada período de sua evolução, bem como o grau de desenvolvimento George trabalhou com o conceito de relatividade espacial defini~o ~m
da própria produção; podemos definrr o que é comum em diversos paí- função de sua capacidade de sustento do efetivo humano (valor ec?no~co)
ses submetidos a uma mesma fase de desenvolvimento social. . e da percepção dimensional de parte dos seus ocupantes. No pnmerro, o
No estudo da formação econômico-social, há que: coeficiente de ocupação humana define-se pela maior ou menor cap~cidade
• estabelecer a necessária distinção entre os períodos da História; de sustentação do contingente humano dentro de um marco espaaal. Esta
• investigar os acontecimentos históricos no quadro existencial das for- ocupação é considerada como

56 57
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA CAPITIJLO III - Espaço /Tempo em Geografia

uma ação situada no tempo e capaz de se projetar no decorrer de períodos mais integrada. Os seus espaços eos seus tempos são individualizados e fun-
ou menos longos. Isto significa a capacidade atual de sustento humano do cionam como unidades não interdependentes, muito embora atribua ao
espaço considerado resultado da totalização de intervenções sucessivas, espaço e ao tempo a dinâmica do "movimento", que, por sua vez, encon-
conquistas, desbravamentos, ações organizatórias, transformações- eventu- tra-se inserida na própria dinâmica da Geografia Nova. A sua interpretação
almente, também de processos de degradações ede pauperização. Quanto mais geográfica não atinge a totalidade contida no fato geográfico que se pes- ·
antiga a primeira ocupação do solo, mais heranças o espaço terá acumulado quisa, em virtude de as variáveis espaço e tempo serem tratadas isolada-
(GEORGE, 1969, p. 31). mente em um mesmo processo. .·
A relação espácio-temporal é muito mais rica, pelo fato de expressar
Quanto ao segundo fator, o da percepção das dimensões espaciais pelo a abrangência da totalidade definida em termos das variáveis contidas na
homem, no dizer de George (1969, p. 29, 35, 36), essência e na forma, conhecidas cientificamente até aquele dado momento.
Se, por um lado, o autor conceitua corretamente o objeto da ciência
Toda coletividade humana se projeta sobre uma parcela do espaço terrestre que, geográfica, valendo-se da noção de tempo, por outro, na prática, isto é,
sob formas diferentes, serve de base às suas atividades. Esta parcela de espaço no processo da formulação teórica para o encaminhamento prático, não
1
contém de fato uma estratificação de espaços, qualificados canforme a natureza se efetua essa unidade objetivamente existente. A abordagem orientadora,
de suas relações com as atividades eas formas de existência dos grupos consi- como já frisamos, continua individualizada, independente, sem a necessá-
derados[. ..]e que ohonum é levado a dar ao espaço "vivido" dimensões corres- ria interacão dialética.
pondentes àquelas de seu próprio estilo de vida. É evidente que o renomado geógrafo francês, que já deu importante
contribuição à Geografia (basta-nos exemplificar com divisão regional do
Fica evidente que o espaço de localização é dimensionado pelo espaço mundo pelos fatos de ordem econômica), por razões outras, não trabalhou
de relação, geometricamente construído pelo homem no desempenho de no conjunto de suas produções com as dimensões espaciais e temporais
suas atividades existenciais materializadas no processo de produzir, re- sob- a ótica marxista-leninista1 .
partir e consumir, e traduzidas em valor pelo volume e amplitude dos flu- Lipietz (1977), na sua polêmica obra intitulada O Capital eo Seu Espaço,
xos de pessoas, de mercadorias, de relações, de informações etc. demonstra muito bem a fragilidade das concepções empíricas a respeito
Quanto ao tempo, sob o ponto de vista geográfico, o autor francês esta- do espaço e do tempo. No texto extraído do seu trabalho, grifamos a essên-
beleceu uma tipologia: tempo comum e tempo anômalo, em que o primeiro cia das limitacões contidas no arcabouço teórico e prático do empirismo.
consiste na marcação das freqüências cotidianas e sazonais do homem
no desempenho de suas funções materiais sobre uma parcela espacial Ora, toda a realidade material existente (e toda relação social tem uma
regional ou continental; o segundo corresponde, podemos dizer, aos fórmula de existência material) tem uma dimensão espacial e uma dimensão
tempos impactos que rompem a continuidade do processo temporal temporal e as categorias (intelectuais) de espaço ou de tempo referem-se às
comum. A Geografia, neste campo, teria como tarefa "registrar as dife- condições de existência material, tal como as categorias de quantidades, de
rentes utilizações do tempo vivido, conforme as parcelas de espaço em relação etc[... ]. O que deve ser criticado é justamente a concepção empírica
questão" (GEORGE, 1969, p. 48). que faz do "espaço" e do "tempo" realidades neutras, dadas, onde vêm se con-
George (1969), em sua tipologia espacial (espaços de localização e de frontar outras realidades (relações, quantidades, eventos) para aí se inscrever
relação) e temporal (tempo comum e anômalo, caracterizados como ou se desenrolar. É a concepção empírica que faz da história, da geografia ou
históricos, descontínuos, áclicos, técnicos, objetivos e subjetivos, ...), apenas da economia espacial aarte de extrair do dado temporal ou espacial, pedaços
toca levemente na unidade dialética espaço/ tempo como correlativa e escolhidos (LIPIETZ, 1977, p. 17).

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

Sua crítica recai sobre todos aqueles-notadamente geógrafos, econo- Na sua formulação de "estrutura espacial concreta", sistematizada a
mistas e historiadores-que reduzem a dimensão de totalidade espacial/ partir da concepção marxista da totalidade social existente em cada for-
temporal objetiva às representações subjetivas, isto é; interpretadas com mação socioeconômica, Lipietz (1977, p. 22) enfatiza que
base no pensar do próprio sujeito.
No caso dos geógrafos, suas interpretações das parcelas regionais de Épreciso compreender muito bem que oespaço sócio-econômico concreto se apre-
espaço em tennos de estrutura física ehumana, em dado momento de tempo, senta ao mesmo tempo como a articulação dos espaços analisados, como um pro-
justificariam por si o desenvolvimento atingido pela região ou área ocupada. duto, um reflexo da. articulação das relações sociais, como também enquanto espaço
Na sua crítica à conduta empírica de análise, Lipietz (1977, p. 19) pontifica concreto já da.do, ou seja, como uma dificulda.de objetiva que se impõe ao desdo-
que mesmo um geógrafo de valor crítico, como exemplo Yves Lacoste, bramento dessas relações sociais. Nós diremos que a socieda.de recria seu espaço
sobre a base de um espaço concreto, sempre da.do, herda.do do passado.
não levanta o problema da. estrutura do todo que comanda. diretamente essas
variações; ele não relaciona as diferenças dos espaços com as diferenças da.sformas Sabemos que a sociedade como sujeito histórico, levando-se em conta
de espacialidade objetivamente determinada.s pela natureza da.s diferentes re- a base espacial concreta herdada do passado, imprime sobre o marco es-
lações sociais estuda.da.s, deixando por vezes entender que a escolha da. escala pacial a continuidade do processo de reprodução social em novas moda-
depende da escolha subjetiva de um nível de análise. lidades e inserida em um novo espaço por ela recriado.
No sistema capitalista, no interior do seu modo de produção, sabemos
Quanto aos economistas, a matematização do espaço levou à configu- que o trabalho social se apresenta como conjunto dos trabalhos privados
ração de espaços geométrico-matemáticos e estatísticos dotados de eleva- independentes entre si. Isso nos leva a uma falsa interpretação que atribui,
dos índices de abstração. Duas vias são utilizadas: por um lado, plena autonomia ao espaço social em relação às atividades
• .ou se processa a compartimentação do espaço econômico para efei- privadas; pelo ângulo inverso, reduz o espaço social a simples atividades
to de mensurações de acordo com os atributos de valores atribuídos privadas dos dirigentes e escamoteia o papel da sociedade como sujeito
-às variáveis pelos economistas; da transformação, notadamente, das massas trabalhadoras na criação
• ou se mantéma espaço unitário, não compartimentado, submetido da produção soei.ai.
à análise teórica dos economistas que procuram explicá-lo. Finahnente, no final do capítulo O Que é o Espaço, do seu ensaio críti-
Lipietz (1977, p. 16) assinala que "o que não é colocado em questão é co, Lipietz (1977) justifica o porquê da rtão utilização da variável" espaço
·a percepção imediata de um espaço ocupável ou ocupado". físico" em seu trabalho como elemento de valor analítico, apesar de re-
A Geografia Quantitativa em suas formulações teóricas e metodoló- conhecer que a natureza foi extremamente dadivosa aos habitantes da pe-
gicas materializadas em sistemas e modelos foi e continua sendo (para nínsula Arábica ou da Europa temperada, em sua exemplificação a
os seus atuais promotores) uma cópia dos espaços numéricos abstratos respeito da "crise do petróleo" e da "seca" de 1976 na França.
dos economistas. Na sua análise final, o autor critica os marxistas e geógrafos que impri-
No exemplo dos historiadores, a partir da constatação deles de dife- miram condutas exageradas levadas à prática em nome do papel deter-
rentes tempos históricos (curtos; médios e longos) e suas variações, minante das condições geográficas e da produção material.
afirma-se que "eles s~ contentam apenas em registrar suas interferências, - A abordagem do autor é, por sinal, muito rica e fortalece a nossa com-
produtos de seus encontros. Então eles não relacionam essas variedades preensão dentro da dialética marxista, o caráter totalizante do conhecimen-
como se fossem variações, com a estrutura do todo que portanto comanda to, e a atividade humana vista como um processo de totalização contínua.
diretamente a produção dessas variações" (LIPIETZ, 1977, p. 19). Completaríamos dizendo que, na recriação do espm;o social pela sociedade

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" " " " " _ , " " " " ' c.Jnc< ™G""-"" . ,,, c.u<ruu> m- '-'P•ço/ThmP" = G«w""' 1
sobre a base de um espaço concreto, sempre dado, herdado do passado, · Como categoria analítica na acepção de espaço produtivo I social, ele faz I'
a recriação efetua-se em uma nova dimensão, dado que, unicamente, se ·· parte de um processo histórico que se materializa em função da produção '
transmitem os valores positivos do espaço concreto que são absolutamente social, simultaneamente, em duas dimensões: Í.~
necessários à nova configuração espacial. • histórica, como realidade maior qualitativa, portanto superior, da ma- ~
A dialética do espaço nega os "valores" negativos do espaço concreto nutenção do estágio histórico enquanto este permanecer como ne- ~~
e afirma a continuidade dos positivos. cessário. A cada mudança do processo histórico haverá mudança do ~
Quanto ao peso dos fatores naturais, de um modo geral, não em rela- espaço geográfico qualitativo; .· . ~ . ~
ção aos exemplos mencionados pelo autor, há que se pautar pelo determi- • presente, como categoria definida como espaço de nossa vivenaa ~o- ::;;
nismo científico (leis no âmbito de natureza e de sociedade) que afirma o ti.diana, submetida ao impacto progressivo das mudanças quantita- ~··
caráter objetivo da causalidade e não cair no determinismo mecanicista, repe- tivas. Ambas as dimensões são interdependentes e configuram o es- r,!,:.i.·.•

titivo, que conduz ao fatalismo geográfico (Gomes, 1981, 1982). Por sua paço na sua abrangência maior de totalidade. ?~
vez, o indeterminismo (negação do caráter objetivo, universal da causali- Na condição pe espaço produtivo/ social, ele é uma realidade resultante m
dade) é anticientífico e se presta aos objetivos de classe da filosofia e da da produção, e, como tal, trata-se de um bem social, o que significa ser uma i''
ciência burguesa, por exemplo, o voluntarismo em sociologia. Há que mercadoria indivisível como valor de uso e de troca. !.~'
acrescentar que o marxismo-leninismo (teoria e ação revolucionária) é Santos (1978) é, entre os pesquisadores/ geógrafos, um dos que mais .;
dialético por natureza, portanto, a sua evolução é permanente. Aqueles avançou na busca epistemológica de espaço e espácio-temporal como variá- !
que superestimaram o papel das condições geográficas e da produção veis básicas à análise e à síntese geográficas. Ele conceitua: 1
material, evidentemente não se pautaram pelo encaminhamento teórico ~
e metodológico do marxismo-leninismo. A absolutização conduz inevi- o espaço, portanto, é um testemunho: ele testemunha um mom~nto ~e um ~
tavelmente à pseudoteoria científica do determinismo geográfico, refutada modo de produção pela memória do espaço construído, das c01sas,Jixadas ~
pelo determinismo científico. na paisagem criada. Assim, o espaço é uma forma, uma forma ~u:avel, que ~;

00:,::::,-:.,~:=:==d~:
material é básico no que tange à organização regional do espaço e sua inser-
ção no planejamento global.
::::I;;:;:~~==:==~~:~::~;:~
novas formas para se inserir dentro delas [.. .]. De fato, o :spaço n~o. pode
ser apenas um reflexo do modo de produ~ão atual porque e a m~oria dos
~.·R•_'l:.-•
;~
t·,,
.. ...
···•.

Lipietz (1977) também não manuseia, simultaneamente, a relação modos de produção do passado. Ele sobrevive, pelas suas formas, a pa~sa~em ~
dialética espaço/tempo. Pelo que se depreende de sua produção cientí- dos modos de produção ou de seus momentos[. ..]~ estrutura espa.ci~l, isto !.·i.•
fica, o autor é dotado de um raciocínio dialético aguçado à altura de em- é, 0 espaço organizado pelo homem é, como as demazs estr:itu:as ~oczazs, uma ;
preender tal tarefa. estrutura subordinada-subordinante. E como as outras mstanczas, o espaço, ~
É bom frisarmos que, sob a ótica da abordagem dialética, jamais se embora submetido à "lei da totalidade", dispõe de uma certa autonomia que ~
esgota o conteúdo dos fenômenos, na forma e na essência, que se pesquisa. se manifesta por meio de leis próprias, específicas de sua própria evolução ~i
Para nós que lidamos com ciência geográfica, constitui o estudo do "fato (SANTOS, 1978, p. 138, 145). l~i
geográfico" em sua estrutura visível e não visível em contínua atividade ·
e conexidade, revivendo os enunciados de Juillard, Monbeig, Brunhes etc.
Como categoria filosófica universal, o espaço é definido, a cada mo-
·Endossamos as formulações na medida em que entendemos que 0
espaço só pode ser a "memória dos rnodos.\le produção do pass~~:
e~~
mento, na proporção que se efetuam os avanços filosóficos e científicos. unicamente dos seus componentes estruturrus que permaneceram c ~

63 ~~~
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~
~
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
. CAPITULO ill - Espaço/Tempo em ·Geografia·

positivos no processo da continuidade da reprodução espacial dialética. ._,j A visão de conjunto:._ ressalve-se-é sempre provisória enunca pode pretender
Outrossim, o espaço sobrevive como espaço em razão de ser uma esgotar a realidade a que ele se refere. . - . . . .
realidade objetiva, o que subentende ter existência real, infinita, desde a A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela.
gênese do universo independentemente das formas de percepções Há sempre algo que escapa às nossas sínteses; isso, poréin, não nos"dispensa
individuais. Como espaço econômico, resultante da produção, portanto ·do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade.
possuidor de profunda dimensão social, sua infra-estrutura permanece A síntese é a visão de conjunto que permite ao "homem descobrir a estrutura
contínua, em vista de ela ser indivisível em cada estágio histórico de cada · significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa ·
modo de produção. Todavia, esgotados os seus valores de sustentação, estrutura significativa - que a visão de conjunto proporciona -que é chamada
isto é, os de sustentação histórica, dar-se-á a descontinuidade e a con- "totalidade". A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem.
seqüente reprodução material. Então, o espaço sobreviverá pelas suas No trabalho, por exemplo, dez pessoas bem entrosadas produzem mais que
formas às mudanças dos modos de produção, mas com.novas formas a soma das prodúções indivíduaís de cada uma delas, isáladamente considerada.
existentes, dado que a dialética demonstra de maneira inquestionável qué, 1 Na maneira de se articularem ede constituírem uma totalidade, os elementos
no momento em que a forma deixa de corresponder ao conteúdo, ela passa i individuais assumem características que não terimn, acaso permanecessem
a ser um freio ao desenvolvimento, surgindo na unidade conteúdo-forma
e forma-conteúdo, a contradição. Esta, na fase final, destrói a forma
fora do conjunto. ..
· · ··
1
obsoleta e o novo conteúdo adquire uma nova forma. Se é verdade que 1 Corbisier (1981, p. 31) em Hegel: 'textos escolhidos, observa que
à medida em que os modos de' produção se substituem. no processo
histórico, "Os modos de produção cedem lugar a outros, os momentos o hegelianisnw é a última das grandes filOsofias dd Ocídente. Determinando o·
de cada modo se sucedem, enquanto os objetos sociais por eles criados horizonte intelecfttal em que ainda -nos encontramos, exerceu decisiva influência ·
continuam firmes, e muitas vezes ainda com uma função de produção" na formação da teoria.da priíxiS, da filosofia da existência e de algumas das
(SANTOS, 1978, p. 138) e que no momento da substituição, o novo como correntes mais significativas do pensamento triStão: D marxismo ao superá-
realidade e necessidade, encontra "no mesmo lugar de sua determinação lo, leva as "exigências de totalidade" e de "apreensão do concret~", implícit~
(espacial) formas preexistentes às quais ele deve adaptar-se para poder em sua dialéf.ca, às últimas conseqüências, procuraniio "nêio só converter a reali-
determinar-se" (SANTOS, 1978, p. 139), não é menos verdade que as .dade em pensamento, ou ó mundo im filosofia, mas opensaniento em realidade
formas mencionadas são as que, no modo de produção anterior, possuíam ou, com outras palavras, tran5formar a.filosofai em mundo: · ·
validade científica social e se mantiveram como válidas, isto é, necessárias
para o processo seguinte. o espaço visto como estrutura social em que o economico é traduzido
Somente por meio desta percepção dialética é que pode~os entender "êiri produção, distribuição econsumo, joga uin papel central e não pode
a mudança dialética no nível da natureza, da sociedade e do homem indi- reduzir-se às próprias dimensões do econômico, embora saibamos que "o
vidual.. É por intermédio da compreensão da categoria de síntese, da ato de produzir é, ao mesmo tempo, o ato de produzir espaço" (SANTOS,·
totalidade, herança de Hegel e enriquecida por Marx, que·chegamos a 1978, p. 163). . . . . . . . ..
consagrar como conteúdo de valor superior o papel do todo sobre as partes. A estrutura espacial como uni. todo dépénde dé outrbs elementos .
A noção dialética marxista de totalidade afirma que o conhecimento é . correlativos, particularmente do papel do aparelho do Estadoque, por sua
totalizante e toda a atividade do homem é um processo contínuo de estruhira de poder, remanejá o espaçó e o tempo de_ acordo com as suas
totalização que nunca se absolutiza; Konder (1983, p. 16), em sua obra opções de interesses internos e externos. Desta maneira, o espaço adqrn:e
intitulada O Que é Dialética, exemplifica-a numa simples narrativa: em sua reciprocidade passivo-ativo e vice-versa uma profunda valoraçao

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REFLEXÕF5 SOBRE TEORJA E CRiTICA EM GEOGRAFIA CAPITULO ill - Espaço/Tempo em Geografia

política que resulta do fator político como elerpento diretor na organização A ORDEM ESPÁCIO-TEMPORAL
espacial como estrutura econômico-social. Santos assinala que
A ordem espácio-temporal mencionada se realiza unicamente pela via
Se a cada transforrrmção no conjunto das re"lações sociais oespaço acompanhasse do princípio da interdependência, em vista de que o espaço e o tempo são
as mudanças que conhecem as outras estruturas sociais e se adaptasse imedi- realidades objetivas concretas, cuja conexão dialética manifesta-se sempre
atamente às suas necessidades defuncionamento "optimum", ele não teria senão com interdependência e interação. Respeitada a autonomia de cada um
um papel passivo, mas aquela inércia dinâmica (as formas são tanto um re- no que concerne às suas singtilaridades (particularidades), efetiva-se a
sultado como uma condição para os processos) de que o espaço é dotado lhe dependência recíproca que se impõe como atributo do geral. Não há
assegura, antes do mais, a tendência a reproduzir.a estrutura global que lhe espaço sem tempo e tempo sem espaço. Daí, a ordem espácio-temporal
deu origem, ao mesmo tempo em que se impõe a essa reprodução social como que se encontra no fato geográfico que se pesquisa possuir maior valor
uma mediação indispensável que às vezes altera o objetivo inicial ou lhe im- analítico/ sintético. Se a organização do espaço é diferente da organização
prime uma orientação particular. (SANTOS, 1978, p. 148, 149) de tempo, isto se aplica no âmbito de estudo de suas categorias analíticas,
. individuais. Já o espaço como realidade global exige que, simultaneamente
Épreciso acrescer ao pensamento do autor que a tendência à reprodução à pesquisa analítica, se proceda a busca da totalidade dialética na relação
da velha estrutura insere-se no andamento normal da construção nova que espácio-temporal no interior de cada modo de produção, na proporção
possui profundas raízes no passado, mas cuja reprodução far-se-á em uma em que o conhecimento de cada formação econômico-social é revelado.
nova dimensão, tendo o passado como herança que transmite os bens Mesmo para nós pesquisarmos um determinado fato geográfico em
sociais2 como valores reais e necessários à nova sociedade. Na seqüência, escala local, digamos o estudo de uma implantação :industrial em nossa
dar-se-á continuidade do processo infinito de construção do mundo para Capital, devemos buscar conhecê-lo em sua estrutura espácio-temporal.
melhor, na medida em que o espaço do homem (relativo e absoluto) Praticando a análise e a síntese geográfica das comb:inações existentes,
cresce, continuamente, em sua dimensão social. que dão estruturação ao fato geográfico como um todo, podemos e deve-
Na seqüência de seu raciocínio, Santos (1978), na·abordagem da pro- mos trabalhar com a realidade objetiva do espaço e do tempo em sua dimen-
dução e suas implicações na organização espacial, chama-nos a devida são de totalidade espacial/temporal. Isto significa que, a cada momento
atenção para a necessidade de o tempo e o espaço serem utilizados de de mudança do uso social do tempo, dar-se-á mudança espacial e vice-versa.
maneira disciplinada, a fim de que a produção satisfaça, cada vez mais, No referido exemplo, a composição orgânica do capital ocupa diferentes
às necessidades da coletividade. espaços no marco espacial da implantação: espaço de localização - em
Diz o autor: forma de capital fixo em maqu:inaria, emestabelecimento, em matéria-
prima, folha de pessoal permanente e rotativa, de capital de giro nas
Por seus próprios ritmos eformas, a produção impõe formas e ritmos à vida · tra..~ações bancárias, financeiras, comerciais etc; espaço de relação - em
eà atividade dos homens, ritmos diários, estacionais, anuaii, pelo simples fato diferentes tempos, a cada momento da mudança de um, cria-se um novo
de ser a produção indispensável à sobrevivência:do grupo[...]. Cada atividade espaço e um novo tempo. É evidente que esta prática de se trabalhar com
tem um lugar próprio no tempo e um lugar próprio no espaço. Essa ordem espá- o espaço local numa dimensão espácio-temporal permite, por um lado,
cio-temporal não é flleatória, ela é um resultado das necessidades próprias à conhecer mais cientificamente o espaço localizado e relacionado, e, por
produção. Isso explica porque o uso do tempo e do espaço não éfeito jamais da outro, é deveras importante como mecanismo superior à evoiução do nosso
mesma maneira, segundo os períodos históricos esegundo os lugares e muda, raciocínio lógico/ dialético. Assim procedendo, atingiremos a compreensão
igualmente, com os tipos de produção. (SANTOS, 1978, p. 162) do espaço como totalidade.

66 67
CAPiTuLO III -Espaço/Tempo em Geografia
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

Em sua análise, prossegue· Santos (1978, p. 2051 207): Em livro mais recente, Geografia.: Teoria e Crítica, no artigo intitulado
··· Geografia, Marxismo e Subdesenvolvimento, Santos (1982) retoma à ques-
Tudo o que existe articula o presente e opassado, peloJato de sua própria exis- tão do espaço sob o ponto de vista dialético e metodológico em duas
tência. Por essa mesma razõ.o, articula igualmente opresente eofaturo. Desse abordagens:
modo, um enfoque espacial isolado ou um enfoque temporal isolddó são ambos· • a.noção de totalidade;
insuficientes. Para compreender uma qualquer situação, necessitamos de um· • ·a noção de sistema espácio-temporal.
enfoque espaço-temporal. A lógica do tempo, escreveu Anuchin (1973, p. 52), · · ·Pela primeira, a Geografia deverá interpretar o todo, possuindo o es-
reúne os dois aspectos da existência da matéria, isto é, tempo e espaço. Mas, a .·· paçci global, em determinado momento, a verdade absoluta da realidade
noção de espaço-tempo como categoria de análise geográfica foi objeto de inú- que buscamos con..li.ecer. A~ontece que a fragmentação da ciência e da
meras confu.sões e, dessa maneira, não pôde contribuir para que aanálise espa- · ciência geográfica em ramos especializados (produto da estratégia do
cial pudesse avançar. Utilizar as rea.lidades do passado para explicar o presente capitalismo) fragmentou também a própria realidade, objeto da pesquisa.
nem sempre significa que se introduziu corretamente aidéia de tempo no estu- Daí, tomar-se difícil atingirmos com eficiência e segurança a totalização
do do espaço. Se oelemento do espaço assim analisado não for tomado com.o um dialética do espaço objetivo. Há que se recompor a ciência e a Geografia
dado do sistema temporal a que pertence, não se teni o direito de afirmar que v em suas unidades sistêmicas. Para tanto, é de importância substancial o
estudo em questão está sendo feito segundo um enfoque espaço~temporal. manuseio da integração do saber científico e da interdisciplinaridade. A
revolução dentíficü-tecnológica da atualidade está a exigir, mais e mais,
O fato de o espaço s.er um resultado da acumulação desigual de tem- · com urgência; que se faça a recomposição do saber atomizado.
. pos demonstra claramente o sentido da mudança clialética que iinpede A segunda noção, a de espácio-temporal, tem sido utilizada como temos
a reprodução mecanicista, isto é, repetitiva do processo da reprodução espa- abordado no interior deste artigo, isto é, de forma independente, o que
cial. Sendo elaborado por combinações de variáveis em sistemas, o espaço reduz bastante a profundidade de conteúdo e de interpretação existentes
se reproduzirá, sempre como um novo espaço no processo de sucessão dia- . na mencionada relação dialética. Justifica Santos (1982, p. 15, 16):
lética das combinações: "as localizações são historicamente·detenninadas ·
pelas combinações de variáveis novas e antigas" (Santos; 1978, p. 209). quando se têni explicado os aspectos dinâmicos da Geografia, a noção desiste-
Santos (1978) termina a sua apreciação analítica conclamando os geó- · ·. · mas "espácio-temporais" tem sido utilizada, mas geralmente espaço e tempo
grafos e outros cientistas sociais a produzirem uma geografia liberada (ren~ têm sído considerados como categorias independentes. Infelizmente, asign.ifi-
\ ..
vada), que não seja a geografia oficial que, sob o signo do capital,trans~ · caÇão do tempo não foi bem fundamentada; e a perspectiva transtemporal foi
forma o espaço do homem em espaço-mercadoria a serviço de clàsses · escassamente desenvolvida, até um ponto em que, não obstante, os modelos
privilegiadas. É possível, como disse Santos (1978,p.. 219), · · .. · . · de difusão permaneceram medíocres.

colocar os fu.ndamentos de um espaço verdadeiramente humano, um espaço Em Novos Rumos da Geografia Brasileira, Santos (1982, p. 135, 136) retoma
que una os homens por e para seu trabalho, mas não para em seguida os separar à noção de totalidade dialética nó interior do método marxista, enfatizando:
entre classes, entre exploradores eexplorados; um espaÇo matéria inerte traba- ··
lhado pelo homem, mas não para se voltar contra ele; um espaço, Natureza social Nenhum enfoque que deixe de lado anoção de totalidade permitirá uma correta
aberta à contemplação direta dos seres humanos, e não um artifíêio; um espa- · noção da rea.lidade. Por isso sugerimos uma melhor utilização do conceito de
ço instrumento de reprodução da vida, e não uma mercadoria trabalhada por formação econômica e social nos estudos geográficos e, mesmo, propusemos a
outra mercadoria, o homem artificializado. introdução, n.a literatura correspondente, da categoria de formação sócio-espa-

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E ÜÚTICA EM GEOGRAFIA CAPITULO ill - Espaço/Tempo em Geografia

âal (1977). [. .. ] Um contexto que não seja a totalidade pode fazer pensar na Ambos os autores aprofundaram suas buscas ·no interior da formação
causalidade apenas ou em uma qualquer anál.ise de sistemas; não basta oporfonna · econôinico-social, sobretudo do seu modo de produção em cada momento.
e conteúdo, temos de levar em conta o tempo que passa e as funções que mu- histórico, cujo espaço geográfico constitui parcela fundamental da produção
dam; anoção de espaço e tempo só é vál.ida quando tempo é igual aespaço, através social e está subordinado aos mecanismos de controle em que a sociedade
de tempo real das sociedades tornado empírico pela práxis; o real que se impõe se acha submetida. O Estado, seu autoritarismo e sua dependência (exem-
ao ideológico não é a realidade isolilda, mas o real imerso na totalidade e dela plo para o mundo dependente) joga o papel central.
extraindo seu significado; o real, aliás, deve também ser considerado dialetica- . O espaço geográfico assim concebido identifica-se com o espaço totali-
mente, isto é, como contendo sua própria contradição; a noção de crescimento zante da formação econômico-social, o que significa que a sua estrutura
desigual e combinado pode, assim, ser trabalhada sistematicamente. espacial e a sua dinâmica ccirresponàem às contidas nesta significativa
categoria de análise social - a formação econômico-social. Na obra de Ruy ·
Há também que avançar.em teoria e prática o conhecer da amplitude Moreira (1982), retomamos a sua trajetória de concepção de espaço e
cognoscitiva que a lógica dialética materialista oferece-nos, por sinal, fini- tempo, fundamentada na dialética materialista e no materialismo histórico.
ta na proporção do nosso conhecimento e infinita em sua essência dialética. Criticando os geógrafos que escamotearam o objeto da ciência geográfica
. Isto sigllifica avançar a evolução contínua do raciocínio lógico-dialético que e reduziram o tempo às limitações do mecanismo e do evolucionismo, "ao
penetra, cada vez mais, no domínio daverdade absoluta.
Ao lado de Santos em sua busca epistemológica de construção de uma·
i1
· separarem o espaço do tempo, pagaram seu tributo ao kantismo; ao
desprezarem a historicização do espaço geográfico, pagaram seu tributo
"geografia renovada" que se paute pela" dialética marxista não dogrná~ ·· · ao positiVismo (Geografia Oássica) e ao neopositivismo (New Geography)"
tica", estão outros geógrafos de vanguarda, tais como Ruy Moreira,Ario- \ . (MOREIRA, 1982, p. 45). ·.
valdo Umbelino de Oliveira, Antônio Carlos Robert Moraes, Armando Cor- . O autor atinge a dimensão espácio-ternporal que temos defendido n~
rêa da Silva etc, que são unânimes em colocar como preocupação central i amplitude deste trabalho como fundarneiltal aos estudos geográficos. E
!
a questão da reconstrução da ciência geográfica, a partir do seu, objeto - · .! manuseando-a criticamente que podemos captar a dinâmica dos fenô-
o espaço social e dos seus objetivos pragmáticos. menos contidos nas fom1ações espaciais, em termos de leis que regem os
No dizer de Santos (1978, p. 92), seus movimentos e respectiva historicidade. A noção espaço/ tempo sob
o prisma da dialética materialista assume no processo do movimento
Nosso problema teórico e prático é o de reconstruir o espaço para que nãO seja contínuo e descontínuo da matéria - aqui definida em termos geográficos
o veículo de desigualdades sociais e, ao mes1no tempo~ reconstruir a sociedade · .espaciais e históricos - corno o 1nomento da estabilidade enquanto perdurar
para que não se criem ou preservem desigualdades sociais. Em outras palavras, ·. como real, portanto, racional e necessário à sociedade, e como momento
trata-se de reestruturar a Sociedade e dar uma Outra funçãiJ aos objetos geográ~ . de mutação quando o real perde o seu respaldo social, portanto, transforma-
ficas concebidos com um fim capitalista, ao mesmo tempo em que os novos obje- se em irreal e desnecessário à sociedade.
tos espaciais já devem nascer c:Om uma finalidade social[. ..]. Destemporalimiulo . Désfa maneira, o marco espacial geográfico materializa, isto é, con- .
o espaço e desumani:zando-o, a Geografia acabou dando as costas ao seu objeto cretiza o marco histórico e passa a influenciar na determinação do novo
e terminou sendo "uma viúva do espaço". espaço social.
Ruy Moreira (1982, p. 45) é categórico ao afirmar:
E também no dizer de Ruy Moreira (1982, p. 45), "Definida como ciên-
cia da organização do espaço, a Geografia até agora negligenciou seu somente através da dialética espaço-tempo podemos acompanhar os pro-
próprio fundamento de científicidade". cessos e os estágios de desenvolvimento das formações espaciais, no interior

70 71
-···_';,. --- ···-

CAPÍTULO III - Espaço /Tempo em Geografia


REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

das quais encontraremos diferentes estágios da relação homem-meio. Dar · Projdando-se umas sobre as outras, somente sobre o espaço projetam-se as três
aos objetos do arranjo espacial e ao arranjo como um todo o significado social simultaneamente. Contendo as três instâncias a um só tempo, o espaço está
e temporal necessário. contido em cada uma delas, através de um jogo dialético em que, ao confundir-
l se com cada uma passa a inteiferir no movimento de cada uma. Como as ins-
Temos ciência de que é pelo processo de reprodução que o espaço tâncias estão perpassadas, passa a inteiferir no movimento da formação econô- .
adquire a sua dimensão de formação espacial identificando-se com a· 1 mico-social em seu todo.
formação econômico-social na sua relação dialética de correspondência .
básica e necessária. Se não houvesse a continuidade da produção, isto 1
Oliveira (1982), no seu trabalho intitulado Espaço e Tempo na Concepção
é, a reprodução, a formação espacial como fruto do trabalho social e de do Materialismo Dialético, toma COI!).O ponto de partida o espaço e o ·

sua condição material se extinguiria, uma vez esgotados os seus valores tempo comorealidades objetivas que definem a própria materialidade
· sociais para a sociedade. do universo. E, podemos dizer, sem perigo algum de acientificidade,
Ambas as formações - espacial e econômico-social - são correlatas e que definem as demais instâncias do saber no campo da ciência e da
interagem dialeticamente, em que a formação econôinico-social j
1
.sociedade.
Depois de criticar aqueles que atropelam" o materialismo dialético
/1

organiza a formação espacial em se organizando, estrutura a formação e histórico como geógrafos travesti.dos de falsos marxistas" Oliveira (1982)
li I

espacial em se estruturando, origina aformação espacial em se originando;. 1


define o sentido do seu trabalho como contribuição ao conhecimento das
transfere-lhe suas leis de organização e movimentos, isto tudo ocorre também. categorias universais espaço e tempo, sob a ótica da dialética materialista,
no sentido inverso, o da formação espacial para aformação econômico-social 1
e suas aplicabilidades ao espaço geográfico:
(MOREIRA, 1982, p. 46). . 1
!
temos notado que talvez esteja faltando uma real compreensão dialética do que
! .seja espaço e tempo, pois muitas das colocações feitas ganhariam em substância
Se o espaço concretiza (dá fohna) a formação econômico-social e vic~· _!
versa, é necessário deixar claro que tal materialização é atingida quando se o conceito filosófico de espaço e tempo fosse aclarado; daí, a meta deste artigo:
trabalhamos com a relação espaço/ tempo, tempo/ espaço submetida àin- · · colocar-nos frente afrente com a compreetisão dialética materialista do espaço
teração dialética. A espacialização da história e a temporalidade do espaço e tempo (OLNEIRA, 1982, p. 67, 68).
são exponenciais de uma mesma realidade- a formação econômico-social
como totalidade social concreta e respectivo modo de produção. Em Busca da Antologia do Espaço, Morais (1982) subsidia o leitor à escala
Finalmente, Ruy Moreira (1982), em preciosa análise do espaço geo- de indicações e reflexões no tocante a algumas questões que envolvem a
gráfico, define a composição da estrutura da formação.econômico-social iriterpretação do espaço na perspectiva do materialismo histórico. O autor
pela existência de três instâncias: en.fatiza que
• a econômica, como a base material da sociedade em termos de infra-'
estrutura; as ten,tativas de Jazer geografia utilizando o arsenal teórico do 1naterialismo
• a jurídico-política e a ideológica-cultural, como a base ;,espiritual" histórico, tem-se revelado problemáticas[... ]e que as dificuldades de uma pro-
da sociedade em termos de superestrutura. · . .· · · · . · l . postá geográfica no materialisnw histórico vinculam-se a uma má compreensão
da especificidade do objeto e conseqüentemente da forma de sua apreensão, e
Ambas as instâncias são mediadas pelo trabalho no contexto da estru- 1

. tura de classes existente na sociedade. também çle um não aprefundamento na metodologia ena teoria do conhecimento
Diz RuyMoreira (1982, p. 52): marxista (MORAIS, 1982).
73
72
'2Cõ=Ec2Ch"/~~~WC~

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA


CA)'íTuLO ill - Espaço /Tempo em Geografia t~
~]
Br
-~
Finalmente, trabalha com as questões de con:cepção e de método· de- i pesquisar. Se, de certo modo, evidencia-se~ ~v.anço no que se ref~re · ~
senvolvidas pelo filósofo George Lukács; considerandO-aS fundamentais 1
!
a: gnosiologia do espaço, do espa70/ternp? dialetico, ,~to da pe:qmsa ~
~·~·
para o encaminhamento do estudo do espaço sob a ótica do materialismo fundamental (teórica) e da pesqmsa expenmental (pratica), pelo angulo
1
dialético histórico. Operacionalizando a categoria geográfica analisada por 1 da correspondência mútua de _ambas as pesquisas, há muito que se fazer.
Marx - o território corno produto da ação do homem - em que pela dia- ) A defasagem de urna em relação à outra é ainda muito vasta. Entende-
na
lética do valor do espaço e do valor no espaço sua historicidade chega- .
lj·
mos que 0 estudo das relações espaciais/temporais jam~ s~ esgota em ·.~
1 Q
se à compreensão geográfica do território, os autores Antônio Carlos Ro- virtude de reprodução continua do espaço e do tempo • E ev~dente q~e,
3
-~
§
bert Moraes e Wanderley Messias da Costa proclamam que há necessidade · na relação interdependente, a reprodução deve ser entendida em sua ·
~
de distinguir bem os valores dos dois conceitos. O valor no espaço (valor ·unicidade. Isto significa que a simultaneidade deve estar sempre pre-
criado) é fruto do trabalho do homem, enquanto que o valor do espaço
retrata as características específicas (singulares) de cada lugar, as quais se
incorporam ao produto criado pela ação humana.
sente na mencionada relação.
No momento atual, a tarefa mais urgente relaciona-se·com a n~ces-
sidàde de aproximação, em termos qualitativos, d~ ambas as pesqmsas.
1
ti
~
Uma deve abastecer a outra, e de ambas, como totalidade, deve-se depre- ~
Com Silva (1982), o espaço geográfico define-se por "tantos espaços
quanto são as abordagens". Trata-se de urna concepção, podemos dizer, ender a verdade maior (absoluta) que visamos ·a conhecer. Há que ascen-
pluralista de espaço que resulta da articulação de seus cornpon.entes. Oeste . der de maneira ininterrupta ao degrau superior do. saber humano, em
modo, o espaço geográfico se definiria pela "existência de um espaço . cada momento histórico, na medida em que o saber filosófico, cientifico
interno e de um externo", da natureza e da soeiedade, relacionados e sodal avança conjuntamente com as suas ferramentas operacionais:
dialeticamente, tendo em vista que o autor defende a existência de uma . ·emprego da lógica dialética materialista, do acervo científico acumulado
dialética da natureza, além de urna dialética do social. A furtdamentaçãó e seu instrumental de uso e da prática social. ·
recai sobre a noção de primeira natureza de MÇll'X.
A ênfase. sempre dada de "ocupação do espaço" cederia lugar à de "re- .
lações no e do espaço", atendendo, assim, de maneira científica ao objeto 1980 1 1990
. e objetivos da Geografia. . · · · 1
o espaço geográfico passaria a ser uma resultante da lei do desenvol-
vimento desigual atinente à formação das paisagens naturais e culturais,
cujos fatores sob interação e equihbrio, estruturam, emúltirna análise,
paisagens geográficas diferenciadas. · .
ilÉ necessário tornar o espaço em si corno ocorrência material [mate-
::. •• .. ~:....-.....:liiim-iillll'!=llÍlllll-•iill........-i~::m .. •• oo ..
1
rialidade do espaço], bem corno espaço absoluto, relativo e relacional" : VERDADES RELATIVAS
VERDADES RELATIVAS
(SILVA, 1982).
Na análise do autor, as categorias da materialidade do espaço e da
subtotalidade da ciência geográfica ocupam um papel importante no [VERDADE ABSOLUTA]
inquérito geográfico. 1 .·
1.
Pelo exposto do conjunto das diversas abordagens teóricas efetuadas·
1
no que concerne ao conhecimento sistêmico das categorias universais
correlatas espaço e tempo e espaço/tempo, vimos que há muito que se 1

75
74
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E OúTICA EM GEOGRAFIA

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1 . . . . . . ' -
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Ruy ~o~~a (1982, p. 40) diz que Pierre George "ainda não teve sua .
Espaço & Debates, São Paulo: Cortez, n. 7, 1982.
contribUI~o ao pensamento geográfico devidamente pesada. Há toda . L
uma t~na do ~aço~~ suas obr~, encoberta na forma de apostos, '
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2 'Bem ~oaal ª~1:11 e todo patrimônio positivo em termrni de rodu - . 1
maten_al e espmtual, gerada pela civilização humana. p · · çao
3 Conceito de matéria como categoria filosófica. .
·l MORAIS, A. C. R. Geografia: Pequena Ijistória Crítica. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1983.

MOREIRA, R. A Geografia Serve para: Desvendar as Máscaras Sociais. ln:


. MOREIRA, R. (Org.), Geografia, Teoria e Crítica: o saber posto em questão.·
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Ciência e Geografia
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!.- RESUMO: no presente capítufo, há toda uma preocupação centrada no


.i
sentido de justificar o papel da ciêneia e da ciência geográfica
i
1 no processo da produção e respectiva organização espacial.
.i
·l O enfoque em si envolve duas variáveis significativas: a
1
dimensão social do saber científico e a função· da Revolução
-l Cientfüco /Tecnológica (RCT).
A sociedade, como sujeito histórico da transformação, atua
r . como elemento catalisador em todo esse processo de produção
e reprodução do espaço em novos valores de ordem econômica
e social.
i"
r
·---===~---.~-~-.1~-----~----~~---=1
~
A CIÊNCIA: OBJETO E FUNÇÃO NA VIDA DA SOCIEDADE
-.

. -.
l coação e violência intitulado Estado, respaldado por codificações de leis,
de tegü.lamentos, de normas e respectivas sançõefs imdpostdas sob~e as
~
,·~~~:,r-·~:;._' ~
__ . . ·

ara que possamos compreender e denominar o objeto da ciência,· · · classes não detentoras dos meios de produção, re eren an o, assnn, a

P da ciência geográfica, e sua função na vida da sociedade~ é mister · ·


estabelecer, com o devido rigor científico, os dois suportes em que
se assenta a 1' ciência como um sistema de conhecimento objetivamente ·
!1J
1
i.
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vontade dos detentores. d ,
A ação do Estado e do direito a serviço dos possui ores eco1oca a em
prática por. seus ap~relhos institucionaliza~os~ co~o f?rças armadas,
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tribilnais, foros etc. E a partir deste aparato mstituc1onalizado. que ~~e-


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verdadeiro que faz a generalização da praxis, da qual deriva e na qual se ·
~
comprova" (KONSTANTINOV, 1977, p. 218). . .· ··
O primeiro podemos defini-lo como a estrutura filosófica possuidora ·
l
··I
senvolvimento da sociedade humana se pauta por uma luta sIStematica
de contrários, tendo, de um lado, os 12ossuidores, e, de outro, os despos- ~-
deprincípios, leis e categorias universais que orientam toda apostura que \ ·suídos. Os primeiros guiam-se no sentido de manter, reforçar e multiplicar !
cada cidadão utiliza na sua práxis de vida, de acordo.como grau de sua · · \· os seus privilégios de classes; os segundos numericame_nte representa~ ~
a maioria no contexto da sociedade classista, igualam-se e mnanam-se maIS ~"'
consciência social Consciência esta que, se evoluída, faz crescer o ser social,
em sua dimensão de·práticacoletiva canalizada para obemcomum da· em busca das necessidades básicas coletivas. Sobre eles, os donos dopo- ~-
sociedade. No caso inverso, diminui o ser social, reduzindcro aos limites · .· der político-econômico lançaram no passado e lançam no presente -por 8
de sua individualidade, já que o indivíduo passa a gravitar, encasulado
intermédio dos mais diferentes meios de comunicação de massas - paco- fü
no interior do seu pequeno mundo, em função dos seus objetivos ·
tes e mais pacotes de ações e de propaganda falada, escrita, visualizada, }~
estritamente individuais e guiado pelos fatores genéticos e culturais · informatizada, semiológica etc, no sentido de mantê-los .condicionados a -~~
inerentes à sua personalidade. Ao longo da história dohomem, sabemos um nwdus vivendi que não coloque em perigo a estabilidCl.de da propriedade li~
que as sociedades humanas, sob a ótica geral, vêm-se reproduzindo .
1
t·.
individual sobre os meios de produção. Trata-se de impingir, sucessiva- ?'
sempre para melhor no processo de substituição do velho pelo novo. Isto i · .· mente, condicionamentos ao ser humano, a fim de que ele sempre se paute ~:€
si~ca que o que era real, portanto verdadeiro e necessário, perdeu
i · .por uma adaptação passiva ante as atitudes de desmandos cometid~ pelos ~~-
realidade, tomou-se irreal e não necessário, No momento em que os que ássomaram ao poder e fazem dele objeto de uso pessoal a serviço dos -~
homens, no processo da produção, passaram a produzir mais do que o seus interesses de classe.
necessário para o consumo imediato e que o excedente da ptódução foi· os·princípios, as leis e as categorias filosóficas, em função da univer~a-
apropriado por um segmento social que o utilizou unicamente para si, para . · lidáde, abrangência e objetividade de suas existências, vigoram no âmbito
o seu próprio enriquecimento, em detrimento dos demais segmentos da ··da natureza e da sociedade que independem da consciência do homem
sociedade coletiva, efetivou-se na prática a divisão da sociedade em · individual. Todavia, são manipulados no sentido de reforçar o caráter
classes detentoras e não detentoras dos meios de produção1. A proprie-
1 . explorador da classe detentora dos meios de produção da so~ied~~e.
1
dade, então coletiva/ transformou-se em propriedade privada, e as rela- Portanto, na ciência, como umtodo sistémico, ou em cada ramo aentífico
ções de produção adquiriram o caráter de relações de classes. A partir da específico se faz sentir, de forma imperativa, a presença ~à Filoso~a.e ~eu ..
instalação da i;:>rópriedade privada dos meios de produção, aumentaram 1 conteúdo ideológico~ suas duas únicas vias de existênaa real, a idealista
as deformações da personalidade do ser humano. O individualismo, 0 · 1 e a materialista. Elas são guias da teoria e da prática, e faz desaparecer a
egocentrismo, a sede de poder, a prepotência, a apropriação do trabalho
1
1
pretensa "neutralidade científica", ainda hoje advogada por ~uitos ~ue
i se intitulam "neutros", isto é, isentos de partidarismo em filosofia, em aen-
alheio, o voluntarismo, etc são, entre muitos, desvios adquiridos. Sabemos
.eia e em arte. Guiados por quaisquer das correntes do idealismo objetivo
que, para se manterem no poder, os detentores da propriedade privada
ou subjetivo (agnosticismo, positivismo, pragmatismo, existencialismo,
dos meios de produção criaram um aparelho especial de vigilância,
81
80
·~··
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA -· ··t. CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia
lj
l
!
neopositivismo etc) ou do materialismo (científico e Vulgar), sempre as- f risni.o se faz sentir na sua fala oral, na sua fala escrita, no seu consumismo,
l
sumiremos uma posição ideológica de classe, fruto de uma· concepção · lj · no seu modo de pens~ no seu modo de julgar, no seu modo de participar
filosófica de mundo e de nossa práticasocial. Não há como fugir desta .. l ..
social e politicamente, no seu modo de trabalhar, na sua concepção de vida
realidade objetiva.Aqueles que se dizem neutros, isentos da contamihação pragmática e na sua concepção de mundo novo, enfim, na sua prática
ideológica de uma das partes, esquecem-se de que, no processo de suas · · social.. E, assim fazendo, ele estará ao lado de uma filosofia, ciência e arte
formações culturais, suas personalidades foram plasmadas, desde o !
1 partidárias; tendo a Filosofia com~ o seu fundo ideológico (mesmo que
nascer, pela educação recebida (no seu sentido amplo) em nível da super- ·· L.
l · deseoriheça a estrutura do saber filosófico ou o próprio significado de filoso- .
estrutura da sociedade representada por instituições políticas; jurídicas, ·
culturais, sociais, religiosas, militares etc, que se interligam cotn as orga-
i fia como mentora de sua prática social). Tanto a Filosofia quanto a Ciên-
·1 · cia são partidárias, porquanto assumen1 sempre uma posição de classe em
nizações ou instituições correspondentes e da infra-estrutura formada pelo ! favor desta ou daquela."
conjunto das forças produtivas e das relações de produção vigentes na !i Nas suas origens e nos primórdios de sua sistematização, a Filosofia não
sociedade. Estas últimas formam a base econômica da sociedade e podia: refletir corretamente a realidade objetiva do mundo da natureza e
constituem osubstratum que alimenta e impwsiona o desenvolvimento .. i
· da sociedade, tendo em vista que ela não havia sido ainda transformada
da superestrutura. · '
1
em ciência. No geral, sua estrutura esparsa servia apenas para mover
! indagações especulativas empíricassobre a naturezé\ das coisas inanimadas
SUPER E S T R U T U.R A e animadas. Coube ao materialismo científico dar uma dimensão superior
(POLÍTICO-JURÍDICO-INSTITUCIONAL) (ÓENTÍFICO-CULTURAL).
1 a~ saber filosófico, no momento em que ficou COI1$tatado para a humani-
1 dade que a nossa aprendizagem científica só é possível a partir do mundo
i real, concreto, objetivo, portanto, fora da nossé\ consciência. Isto significa
1
1
i ser direaonado da natureza e da sociedade para a consciência do homem,
· .. /· · e :riãó oinverso, como procedem os idealistas2. O saber filosófico-científico
não é·produto de uina reflexão subjetiva do eu individual, mas, sim, fruto
1 de ·~'Um.a sfu.tese filosófica dos dados obtidos pela ciência e das conclusões
INFRA-'ÉSTRUTURA
(INSTÂNCIA ECONÔMICA)
1 ·extraídas desses dados" (FEOOSSEIEY, 1978).
Para o materialismo dialético, o conhecimento é o reflexo subjetivo
1 do miindo objetivo. Por conseguinte, só é possível refletir o que existe
Podemos caracterizar a formação de qualquer indivíduo, inserindo~ objetivamente. É bom que se diga que esse reflexo não é mecânico e
1
no conceito de formação social formulado concretamente por Marx, em J
perfeitamente idêntico à realidade obíetiva captada pelos nossos
que a sociedade é vista em todos os seus aspectos num deterriririado estágio· · órgãos sensoriais. Nossa estrutura cerebral trabalha a imagem refletora
do seu desenvolvimento histórico: modo de produção, desenvolvimento- · captada, associando a ela o já conhecido e reflete a imagem da realidade
científico, social, conjunto da superestrutura. O homem, como ser social, objetiva em nova dimensão; enriquecida pelo acervo de conhecimentos
. .possuidor de consciência social em.diferentes níveis formada ao Cll!sode acumulados em nossa estrutura mental e respectivas inter-relações do .
~a prática social (progressista ou retrógrada), no exercício de·5ua atividade e .
objeto refletor.· Quanto maior for a concordância de identidade dos .
de vida e guiado pelos seus propósitos, seus interesses pragmáticos; quer . componentes estruturais do mundo objeto com a sua ini.agem reflexa
tenha lúcida consciência ou não dos seus atos, assume sempre uma posi- emitida pelo observador, maior será a dimensão de cientificidade
ção que reforça o interesse desta classe ou daquela outra. O seu partida- exaurida do processo de aprendizagem.
82 83
T.
1
REFLEXÕES SOBRE TEORM E·CRiTICA EM GEOGRAFIA CAPITULO IV - Ciência e Geografia

i
l1
O segundo suporte de apoio à ciência corresponde à estrutura científica, i1
A ciência revela ser, de acordo com a opção de encaminhamentos das
vista como um sistema de coiihecimentos ordenados, objetivamentever- f formulações que atendam os interesses desta ou daquela classe ou grupos
dadeiros e sintetizados pela prática do ser humano. Quando examinamos !
;
sociais, uma forma especial de "consciência social".
a estrutura do saber científico, identificamos os seu5 três componentes sub- Na sua evolução histórica, a sociedade primitiva tinha apenas embriões
1
metidos à ação recíproca: . . . . . .. . . 1

1
de conhecimentos científicos. A separação do trabalho manual dei trabalho
• Os conhecimentos empíricos: dosagem contida em nossa consciência . 1
intelectual, fruto do desenvolvimento da produção que criou o excedente,
1
habitual a respeito das coisas da natureza e da sociedade e do indiví-: . · bem como o surgimento da linguagem est:rita, foram fatores determinantes
duo que utilizamos como variáveis de análise e de síntese em nossa. · .no processo do desenvolvimento do saber científico. A ciência aparece como
·procura de conhecer a verdade científica. resposta às demandas práticas da sociedade. Na sociedade feudal, o saber
• A ciência: como um campo de conhecimentos teóricos, sendo as leis. científico, eonservado como propriedade privada da hierarquia feudal (Igreja
científicas o núcleo científico do sistema teórico. Com ~ase no exame e senhores palacianos), é rompido pelo crescer contínuo das forças produ-
analítico dos fatos da natureza e da sociedade, tomados em conjunto, tivas da emergência do novo regime político-social, o capitalismo.
de forma objetiva; o interessado na busca do saber científico (pesqui- . . Com o advento das ciências naturais e experimentais modernas (a partir
sador, cientista social etc) procurará conhecer as ações das leis que do século XVI) e posterior desenvolvimento das ciências sociais, políticas
regem os fenômenos contidos nos fatos e deverá agrupá:--los num efilosóficas (podemos classificá-las como ciências humanas), a ciência entra
sistema ordenado. Como sabemos, as. leis científicas refletem as in- em uma nova etapa de sua história. Em cada ramo da sua estrutura con-
terações, isto é, os nexos essenciais e.necessários existentes entr~ os. eeitual geral, define-se com maior precisão o seu campo de· abrangência,
fenômenos que estruturam um conjunto maior (um todo sistêmico) .. em termos de limites, função e papel científico-social. ·
que, em Geografia, denominamos de "espaço geográfico'!3. Cabe-nos, Nos séculos XIX e XX, o desenvolvimento da ciência impõe nova
em função da nossa capacidade de detectar, analisar e combinar os. modificação de sua função social, O crescente aceleramento do progresso
fatores analíticos, refletir a rea,lidade objetiva do mundo da natureza técnico e·a correlação cada vez maior e intrínseca entre a ciência e a prá-
e da sociedade numa totalidade. o entendimento de uma lei em. tica passam a ser mais determinantes em termos de interação dialétic;;1:
separado somente é possível se nós tive~os presente que a conexão · . o desenvolvimento teórico experimental da ciência passa a revolucionar
de leis é fundamental para entendermos o todo resultante das par- · a: prática, criando, deforma crescente, novos ramos de produção. Em caso
tes. Há que se ter sempre em conta este processo combinatório, a fim · · oposto, a'prática - critério superior da verdade - autentica, mais e mais,
de que o conhecimento assuma, de forma crescente; dimensões de · .· a validade teórica da estrutura conceitual científica, fazendo-a avançar
vaio·res mais absolutos, portanto, mais verdadeiros: A busca da como estrtitura de fundamentação teórica necessária e verdadeira. A nova
visão de totalidade deve sera nossa constant~ meta, tendo·em vista .produção de bens sociais exige constante desenvolvimento da teoria. Final-
quesó por intermédio dela é que superamos nossas deficiências acien- · mente~ a:função social da ciência, como pressuposto fundamental para
tíficas no ~bito do empirismo e do subjetivismo.. · o· desenvolvimento da sociedade, imprime uma dinâmica maior em
• A filosofia: suas b~es de e~truturação e seus respectivos objetivos termos de lutas de classe, assumindo os seus protagonistas crescente
·. em termos de concepção de mundo são, de forma cada vez mais · · .·posição partidária, definida em. função dos seus encaminhamentos cien-
crescente e utilitária, utilizados pela teoria científic;a para o pró- · tíficos de· acordo com o grau de formação profissional e política de cada
prh·avanço desta última. Quanto maior for a universalidade da um; Deste modo, qualquer encaminhamento deste ou daquele cientista/
teoria científica, maior será o grau de aproximação com a filosofia, pesquisador social estará sempre revestido de uma posição de classe no
e vice-versa. interior de uma sociedade classista. Estará a favor dos que aspiram a

84 85
REFLEXÔF.S SOBRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA
T
.·. 1

l
CAPITuLo IV - Ciência e Geografia

!
atingir a verdade cientifica para beneficiar toda a sociedade comprometida
com o desenvolvimento social, ou, em caso contrário, a serviço dos que . l ciências· sociais possuidoras em maior escala de conteúdo de classe. No

a manipulam para tirar maiores proveitos de ordem pessoal ou de inte-


! objeto das ciências sociais; o envolvimento das forças produtivas com as
l· relações de produção é bem superior ao envolvimento das demais ciências.
resses de grupos, segmentos ou classes sociais comprometidos com o anti- · . Istçmão Significa que estas últimas não tenham caráter classista. As dimen-
1
desenvolvimento social. .1
sões devalores, portanto de envolvimento, é que são desiguais. Não há ramo
!
A função social do saber cientifico estará sempre na dependência do alguffi de conhecimento, quer no plano da natureza ou da sociedade, que
avanço da consciência social, e esta pressupõe, inexoravelmente, o avanço seja ísento de partidarismo. No bojo estrutural de todos os ramos do
de nossa consciência política. Quanto maior for o desenvolvimento desta. 1
· conhecimento humano, sem exceção, há um conteúdo de filosofia (portanto
última, mais a sociedade - sujeito histórico de transformação social - ..,j ·· ·de concepção), e respectiva ideologia,.sendo que, na prática, os seus agen-
exercerá de maneira crítica o seu papel de "cobradora" dos valores sociais i tes assumem uma posição partidária. -
contidos nos três níveis do saber humano: o filosófico; o científico e o social4• '
'
A sociedade, com sua dimensão de coesão social, seu potencial de a5si~
. j

milação da realidade objetiva do mundo da natureza e dela própria, pas- DESENVOLVIMENTO E REVOLUÇÃO
sa a exigir, cada vez mais, que o "partidarismo em ciênda" asstuna posi- CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA
ção definida em favor da função social verdadeira, portanto cientifica, em
benefício da coletividade global e não em benefíciO de uma minoria Finalmente, há que ressaltar o atual nível do desenvolvimento cientifico
privilegiada. O caráter universal da ciência impõe-se, em nossos dias~ como .···caracterizado pela revolução cientifico-tecnológica (3ª grande revolução
crescente necessidade histórica. Não há que negá-lo em sua dimensão de· industrial), em suas implicações econômico-sociais, em conformidade com
totalidade. A ciência toma-se, de maneira crescente, um patrimônio de as vias políticas adotadas.
todas as nações, tendo ei:n vista que a sua apropriação e o seu uso passam .•.. Comoponto de preocupação desta questão fundamental abordada, é
a ser uma preocupação maior da sociedade humana. Se temos em conta preciso termos em conta que, no atual período mencionado, a interação
. que as chamadas ciências naturais e técnicas têm corri.o função básica servir dialética da produção e da ciência aumentou de maneira extraordinária.
a sociedade com conhecimentos acerca da natureza e dos disposítivos · · Se retomássemos à história das chamadas grandes revoluções cientifico-
técnicos criados pelo próprio homem, devemos também ter em conta que · tecriológicas, constataríamos que elas foram sempre decisivas nas grandes
as chamadas ciências sociais possuem objetos que afetam mais diretamente transformações sociais. Assim, a primeira revolução industrial, acionada
as distintas classes que compõem a sociedade. Daí, a razão de serem as · pela utilização da energia a vapor, determinou a incorporação da base
· econômica da sociedade burguesa em muitos países europeus; bem como
acelerou o desenvolvimento das revoluções burguesas contra os resquícios
do regime feudal que ainda permanecia como estrutura de poder político
e econômico no contexto da Europa. A ascensão da burguesia como clas-
INTERDEPENDÊNCIA se dominante veio acelerar o surgimento de uma nova composição social
FILOSÓFICA ~por sua·nàtureza·de clas[;e antagônica à própria burguesia, o proletariado
CIENTiFICA ·
SOCIAL
(classe operária), classe que se identifica cada vez mais com o progresso
.. técnico à serviço do progresso social. . .
A segunda revolução cientifico-tecnológica marcou as premissas ma-
teriais'no sentido da construção de uma nova sociedade, mais justa e igua-
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litária e possuidora de valor universal: a sociedade socialista. O emprego. . l.. . eclodiram. e desenvolveram-se, rapidamente, os denominados movi- 1·
da energia elétrica em substituição à energia a vapo:i: iillprimiu um
proces-:'. i) mentas de libertação nacional;
N
so acelerado de desenvolvimento das forças produtivas e das .relações de. i,i .· . • cresceu mais a coexist~cia e a slib?liddand·edadlí:ti~temoaco~o~alcaenestrOCle.ºai~ ~
produção socialista. A nova dinâmica do processo produtivo-social ama:- ·. .
1
•. .. povos e nações que anseiam por ei:: a e po ca, ec n rm . , ~
dureceu e reforçou ainda mais o proletariado em nível mundial, imbuído i • a luta pela paz e democracia efetiva passou a ser uma constante entre :ilj
de elevada preocupação social de libertar os povos oprimidos, explorados 1 àmaioria das nações; r
e subjugados pelo sistema capitalista.
No presente, estamos vivendo a terceira grande revolução científico- ·
.1
-j · ·
• consolidou-se mais a consciência socialista entre povos e nações.
Outro dado importante é que no período da Guerra Fria, a RCT cons-
. !~~·- _,
__"'.: .·

tecnológica, que constitui a mais dinâmica de todas havidas até então, tituiu-se no próprio eixo da luta maior que travaram os dois sistemas
em virtude do desenvolvimento das forças produtivas e das relações . -1 · (capitalista e socialista) como os seus respectivos modos de produção e ~
de produção das revoluções antecedentes. A energia atômica, a energia .! respectivas vias de encaminhamento social da produção. Com isto, · ~:~.~
nuclear, a automatização complexa da produção passam a ser as bases ! afirmamos que os resultados e as conseqüências da RCT não deixam de ,>
operacionais deste acelerado e superior processo novo de reprodução, se constituir, como bem caracterizou Trapezillkov (1974), "uma arma de ~
que já determina mudanças substanciais atinentes à vida econômk:a, doi.S gumes que podem ser utilizados tanto pelas forças do progresso ~
social e política das nações. no mtere5se da civilização e da sua prosperidade futura como pelas forças i
Nos dias atuais, o papel da ciência, mediante a expansão da revolução da reação para fins violentos e destrutivos". .~
científico-tecnológica, incide diretamente sobre os objetos de trabalho do · Deste modo, evidencia-se, concretamente, que jamais podemos r~
homem (recursos naturais e matérias-pmnas) e sobre os meios de trabalho dissOciar o progresso técnico do progresso social. E, a cada avanço da soei.e- i~
(os instrumentos de produção, a terra, a:s fábricas, transportes e vias,fon- dade para melhor, avança também a interação dialética interdependente ~1
tes energéticas; etc). Pela mesma razão, no aperfeiçoamento dos métodos . i dos dois processos que se transformam., rapidamente, num ~co ~roce~so ~
de produção já existentes e na criação de novos, a fim de atender o desen- ·global, na medida em que o fator técnico adquire crescente dimensao s~al. . ~
volvimento social da humanidade. No mornento em que o progresso técnico não se vincula ao progresso social, .1.~
Há que ressaltar que, no atual estágio de desenvolvimento, a revolução eie peide a sua àimensão de realidade, isto é, deixa de ser necessário e real ~
científico-tecnológica estátevestida de certas caracteríSticas marcantes, as pára a: sociedade e passa a ser um instrumento de opressão à serviço do ~
quais a condiciona, cada vez mais, aos processos sociais a que estamos· capítal para subjugar povos e nações. , . .~ . 1_.,
submetidos. Vejamos alguns deles, que devem ser de nossa parte objeto · Se antes a RCT estendia-se em alguns dom1mos da c1enc1a ou da ~
~-

1
de profunda reflexão para que possam.os entender e participar do processo técnica, hoje ela já adquiriu uma abrangência global. Daí a razã? de
de transformação da nossa socie~ade, particular e glol;>al, para melhor. Isto sua insercão em todos os mecanismos da vida política, econômica e .
significa não só defesa e luta para implantar uma vida existenciçtl digna. sociái da; nações, passando, por um lado, a ser motivo de crescente· ~
para nós,·mas especialmente para as novas gerações que nos substituem . · preocupação, tendo em vista que as forças de reaçã~ manipulam em · ~
no processo de reprodução natural do mundo orgânico. Há que ressaltar função de interesses mesquinhos e egoístas, as ~nq~s~as da RC~~r .~
que a 2ª RCT eclodiu na época da transição revolucionária do capitalismO outro~ de otimismo científico, em virtude dos ene ic1os que a sao .j
para o advento da experiência socialista, colocando, em termos práticos, ·do progresso técnico com o social propicia, sobretudo para as classes Ili
a humanidade diante de fatos concretos como estes: · ·. · produtivas da sociedade. . · ~.
• intensificaram-se as lutas de classe; No momento, assistimos ao denominado capitalismo monopolista ~
• houve um expressivo processo de desagregação do siste)Ila colonial; associar-se ao poder do Estado, adquirindo a dimensão de capitalismo i
88 89
1 ~
ã-
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CJúnCA EM GEOGRAFIA CAPtruLo IV - Ciência e Geografia

1
1

monopolista de Estado, em que este passµ a servir ao capital financeiro Apesar de sua unicidade, a RCT não eliminou a competição que havia
de .forma mais efetiva. Isto significa, em última mstância; que .a base 1 entre os dois sistemas, muito pelo contrário, os encaminhamentos diver-
i
econômica de sustentação do regi.file capitalista bem como a sua super-
estrutura atingiram um estágio superior e tendem, num período rela-
'1·
l
gentes ampliaram as contradições.
O capitalismo, por um lado, utiliza-se das conquistas da RCT e procura
tivamente curto, a se esgotarem. As alternativas futuras serão cada vez
l multiplicar os seus lucros, por outro, procura atenuar os seus vícios orgâ-
!·i
mais paliativas, numa tentativa vã de dar continuidade ao sistema po- nicos e retardar o processo de seu desaparecimento como sistema de clas-
lítico e econômico do capitalismo. O modo de produção capitalista já ses diferenciadas pelo poder, riqueza e consumo. .
conferiu reprodução à dimensão social necessária, criando, desta Seria ingênuo de nossa parte pensar que o capital financeiro monopo-
maneira, as condições materiais e técnicas imprescindíveis ao surgimento 1 lista não se utiliza dos avanços da RCipara tirar proveito pessoal. Como
do socialismo. Com o advento do capitalismo, socializou-se o trabalho. l
i -
exemplo, citamos a manipulação do aparelho de Estado, notadamente dos
l
As nações que no futuro, ingressarão na via socialista, experimentarão ! Estados dependentes, que torna mais fácil na medida em que a estrutura
o mesmo processo. -de poder do capital financeiro amplia-se com o desenvolvimento científico-
No momento em que a ciênciapassa a ser um fator determinant~ da tecnológico. Ela abre novos espaços aos investimentos de capitais, facilita·
. ! a planificação e o controle da vida econômica, ajuda o processo de interna-
produção social (característica marcante do nossa época), há que se pre-
ocupar, seriamente, com a natureza, papel e .tendênci~ da RCT no pro- _ cionalização do capital, bem como propicia de forma estimuladora o cres-
gresso social. _ i cimento das sociedades multinacionais. Por outro lado, o agravamento das
, Tomando como exemplo a busca do aperfeiçoamento social do indiví- 1
1
~ontradições internas d~ regime capitalista avolumam-se, acentuando-se
duo, tarefa que exige a erradicação das profundas mazelas sociais ' as suas crises. A corrida ao· lucro máximo amplia a legião dos marginali-
existentes no mundo do capital,tais como da exploração do trabalho do zados, e a concentração da produção intensificq. mais o papel do Estado a
homem, da violência, das guerras, das desigualdades nacionais e raciais serviço dos grupos monopolistas que detêm o poder político. ~tr~ssrn:,
etc e, tendo em vista que a RCT é "una" para quaisquer dos regimes a aplica'!Jilidade da ciência e da técnica em benefício de uma ~ona pn-
político-econômicos, seja capitalismo ou socialismo, sua universalidade vileciada
o
e em detrimento da maioria trabalhadora faz que unportantes
justifica-se pela identidade das exigências em ambos os regimes (como segmentos da sociedade adquiram maior grau de conscientização política
exemplo, a planificação e sua utilização prática) e revela à sociedade os e passem a contradizer os falsos valores da sociedade capitalista. A no~a
propósitos éticos de ambos os encaminhamentos. Justamente, por ter estratégia do neo-colonialismo impõe sobre as nações dependentes a via
eliminadono passado, em alguns países, a propriedade privada dos meios capitalista de desenvolvimento, injetando neles uma tecnologia de "segun-
de produção é que o socialismo em construção (experiência socialista) da classe", buscando 'manter o âtrasb econômico e teénológico, a fim de
conseguiu transformar o produto científico da RCT em poderoso fator mantê-los na continuidade da dependêricia. __
de desenvolvimento econômico e social. A propriedade social dos _meios Mesmo havendo transferência de tecnologia sofisticada, não se con-
de produção, a planificação como lei da gestão socialista, a erradicação - segue a solução dos complexos problemas socioeconômicos dos países de- ·
dos privilégios sociais, a eliminação das barreiras sociais ~o que tange_ à pendentes. É interessante notar que a RCT começou para o mundo capi-
utilização das descobertas científicas e da técnica, entre outras, constituíram talista desenvolvido na esfera dos annamentos e que, nos dias atuais, apesar
em fatores favoráveis vantajosos em prol da_ construção do id~al s_ocialista do avanço substancialda luta pela paz, pela coexistência pacífica, pela de- -
-em muitos países, mesmo que o regime socialista não tenha conseguido mocracia rumo a uma política de desanuviamento, o mundo capitalista,
se firmar. Muitas foram as conquista_s sociais alcançadas que _se incor- tido como "desenvolvido", continua a aplicar mais de 2/3 dos créditos

.
poraram ao querer das novas gerações'. -·
-· destinados· à ciência, à investigação e produção industrial bélica. E o

91
90
·-~,:'-

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRínCA EM GEOGRAFIA 1 CAPITULO IV -- Ciência e Geografia


'1
1
í

mais grave de toda a problemática enfocada é que as nações dependen- l1


colocam os dois sab~res - o filosófico e o científico- como contraditórios.
tes de maiores potencialidades, como exemplo o Brasil, são utilizadas pelo . ·'' ·Esta posição assumida é ideológica, tendo em vista que procura esvaziar
capitalismo monopolista como testa-de-ferro intermediário, de sustenção ·a dimensão ideológica contida na ciência a fim de excluí-la do. contexto
dos objetivos e propósitos econômicos e políticos do çapitalfinanceiro mo- da"luta: social contemporânea. .
. nopolista internacional e nacional._ Igualmente, os idealistas, em grande parte, fazem da ciência um centro
Tendo em vista que a RCTbusca a automatização complexa em todos de especulação, conferindo valores absolutos à nossa apreensão momen-
os ramos da produçã9 e que a questão fundamental estáemtransfonrtar tânea do mundo exterior, bem como contrapõem. a filosofia à ciência e vice-
as conquistas da ciência e da técnica em bens sociais para a sociedade hu- versa, como se fossem realidades contraditórias.
mana, coloca-se o problema: Para o materialismo dialético e histGrico, cada modificação da realidade
·• como viabilizar isto por via capitalista, sendo que, sob o capitalismo, objetiva (condições naturais e sociais) impõe modificações de prinápio na
a RCT conduz a um aprofundamento antagônico maior entre a po- ·estrutura teórica e metodológica da ciência. Assim, há um contínuo pro-
lítica do capital e a política do trabalho? . . · cesso de aprimoramento científico.
• como viabilizar, quando sabemos que sob o capitalismo, a RCTcon- · ·Outro critério importantíssimo que define a própria atribuição de pes-
duz a uma burocratização e tecnocratização do poder político? . ·quisador é sabermos caracterizar bem o sujeito da ciênci_a mod~mª;. ?s
. • corno viabilizar, se a cultura do hmnem se transforma. em cultura de· partidários do idealismo atribuem à denominada ~omurudad~ o_entífica
: ... ·.
massas, de consumo? 0 papel de sujeito do conhecimento, isentando o sistema cap1tali~ta das
Aresposta é uma só: enquanto a propriedade dos meios de produção smis deformações, responsabilizando a própria ciência pelos erros come-
forde domínio privado, será impossível utilizar com racionalidade social tidos pelO sistema. . .
os avanços científico-tecnológicos alcançados pela RCT. . Temos conhecimento.de que é a sociedade o sujeito da ciência, pois é_
Finalmente, retomamos à condução da ciência nos dias atuais de acor- ela que permite que haja o desenvolvimento científico, na medida em que
do com as duas vias de encaminhamento filosófico preponderantes: nos fornece toda a temática para que possamos avançar, cientificamente,
• sob o capitalismo, o saber científicoé alimentado é colocado'em pra- . no cori.hecimento da nature~~ e da própria sociedade.
tica pela filosofia idealista neoppsitivista, em que a ciência caracteriza- É evidente que o fato de a sociedade ser o sujeito da nossa procura não
se unicamente pela estrutura formal dos sistemas de saber, e que a· restringe, em nada, o papel da comunidade científica, notadamente em
mesma não é um reflexo da realidade do mundo objetivo; nossá época, cujo encaminhamento da ciência para o bem comum d~pen­
• sob o"socialismo", corno forma de consciência soclalistaerncons- · em
de, muito, do volume de consciência política da própria comurudade
trução, o saber científico é alimentado e colocado em prática pela · dentífiéa.
filosofia do materialismo científico, em que a ciência caracteriza-se É preciso também termos em conta que a ciência pressupõe sempre um
pela compreensão dialética da natureza e da sociedade, constituindo- conjunto de fatores combinatórios que se interligam. Daí a razão pela qual, .
.se num _sistema de síntese dos conhecimento objetivos. sendo a dialética a dência das ligações, é preciso vê-la em sua abrangência
Há que convir que, nesta segunda via, a ciência constitui-se num sis- 11
de totalidade, como teoria, em termos de concepção de mundo; como ciên-
tema mais aberto", isto é, ela será.continuamente complementada pelo cia; no sentido da explicação do mundo, mediante suas leis gerais e s_ua
avanço do domínio do homem sobre a natureza e a sociedade. dinâmica universal objetiva e subjetiva, como método de conhecimento
A dialética ma!erialista é um sistema vivo que se desenvolve ao mô- teórico e prático e como guia de ação transformadora.
vimento da prática social e do pensamento científico. É evidente que há Finalmente, sabemos que o ser humano é o produto superior da evo-
numerosos filósofos idealistas que negam o valor científico da .filosofia e lução das espécies orgânicas no planeta Terra, estando, portanto, subme-

93
92
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E ÜÚTICA EM GEOGRAFIA . CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia

tido às leis sociais, da biologia, e, especificamente, às da genética. E, em A CIÊNCIA GEOGRÁFICA


virtude das leis da genética, e independente da sua condição de classe social
e racial, todos os homens são diferentes quanto ao grau de suas poten- · Iniciamos nossa inserção na ciência geográfica no presente estudo
cialidades, capacidades e tendências. ·a partir de um quadro de síntese da sistematização do saber científico
Daí a razão pela qual, sendo a dialética a ciência das ligações, há. que geográfico. ·
se levar em conta essas especificidades que, sendo canalizadas no processo Apoiando-nos nesta trajetória geográfica, passamos a trabalhar com
de captação da realidade objetiva, permitem det~ com maior ou menor a estrutura conceitua! e pragmática da Geografia Crítica, abordando
grau de precisão, a verdade científica, em função das diferenças individuais, as princ:ipais dimensões que definem, à base de critério científico, o
como método de conhecimento teórico e prático e como guia de açãci corpo de nossa ciência espacial:
transformadora . • o espaço geográfico passa a ser visto como realidade objetiva uni-
.É necessário evidenciar que o desenvolvimento da ciência e da próprla tária, resultante da interdependência entre natureza e sociedade,
humanidade, em padrões normais de progresso, dependerá, cada vez e vice-versa, em duas dimensões: aparência e essência;
mais, do crescimento maior da responsabilidade social do pesquisador, • o espaço geográfico, entendido como resultado da materialidade
do crescimento dos seus prinápios éticos orientados para o humanismo. · · · do processo de trabalho do homem;
É bom deixar claro, como já frisamos, que os desígnios do capital não • o espaço geográfico, compreendido como produção espacial/tem-
·respeitam os códigos de ética, todavia, devemos lutar para preservá-los, poral simultânea (tempo histórico-geográfico);
a fim de manter uma condução lógica e racional da ciência e dos resultados ~ 6 espaço geográfico considerado em sua dimensão social como
científicos. E esta condução subentende, especialmente~ dirigir "bem" as . .·objeto de nossa procura geográfica, portanto, profissional e existencial;
instituições científicas, a própria organização da ciência; com ofim de criar · •. o espaço geográfico visto no contexto da Revolução Científico /Tec-
condições que assegurem o processo criador mais produtivo. Se é im~ . nológica.
possível impor uma direção ao pensamento e à criatividade científica; não· :,, o espaço geográfico visto no capitalismo como crescente contra-
é impossível impor uma condução quanto ap uso dos conheamentos cj.en~ ·· dição entre o capital e o trabalho, sendo que o espaço do capital
tíficos produzidos. . · . ·. ·. · · · . · ·· . . funciona como agente de poder que dicotomiza a sociedade em
Finalizando essa introdução à ciência.geográfica, afirmamos que n~ ·: possuidores e não possuidores, ao passo que no socialismo,
século XX assistimos, de maneira crescente e mais dinâmica, o desenvolver como antevisão histórica, deve ser visto como crescente processo
e modificar da ciência e de sua função social, bem como a correlação maior . de ordenamento social para servir, cada vez melhor, à sociedade
·. .. .!
entre as ciências, entre a ciência e a prática social. Ta.ri.to as ciências da na- ·· nele instalada. É evidente que houve, no passado, inúmeros ca-
_tureza e as técnicas, como. as ciências da sociedade, revelam que os seus sos de violação do espaço natural/ social em muitas áreas focali-
conteúdos se integram mais rapidamente e denotam uma tendêTI.aa a uma · zadas nos países "socialistas". Entende-se p~rfeitamente que o
maior síntese, apesar de a divisão de trabalho ser mais intensa e aumentar.· socialismo, como regime político/ideológico em construção,
a independência relativa de cada ramo. Ex. bioquímica, biofísica, geoquí- não nasce pronto e acabado, muito pelo contrário, está submetido
mica etc. Hoje, não basta somente possuir recursos e quadios eficientes ao movimento dialético pautado por zigue-zagues, recuos, avan-
de especiéilistas para que as investigações científicas possam ser mais efi- · ços, em virtude da imposição de muitas etapas não amadurecidas,
cazes. Também há que se imprimir metodologia nova e eficiente para a · consideradas premahrramente como verdadeiras.Todavia, na edi-
organização científica. ficação socialista, há uma caminhada para frente, rumo ao desen-
volvimento maior.

94 95
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO REALIDADE OBJETIVA · j


1
tida devesersempreodeterem vista que a captaçãodo~toobje-
tivo da natUreza e da sociedade parte da consciência do homem, mas não
~
1
O ponto inicial de todo entendimento a respeito do que se conceitua · • é produto desta consciência. O produzido resulta do mundo exterior (obje- · ~~
como espaço geográfico deve partir de uma nítida compreensão do que tiva) que é captado pela nossa consciência por meio dos seus canais de ligação t.L_:.·_;

seja realidade objetiva, atinente ao mundo da natureza e da sociedade: com este mundo exterior (os órgãos sensoriais) e transformado pela nossa º"
~

Como sabemos, a natureza existe desde que o universo se formou há bi- estrutura cerebral numa imagem reflexa de conhecimento. Deste modo, o ·r.~.:_:.
lênios. A natureza terrena é bem mais recente, sendo confirmada pelos ciclos·. conhecimento objetivo e concreto passa a·ser a imagem reflexa subjetiva do '"'
evolutivos identificados pelos processos de reprodução da vida orgânica' mundo objetivo (natureza e sociedade como sujeito histórico). ~
~
e inorgânica; A presença do homem no planeta Terra podemos confirmar,· ~
sem margem alguma de erro, como recentíssima, haja vista que a espécie
humana somente poderia aparecer depois de delineadas as condições . ! 1~=-,

naturais de sua existência, no período Quaternário, quando as condições · fil


objetivas para o aparecimento do Homo eredus e sua evolução para Homo §'
sapiens se fizeram presentes. Os achados e estudos paleontológicos e
antropológicos vieram confirmar que a espécie humana surgiu no mo- · · interdependência ................. . ................. interdependência
·~
~
mento em que havia concretas condições objetivas de sua existência, eque, f~X

a partir de então, ela passa a se distinguir das outras espécies org&nica5 ~j


t".ÇO

justamente no momento em que o homem começa a produzir objetos por ~j


intermédio do seu trabalho socialmente necessário. É por intermédio
deste trabalho, de sua ação transformadora e criativa; qué o honi:em vem
modelando o fácies terreno ..
É a partir desta incursão na Pré-história que o homem vem ordenando, O espaço geográfico não poderia existir caso se omitisse esta realidade
no transcurso de sua história, o espaço de sua vivência, e passamos a carac- concreta. Isto quer dizer que, ao trabalhar com o espaço particular da
terizar, com a necessária precisão científica, o espaço geográfico, visto em . Geografia, temos que levar em conta que ele existe incluso nesta realidade
sua dimensão de totalidade. objetiva maior mencionada. Temos que vê-lo no processo de sua repro-
Como realidade objetiva, o espaço deve ser entendido no sentido do dução espacial; o que significa que jamais poderíamos estudar ou pesquisar
geral, isto é, da natureza que existe objetivamente, desde que o mundo é qualquer realidade à luz da ciência geográfica se nós não levássemos em
mundo, e da sociedade como realidade também objetiva, que independe conta o movimento dialético dos componentes que dão estrutura ao fato
da consciência do homem, sendo fruto do processo histórico que a confir- · geográfico em questão, bem como a evolução do fato como um todo. Há .
ma como real e evolutiva. Ao mesmo tempo, são interdependentes, istO que se ter em contá a àinâmica do processo evolutivo dos componentes· ···
é, possuem autonomia e dependência reáproca (interação mútua). A e do todo. Assim, como exemplo, no estudo de uma fáb~ica ou complexo
consciência do homem só aparece com osurgimento da espécie genética·· de fábricas, detectamos que as variáveis estruturais do fato industrial (con- ·
Homo no desenvolver de sua atividade produtiva. dições naturais, condições humanas, econômicas e financeiras da fábrica)
Queremôs,deixar bem claro que - em qualquer circunstância -não po- se reproduzem em consonância com as mudanças que se operam no ca-
demos isolar a dinâmica evolutiva do mundo da natureza e da sociedade pital, no trabalho, no mercado de compra e venda, na administração das
quando empreendemos um estudo oupesquisacientífi2a. O ponto de pai-- . . mudanças políticas ocorridas no Estado. . .

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96
REFLEXÕFS SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia

1
O manejo do estudo e pesquisa teórica e prática da Geografia, toman~ i à visão científica do todo, como também encobre (mascara) as questões
do corno referencial geral a realidade objetiva do mlindo da natureza e .. .i de base que estão no bojo da essência e não da aparência.
da sociedade, requer, de nossa parte, ver o fato geográfico (sua estrutura É por intermédio da essência da coisa, isto é, de sua natureza interna,
de partes e do todo) em suas dimensões de aparência e essência, numa· que chegaremos a ter uma compreensão mais nítida, mais definida, dos
relação de interdependência. Assim, tomando como exemplo â fábrica, fenômenos que dão estrú.tura ao fato geográfico e, sobretudo, ao fato geo-
em termos da aparência (a forma como as suas variáveis se revestem)~ gráfico visto como itm todo sistémico. ··
detectaremos, com maior ou menor precisão científica, um determinado Quando falamos do capital ein circulação, prevê-se que uma grande
número de elementos combinatórios e os seus respectivos graus deva- · · parte dele, no nível da média e; notadamente, da grande empresa, per-
loração, de acordo com a nossa capacidade de observar, captar e anali- manece oculto, encoberto. O mesmo acontece quando abordamos a
sar, à lu:z da ciência, o fato que buscamos conhecer. Se tivermos uma boa questão da lucratividade obtida: a contabilidade dos bastidores encobre
formação científica,-uma prática social experimentada, uma estrutura a realidade. O mesmo se dá no tocante às altas transações financeiras,
orgânica física e mental em condições normais de flincionamento, · · ncitadamente as existentes na esfera do capital financeiro e especulativo.
seremos capazes de conhecer, relativamente bem, a aparência em sua· Como percebemos, é preciso conhecer, penetrar na interdependência
representatividade quantitativa e qualitativa, tanto na sua forma externa · da aparência com a essência (visível e não visível) para que possamos au.:.
quanto interna. É evidente que, se tivermos um raciocínio lógico dialético . .. '
' tenticaí a veracidade científica do estudo da realidade objetiva geográfica
desenvolvido, tomar-se-á mais fácil captar a realidade mencionada, . ·que empreendemos. Não nos basta permanecer no campo da visualização
bem como os tjiferentes graus de interdependência existentes entre as · e ànálise do real objetivo visível. Temos, de preferência, que conhecer a
duas dimensões da aparência. Com base no conhecimento das condições base da análise e da crítica científica, o maior conjunto de elementos visí-
naturais do terreno onde a fábrica se acha instalada (dimensões, simetria, . veis e ócultos contidos no espaço que pesquisamos, os seus diferentes va-
planimetria, fator água etc), das condições humanas (quantidade e ·lotes, os seus graus de interação á fim de que possamos ter um melhor
qualidade da mão-de-obra, estrutura administrativa/gerencial), de domínio do todo (visão sistémica de totalidade).
condições técnico-financeiras (tecnologia dos equipamentos, estrutura No ã:i:nbito de nossa incursão na busca de conhecermos a essência das
do capital, política financeira, mercado de compra e venda etc), é que coisas, aumentamos substancialmente o grau de legitimidade da verdade
seremos capazes de penetrar mais a fundo e inter-relacionar os fatores · científica - objeto de nossa procura de ordem científico-social. O conheci-
externos da aparência com os seus fatores internos. Assim, como exem- 1nento das leis e das categorias da dialética materialista é instrumental
plo, o fator água de aparência natural externa está intimamente ligado teórico e metodológico imprescindível no nosso inquérito geográfico..
a muitas funções internas da fábrica para que ela operalize a produção ·.
·planejada. A qualidade da mão-de-obra conhecida pelo grau de formação
do trabalhador, de sua tradição histórica, de sua habilidade, destreza etc, .· O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO RESULTADO DA
interliga~se com diversos mecanismos setorizados da fábrica, buscando . MATERIALIDADE DO PROCESSO DE TRABALHO DO HOMEM
maior e melhor produtividade. A estrutura do capital fixo e móvel
contabilizado está intimamente ligada aos mecanismos da velha estrutura Como sabemos, o que distingue a espécie humana das demais espécies
que se reproduziu como nova. · ·vivas animais é basicamente o fato de possuir consciência. Sabemos, tam-
Entretanto, nós, que lidamos com a ciência geográfica, não podemos, · bém, que esta é propriedade da matéria altamente organizada - a estrutura
em hipótese alguma, permanecer no campo da aparência (extema e cerebral - em sua eterna interação com a realidade objetiva, ao mesmo
interna), levando-se em conta que ela é insuficiente para nos conduzir tempo, como produto do trabalho do homem.

98 99
-~·

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA


...... , CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia

É pela ação do seu trabalho social realizado sobre' o mundo da natureza


· 1. comunicações etc) que imprime, no interesse dos possuidores, a configu-
e da sociedade que o ser humano vem formando a sua consciência, aper- l ração dos espaços produtivos-sociais. O capital investido (fixo e móvel)
i
feiçoando-a continuamente. O contato direto com a realidad,e objetiva fez ! é o sinônimo maior da posse, portanto, do poder econômico. Como sabe-
~o homem, no seu dia-a-dia de trabalho, um ser superior dotado da capa.,- . ! mos, numa sociedade classista como a capitalista, o capital serve aos di-
! tames do segmento minoritário que ele representa. ·
adade de pensar, raciocinar, idealizar, sintetizar e refletir esta mesma reali- 1
dade como forma de conhecimento .superior. . Em suas especificidades internacional ou nacional, ele articula a divisão
A trajetória da pré-história do homem é definida em termos de sua evo- 1 internacional do trabalho a seu favor, que, uma vez materializada em
lução mgânica (física, mental e cultural). Os antropóides, monos antropammfos; função da produção, imprime no espaço geográfico-interação da natureza
como_ exemplo, os Aus_tralopitecus, foram antepassados do homem antigo e da sociedade - múltiplas e contfu.u~ ordenações espaciais positivas e
(do Pitecantropos, do Smatropus, do Atlantropus, do Telantropus), seguindo- 1 negativas, quando analisadas sob o ponto de vista social. A cada momento
i novo, surge uina reprodução nova que responde pelas mudanças operadas
se os neandertalenses, que foram os antepassados do homem moderno
(Homo sapiens). E, por intermédio do trabalho produtivo/social desenvol- na estrutura de um determinado espaço geográfico (variáveis combinatórias
vido, o homem insere-se na história no momento em que ele passa a gra- sistêmicas), em termos quantitativos e qualitativos. Assim, veremos que,
var os seus próprios feitos por meio da escrita. A elaboração dos instrumen- na visão dialética, as variáveis positivas da estrutura anterior são mantidas
tos de trabalho possibilitou ao homem o domínio crescente sobre o espaço na no~a estrutura, pelo fato de serem necessárias; as n~gativas, .
natural, elaborando, assim, o seu próprio espaço de existência. Ao longo do !1 desnecessárias, são abolidas, dado que perderam historicidade. E evidente
· curso da história, assistimos ao surgimento, desenvolvimento e pereci- l\. que o que prevalece numa sociedade de classes, guiada pela lei maior da
. mento dos regimes políticos, econômico-sociais erespectivos modos de pro- l posse dos meios de produção, são os interesses do capital e não do trabalho.
' A ciência geográfica, tendo como objeto central de estudo o espaço_
. dução (primitivo, escravagista, feudal), como acontecimentos necessários,
pelo fato de que e1es deixaram de ser as aspirações da sociedade, perderam• produtivo-social do homem, e como preocupação fundamental a sua
realidade e tomaram-se desnecessários à sociedade e foram substituídos. ordenação correta, passa a questionar, sob o capitalismo, este modelo de
A História, como ciência, confirma, de forma evolutiva, a substituição reprodução espacial.
da realidade que envelhece, portanto, se esgota como proposta devida Foi pelo traba1"1-io produtivo-social que o homem se fez homem, fruto
material e espiritual para a maioria das populações de cada nação; pela do contí..'luo aperfeiçoamento da sua produção material, e é esta que
nova e necessária realidade existencial. O homem, no transcurso de sua . define - a cada momento. que buscamos conhecer utilizando do nosso
inquérito analítico-o espaço correspondente materializado, isto é, tornado
ação rrodu~vo-social, vem modelando ofácies geográfico; criando espa-
ços diferenciados em função do seu grau de desenvolvimento científico; concreto em função da produção social. Em verdade, não há um só espa-
tecnológico, social e cultural, 81:1iado por uma filosofia; uma ideologia e ço geográfico submetido à pesquisa, mas sim, ordenações de espaços que,
.. num dado momento, estruturam, no âmbito da aparência e da essência,·
uma prática social que está a serviço ou emoposição ao regime político
em vigência. wn espaço superior, o espaço da totalidade. É este que nos fornece a visão.·
Tendo como objeto de trabalho os recursos naturais renováveis e não- sistêmica sobre a realidade que buscamos conhecer.
Como ser natural, mas sobretudo como ser social, o homem não se
renováveis e as matérias~primas, o homem, pelo uso dos seus meios de
produção (instrumentos de produção e o próprio homem)., imprime ao · sujeita a ser apenas um simples habitante da natureza. Muito pelo con-
trário, pelo seu trabalho produtivo-social, ele transforma-a, como bem
espaço geográfico a dimensão de espaço material, fruto do seu trabalho
dizem Podossetnik e Spirkine (1966), "em meios de civilização histórica
produtivo-social. No capitalismo, é a questão da propriedade dos meios
para a sociedade". É por intermédio daprodução de bens materiais que
de produção (indústrias, terra, bancos, transportes, portos, energias,
101
100
. , . , __ , º"' " ··~ ~,_, ---~:"., •••·.- •d•· , . ~~-'--~~N--""-'• --·~·• •· ~--<•~-~ ~ " .•, "'< ~-"""' • __•..,, ,.,_. '~ '-'~''"-'""~º' '-'="-""''~'"'·;:, :-: -'" Y X x•:-.·.~'-"'"''""''°"'~""'=""°"'°'~'i

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA . .I CMIT=IV-Q-. G_.., 1


j ~
i ~
a sociedade possui condições de existência efetiva, gerando o seu de- ! O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO TEMPO HISTÓRICO ~
~-
senvolvimento e mudança de uma estrutura social a. outra, No processo
da produção, vão-se operando mudanças nos instrumentos .de trabalho · 1- Nesta abordagem, trabalhamos com a climensão temporal (histórica)
(ferramentas) e, simultaneamente, mudanças no próprio homem (cos- . que se acha inserida em toda relação espacial (geográfica). Espaço e tem- ~
tumes, tradições, consciência etc). Modifica-se o modo de vída econô- P o, como sabemos, são climensões de uma mesma realidade: a materiali- ,,~
mico da sociedade (a base), modificam-se as relações entre os homens, dade do mundo. No período anterior ao surgimento da sociedade humana, _~-;~
modificam-se as instituições políticas, jurídicas, culturais; sociais etc (a a relação espaço/tempo se reproduzia a medida emque se reproduzia o l?.
superestrutura). . .· espaço natural objetivo. Com o surgimento da espécie humana, a repro- ~l
Sabemos que as forças produtivas da sociedade (meios de produção), dução passou a ser em três níveis: _ _ ~-- _ . ~
notadamente os instrumentos de trabalho e o próprio homem, com a sua _ 1) ·ào dá natureza, como seqüência lógica da evolução da própna na- ~-
experiência, habilidade, técnica, tradição e prátiea produtiva, desenvolvem.- .tureza submetida às suas leis; ~
~-
se mais rapidamente que as relações dos homens no processo da produção 2) ao da interação natureza-sociedade (meio geográfico), isto é, cor- ~
(relações de produção); Daí, surge a contradição, tendo em vista que as respondente à parte da natureza inter-relacionada com a sociedade, i
relações de produção atrasadas passam a ser impeditivas ao desenvolvi-: e ambas submetidas à ação recíproca da interdependência; l
mento das forças produtivas. O espaço geográfico é fruto deste processo ·3) ao das relações entre os homens no processo produtivo; submetido ã
contraditório, materializado, a cada momento, ein espaço da produção à lei da unidade e luta dos contrários. 1
resultante da unidade e do embate das forças oponentes. É evidente que os três níveis evolutivos mencionados no âmbito das ~
relações espácio-temporais não devem ser analisados como se fossem rea- ~
-tidades distintas, isoladas. A alteração de uma das variáveis implica, ne- ~~
CICLO E ROTAÇÃO DO CAPITAL INDUSTRIAL . cessariam.ente, a mudança em outra, tendo em vista que a produção ma- ~\
terial do homem passou a ser a determinante no processo de transformação ~
evolutiva do binômio Natureza/Sociedade (N/S), condicionando a vida §~
política, social e espiritual da humanidade. . ~
·· Sabemos que o modo de produção é o conjunto das forças produtivas ~'
e das relações de produção e que estas são caracterizadas, especialmente, ;
CAPITAL MONETÁRIO CAPITAL PRODUTIVO CAPITAL MERCANTIL CAPl1Al MONETÁRIO :
ACRESODO DA TAXA
pelas formas de propriedade existentes. Ahistória da sociedade humana 1
DE MAIS-VALIA é a resultante da·ação e interação desigual do desenvolvimento dos dois ,,:
Dinheiro (D) com Capital Monetário para compra de_ matéria-prima
aspectos do modo de produção, tendo em vista que as forças produtivas ~
D-.---M = Me~cadoria Especial-(M) · evoluem muito mais rapidamente que as relações de produção, surgindo, ~

M<Ft ...... p Mercadoria Especial (M) transformada pela Força de "(rabalho (Ft) do então; a contradição geradora do conflito, que, no estágio de sua plena
maturidade, romperá com as velhas relações de produção, substituindo-
-_~;'_-_::_·,_·~
homem, através dos Meios de Produção (Mp), em determinado
Mp . Produto (P). . as por novas relações, produzindo um novo salto no desenvolvimento ~~
Produto (P) que, por meio de mecanicismo de troca, se transforma . histórico. Enquanto perdurardem rfelações dde pti~odução c~rrdesdponmdenfuntes ~
p.... ---·················M' em Mercadoria acrescida da taxa de mais-valia (M'). ·ao nível do desenvo1vimento as orças pro u vas, a soc1e a e, e - Jj~

Mercadoria (M') que se iransforma em Capital Monetário (D'),


ção da produção, desenvolver-se-á efetivamente. No momento em ~ue Wi
M'----D' acrescido da taxa de mais-valia. as relações de produção vão-se atrasando em relação às forças produtivas !~
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102 103
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da sociedade, elas vão-se constituindo em obstáculos concretos ao de.:. ! ·O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO CATEGORIA SOCIAL f~
senvolvimento econômico-social. A História é edificada no embate de&- · ·• ·i- Í
sa luta de contrários, representada pelas forças progressistas e reacionárias. ·· A Geografia, como qualquer outra modalidade de saber, não teria razão · ~
adifil~da de selr ~e a sua e_strubturda co_nc:i:ual e pra~ática nã?dfosdse r.:~ .,"~·.:
5

da sociedade • . ..

e ca a evo utivamente, a ase e pnncrp1os e propos1tos revesti os e ~~


· profunda dimensão social. É nossa condição de ser social, dotados de ,.,
consciência social- conjunto de concepções políticas, filosóficas, jurídicas, .· 1~*: ;
FORÇAS éticas, artísticas, religiosas, científicas, existentes no interior de uma so-
MEDIAÇÃO RELAÇÕES ciedade - e imbuídos de uma ideologia que nos leva a ser participes, a
PELO TRABALHO
PRODUTIVAS DE PRODUÇÃO favor ou contra o desenvolvimento social6• Em suas diversas formas (o ~
conjunto de concepções mencionadas), a consciência social mobiliza os .~
homens a agirem - conforme a ideologia assumida - a favor desta ou ~.
daquela classe social. Sendo uma sociedade burguesa dividida em classes ~>
UNID,ADE E CONTRADIÇÃO sociais contraditórias, a ideologia assumida defenderá os propósitos da ~i
burguesia. Numa sociedade efetivamente socialista, não dividida em f'.
classes antagônicas e guiada pelo princípio diretor do marxismo-leninismo .; :;·~. ',•.~·
o
O tempohistórico e espaço geográfiC<? não são abstrações, mas sim re- (o centralismo democrático), a ideologia defenderá os propósitos, no fun- ·
/1
alidades objetivas que caracterizam à Seqüência.do desenrolar dos proces- . damental, da classe que ascendeu ao poder político revolucionário, a classe
sos materiais, o afastamento entre si dos diferentes estádios destes proces- trabalhadora.
sos, a sua duração e o seu desenvolvimento[ ...]; a coexistência das coisas e ·A Geografia, sendo uma ciência do espaço produtivo-social preocu-
que
o afastamento entre si, a sua extenSão e a ordem em estão dispostas umas pada em ordenar da forma mais correta possível o espaço da vivência
em relação às outras" (KONSTANTINOV, 1975~ p. 97, p. ·96)~ sendo que a do homem no planeta Terra, e de acordo com o grau de consciência social
contínua reprodução nova Criará não só um novo tempo, mas tainbém um · . desenvolvida em suas diferentes formas pelos seres que compõem a
novo espaço e vice-versa. Deste rriodo, assistimos e participamos, de sociedaàe, assumirá sempre, para mais ou para menos, uma postura
· maneira passiva ou ativa, de acordá com o nosso rúvel de consciência so- ideológica e pragmática em favor do coletivo social que traduza maior
cial, como reprodutores de novo espaço histórico-geográfico.. dimensão de verdade social. A ciência, como forma de consciência so-
A caracterização rútida do meio geográfico -natureza e soáedade em·. cial (no nosso exemplo, a ciência geográfica), passa a refletir o mundo
interdependência - em stias dimensões espácio-temporais,. pas5a a ser a . da natureza, da sociedade e do pensamento, em formas de ordenações
tônica de nosso inquérito geográfico. Detectar com precisãocientífica ova- · ". ·sistêrnicas, cujos fenômenos acham-se regidos pelas leis científicas do
·...
lor de cada variável espácio-temporal em sua especlficidade partictilar e ' desenvolvimento .
em sua interação com o todo passa a ser a razão de nossa investigação ló- Temos ciência de que o conhecimento científico, nascido e desenvolvido
gica. Fornecer à sodedade uma visão de totalidade de-Jato geográfico · · · à base da ·prática e das necessidades da produção material de que a socie-
que corresponda, em termos de ciência, à verdade científica em sua diinen~ .· '.·:
., dade carece, amplia continuadamente o horizonte do homem, libertando-
são econômico-social é nossa tarefa fundaméntal. Assim procedendo, as- . oprogressivamente do mundo das superstições, dos falsos preconceitos~
cendemos da simple5 condição de analistas contemplativos para a dimensão das imagens e noções subjetivas acieritíficas, aproximando cada vez mais
superior de ativistas transformadores da formação capitalista. o ser humano da verdade científica absoluta7•

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REFLEXÕF5 SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA l · CAi'iTUI.o IV - Ciência e Geografia
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Sabemos também que a ação do homem, como ser produtivo/ social, l' é~ com a inserção do homem como ser social no contexto da vida em so-
não pode ser mensurada unicamente tomando-se o nível de desenvolvi.:. 1 ciedade: A ciência geográfica deve fornecer asua contribuição no sentido
1
· mento das forças produtivas, da ciência e da técnica. Há que se levar em ! de apiesentar o melhor ordenamento do espaço-definido como produtivo
conta, especialmente, a natureza do regime social a que a sociedade se acha e social -que se depreende das relações dos homens no processo de pro-
submetida. É bastante notório para muito1) dotados de consciência social, i . dução e da vida em sOciedade. ·
a sorna dos males - no passado e no presente - causados à humanidade · No desenvolvimentóde nossa pesquisa geográfica, proturamos ques-
1
pela ambição dos homens no sistema capitalista. O mesmo podemos l tionar no meio geográfico em que atuamos, rural ou urbano, as acomo-
dizer da incorreta "condução socialista" .. No capitalismo, a RCT, no
presente momento, já representa um atestado de manipulação do saber
l1· dações negativas do espaço, quase sempre fruto do neoliberalismo agra-
vante permitido pelo próprio capitalismo. Desta maneira, presenciamos
!
1
científico em prol da destruição da própria humanidade (ex.: a indústria · em nossos dias, no território brásileiro: ·
bélica atômica).
· Corno ciência do espaço produtivo/ social, a Geografia não pode ficar Nunca dantes, homem e naturezn sofreram violações na proporção que experi-
indiferente a qualquer ordenação espacial que desequilibre·a interação mentamos hoje em did: poluição crescente e assustadora do mundo orgânico
interdependente natureza/homem, homem/ natureza e coloque em risco . e i1wrgânico; destruição progressiva dos ecossistemas e conseqüente desapa-
os ciclos evolutivos da natureza e a reprodução nova da sociedade. Como · recimento de inúmeras espécies vegetais eanimais; degradação e esgotamento
ciência do espaço produtivo-social, a ciência geográfica valoriza a forma de importantes recursos naturais. renováveis enão renováveis; deformação dos
do movimento social (transformações que se produzemnasociedade hu- ,· . valores húmaiios através dos niais variados meios de comunicação de massa
mana), pelo fato de se constituir em forma superior do·desenvolvimento alienantes, que vão desde aeXistência de filosofias e religiões exóticas, estranhas
histórico da sociedade. Como ciência do espaço produtivo/ social; a Geo- · e místicas, até os mais sofisticados meios audiovisuais, respaldados por uma
grafia tem urna profunda dimensão social traduzida na preocupação cen- filosofia e seu conteúdo ideoiógico, como armas para.preservar intocáveis in-
tral de contribuir para que o ser coletivo possa se desenvolver e realizar . ieresses de classe e de segmentos sociais que monopoliZam a propriedade pri-
como pessoa humana. No dizer de Gomes, . vada dos meios de produção. (GOMES, i982~ p: 97)
A Geografia não aponta, por simples razã.o de diletantismo geográfico ou de Tódo este conjunto, como exemplificação, de desordenamento reduz
crítica: as vantagens de certos domínios naturais; os valores dos recursos do o espaço vital do homem social; o que leva a c;iência geográfica a não ficar
solo esubsolo; acapacidade transformista e criadora da espécie humana; os efeitos indiferente a toda esta gama de violações - premeditadas ou não - que
nocivos da ação· destruidora do homem; os males de uma estrutura fandüíria se praticam em nome dosfalsosvafores sobre o homem e seu espaço de '
arcaica; os perigos da urbaniznção, ou os resultados de uma administração sem vivência; Daí, a nossa ação, podemos dizer, revolucionária, denunciando,
planejamento. Ao contrário, éoseu elevadosentido social que a conduz a tomar pelo emprego da: palavra êscrita eoral e de ações concretas, todos os des-
semelhante atitude. (GOMES, 1969, p. 3) mandos que se praticam· ein prejtiízo da· intérdependência natureza-
sociedade, sociedade-natureza. .
Portanto, é obrigação dos que propalam assuntos geográficos - escritos Como sabemos, o capitaliSmo monopolista colocou a Geografia Quanti-
e orais - mostrar, da forma mais correta possível, a realidade social que tativa e Teorética, poi meio da utilização pragmática de seus "modelos e
depreende de todo fato geográfico. sistemàS de ordenações espacirus", a serviÇo do capital. Na década de 1970,
É evidente que tudo o que se define corno conhecimento filosófico, cien- já estavam esgotadas as possibilidades reais de utilização mais rentável
tífico, artístico e social, possui estreita relação com a dimensão social, isto do grande capital, levando-se em consideração que o capitalismo necessi-

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REFLEXÕES SOBRE TEORJA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA í CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia


1
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tava pôr em prática mecanismos mais sofisticados e atualizados que per- lr • a propriedade feudal/ fundiária dos meios de produção em posse
mitissem retomo mais rápido do capital investido (ex: a Trilateral, em 1975). 1 do senhor feudal;
)

Outrossim, no bojo da chamada New Geography (Quantitativa) desenvolvia- ' • a separação definitiva do artesanato da atividade agrária;
se a contradição antagônica, tendo como valor maior de busca o social, que • o desenvolvimento das forças produtivas, exemplificando, a invenção
romperia a estrutura já envelhecida da Nova Geografia. Gradativamente, dos altos fomos; o aperfeiçoamento das ferramentas do trabalho dos
a ciência geográfica vai resgatando o seu fundamento maior de cientifi- artesãos, das técnicas de produção agrícolas etc.
cidade, a dimensão social contida no seu espaço de totalidade. • a invenção e difusão da bússola, do papel~ da imprensa;
• a hierarquia da sociedade feudal, desigual econômica e social;
• o surgimento e desenvolvimento do capital comercial no processo
O ESPAÇO GEOGRÁFICO NO CAPITALISMO da desintegração da economia natural calcada na produção mercan-
til simples.
Nesta abordagem da ciência geográfica, cabe-nos colocar as reflexões A produção capitalista, fundamentada na propriedade privada dos
maiores que, em superior instância, determinam as diversas configurações meios de produção e no trabalho individual do produtor de mercadoria,
espaciais de que se reveste o planeta Terra. Refiro-me aos sistemas político- define-se com a formação do capital comercial. O produto acabado adquire
econômicos como determinantes das ordenações espaciais, levando-se eirt a dimensão de merC:adoria Universal revestida de valor de troca, e passa
conta que os seus modos de produção acham-se inseridos nas suas forma- · · a ser dimensionada em seu valor econômico pelo peso que ela representa .
ções socioeconômicas. para a venda. O desenvolvimento da produção mercantil e da divisão social
No capitalismo; o espaço geográfico deve ser analisado como re.stiltante · do trabalho conduz a mudanças das formas de valor da mercadoria. O
da contradição entre o capital e o trabalho, espaço este como objeto de tra:- · tempo de trabalho socialmente necessário para produzir a. mercadoria
balho que dicotomiza a sociedade em dois níveis: . determina à grandeza de valor da mercadoria:. A forma simples da troca
• o dos possuidores; direta cede lugar à forma dinheiro- revestida de medida de valor, de meio
• o dos despossuídos. de circufação~ de meio de acumtilação, forma de pagamento, como padrão
Ter a compreensão nítida a respeito do peso do capital corno ores- · · universal. O clirJ1eiro passa a constituir um instrumento de poder para
ponsável mais direto do arranjo e do desarranjo espada! exige de nossa quern o possui. A produção mercantil passa a ser regtilada pela lei do valor,
parte termos bem definidas algumas questões que jtilgo de fundamental segundo a qual o preço da mercadoria a ser comercializada está na razão
·importânda. Primeiro, há que se ter em conta o processo histórico do direta do investimento trabalho/ social necessário para produzi-la. Quanto
capitalismo - origem, desenvolvimento, estágio atual e esgotabilidade · mais trabalho socialmente necessário é investido nó fabrico da mercadoria,
-para que possamos entendê-lo como realidade que foi, que tenta ser ·.··· menor será o lucro e menor seiá o poder de concorrência do empregador;
e que deixará de ser necessária. Historicamente, a sucessão das formações · .. no caso contrário, maior será o lucro e maior será o poder de concorrer.
sociais revela-nos a direção do desenvolvimento da humanidade, muito ·. ·. Por intermédio da concorrência, o modo de produção capitalista cria a dife-
embora nem todos os povos tenham passado pela mesma trajetória (so- renciação econômico-social entre os proprietários de mercadorias. Pela
ciedade primitiva, escravocrata, feudal, capitalista e socialista). Iníciamos · expropriação violenta havida ao longo dos séculos (pilhagens, saques,
a nossa análise a partir da formação feudal que assentou as· bases para: usura etc), o produtor direto foi despojado dos seus meios de produção
o surgimento do modo de produção capitalista, materializadas nas for-·. e separado deles. Formou-se uma grande massa de homens despossuídos ·
ças produtivas e relações de produção havidas. Mencionamos algumas de bens sociais. Por outro lado, houve a formação de-uma minoria de pos-
das variáveis determinantes: suidores que acumtilaram as riquezas (acumtilação primitiva do capital).

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CAPíTIJLO IV - Ciência. e Geografia


REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

E, como disse Marx, em O Capital, "O capital vem ao mundo jorrando san-
. t .
gue e lodo por todos os poros, dos pés à cabeça". · · . · · ·. · ! ·.

. No capitalismo, com a instauração da propriedáde privada dos meios


de produção, o dinheiro transformou"se em capital, e a: produção da mais- · E CONTRADIÇÃO
valia8, produzida pelo trabalho suplementar, passou a ser àpropriada de
·.: A · PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA
forma gratuita pelo capitalista. Trata-se da lei econômica fundamentàl do
sistema capitalista para capitalizar, isto é, para se obter super-hicró: Na pro-:
..

dução industrial, corno exemplo, a denominada cooperação sirriples (ope- Jt @ @ @ Prolongamento da jornada de
no
rário ~salariado realizando o fabrico total do produto) surgiu processo · Tt 6h 6h - 6h trabalho e conseqüente aumento
do trabalho suplementar.
da desmtegração da pequena produção mercantil. Com o advento da di- · Ts @ @ @
vis~o do trabalho, cedeu lugar à manufatura (os operários executavam ope-
ABSOLUTA
raçoes separadas); com a mecanização, ampliou-se aiilda inais a divisão
do trabalho, e a grande indústria mecanizada (mais tarde automatizada) Redução do tempo de trabalho
. passa a ser a principal geradora do capital. A fábrica capitalista toma~se o Jt @ @ @ socialmente necessario para se fabricar
o produto e correspondente aumento
súnbolo da disciplina capitalista do trabalho, e o operário transforma-se Tt 6h Sh 4h.
do tempo de trabalho suplementar-
riurn apêndice da máquina. · ,Ts @ @ @ resultado do maior ritmo de trabalho,
aumentando assim, a produtividade .
No presente, o capital passa a ser produzido e reproduzido ein grande .'
''. RELATIVA
escala, e, no processo de sua reprodução ampliada, transforma-se mais
rapidamente a sua composição orgânica (relação entre ·o capital constante·· Jt =)ornada de trabalho
·e o variável), conduzindo-o a níveis elevadíssimos de concentração e · Tt = Témpo de trabalho necessario
Ts =Trabalho suplementar
. centralização. Formaram-se as grandes corporações, e o·ímperialismo
passou a ser o súnbolo de poder econômico, político, e de intimidação ~·
[ .. ;],em nenhuma parte do mundo tem existido, nem existirá o capitalismo
· violência do mundo do capital sobre povos e nações. A partir d.a· sua
monopolista sem a livre concorrência em urna série de ramos" (LENIN,
acumulação .primitiva (fase pré-monopolista), o capital manteve-se
1970, p. 353, p. 166).
autônomo enquanto perdurou a fase da denorninad~ livre cóncorrência>
-Sobre as nações do mundo, principalmente as dos países dependentes,
Com o advento do imperialismo (na última década do séccló XIx); ela é ·
11 crescem a opressão por reduzjdo número de grandes potências e empresas
eliminada" pelo poder das coligações capitalistas, e o capitalismo entra
em sua fase monopolista. · capitalistas.
- :A partir da Segunda Grande Guerra, os capitalistas monopolistas pas-
Eliminada, aqui, deve ser entendida no sentido relativo, urna vez que,
saram a marlipular o conceito de interdependência das nações a seu favor,
se, por um lado, a grande empresa, pela concorrência, êxtíngue ·0 u ab~ - ·
procurando justificar /1 a união da força gigantesca do capitalismo com a
sorve os seus concorrentes primários e secundários, por outro~ a expansão .
força gigantesca do Estado em um só mecanismo" (CAPITALISMO... ,
das .grandes ernpres~s gera o surgimento de novas é médias empresas.
·· 1976); como sinônimo de desenvolvimento das nações não desenvolvidas.
Lenm, em O Esquerdismo: doença infantil do Comunismo, e no bifonne Sobre
o Programa do Partido, no VIII Congresso do Partido Bolchevique, em 1919, . Tràta-se da transformação, em sua forma, do capitalismo monopolista
em capitalismo monopolista de Estado, em que este é colocado à disposição
pronunciou-se: 11 A pequena produção gera capitalismo e burguesia
dos interesses dos monopólios que passam a ser elogiados corno vetores
constantemente, em cada dia, cada hora, espontaneamente e em massa
111
110
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRfrICA EM GEOGRAFIA CAP!TuLO IV - Ciência e Geografia
.· .. :

exponenciais do desenvolvimento econômico. Estabeleceu-se, com a fusã,o crescimento da malha urbana está vinculado, em grande parte, à política
do capital bancário e industrial, o reinado do capital financeiro, e este pºas-:- imobiliária adotada no tocante à avaliação dos imóveis; a concentração e
sa aser o maior instrumento impeditivo à soberania das nações. a centralização bancária no espaço citadino está vinculada aos investi-
De posse dessa visão histórica é que poderemos entender i;nelhor cd- . mentos de capitais nos ramos mais rentáveis da economia dependente;
mo o espaço geográfico passa a ser produzido, no mundo regido pelo sis- variando de região para região. No Centro-Oeste, por exemplo, os inves-_
tema capitalista, pelo poder de força de que dispõe o capital. . timentos mais maciços são canalizados para o setor agropecuário, em
Simultaneamente, há que se ter em conta, nos países subordinados · função das determinações do capital financeiro instalado nas matrizes. O
política e eçonomicamente aos monopólios, o peso e os objetivos do capi- espaço sob o controle do capital financeiro, instalado nas metrópoles, passa
tal estatal na sua fusão como os monopólios. Exemplificando, no caso bra- · a produzir e consumir o que é determinado pelos interesses dos mono-
sileiro, já é bastante cemhecido pela sociedade mais esclarecida que o setor pólios nacionais e internacionais. Processa-se a integração espacial de
estatal tem-se pautado por: . . âmbito local/ regional ao capital internacional, determinada por este últi-
• investir, onerosamente, nos ramos da infra-estrutura; .mo. No intitulado CapitalismoConcorrencial e Capitalismo Monopolista,
• incentivar a formação de empresas por ações (capital estatal, nacional os debatedores do simpósio enfatizaram:
e internacional); · . · ...
• ajudar, pelo mecanismo da compra, âs empresas privadas, notada- Considerando o papel ascendente do Estado e dos organismos econômicos
mente as estrangeiras que se encontravam e .se encontram liri:ritadas 11
multinacionais, o espaço econômico no mundo .atual, se define cada vez
11

em suas pretensões por "dificuldades financeira5"; mais· como único apesar dos. diferentes espaços. políticos e culturais. Este
• financiar empresas estrangeiras, a exemplo das qU:e atuam no ramo . espaço econômico é resultado de formas de atuação estatais e empresariais
dos agronegócios, com o próprio capital de empréstimo; altamente diretivas e que se opõem frontalmente à .noção de liberalismo"
• privatizar importantes empresas estatais, exemplificando c.om a (C~ITALISM0... ,.1976).
Vale do Rio Doce.
Há que se ter em conta também que os capitais privados nacionais, As grandes empresas e projetos (em operação ou execução), como
estrangeiros radicados no Brasil, em forma de empresas, passaraih a ex- Petroquisa, Vale do Rio Doce, Braspetro, Jmbel, Carajás, Jica etc, são alguns
portar capitais para outros países. · · exemplos de cooperação e integração espacial. ..
Em última análise, afirmamos que o setor estatai, sobretudo ao longo No capitalismo, o espaço geográfico passa a ser uma mercadoria re-
destas duas últimas décadas, tem se conduzido como "protetor generoso" vestida de valor de troca, portanto destinada a capitalizar em benefício
das empresas privadas, essencialmente as estrangeiras. É evidente que o · dos investidores capitaliStas. É evidente que o espaço-mercadoria tem as
nosso endividamento progressivo coloca mais e mais o Estado brasileiro · suas singularidades específicas, e, de acordo com a sua inserção no terri-
atrelado à estrutura dos monopólios. . tório- rural ou urbano-, ele estará também sujeito às determinações das .
Sob o capitalismo, o espàço geográfico passa a ser orie:ti.tado em função leis do desenvolvimento histórico-social. O seu processo de valoração não
do peso do capital investido em cada ordenaçãc:i espacial no processo da se restringe, como a· simples mercadoria, ao trabalho produtivo socialmente
reprodução do próprio capital. Assim, utilizando-se dealguns exemplos· necessário para fabrico do produto, mas, além da execução deste trabalho
práticos, constatamos que o fenômeno da expansão urbana depende, no .·produtivo, a ele se incorporam outros trabalhos produtivos que lhes são
fundamental, dos investimentos de capitais aplicados nos diversos setores · afins no âmbito da formação socioeconômica capitalista. Desta forma, o
da economia~ notadamente nos setores terciários e secundários. A cons- espaço geográfico passa a ser visto na sua dimensão de totalidade sistê-
trução civil, no caso brasileiro, depende dos investimentos óficiaiS, o rrlica, gerado pelo trabalho produtivo geral da sociedade.

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO IV - Ciência e Geografia

~
Dentro deste espaço global, cada variável representa uma parcela ··_ i meios de produção em mãos de particulares (propriedade privada do espa-
concreta do espaço geográfico, materializada pelo trabalho objetivo nela ço). Ruy Moreira (1980) exemplifica muito bem com o seu enfoque a res-
produzido. Correta colocação fizeram os autores Lencioni e Carlos (1980), peito do espaço agrário, quando menciona:
quando pontificaram: "O espaço, como mercadoria, é produto, resultado
de uma determinada atividade produtiva útil e complexa. É a combinação - Basicamente, os tennos do novo processo de acumulação resumem-se:
de dois elementos, o trabalho e a natureza num primeiro momentohistó- · a) na conversão do trabalhador rural em vendedor de sua força de trabalho,
rico, e entre o trabalho e o espaço já produzido, num segundo." · -único meio de produção cuja propriedade o capital lhe permite;
O espaço geográfico como mercadoria, tem que ser entendido como um b) na transformação dos meios de produção em capital;
produto colocado no mercado dotado de valor de troca_ para ser consumido. e) na· transformação da terra em mercadoria.
É evidente que se trata de uma mercadoria especial, dado que é o resultado
do conjunto sistêmico das variáveis que compõem o fato geográfico, obje- Concluindo, a socialização do trabalho e da produção pelo capital, fru-
to de análise e não circunscrito à mercadoria em si. Assim, cada categoria to de produção mecanizada e automatizada, que se concentra basicamente
econômica analítica tem um determinado número de variáveis possuidoras nas grandes e médias cidades, e da universalização da mercadoria pelo
de diferentes graus de valoração. Por exemplo, numa unidade produtiva, . ··mercado globalizado, impõe padrões de consumo e troca bastante dife-
.a categoria trabalho está revestida de múltiplas variáveis cujos valores são -_rênciâdos.
diferentes (trabalho socialmente necessário e trabalho individual,trabalho · As diferenças ambientais, ocupacionais e sociológicas entre o meio rural
concreto e abstrato, trabalho intensivo, trabalho simples,trabalho complexo ·e 6 urbanocriam espaços-mercadorias diferenciados em termos de produ-
etc). A produção do espaço-mercadoria, bem como sua apropriação econ- ·_ ção, apropriação e consumo pelo nacionais; ·
sumo, não seguem os mesmos caminhos que os atinentes à mercadoria em
si. Ruy Moreira (1980) adverte que "por meio da manipulação da máquina
estatal, o capital industrial-financeiro orienta institucionalmente a captação o ESPAÇO GEOGRÁFICO NO SOCIALISMO (ANTEVISÃOHISTÓRICA)
da renda do setor agrícola em seu proveito, sob a forma do controle da taxa
de câmbio, do confisco cambial; da política de preços mínimos ou da lec - Oadvento dá Socialismo como novo regime político, econômico e social
gislação do crédito rural." a ser assumido por nações no futuro, resultará das contradições geradas
Há que se ter em conta que o espaço geográfico como mercadoria é pro- ·na ~stiutura (essência) do próprio sistema capitalista, na medida em que
duzido num processo de redefinição de funções já existentes ouincorpo- · -· ·o sistema produtor de mercadorias vai perdendo necessidade histórica,
rando novas funções no processo produtivo, É evidente que, considerando- · · -portanto; deixando de ser verdadeiro e necessário para as s?ci~d~des
se que a forma é mais estática (repouso relativo) que o conteúdoi muitas nacionciis. Ele se esgota no tempo e no espaço, por não conseguir eliminar
formas mais antigas hão de persistir e se manter mais ao lado das riovas. sua
a principal contradição social: a de acabar com-a miséria e a desigu'.11-
Também o conteúdo do espaço desempenha o papel central, e a forma para· dade polÍtica, econômica, social e cultural entre as classes, sua bandeira
se preservar em sua especificidade há que corresponder ao seu conteúdo, de luta advinda com as revoluções liberais. Pelo contrário, ele gera, man-
tendo em vista que a paisagem espacial é, em cada momento histórico, a tém e ~produz a desigualdade social, por ser um regime para poucos, a
resultante de produções acumulativas espaciais. sucessivas havidas no favor de üma minoria que detém a posse dos meios de produção, a rique-
marco do território produtivo. .za prodúzida pelos trabalhadores. Ele não tem como mudar a sua essência
Daí a razão pela qual formas antigas se mantêm aó lado das novas. No· exploradora e anti-social. A mudança constitui a sua antinatureza, portanto, -
mundo do capital, a apropriação do espaço é concretizada pela posse dos ci seu atestado de óbito.

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REFLEXÕF.S SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA

O Socialismo é o novo que chega para ficar enquanto permanecer co- · A conquista do Socialismo será resultante de longa caminhada cons-
rno verdadeiro e .necessário, como aspiração maior da sociedade por trutiva da sociedade humana, caminhada esta que será muitas vezes in-
. conter valores superiores para a vivência, o aprimoramento e a realização terrompida pelo retrocesso político do movimento dialético da história,
do ser humano enquanto pessoa, indivíduo e cidadão. Um bom exemplo citando corno exemplo o advento das ditadura5, o Brasil em 1964 com ó
de mudança a ser citado, dentro do próprio capitalismo, trata-se, da. subs- . · golpe político/militar de 31 de março ..
tituição do modelo de produção taylorista/ fordista pelo modelo flexível No sistema socialista corno antevisão do futuro da humanidade, a
no marco da economia globalizada. A partir da década de 1930, após a afirmação do homem no espaço geográfico em seu significado de
Grande Depressão, o modelo taylorista/ fordista de desenvolvimento se .abrangência de totalidade no marco de um determinado território; te~
firmou em muitos pafoes da Terra e foi o principal responsável pela su- quer de nossa parte o domínio do modo de produção socialista (prin-
peração da crise geral do sistema capitalista, permanecendo válido e .ópios e propósitos objetivados, estrutura e funcionamento), a fim de que
necessário áté os anos 70, quando dej_xou de responder às novas deman- possamos trabalhar as categorias da formação sócio-econômica no nos-
das do mundo do capital, dentro dos parâmetros da economia globaliza- .so inquérito geográfico.
da pelo mercado. Inicialmente, o Socialismo, para se implantar como fonnação social, re-
Em prinópio, podemos afirmar que as premissas do Socialismo es- quer a abolição da propriedade privada dos meios de produção, instituindo
tão nos primórdios da história do homem, na sua própria pré:-história, a denominada propriedade social dos meios de produção, em que o
no momento em que a vida para a sobrevivência d;:t espécie humana im- Estado, empresas e cooperativas socialistas passam a gerenciar o pla-
pôs a conduta coletiva em forma de trabalho e partilha, sendo a natureza nejamento da produção, a produção etn si, a distribuição e oconsumo. Se-
como um bem de todos e não de indivíduos ou de grupos. Já,. as premis- gundo,por se tratar de uma economia planificada e centralizada9, a pro-
sas do Socialismo moderno estão no início da sociedade humana divi- dução global -desde a esfera setorial-regional ao nacional - deve obedecer,
dida em classes sociais diferenciadas pelo poder econômico, pelo trabalho no geral, às necessidades do desenvolvimento social e econômico da na-
e pela riqueza; ção socialista. . .
.O Socialismo deve ser entendido como um processo contínuo de apri- Com a abolição da propriedade privada dos meios de produção, o
moramento ético do homem, na medida em queele; como trabalhador so- poder político do capital - a ditadura da burguesia - é substituída pelo .
cial, constrói por meio do seu trabalho e de sua práxis comunitária, sua cons- poder político do trabalho operário - a ditadura do proletariado10 ' me-
ciência individual e coletiva em prol de si e do bem comum. A formação lhor diZendo, a ditadura do trabalhador, aqui entendida como de-
na mente do ser humano dos ideais socialistas traduzidos na "consciência mocracia em desenvolvimento superior - e, num processo educativo e
socialista", foi e continua.sendo fruto de persistente luta históriCél travada: de afirmação da nova formação econômico-social, haverá a instituição
pelo.trabalhador, principalmente o operário e o camponês, contra todas as · gradativa e defiriitiva da propriedade socialista dos meios de produção
formas antidemocráticas de opressão e injustiça. No transcurso de sua e das relações de produção. Conseqüentemente, haverá o fortalecimento
história, o homem vem batalhando para transformara" utopia socialista" · da gestão estatal, das empresas e cooperativas das classes trabalhadoras,
(aqui entendida como o ideal superior a ser conquistado pela sociedade que passam a ter o controle sistemático da produção e comercialização .
terrena) no "realismo socialista",traduzido na materialização da utopia em e a atuar corno mecanismos de aprimoramento, não só da produção em.
realidade concreta existencial. . si como tainbérn de aperfeiçoamento do indivíduo consumidor. Quanto
O homem socialista tem que ser um homem de vivência com a sua so- · aos órgãos responsáveis por regular a produção socialista, eles passarão
ciedade, procurando entendê-la naquilo em que ela padece e aspira, em a ter efetivo planejamento e controle do processo produtivo, tendo em
seus anseios e busca dos ideais do presente e do futuro. vista que a "anarquia na produção" será, num processo histórico, abo-

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA ! .·
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CAPITULO IV - Ciência e Geografia

lida com o advento da "economia planificada". Para tanto, é de funda- nacionalismo socialista" como exigência da fµti.rra humanidade terrestre,
mental importância avançar o nível de consciência socialista, via ideo- consolidará cada vez mais a cooperação entre as nações socialistas e
logia do marxismo-leninismo em contínuo processo de aprimoramento, aliadas,em todos os níveis da economia e da cultura. Se o capitalismo
e em todos os setores da vida política, econômica, social e cultural da é regulado· pela sua lei econômica da exploração do trabalhador, a lei da
sociedade. - o
maiS-valia; socialismo do futuro passará a ser regulado por sua lei maior
Na história da implantação fracassada do socialismo real na ex-· - econômica e social - traduzida no aprimoramento contínuo do homem
URSS, aconteceram "desvios"profundos de condtJ.ção do Estado e do socialista, em termos de necessidades materiais, espirituais e culturais.
PCUS, instituições principais responsáveis pela construção do Socialismo, Para alcançar esse estágio de desenvolvimento pretendido, há que se levar
traduzido em teoria e prática revolucionária. A centralização absoluta em conta o contínuo aperfeiçoamente. Científico-tecnológico gerado pe-
do poder político-administrativo e econômico pelo Estado soviético; a la investigação teórica e aplicada e por meio do aumento da produtivi-
ruptura do princípio diretor do partido do novo tipo criado por Lênin: · dade do trabalho.
o centralismo democrático; o tolhimento da liberdade de iniciativa nas No socialismo dofuturo, os objetivos e conteúdo da política econômica
repartições públicas, nas fábricas, empresas e cooperativas, mantendo e social terão como base teórica filosófica e ideológica o marxismo-leni-
os trabalhadores subordinados aos rígidos planejamentos estatais, e as nismo que; por natureza, será atualizado dentro de cada temporalidade
tomadas de decisões impostas de cima para baixo (da cúpula para as histórica, e·abastecido por correntes progressistas do pensamento soci-
bases), entre outras, foram, as principais causas do fracasso da experiência alista.Ao partido político caberá exercer a verdadeira democracia inter-
de construção do Socialismo no transcurso dos 70 anos de "revolução na à base do seu princípio diretor, o "centralismo democrático", tendo
socialista". No fundamental, não houve a verdadeira emulação socialista . .· como tarefa. principal a elaboração da linha política, econômica, social
entre os membros da sociedade soviética, e a ideologia que deveria ser e cultural para toda a sociedade. .
a guardiã dos valores do novo regime foi se esvaziando no tempo e no A planificação específica (planos setoriais, semestrais, anuais,
espaço. Os que buscçun o Socialismo, como antevisão histórica do futu- qüinqüenais) caberá aos diversos órgãos de planejamento. Reg~l~do
roi não mais cometerão erros dessa natureza. pela lei'econômica do desenvolvimento planificado, o ~s~ado soCiahsta
Outra exigência do advento do Socialismo no futuro da humanidade criará relações quantitativas e qualitativas entre os vanos setores da
recai na necessidade de se efetivar, concretamente, a sua unidade com economia nacional, permitindo a reprodução socialista mais harmo-
a ciência, em vista de que a lei da" causalidade concreta" passa a exigir niosa; É de fundamental importância que haja plena liberdade de ini-
mais a investigação profunda e contínua das leis que regem o desenvol- dativa, de ~xercer a criatividade em termos de gestão e planificação
vimento da natureza e da sociedade.. erilpresá.ríal, dentro de todos os setores produtivos (fábricas, coopera-
Tendo em vista todos estes fatores mencionados, o espaço geográfico tivas·, oficinas culturais etc.). · ·
no Socialismo passa a ser "criado" em cada local onde haja as condições·. ·o espaço geográfico passa então a ser organizado, le':_ando~se_ em
objetivas e subjetivas para a localização da produção material. Como não . conta toda essa estrutura mencionada do modo de produçao socialista.
poderia deixar de ser, a produção do espaço obedece ao desenvolvimento Valendo-se da investigação das leis científicas naturais e sociais, e
objetivo das leis econômicas, assim como a determinadas relações-so-. · considerando os objetivos pragmáticos do desenvolvimento socialista, '
dais e processos produtivos, em que a produção-socialista nas empresas ' serao estabelecidas as empresas de produção industrial e agro-indus-
. estatais e nas cooperativas, com o tempo, transformar-se-á em proprie- triaiS. Mdntam-se a planificaç~o setorial e regional, integrada à nacional .
dade comum da sociedade. · No plano regional, por exemplo, o espaço geográfico ~erido num co1:1-
Também, há que se ter em conta que, por meio do advento do "inter- texto de illna região deverá se constituir nw:ia parcela da economia

118 119
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA
CAPiTuLo IV - Ciência e Geografia

nacional. Em ter.mos de sua organiiação interna, levar-se-á em conta po, vão surgindo novas aspirações no conjunto da sociedade que se
6 peso. específico dos fatores naturais e culturais; dos mecanismos contradizem ao status quo vigente. Gradativamente, o Estado Socialista
produtivos já existentes, para que a planificação possa criar regiões sob . vai perdendo as suas funções de Estado, vai deixando de ser verda-
o controle das comunidades. O espaço geográfico adquire, deste modo, deiro e necessário à sociedade socialista renovada. Num terceiro mo-
os contornos, a estrutura de base e de funcionamento no processo da ment(), quando haverá a total correspondência entre a base material·
produção e reprodução socialista, de acordo com o planejamento regi- (objetiva) e a base espiritual (subjetiva) da sociedade; quando a cons-
.onal/ nacional e vice-versa. ciência socialista não for mais instrumento do próprio Estado, ou
Terminando, evidencia-se que, no Estado centralizado socialista, o privilégio do partido político, de classes, de grupos ou pessoas, pelo
espaço geográfico deve ser visto sempre em sua forma de totalidade, em contrário, esteja plasmada no conjunto total dos membros da socie-
. que os interesses da coletividade global não permitem a ordenação es- dade, na proporção em que ela se transforma, definitivamente, na
pontânea do espaço. O Estado democrático impõe a direção planificada própria essência do ser humano, deixa de ser um mero complemento
da economia, e a elaboração de balanços, levando-se em conta a flexibili- do regime e passa a ser natureza intrínseca do "novo homem". Nesse
dade e elasticidade necessárias que deve ter cada plano~ que passa a ser patai;nar, o "eu" individual e coletivo conquista a plena liberdade e
um dos principais instrumentos .de controle para que o planejamento cidadania, estando livre e apto para desenvolver todas as suas poten-
obtenha êxito. É evidente que muitos problemas advirão no.marco da cialidades criativas, e realizar-se plenamente como indivíduo e cidadão
· economia e da sociedade socialista ei:TI. contínuo processo de formação do mundo no mundo. Nesse estágio, o Socialismo é a transição verda-
e aprimoramento A planificação efetiva e a igualdade social não surgem deira e necessária para a total "comunização" da sociedade humana,
de imediato após a instauração da propriedade social. O socialismo é . na qual os homens eliminarão todos os resquícios de vícios, de dis-
construído ao longo do tempo, como bem frisou Andropov (1983): . torções de condutas que por ventura ainda perduram, ficarão total-
mente sublimados pela vontade coletiva e viverão num mundo de paz,
A total igualdade social não surge de repente e sob uma fonna acabada .. Para amor e construção.
a alcançar, a sociedade leva bastante tempo a evoluir, trabalhando duramen.f e, à
custa de enormes esforços {. ..]. A revolução nas relações de prOpriedade não eli- É preciso sorir..ar, mas com a condição de crer em nosso sonho. De examinar
mina, por si só, as características negativas de convivência humana que se foram. com atenção a vida real, de confrontar nossa observação com nosso sonho,
acumulando ao longo de Séculos {. ..]. A experiência histórica do socialismo real . de realizar escrupulosamente nossa fantasia (LENIN, 1970).
ensina que a passagem do "meu'' privado ao "nosso" social é bastante difícil {. ..].
O apeifeiçoamento da 1wssa democracia exige a eliminação do .burocratismo efor~
malismo, de tudo aquilo que tolhe, mina a iniciativa das massas, refreie o pensa- . TRAJETÓRIA DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA
mento criador e a causa viva dos trabalhadores.
·.SISTEMATIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS E DO SABER GEOGRÁFICO (SÉC. XVTI-XVIII)
No processo de desenvolvimento pleno do Estado Socialista Desen-
volvido, a autogestão socialista começa a ganhar corpo em todas as e as ciências - a princípio as ciências da natureza, depois as humanas
esferas da sociedade~ em todas as espécies de empresas estatais e. · .~definem os seus respectivos objetos e passam a ser ordenadas; ·
cooperativas; em todas as modalidades de instituições~ oficiais e não • a Geografia busca formar a sua estrutura conceitual, metodológica
oficiais, em todas as entidades e associações de classe, Científicas, e pragmática que definirá, no processo, o seu lugar entre as ciências
culturais, comunitárias, sociais~ esportivas etc. Com o passar do tem- e o seu status científico.

120 121
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

SISTEMATIZAÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO (SÉC XVIll-XIX)


• pela criação de tipologia de padrões espaciais;
• pelo emprego da computação~
Geografia Oássica: as Escolas Geográficas difundemo saber geográfico • pela objetividade descritiva da linguagem matemática.
até então produzido:
Como práxis social geográfica, ficou constatado que esteve e está a ser-
• alemã: o estágio maior de desenvolvimento das ciêncié\S da natureza, viço do imperialismo, notadamente o norte-americano, como instrumental
conjugado com o fortalecimento do Estado Nacional, conduziu à con- sofisticado de controle espacial. O lado positivo dessa Escola foi o de ter intro-
cepção da teoria do espaço vital e ao determinismo geográfico. duzido o raciocínio matemático na abordagem do espaço geográfico, o que
• francesa: élPoiou-se no pensamento positivista-funcionalista e d,eu ênfa- . possibilitou o aumento de nossa capacidade de abstração e generalização.
se à organização regional do espaço.
Duas vias foram postuladas: Geografia Crítica/Social: suas origens encontramo-las no contexto de
• uina, que privilegiou a denominada Geografia Pura, priorizando a duas realidades presentes: .
unidade geopolítica do território, apoiando-se na teoria do espaço. . • na "crise geral" do sistema capitalista, acentuada a partir da década
vital e do determinismo geográfico; de 1970, cujos padrões de produção e consumo, na maioria de seus
• outra, que privilegiou a denominada Geografia Politico-E$tatística, ramos e respectivas correspondências de uso social, já não mais aten-
dando prioridade à unidade político-regional. diam às necessidades e aspirações básicas da população mundial;
O objetivo de ambas as escolas consistia em definir, com objetividade, • na crise da geografia oficial da Nova Geografia (Geografia Quanti-
uma política espacial para o Estado. Ambas serviram aos ditames do impe- . tativa), resultante da contradição desenvolvida a partir da impossi-
. rialismo alemão e francês e de outras nações expa..11Sionistas~ bilidade da Geografia Quantitativa dar respostas concretas às ques-
tões sociais contidas no espaço geográfico, particularmente dos paí-
Geografia Acadêmica: definida pelo seu caráter de pretensa "neutrali- ses dependentes.
dade", procurando retirar o conteúdo ideológico imbutido no saber cien- Entre as condições objetivas, portanto concretas, do seu aparecimento,
tífico (desideologização). A influência da sociologia de Karl Mannheim citamos:
(1891-1947) foi patente:
• a nova organização geográfica do espaço mundial em sistemas eco-
• o saber das instituições deveria permanecer acima dos embates ide- nômicos inseridos em modos de produção, em substituição à divisão
ológicos e das contradições sociais; . natural em continentes;
• a prática de uma ciência pela ciência; uma ideologia pela ideologia; . .• ·a internacionalização do capital e conseqüente "socialização da pro-
• a geografia confinada aos espaços limitados das academias, das so- . dução" no sistema capitalista;
· ciedades geográficas, universidades e instituições afins. • da experiência de socialização dos meios de produção e conseqüente
socializadio do trabalho no sistema soc;ialista em construção.
Geografia Quantitativa e Teorética: tem como base filosófica o neo- . .• do agrav'amento da dependência. em capitais, ciência e tecnologia
positivismo (positivismo lógico). Como método principal aplicado, trata- · das nações não desenvolvidas.
se de uma combinação do método quantitativo com a denominada teoria
dos sistemas e dos modelos. Ge~grafia Hum;mista: centrada na st;bjetividade do saber, sendo o
Sua caracterização, definida especialmente nas décadas de 1960 a 1970, homem um produtor de cultura no marco do "lugar" como espaço geo-
foi marcada: gráfico integrado, o "espaço vivido" na visão humanista/ fenomenológica
• pelo intenso processo de matematização da paisagem; de Frémont (1976). ·
122 123
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPiTULO IV - Ciência e Geografia

NOTAS REFERÊNCIAS
1 Objetos e meios de trabalho materializados em recursos naturais
renováveis e não renováveis, nas matérias-primas, nos instrtimentos ANDROPOV, I. V. A Doutrina de Karl Marx e Alguns Aspectos da Construção do
.'
de produção, nos bens de produção criados pelo homem. Socialisnw na URRS. Moscou: Agência Novosti, 1983.
CAPITALISMO Concorrencial e Capitalismo Monopolista. ln: CONSIDERAÇÕES
2 Os idealistas que aceitam o idealismo objetivo, isto é, os que admi-
A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DE BERNARD KAYSER Boletim Paulista de
tem o mundo fora da consciência do homem, erram pelo fato de Geografia, n51. São Paulo: AGB-SP, 1976.
..
aceitarem uma consciência fora e independente da consciência
FEOOSSEIEY, P. Filosofia, Concepção do Mundo, Ciência. Revista Internacional,
do homem como regente e base do mundo material. Ambos os
Lisboa, 1978.
idealismos (subjetivo e objetivo) reduzem tudo o que existe de
material à produção da consciência, identificando, assim, matéria GOMES, H. A Missão Geográfica. Geografia Sócio-econômica de Goiás. Goiânia:
com consciência. Livraria Brasil Central Editora, 1969.
GOMES, H. A Interação Homem/Natureza e a Questão Ecológica. Boletim Goiano
3 recorrendo aqill à formulação de Jean Brunhes em sua produção
de Geografia, v. 2, n. 1. Goiânia: AGB-GO, 1982.
· A Geografia Humana.
GOMES, H. Caminhos Para (Re)Construção do Homem. Goiânia: Kelps, 1997.
4 O saber artístico aqui é englobado no científico, tendo em vista que
KONSTANTINOV, F. V. A Ciêncla., Seu Lugar e Sua Função na Vida da Sociedade.
a verdadeira arte constitui-se em ciência. ln: KONST~OV, F. V. Os Fundamentos da FilosofiaMarxista-leninista. Volume
2. Portugal: Curso Novo Editores, 1977.
5 A manutenção de relações de produção atrasadas identifica-se
com os interesses dos exploradores. LENOONI. I. S.; ÇARLOS,A. AApropriação Capitalista do Espaço. ln: ENCONTRO
NAOONAL DOS GEÓGRAFOS, 4. Anais... Rio de Janeiro: AGB, 1980.
6 "sistema de opiniões e de idéias sociais que deferi.demos interesses LEJ'\.1Th!, V. I. Obras Escolhidas. Moscou: Progresso, 1970. (Tomo 3)
de certas forças sociais" (GOMES, 1967).
MOREIRA, R Espaço Agrário e Classes Sociais Rurais na Sociedade Brasileira.
7 ver conceito de verdade relativa e absoluta do autor no capítulo &fle- Revista de Cultura, v. 74, n. 2, 1980. ·
xões Sobre a Dialética. POOOSSETNIK, V.; SPIRKINE, A Fundamentos da Dialética da História. São Paulo:
Argumentos, 1966.
B mais-valia: valor criado pelo trabalho do operário assalariado depois
de cobrir o valor de sua força de trabalho no fabrico do produto. TRAPEZNIKOV, S. A Ciência e o Comunismo. Revista Intemacional, Praga, 1974.

9 unidade inseparável entre a política econômica e a política social,


tendo como base as relações socialistas de produção.

10 a realidade, é a "democracia do proletariado"

124 125
CAPÍTULO V

O Marxismo na
Geografia Brasileira
RESUMO: A finalidade deste capítulo é direcionada pelo autor no sentido
de se buscar resgatar a contribuição exercida pelo marxismo
à geografia brasileira, como teoria e metodologia de análise e
interpretação do espaço geográfico visto na dimensão de
totalidade espácio /temporal. A análise empreendida, muito
embora parcial, se ateve ao período denominado de "renovação
da geografia brasileira" (1968-1978), acrescido de contribuições
de profissionais nos anos subseqüentes, e de novas produções
nos tempos atuais.
O texto O Marxismo na Geografia Brasileira, em certa dimensão,
busca retratar a proposta inovadora de determinados geógrafos
brasileiros compromissados com a renovação da então Geografia
Tradicional praticada no Brasil, em crise, nos níveis de ensino
e da pesquisa geográfica. De modo geral, podemos afirmar
que os nossos geógrafos teóricos procuraram fundamentar a
"renovação", na medida da compreensão e domínio, de cada um,
das ferramentas teóricas e metodológicas do Marxismo,
particularmente, no·que concerne ao materialismo dialético e
histórico.
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPiTuLO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

INTRODUÇÃO entre o geográfico e o histórico - principalmente no campo da Geografia


Física e da Geografia Geral Comparada, e que muito contribuíram com as
na crítica de Marx à economia política está contida não somente a crítica da suas formulações para o desenvolvimento posterior da Geografia. Todavia,
"geografia" (e quase um século antes dos modernos críticos da geografia des- o fato de nós no Brasil termos permanecido, consciente ou inconsciente-
critiva), mas principalmente alguns elementos essenciais daquela "nova" emais mente, na linha da tradição filosófica/ geográfica Kant-Humboldt centrada
rigorosa instrumentalização lógica de que se sente necessidade para funda..: nos "princípios de unidade e causalidade terrestre", sendo a Geografia vista
mentar uma ciência do território que não seja caótica erudição nem saber· . como ciência de relações e conexões de fenômenos naturais e culturais; de
apologético (QVAINI, 1979, p. 14) ser uma ciência do entendinlento dos lugares, portanto, das individuali-
.dades locais; de ter relação mm a História apenas no sentido do passado
uito embora tenham se passado 28 anos, após 1978, de ensinar estar presente no estudo da paisagem; do homem -não o homem histórico

M e produzir Geografia no Brasil, período em que muitos profis~


sionais de nossa categoria assumiram posicionamentos críticos
e também acríticos (criticismo vulgar), parece-me pela leitura e análise;
- ser reconhecido como agente ativo responsável pela transformação da
paisagem; de ter o método de observação dos fenômenos da paisagem e
slia descrição, como o princípio de todo o processo cognitivo etc. E, o fato
muito embora parcial da produção geográfica elaborada e do discurso de não termos caminhado na linha da tradição geográfica-filosófica/
assumido principalmente nos "Encontros" da AGB, que ainda não alcan~ metodológica Ritter-Hegel, em que a Terra é considerada como um sistema
çamos, na dimensão desejada, a compreensão do materialismo histórico complexo de fenômenos naturais e culturais, sendo a Geografia regida pelo
como teoria e metodologia de análise do espaço geográfico. Nessa per&- "princípio de totalidade", e a investigação geográfica conduzida a partir
.pectiva de tratamento das variáveis geográficas, "o novo projeto unitário" de observação em observação, passando da análise dos fatos simples para
que deveria substituir o "velho paradigma", esclerosado no tempo e no os complexos, para se chegar ao conhecimento da causalidade terrestre; o
espaço, magistralmente desnudado pela crítica ferina de Yves Lacoste, mesmo se pode dizer quanto à valorização antropocêntrica da natureza da
deixou de existir e impossibilitou-nos de trabalhar o espaço geográfico· geografia centrada na relação Homem/Natureza (H/N), colocando o ho-
dentro de uma visão marxista centrada na História, euja relação geográfica. mem como sujeito/ agente responsável pela transformação do meio natural
espácio /temporal, se tratada dialeticamente, seria vista como um processo e da sociedade; quanto ao significado da análise histórica na pesquisa geo-
contínuo de totalização aberto à complementaridade, portanto, que nunca . gráfica, portanto, à análise dos fatos geográficos dentro do contexto histó-
termina, se absolutiza e se petrifica como verdade acabada. Muito embora rico; quanto à geografia comparada calcada no princípio de analogia etc.,
Yves Lacoste, nos seus trabalhos A Geografia (1973) e A Geografia Serve Antes infelizmente, à "descoberta" de Marx pelos geógrafos brasileiros ocorreu,
de Tudo Para Fazer a Guerra (1977), tenha abordado questões centrais no tardiamente, no final·da década de 70,)Jasicamente nas obras de Yves
sentido da renovação da Geografia, que produziram um forte impacto entre · Lacoste, de Milton Santos, de Ruy Moreira, e de alguns outros produtores
geógrafos de muitos países, no Brasil, elas não foram suficientemente do saber geográfico. ,
assimiladas pelos membros da nossa categoria como "um verdadeiro pio- Armando Corrêa da Silva, no seupequeno-grande livro De Quem E o
grama de ruptura conceituai com os postulados teóricos e metodológicos Pedaço?, reforça essa análise conclusiva quanto o "descobrir Marx", ao
da Geografia Tradicional, da Geografia Teorética e Quantitativa - New declarar que a Geografia,
Geography "( RUY, 2000, p. 31).
Nos tempos presente, é notório o reconhecimento por profissionais da toda ela existente, tem de um lado, raízes em Aristóteles, por causa da preocu-
Geografia; da significante contribuição de Humboldt (Alexandre von) e pação com a enumeração, classifi-cação, tipologia, que é uma herança bastan-
Ritter (Carl) como os sistematizadores da Geografia Moderna -unidade te antiga; e por outro lado tem raiz em Kant, com a preocupação de aparência

128 129
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e realidade. E a Geografia, ao chegar aos séculos XVIII e XIX, passa ao lado . ~ .
• o marxismo gramsciano, influenciado pela obra e ação política de
· . de Hegel, e não avança nem em· direção à solução existencialista, que parte Lenin, acrescentando novas análises no tocante a hegemonia; à ~
de Hegel, nem em direção à solução marxista, que também.parte .de Hegel ..
Ela passa ao lado de Hegel, evita o problema da dialética; da cpntradição,.
ampliação do conceito de intelectual na acepção de homo faber-homo ~
8l
• · · sapiens; o conceito de bloco histórico; o sentido da uriidade entre §
se encontra com Comte e continua desenvolvendo a.sua tradição positivista
~
forças objetivas e subjetivas, de fundamental importância na revolu-
(SILVA, 1986, p. 114).
ção proletária; a organização dos Conselhos de Fábrica;
~
.· • o marxismo dogmático e ortodoxo que vigorou, durante décadas, 'k=
Ficamos presos à tradição e evolução positivista e caminhamos principalmente nos períodos stalinista e brejenev na ex-União ~
pela tangente ao nível da aparência dos fenômenos geográficos, muito Soviética; i
embora haja geógrafos, como é o caso de Vessentini (José William) que
não admite a influência positivista na geografia brasileira, porquanto, .
• o marxismo heterodoxo da Europa Ocidental, representado por
diferentes lideranças de pensadores marxistas, revitalizadores do
1
no seu entender, "foram escassos na geografia os discípulos do
fundador do positivismo". (VESSENTINI, .1987, p. 63). Entretanto, a .
influência do positivismo na geografia tradicional brasileira não se atém
marxismo e consideradospor muitos como "revisionistas", citando
Lucien Goldmann, Roger Garaudy, Jean Kanapa, Louis Althu5ser,
Étienne Balibar, Alain Badiou, Emest Mandei, Ernst Bloch, Adam ·
1~~
~
ao "quantitativo" de geógrafos discípulos de Comte.(Auguste),mas ~:1
· Schaff, Charles Bettelheim, Georgy Lukács, Karel Kosik, Karl Korsch, r;;:•
~;1
. sim à generalização da filosofia positivista no pensamento científico · Antonio Gramsci entre outros, no sentido de rever e propor mudanças li:-;;
$3

do mundo europeu nos séculos XIX e XX~ com fortes repercussões ern em determinados fundamentos, teóricos e pragmáticos, do marxis- ~
l'·
muitos países da terra, inclusive no Brasil, muito embora tenhamos .
~
mo-leninismo. Por exemplo, a corrente althusseriana que propõe
· ciência da forte influência exercida pela filosofia tomista e neotomista novo conceito de modo de produção; a reconstrução do materialismo g
no nosso meio universitário. histórico, por Jürgen Habermas. fi
Nas décadas de 80 e 90, veio à tona a questão do espaço e do método; • entre as críticas mais conhmdentes contra o "sociàlismo real" men- ~
~
da lógica dialética e seu método de análise; do papel da cidade; da hege- cionamos: a condenação às condutas anti-democráticas, ditatoriais,
. monia do poder, e do retomo a Marx por geógrafos brasileiros, desco-. ·dogmáticas e sectárias de chefes de estados e dirigentes do estado
. berto inclusive nas obras de David Harvey, de Alain Lipietz, de Edward
Soja, de Mário Bunge, de Henri Lefebvre, de Michel Foucault, de Manuel
soviético das eras stalinista e brejenev, e da cúpula partidária centra-
lizadora do PCUS;
~
;&

. Castells, de Eric Hobsbawm, de Massimo Quaini, e·de outros, como pro-


duções históricas e geográficas mais inovadoras até então produzidas.
Recentemente, os trabalhos de István Mészáros, Ricardo Antunes; entre .
• o neomarxiSmo crítico e social da Escola de Frankfurt (Max Hork-
. ·heiffier, Karl Grünberg, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas, Theodor
1
?>:,-

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outros analistas, ganharam mais espaço nos Encontros e debates da As-


Adorno, etc.), entre outras correntes do pensamento marxista, em ""
,(,>,

gràrlde parte desconhecidas em nosso meio universitário, todavia,


sociação dos Geógrafos Brasileiros {AGB}.
De um modo geral, é importante registrar que no Brasil, desde:
• o marxismo clássico de Marx e Engels, fundadores.do socialismo
arroladas e citadas como referenciais teóricos/ ideológicos por intelec-
tuais brasileiros de renome. Entre eles, "revisionistas de esquerda e
· .·da direita'' do marxismo-leninismo.
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científico; · . Posteriormente, outras análises de cientistas sociais buscaram identifi-
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. .
• o marxismo-leninismo, aperfeiçoando o marxismo clássico e dando ca:r a natureza do regime vigente na URSS, a exemplo do "capitalismo
um passo à frente na análise do capitalismo/imperialismo e da ·.de estado soviético" por Charles Bettelheim; da subordinação do '!sistema .
.

práxis revolucionária em termos de revolução socialista; de mercado planejado" da URSS às leis do sistema produtor de merca-
~~
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

darias por Robert Kurz, ou, segundo István Mészaros, nem capitalista e na clandestinidade (como exemplo, militantes do Partido Comunista
nem socialista, entretanto, sob o jugo total do capital. Brasileiro (PCB)), reduzindo em muito o potencial de divulgação dos
Entre as principais razões do reconhecido desconhecimento, no que . ideais socialistas no nosso país;
concerne ao marxismo, que permeia a grande totalidade dos membros de • específico à ciência geográfica, no que diz respeito aos fundamentos
nossa categoria, pontuamos: ideológicos e teóricos que alimentaram o discurso geográfico, ficamos
• o fato de termos sido colonizados, educados e plasmados, na família presos ao naturalismo e ao historicismo da "escola histórica alemã"
e na sociedade, nos ensinamentos e comportamentos ético-religiosos (não se trata do historicismo marxista,"enquanto existirem homens,
do catolicismo cristão, em que o marxismo era visto como símbolo a história da natureza e a história da sociedade se determinarão mu-
do comunismo, e este considerando a religião como "o ópio dopo- tuamente" (M.ARX e ENGELS, 1984, p.11), ocorrendo o reducionis-
vo" (Marx); mo da dialética, sobretudo nas ciências humanas, como teoria e
• a ausência: de tradição superior universitária no nosso país. Basta . metodologia de análise e interpretação do movimento social.
recordar que a primeira universidade (Universidade do Brasil) foi Paralelamente, com a adoção do método metafísico do materialismo
· criada ein 1926, às pressas, diante da necessidade de conceder ao rei mecanicista e do idealismo (alemão e francês), a interpretação dos
da Bélgica, em visita ao Brasil, o título de Doutor honoris causa. Ou- fenômenos geográficos ficou reduzida às leis naturais (determinismo
tro fator determinante foi o fato de que a grande maioria dos jovens ratzeliano), assim como houve o reforço da ideologia kantiana na
estudantes brasileiros, oriundos de famíliaspobres, durante décadas · determinação do discurso geográfico (Geografia Física);Na vertente
e décadas, tiveram pouco acesso à universidade brasileira; historicista; os fenômenos sociais foram reduzidos à lei da contigência
·• o fato de que a Filosofia á nós transmitida no meio universitário ter (possibilismo/determinismolablacheano), ocorrendo a instituição
sido sempre a do "idealismo" e do "positivismo" europeu dos séculos do discurso geográfico centrado na Geografia Humana. Estabeleceu-
XVIIl, XIX e XX, compreendendo desde a filosofia clássica grega à se assim, a dicotomia físico-humano que perdura até os dias de ho-
·idealista tomista e neotomista metafísicas, sendo que a filosofia je, e a unidade do "todo" deixou de existir.
materialista, em raros momentos, e, apenas em dosagens homeo- No O Discurso do Avesso, Ruy Moreira pontua:
páticas, foi repassada a nós acadêmicos em formação. Não se criou
a bipolarização epistemológica-gnosiológica e metodológica, encontrando na paisagem-espaço a base de empirização do discurso da
necessária ao confronto de idéias e de fundamental importância na · "escola histórica alemã", no qual os pares dialéticos são substituídos por pares
· explicitação e condução do conhecimento da realidade objetiva do· . dicotômicos, a Geografia firma-se como um repertório inesgotável de dicoto-
mundo da Natureza e da Sociedade. A tônica da investigação geográ-. mias: homem e meio, região e nação, campo e cidade, espaço e tempo, espaço
fica científica, centrada na busca da "verdade", portantO, naquilo que e sociedade, sociedade e política, ciência e política, síntese e análise [... ]",
tem correspondência com a realidade inferida na essência dos fenôme- concluindo, que, "a extrema divisão dicotômica, abraça uma totalidade
nos naturais, culturais e sociais, pela ausência da contradição (luta dos. sistêmica que afaz mais parecer a própria interdi~ciplinaridade do sistema
contrários), deixou muito a desejar; de ciências". (RUY, 187, p.152,153)
• ·em razão das organizações partidárias e sindicalistas criadas espo-
sando ideais éll).arquistas, socialistas e comunistas, além de bastante Na história do marxismo no Brasil, não se pode deixar de mencionar
fragilizadas, terem sido no decurso dos anos submetidas a forte as contribuições de diferentes correntes ideológicas de pensamentos na
repressão exercida pelo aparato policial do Estado brasileiro, sendo formação da consciência socialista, a exemplo dos movimentos anarquis~
as pessoas perseguidas obrigadas a permanecer por longos períodos · tas~libertários de orientação bakuniana, no começo do século; do grupo

132 133
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

comunista de Porto Alegre denominado União Maxin:talista, organizado acrescentar profissionais de outras áreas do conhecimento, a exemplo
em 1918; da criação do PCB, oriundo do Grupo Comunista criado em 7de da Educação e Ensino, da Literatura, da Sociologia, História e Geografia,
novembro de 1921, na cidade do Rio de Janeiro, por um grupo de ativistas da Economia Política, do Jornalismo, da Antropologia, da Filosofia,
sob a liderança de Astrojildo Pereira, e estruturado como partido político das Artes e Belas-Artes etc. Nomes como José de Souza Martins, Edgar
em 1922, após a realização do seu I Congresso Nacional (25, 26 e 27 demarço Carone, Hélio Silva, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz,
do mesmo ano). Ferreira Gullar, Chico Buarque de Holanda, Darci Ribeiro; Celso Furtado,
A vitoriosa Revolução Russa de 1917, sob a vanguarda do partido Paulo Freire, Jamil Cury, Demerval Saviani, Francisco de Oliveira,
bolchevique marxista-leninista, foi a grande inspiradora da luta pelo Octávio Ianni, Paul Singer, entre muitos outros, deixarám as suas marcas
Socialismo na maioria dos países da Terra, inclusive no movimento construtivas na difusão do pensamento socialista e marxista no Brasil.
operário do Brasil. Em São Paulo, em 1931, foi criada a Liga Comunista ·A retrospectiva histórica da geografia brasileira na linha do cabedal
Internacional, de orientação trotskista, em oposição ao staliillsmo, tendo teórico, metodológico e da práxis marxista revela-nos que, no conjunto
à frente o jornalista Mário Pedrosa, Lívio Xavier e outros ativistas. Em da categoria, a não ser raras exceções, as contribuições dos teóricos
1953, surge um novo grupo trotskista; conhecido como Convergência do marxismo não foram assumidas, na proporção necessária, por -~
Socialista. Em 1962, é fundado o PC do B que, por muitOs anos, adotou nossos militantes, corno categorias de valor analítico no sentido da
a orientação da linha -chinesa revolucionária. Após o golpe político- · interpretação da realidade objetiva, via materialismo dialético aplicado
· militar de 1964, foram criadas outras organizações de esquerda revo- à sociedade (materialismo histórico), portanto, para o entendimento
lucionárias oponentes ao regime ditatorial. É preciso ter em conta, como do ~spaço.geográfico de totalidade, objeto de nossa investigação. O
já referimos, a grande dificuldade que as organizações tiveram quan.to mesmo se pode dizer do retomo (ou descoberta) do próprio Marx e
ao processo de difusão de suas ideologias, em razão ·da sistemática Engels nas fontes originais, corno também em outros importantes
perseguição aos" comunistas", obrigados a permanecer longos períodos·, . teóricos· do marxismo, por existirem aqueles que se posicionaram
na clandestinidade; da falta de recursos econômico-financeiros· e de (ainda há os que se posicionam) contra a "releitura" de Marx (se é que
infra-estrutura material. Entretanto, não se pode subestimar a importância houve leitura para muitos), via utilização de fontes indiretas, como
que elas exerceram na difusão das idéias socialistas no Brasil, no seio dgs se o verdadeiro marxismo fosse petrificado, anti-dialético e não se
movimentos de massa. Nomes históricos de militantes e simpatizantes; renovasse na seqüência temporal. Pior ainda quando a releitura é feita .
de pensadores e analistas críticos, citando Astrogildo Pereira, Cristiano . de maneira superficial, apressada, sem ser reflexiva, com o intuito de
Cordeiro, Luís Peres, Octavio Brandão, Hermogênio Silva, Luis Carlos incorporar mais rapidamente às análises marxianas da natureza e da
Prestes, Leôncio Basbaum, Vamireh Chacon, Oodornir de Morais, Jacob .. sociedade o pensamento geográfico em ebulição. Em muitas de nossas
Gorender, Gregório Bezerra, Everardo Dias, Ênio Silveira, Caio Prado.· prodµções utilizamos princípios, postulados e teses do marxismo, de
Júnior, Alberto Passos Guimarães, Moisés Vinhas; Nelson Wemeck .· maneira simplista, mecânica e dogmática, na vã tentativa de interpretar
Sodré, Roland Corbisier, Gerd Bornheim, Florestan Fernandes; Álvaro . . o espaço geográfico. Por questão ideológica ou por falta de conheci-
Vieira Pinto, Roberto Schwarz, Reginaldo SanfAnna, José Gianotti, mento, há membros de nossa categoria que podemos enquadrar
José Guilherme Merquior, Oscar Niemeyer, Leandro Konder, Carlos como "marxólogos", por subestimar e mesmo invalidar a contribuição
Nelson Coutinho, Eder Sader, entre muitos outros. Militantes comunistas . científica e social dos clássicos do marxismo, aplicada à análise da
· e não comunistas, socialistas, sindicalistas e operários, profissionais natureza e da sociedade. O mesmo se pode dizer quanta à "identifi-
liberais, pensadoresmarxistas simpatizantes, deram as suas contribuições . cação· da renovação da geografia com a crítica dos marxistas que
na difusão do Socialismo e Marxismo no Brasil. Também, há que levou ao empobrecimento de ambos" (RUY, 2000, p. 35). ··

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPírm.o V - O Marxismo na Geografia Brasileira

Inicialmente, no cenário internacional, o marxismo passa a ser Jaspers, Martin Heidegger, Herbert Marcuse; existencialistas-humanistas,
questionado particularmente por adeptos do "marxismo ocidental", como Jean Paul Sartre, Teilhard Chardin; estruturalistas, a exemplo de
os quais, apoiados em trabalhos de Hegel e da fase juvenil de Marxr Lévi-Strauss, Michel Foucault, Louis Althusser; "convergistas de
centraram as suas críticas filosóficas e culturais no,.determinismo sistemas", - cujas teorias surgiram após a morte de Stalin (1954) -,
economicista ortodoxo. A linha dura stalinista, imposta na ex-URSS; as citando W. Buckingham, J.Tinbergen (fusão e criação de um único
intervenções em países das Repúblicas Populares, a exemplo da sistema econômico), Isaac Deutscher (socialismo democrático), Walter
Tchecoslováquia em 1968, acirraram ainda mais as contradições e Rostow (estádios do crescimento econômico); J. Galbraith (Novo Estado
aprofundaram as dissensões, multiplicando o universo dos desencan- Industrial); modernistas, a exemplo de Seymour Lipset (teoria da
tados com o "modelo do socialismo real", a exemplo dos considerados . modernização capitalista), outras tendências cujas teorias são, na essência,
"revisionistas", citando Roger Garaudy, importante teórico militante do de cunho revisionista e antimarxista, além de outros apologistas do
PC francês que, por várias décadas, via na filosofia marxista -materialista. capitalismo, como exemplos, Daniel Bell (o fim da ideologia), Raymond
e dialética - a superioridade sobre todas as demais filosofias, além de Aron (sociedade industrial única), Alec Nove (socialismo com mercado),
ativo combatente contra o dogmatismo, o burocratismo, o despotismo, Francis Fukuyama (o fim da história), etc.
e defensor de um marxismo mais aberto ao diálogo com os cristãos; Henri No Brasil, um conceito de" democracia como valor universal", tido como
Lefebvre, que, segundo José de Souza Martins, "retomou o que de mais revisionista por se opor ao de natureza das classes esposado pelo marxismo,
importante havia em Marx - seu método e sua concepção de que a relação. foi elaborado por Carlos Nelson Coutinho (COUTINHO, 1979) e assumido
entre teoria e a prática, entre o pensar e o viver, é uma relação vital (e por muitos teóricos do PT, a exemplo de Francisco Weffort, que segue a
datada) na grande aventura de fazer do homem protagonista de sua mesma linha de raciocínio, no seu livro Por Que Democracia? (1984).
própria história" (MARTINS, 1996, p .. 9); o revisionismo existencialista Entre os geógrafos, tivemos os que, erroneamente, atribuíram ao
de Jean Paul Sartre, procurando substituir o materialismo dialético e marxismo em crise, segundo eles, a condição de principal responsável pela
histórico, a fim de fundamentar o seu existencialismo como hum~o . crise da Geografia, inclusive no Brasil. No nosso pais, as repercussões se
do futuro, conclamando o homem a ser livre para libertar-se do domínio fizeram sentir principalmente na política e nas ciências sociais, inclusive
da consciência social e da verdade objetiva, portanto~ refutando as leis na geografia brasileira, a ponto de existirem geógrafos radicais oponentes
objetivas da evoluçãosocial, entre muitos outros pensadores. Finalmente, à inserção do marxismo na abordagem geográfica. Nos tempos atuais, há
é necessário registrar que a crise do marxismo em nível interpacional foi . ainda opositores de muitas matizes, que persistem nessa mesma lógica
atribuída, em grande parte, ao fracasso da experiência socialista na ex- de raciocínio, ignorando ou fechando os olhos ante a situação de crise
União Soviética e nas Repúblicas Populares, cujas nações não conse- político-ir).stitucional do Estado Nacional no contexto do capitalismo
guiram implantar o socialismo real à base da concepção marxista- neoliberal, esquecendo-se de que "as mudanças do modo de pensar a
leninista e da política estatal e partidária dos PCs. No mundo ocidental· .· geografia são produto direto das transformações econômicas, políticas e
desenvolvido, a palavra de ordem antimarxista, anticomunista e anti- sociais" (FANI, 2002, p. 163), sendo estas as principais responsáveis pelas
soviética, apregoada por ideólogos de toda ordem, corria à solta. O condições existenciais da população brasileira no presente.
repúdio à Primavera de Praga documentabemarejeição ao totalitarismo . . De posse dessa visão de conjunto dos acontecimenfos ocorridos, é que
stalinista-soviético implantado. A título de exemplificação, citemos · podemos resgatar uma parcela da historicidade, podemos assim dizer, do
alguns teóricos anticomunistas e alguns agentes envolvidos nos projeto da geografia brasileira. Daí a razão pela qual a priineira década
movimentos tidos como "libertários": anarquistas, como Daniel Cohn- pós 1978 marcou a persistência de "desvios ideológicos" de interpretação
Bendit; neopositivistas, como Karl Popper; existencialistas, comO" Karl da realidade brasileira, cometidos por pseudo-marxistas, somados à

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,,. . ~.~:r:

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA CAPíruw V - O Marxismo na Geografia Brasileira ·

fragilidade de muitos segmentos de nossa categoria, tanto no domínio da tade social. O movimento social no marco do território é contínuo no trans-
teoria do conhecimento do materialismo dialético e histórico, quanto do curso do tempo e as gerações que vão surgindo vão sendo plasmadas, via
próprio domínio epistemológico e metodológico da ciência geográfica, aprendizagem formal e informal do meio "técnico-científico informa-
assim como em termos de práxis comunitária. No transcorrer de décadas, cional" (Milton Santos), em novos aprendizados, condutas e conquistas
surgiram contribuições de novas vertentes geográficas, como as ambíen- do novo tempo.
talistas, as fenomenológicas, as culturalistas, com tratamentos direcionados
ao resgate de novos valores, naturais-ambientais, éticos-espirituais, étnicos-
culturais etc, inseridos na natureza e nas tradições das comunidades, no A RELAÇÃO NATUREZA- HISTÓRIA NO MARXISMO
sujeito/indivíduo, no sujeito/ coletivo, contribuindo para agregar ao con-
ceito de espaço geográfico novas ~ariáveis analíticas-interpretativas, o que Nos Manuscritos Econômicos (1844), e em Ideologia Alemã (1845/1846),
não deixou de contribuir, positivamente, (muitas já contribuem no pre- Marx analisa as relações Homem/Natureza, revelando como se processa
sente) para um melhor conhecimento do território brasileiro, principal- a interação mútua entre as duas naturezas (natural ehistórica), em que
mente a nível do lugar, do cotidiano e do "espaço vivido", evocado por a primeira é transformada pelo trabalho produtivo do homem numa se-
Armand Frémont. Na mesma linha de interpretação, o projeto da geografia gunda natureza (historicizada). Isto significa que o homem, como força
· cultural de valorização subjetiva do território pelas comunidades que produtiva, por intermédio de seus meios de produção (capital, trabalho,
. trabalham com os"sentidos.dos lugares", corre um certo risco no sentido instrumentos de produção, ternologia), imprime no espaço geográfico
de inverter a valoração dos elementos e fatores constitutivos do espaço· a sua dimensão de cultura material, traduzida pelo conhecimento, ciência
geográfico, na medida em que há os que absolutizam a subjetividade em e ternologia, em "bens sociais necessários", de uso e troca, Homem e
detrimento de ações concretas.materializadas no espaço pelo trabalho dos natureza se fundem numa única natureza, ocorrendo a naturalização da
homens concretos. história e a historização da natureza. Há, portanto, no ato de produzir,
Se, por um lado, os rotulados" desvios" epistemológicos e metodoló- uma mediação mútua entre as duas naturezas. Marx vê a natureza na sua
gicos, na interpretação de alguns geógrafos críticos, atrasaram e mesmo objetividade histórica, independente dos homens, mas materializada
atrofiaram a superação da crise e a renovação da geografia brasileira, pelo (mediada) pela práxis humana. Pela concepção marxista; a natureza
outro, tivemos abordagens que agregaram novos valores à compreensão· isolada da ação humana perde significado para a sociedade e se restringe·
de "totalidade" .da realidade do espaço geográfico brasileiro,· que, na ao determinismo de suas leis naturais. A história da natureza e a história
atualidade, buscamos conhecer com mais determinação, tendo em vista da sociedade são inseparáveis. Em Ideologia Alemã, ele pontifica:
contribuir para o "salto qualitativo", que a sociedade brasileira que tra- "conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história, e esta
balha,. tanto· almeja. Também, fica deveras fácil perceber para quem passa a ser tratada sob duas dimensões: história da natureza e a história
pesquisa, produz, ensina e divulga a ciência geográfica no Brasil, que a dos homens. Os dois tratamentos, contudo, não são separáveis, pois,
crise da geografia brasileira ainda persiste no universo de nossa categoria. enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos
Ela é posta para nós como um desafio a vencer. Dialeticamente, sempre homens se condicionarão reciprocamente" (MARX, 1989, p. 23, 24). Em
será assim, porquanto em cada situação histórica concreta smgirão novas suas análises da Guerra Cívil na França e do 18 Brumário de Luiz Bonaparte,
e superiores aspirações da sociedade, gerando novas contradições que Marx confirma o movimento dialético contraditório na essência dos
aguçarão a luta dos contrários. A realidade envelhecida e estratificada como conturbados movimentos históricos ocorridos em França, sempre tendo
verdade, no tempo e no espaço, perde necessidade histórica, deixa de ser em conta que "os homens fazem sua própria história, mas não afazem
necessária e será negada pelo "novo" que chega como afumação da von- como querem (livre arbítrio); não a fazem sob circunstâncias de sua

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRlTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e O PAPEL DA DIALÉTICA COMO TEORIA
transmitidas· pelo passado" (MARX, 1969, p. 17). No mesmo livro, ele E METODOLOGIA DE ANÁLISE
pontifica a importância do período napoleônico - guerras e reformas que
vão de encontro às estruturas feudais - criando condições fundamentais Como sabemos, a partir de Hegel podemos considerar o nascimento
ao desenvolvimento do capitalismo na França, a favor da ascensão da da dialéticamodema, cuja gestação remonta aos pré-socráticos na velha
sociedade burguesa "sem as quais não seria possível desenvolver a livre Grécia, ao surgimento do Taoísmo, na China etc., podemos dizer. O mo-
concorrência, explorar a propriedade territorial dividida e utilizar as vimento, a contradição e a mudança estão presentes na concepção hegeliana.
forças produtivas industriais a nação que tinham sido libertadas" (MARX, Hegel, apesar de reconhecer o mundo objetivo como realidade concreta,
1974, p. 18). Engels, em Dialética da Natureza, incorpora à dialética a que existe independente da consciência dos h_?mens para existir, constrói
essência da natureza como ciência exata e natural, sendo esta regida por a dialética a partir de sua própria consciência. E o seu próprio pensamento,
leis deterministas da própria natureza.Na época, sua busca científica estava a sua razão que formula a existência do movimento dialético contraditório
em oposição aos kantistas. No presente, podemos direcioná-la aos e contínuo da matéria no mundo real objetivo. Ele não percebeu que o mo-
neopositivistas, citando Karl Popper, que somente admite a adaptabilidade vimento /desenvolvimento dialético contraditório é intrínseco à própria
·. do conceito de lei no âmbito das ciências da natureza, negando a existência .
natureza razão de ser, de existir do mundo material objetivo (natureza e
- I .

de leis aplicadas à sociedade. No fundo, os neopositivistas são movidos sociedade). Como movimento natural e social, a dialética não é produto
por propósitos ideológicos bem definidos, procurando refutar a concepção da consciência dos homens, muito pelo contrário, ela é intrínseca à essência
materialista da história. Para eles, natureza e sociedade seriam regidas da natureza física e da natureza humana no existir de suas temporalida-
pelas mesmas leis naturais. Marx vai além, ao historicizar a natureza pelo des/ espacialidades. É por isso que Marx e Engels pontificaram que a dia-
trabalho, acrescentando a ela a dimensão cultural do homem, traduzida lética hegeliana estava de cabeça para baixo. Era yreciso submetê-la a
em conhecimento, ciência e tecnologia, muito embora ele não tenha úma crítica profunda e invertê-la, colocá-la em pé, procurando reconhecê-
incorporado diretamente a dialética à natureza. Lenin dá um avanço la em sua existência objetiva, e não a idealizada pela mente humana. Essa
substancial ao marxismo, ao incorporar a dialética dos fatores objetivos tarefa foi feita pelos dois formuladores do socialismo científico no século
. e subjetivos à teoria marxista-leninista da revolução socialista. Em Lenjn, XIX Na compreensão marxista, o materialismo histórico é a chave do
a práxis social, unidade entre a teoria e a prática, conduzida por uma conhecimento, tanto da sociedade humana quanto da natureza, razão
vanguarda revolucionária organizada, o partido político, é determinante pela qual a passagem de uma formação sócio-econômica a outra requer
no processo revolucionário, sendo a principal responsável pela transfor- que o investigador tenha pleno domínio da concepção teórica e meto-
mação política e social de determinada nação, além de se constituir no dológica da dialética materialista, em termos de princípios, leis e categorias.
principal critério de elucidação da verdade. A teoria, como base episte- Este procedimento permite ao pesquisador estabelecer a própria previsão
.mológica-gnosiológica, abastece o conhecimento empírico/pragmático dos científica, o que significa ter uma visão do próprio futuro ~a sociedade, e
homens e faz avançar a prática social, no contexto de determinada: soci- não como modelo positivista petrificado, no tempo e no espaço, como
edade. Por sua vez, a recíproca é verdadeira, a prática coletiva resultante esposam os antimarxistas contrários à existência de leis e categorias da
das ações dos homens que executam·trabalhos concretos, quando repas~ dialética materialista, ignorando ou negando o fato da sociedade e da
sada aos teóricos compromissados com a ideologia revolucionária, faz natureza historicizada serem regidas por leis do desenvolvimento social.
avançar o conhecimento da realidade objetiva, o que permite a eles for~ "O historismo marxista não se reduz à simples explicação do presente, pelo
mularem novas táticas e novas estratégias para que haja a transformação contrário, baseando-se no estudo do passado e do presente analisa as ten-
revolucionária desejada. .dências da ~volução e as leis objetivas que a condicionam e prevê o futuro"

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA CAPíTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

(MODR]INKAIA, E. e STÉPANlAN, TS, p.104). Este representa Quniverso superior se dá pela luta dos contrários (unidade na adversidade), tendo
maior de nossas utopias existenciais que desejamos concretizar em vida, a contradição dialética como o motor da história. Este segundo momento
por meio de nossa práxis transformadora, procurando incorporá-las ao crítico, como já afirmamos, além de ser inovador é criativo.
nosso existir terreno, ou ao existir das futuras gerações. Dai a razão de o Vamos aos fatos históricos concretos da geografia brasileira. Nos anos
neopositivista Karl Popper afirmar ser o "historicismo marxista" uma 80, a combatente assumida Lenyra Rique da Silva, no seu livro A Natureza
filosofia profética, e que os seus partidários são falsos profetas, condenando Contraditória do Espaço Geográfico, pontuou com muita precisão que os
assim qualquer tentativa de previsão histórica" (MODR]INKAIA, E. e geógrafos mais questionadores, citando Armando Corrêa da Silva, Milton
STÉPANlAN, TS, p. 107). O que o marxismo define com segurança é que Santos, Ruy Moreira, Sandra Lencioni, Ana Fani, Antônio Carlos Robert
as leis da natureza se aplicam à natureza e não à vida social, sendo esta e Wanderley Messias, entre outros, passaram a dizer não" ao que era posto ·
· regida por leis históricas e sociais, e não ao contrário" como conteúdo de uma ciência preocupada só com o lugar, a área e a região,
em termos de paisagem, num empirismo ímpar, realizando-se no imediato
palpável, na falsa síntese da aparência" (SILVA, 1991, p. 7).No seu trabalho,
OS CAMINHOS DARENOVAÇÃO ela reforça o seu pensamento crítico afirmando que "a história que mais
DA GEOGRAFIA BRASILEIRA conhecemos exclui a maioria dos homens, o homem como ser histórico,
homem de classes, sendo [a história] casada com a geografia dos lugares
À primeira vista, pelo fato de que fomos colonizados, educados e plas.: vazios" (SILVA, 1991, p. 8). Utilizando-se da ética marxista, ela faz uma pré-
mados nos parâmetros do comportamento, do pensamento e da práxis· crítica positiva aos geógrafos críticos no sentido de que eles, pela autocrítica,
idealista, parece ser muita pretensão de minha parte, e até mesmo ser teme- possam superar limitações, a exemplo da imprecisão ontológica do espaço,
rário, querer interpretar a geografia brasileira sob a ótica marxista, então de Armando Corrêa da Silva; da espacialidade estruturalista e da totalidade
produzida pelos nossos geógrafos críticos mais afinados com a renovação · · quantitativista, tratada por Milton, em seu livro Por Uma Geografia Nova
transformadora. Também, pelo fato de o objeto da investigação geográfica (SANTOS, 1978). Lenyra imputa a Milton ter eliminado a primeira natureza
- o espaço geográfico-ter sido tratado de maneira inadequada, digamos do espaço geográfico, pelo fato dele considerar apenas a segunda natureza
com certos desvios de interpretação, por profissionais de nossa categoria,. como espaço geográfico. Na minha análise; ó agudo pensamento abstrato
em razão de limitações epistemológicas quanto ao domínio dos fundamen-.·· de Milton eliminou a constatação do óbvio, pelo simples fato da primeira
tos teóricos, metodológicos e analíticos do marxismo. Noutra vertente, se, natureza estar implícita na segunda, cuja existência resulta, como já cita-
por um lado, o discurso daqueles ideologicamente e intencionalmente con- . mos, da primeira natureza historicizada pelo trabalho do homem histórico.
trários à introdução do marxismo na geografia brasileira prestou um . Em Valorização do Espaço, de Antônio Carlos e Wanderley Messias (1984),
desserviço à construção de uma geografia renovada, por '.'separarem o .. . .Lenyra se posiciona contra o fato deles considerarem o "lugar" como o espa-
espaço do tempo, pagaram o seu tributo ao kantismo; ao desprezarem a . ço geográfico concreto, quando, na realidade, ele "não passa de um mero
·historicização do espaço geográfico, pagaram seu tributo ao positivismo .· receptáculo de processos sociais". Também, pelo fato de trabalharem a
(Geografia Clássica) e ao neopositivismo (New Geography)" (RUY, 1979, categoria marxista de "valor" no sentido de "valor do espaço", reduzindo-
p. 152), por não ser capaz de interpretar e propor soluções à altura da ª à qualidade dos reeursos naturais e das construções contidas no lugar
realidade brasileira em que vivíamos, por outro lado, o disCQrSo antagônico · (SILVA, 1991, p. 15), contendo esse espaço também um valor de troca (valor
foi o principal responsável pelo surgimento de posicionamentos críticos no espaço). Ela contra-argumenta que na concepção marxista o valor como
mais contundentes e, ao mesmo tempo, mais inovadores. E não poderia atributo fundamental do espaço assume o valor capitalista do trabalho alie-
ser diferente, porquanto a formação de uma unidade espácio-temporal nado do trabalhador e apropriado por uma minoria que detém os meios

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPíTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

de produção, e que o mesmo não foi contemplado na análise dos autores. Santos conclui por uma melhor utilização do conceito de formação
Referindo-se a Ruy, em seu livro O Que é Geografia (MOREIRA, 1988); afir- · econômica e social de Marx nos estudos geográficos, agregando a ela
ma que ele reduziu o espaço geográfico à dimensão de paisagem. Parece- . a noção de espaço, resultando na criação da formação sócio-espacial
me que houve, também, um equívoco de interpretação, dado que Ruy expli- (1977) como abordagem geográfica. No texto Geografia, Marxismo e
cita que o espaço geográfico, como ele se apresenta em sua forma ante os Subdesenvolvimento (1982), Milton arrola várias categorias marxistas, entre
olhos do observador, revela-se na aparência dos fenômenos, e que o proces- elas a do modo e estrutura de produção, valor de uso e de troca; estru-
so historicamente concreto do trabalho, isto é, a relação homem/ meio con- tura de classes, como categorias que podem ser levadas à linguagem
creta, revela-se na essência, portanto, no bojo das relações de produção. No espacial ou geográfica.
fundamental, no conjunto de suas análises críticas, Lenyra trouxe-nos uma Em 1987, o n. 2 da Revista Terra Livre abordou O Ensino da Geografia em
contribuição ímpar atinente à necessidade de nós~ profissionais do ensino e Questão e Outros Temas. Entre os artigos produzidos, Carlos Walter, no seu
da pesquisa geográfica, trabalharmos com o pensamento marxista, com vista texto Reflexões Sobre Geografia e Educação: Notas de um Debate, adverte-nos
·à superação da continuidade do exercício da Geografia Tradicional, sua do perigo de cainnos no geografismo em que a fragmentação do saber
forte carga positivista.:estruturalista que permeia o universo de nossa ciência. conduz à perda da visão do todo, e coloca várias interrogações: como mexer
Em 1982, a edição de duas publicações: Novos Runws da Geografia Bra~ com a insatisfação concreta de um saber parcelizado que fragmenta o real?
sileirà (Milton Santos como oragnizador, editada pela Hucitec) e Geografia: Como fazer Geografia sem perder de vista a totalidade social? (GONÇAL-
Teoria e Crítiaz (Ruy Moreira como organizador, editada pela Vozes), dá uma VES, 1987, p.19), concluindo ser a ciência histórica [um retomo a Marx],
relevante contribuição em forma de questionamentos críticos, sem dúvida, a alternativa mais consistente para superar a fragmentação do real.
o maior conjunto de posicionamentos até então assumidos por geógrafos Em O Método e a Práxis, José William Vesentini critica aqueles que impu~
brasileiros de renome, como contribuição à renovação da geografia brasileira. taram ao positivismo a responsabilidade pelo "grande mal" causado à
Por exemplo, em seu texto Alguns Problemas Atwiis da Contribuição Marxista. Geografia Tradicional e os que consideram que a Geografia Crítica nada
à Geografia, Milton Santos pontifica que mais é do que a descoberta e aplicação pelos geógrafos do "método dia-
lético". Essa afirmação é, na realidade, "falsa e que mais atrapalha do que
a geografia tem muito a lucrar da herança marxista, e muito ti oferecerpara ajuda na compreensão da crise da Geografia. e na construção de uma
oavanço da teoria marxista conw um todo, entretanto, diz ele, não basta jogar geografia comprometida com as lutas populares por uma sociedade mais
com categorias marxistas de fortn11 dogmátiaz, porquanto, a aplicação correta justa e democrática" (VESENTINI, 1987, p. 61, 62). Na mesma publicação,
do método marxista à Geografia supõe que: Nelson Rego, no texto intitulado A Unidade (Divisão) da Geografia e o
• se parta do real, para exorciz.ar todo o risco de ceder à ideologia; Sentido da Prática (REGO, 1987), analisa dois paradigmas: o funcionalista,
• que a totalidade seja o instrilmento de conhecimento do real-individilal- como suporte à Nova Geografia, sendo adaptado do método das ciências
concreto, enfatiz.ando que nenhum enfoque que deixe de lado a nóção de físico-naturais para o estudo da sociedade, estando calcado no postulado
totalidade permitirá uma correta noção da realidade; da chamada objetividade científica neopositivista, separando o sujeito do
• que a dialética seja o meio de chegar à reconstrução da gênese e, desse nw- objeto, e agregando a noção de "neutralidade científica"; e o dialético, co-
do, apontar para ofuturo; . ino suporte teórico-metodológico da Geografia Crítica, fundamentando
• que o contexto, enão as relações de causa eefeito, seja oguia na reconstituição a unidade da Natureza/Sociedade pela via do marxismo, portanto, a uni-
da geração dos fenômenos; · . dade teórica e metodológica da Geografia. Nessa segunda análise, no título,
• que tempo e espaço não apareçam como categorias isoladas, nem separe a A Unidade Através do Matxisnw, Nelson enfatiza que "são basilares para
essência do processo, da função e da fonna. (SANTOS, 1982, p. 133·135) o marxismo, as noções de historicidade, de transformação social via lutas

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA \.'. CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

de classes e a inserção ativa do pensamento no contexto social" (REGO, Retomemos a Milton, em seu livro questionador e transformador, Por
/1
1987, p. 103), e aponta para a tentativa de unidade através da ênfase ao ·Uma Geografia Nova, em cuja abordagem intitulada Totalidade e Dialética do
conceito de segunda natureza que, sem dúvida, estabelece um forte elo . Espaço, utiliza-se do conceito de espaço dialético em movimento, de Spino-
11
entre a sociedade e a instância natural" (REGO, 1987, p. 105). E, que 0 za, enfatizando que
conceito de segunda natureza abre cantinho para um entendimento
dialético das relações entre as duas instâncias, discernindo as sempre há uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; e
determinações sociais na apropriação da natureza e o modo como esta, que uma depende da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem
transformada, apresenta novas condições para a rearticulação da as condições da natureza primeira, e a natureza primeira é sempre incompleta
totalidade" (REGO, 1987, p. 106). Adotando a sociedade como objeto do e não se perfaz sem que a natureza segunda se realize. Este é o princípio da
estudo do espaço geográfico, inclui o estudo da natureza no âmbito da dialética do espaço (SANTOS, 1978, p. 171, 172).
ciência geográfica enquanto natureza apropriada e afirma que a
apreensão da totalidade Sociedade/Natureza não pode ser objeto de · No livro, b conceito de totalidade assume um papel determinante na
investigação de uma única ciência, concluindo ser o marxismo a acepção de totalidade espacial, temporal e social, reforçando a noção de
11
alternativa mais consistente para a compreensão da sociedade como formação social trabalhada por Marx e aperfeiçoada por Lenin. No seu
totalidade contraditória em movimento" (REGO, 1987, p.112). Ein sua . estudo a Herança Filosófica (SANTOS, 1978, p. 29), afirma ser necessário
tese Da Geografia Que Se Ensina à Gênese da Geografia. Moderna~ Raquel buscar os fundamentos filosóficos da ciência geográfica em Descartes, Kant,
Maria Fontes, utilizando-se de análises de Marx-Engels' (Ideologia Alema), Darwin, Comte e outros positivistas, mas, também, em Hegel e Marx,
de Massimo Quaini (Marxismo e Geografia) e de Karel Kosik (Dialética do porquanto, a influência de Hegel é reconhecida na obra de Ratzel e nos
Concreto), chega à mesma conclusão, no sentido que trabalhos de Ritter, e Marx teria igualmente influenciado em muitos
pontos o trabalho de Friedrich Ratzel, de Vidal de La Blache e de Jean
o marxismo pode oferecer uma oportunidade efetiva de superação da dicotomia Brunhes. Neste autor, agregamos o fato de ser muito evidente a identifi-
sociedade/natureza no interior da geografia, na medida em que a separação cação dos princípios de atividade e de conexidade", citados em sua Geo-
/1

entre ohomem e as condições naturais de sua existência passa a ser vista como grafia Humana, com a dialética vista como movimento e conexão universal
algo histórico e não meramente natural. Como ser histórico e, portanto, social, dos fenômenos. Posicionando-se contra o emprego de categorias marxistas
o homem hwnaniza a natureza, mas também não deixa de reconhecê-la como de forma dogmática, Milton define a aplicabilidade correta do método
totalidade absoluta na qual ele próprio se inclui (FONTES, 1989, p; 77). marxista nos seguintes termos:
• utilizá-lo a partir da realidade objetiva;
Mais recentemente, nesse movimento ·de renovação da ciência geográ- • tomar a totalidade como instrumento de conhecimento do real-
fica no Brasil, o marxismo não hesitou em se aproximar do Existencialismo, individual concreto;
da Fenomenologia e do Estruturalismo, aceitando e assimilando conceitos • idem, a dialética como o método da reconstrução da gênese da reali-
e aspectos metodológicos que lhe ampliaram o entendimento e a capacida- dade objetiva que se apresenta;
. de de ação. Nesse particular, /1 a relação dos geógrafos corn o marxismo • o tempo e o espaço como categorias integradas, e que não haja sepa-
deve emanar desse mesmo sentido dialético, tanto apoiar-se no marxismo.· ração da essência do processo, da função e da forma (aparência). ,
como alicerce teórico e ferramenta prática, quanto ampliá-lo através da Armando Corrêa da Silva, no texto A Aparência, o Ser ed Forma, depois
/1
inserção do objeto 'espaço produzido e organizado' na análise social e na de atrib'uir à Geografia a condição de ser uma subtotalidade" no âmbito
prática transformadora" (REGO, 1987, p. 113). do conhecimento, como uma ideologia do cotidiano, diz que "o espaço

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REFLEXÕES SOBRE TEORJA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

passou a ganhar importância em si1 como produto e como produção1 ou Entre os articulistas nacionais, menciomunos: Milton Santos, Armando
seja, como valor de uso, de troca e como valor a ser produzido" (SILVA Corrêa da Silva, Odete Seabra, Ruy Moreira, Roberto Lobato Corrêa,
A. C. da, 2000, p. 7, 22). No livro De Quem é oPedaço?, afirma que "de Marx Manuel Correia de Andrade, Ana Fani, Antônio Christofoletti, Ariovaldo
tomo a dialética e o materialismo histórico, que me dão a dimensão da Umbelino, Douglas Santos, Antônio Carlos Robert, Wanderley Messias,
materialidade do espaço e da presença dele na história e, por isso, de cate- Lílian W., Raquel Maria Pontes, Paulo Freire, Jamil Cury, Demerval.
gorias como o tempo geográfico e o tempo histórico" (SILVAA. C. da, 1986, Saviani, Celso Vasconcelos, Paulo Ktenas, José de Souza Martins, José
p~ 44). Nessa dimensão de valoração do espaço, podemos concluir ser, na Arthur Giannotti, Roberto Schwarz, Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier,
atualidade, o seu estudo de relevância no interior de nossa categoria, por Francisco de Oliveira, Otávio Ianni, Paul Singer, Florestan Fernandes,
corresponder ao objeto de pesquisa de uma geografia na linha de uma Leandro Konder, entre outros investigadores, geógrafos e não geógrafos,
interpretação marxista, quando trabalhamos o conceito de formação que procuraram discernir com mais propriedade a questão da teoria e do
sócio-econômica espacial. Evidentemente, evocando W.Jlton ao agregar a método (s), a ser utilizado (s) na ciência, na ciência geográfica, na educação,
dimensão espacial ao conceito marxista de formação sócio-econômica. no ensino e pesquisa. Ruy, com muita propriedade e com uma visão
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, em Navas Rumos da Geografia Brasileira, holista sobre o movimento de renovação da geografia, assim se manifesta
é outro geógrafo crítico que nos ofereceu uma significativa abordagem sobre após detectar duas fases do movimento:
espaço e tempo, na linha da compreensão materialista dialética. Depois de
criticar aqueles que provocaram verdadeiros "atropelamentos" ao materia- a primeira, (período anterior e posterior ao 3º ENG) éafase do mergulho críti.co
lismo histórico e dialético, [... ] chamando-os de "geógrafos travestidos de nas raízes do discurso geográfico, que indaga sobre oseu sentido e significado
falsos marxistas, que nem saíram do ovo, mas que já se julgam aptos a (o que é, para que serve e para quem serve a geografia.); a segunda, que se pode
'criticar Marx', com emprego de jargões, como 'Marx negligenciou o 1
situar por volta da segunda metade da década de 80, é afase em que o movi-
espaço'; 'Marx sequer tratou do espaço"'(OLIVEIRA, 1982, p. 67)1 busca mento de renovação perde o seu ímpeto, vira uma oficialidade e assim se
no próprio Marx, mais precisamente em O Capital (1867), a sua refutação atrofia.. A primeira fase é um movimento que tende a redescobrir a geografia.;
aos falsos marxistas. Traballiando com o·espaço e o tempo como formas a segunda, a opacifi.car-se, concluindo que a reformulação teórica avançou enor-
essenciais da existência da matéria em movimento,Ariovaldo expõe com memente nos dez primeiros anos da Renovação, sendo uma mudança rica, mas
clareza, no seu texto analítico, como se manifesta a materialidade do incon.clusa (RUY, 2000, p. 46).
espaço-tempo, em que o movimento é visto como forma de ser, portanto,
de existir da matéria; a essência contraditória do espaço e do tempo e sua Em 1982,no texto Reflexão Sobre a Dialética; em 1990e1991, nos livros
complexidade dialética-materialista; a infinitude do espaço e do tempo, sua A Produção do Espaço Geográfico no Capitalismo e Reflexões Sobre Teoria e Crítica
unidade, diversidade e interdependência; a continuidade e descontinuidade em Geografia.; em 1999, com Caminhos da Dialética; em 2001, em textos, como
do espaço e do tempo etc., como formas da existência da matéria.inferidas ·· Natureza/Sociedade; em comunicações livres e cursos ministrados em
na objetividade do espaço e do tempo, inclusive do espaço geográfico. diversos encontros da categoria, o autor deste livro procurou introduzir,
Nas décadas de 70 e 80, a validade e atualidade do marxismo1 aliado a nível do debate geográfico, a importância da dialética como teoria e meto-
ao seu "método" de investigação passaram a ser mais investigados. Hou- dologia de investigação e interpretação do espaço geográfico, em sua obje-
ve. um patente aumento do leque dos investigadores. Daí a importância tividade espacial/ temporal.
das contribuições de cientistas sociais de outros países, citados em diversos· Diante desse referencial analítico de posicionamentos críticos e
artigos de geógrafos brasileiros e profissionais de ciências e áreas afins, acríticos, assumidos e não assumidos por nós geógrafos brasileiros
no âmbito da Educação, Filosofia, Sociologia, História e de outros saberes. nessas três últimas décadas do século XX; de acordo com a nossa filosofia

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA CAPínn.o V - O Marxismo na Geografia Brasileira

e correspondente ideologia nela imbutida; a nossa noção de ciência e de histórica e espacial de cada sociedade, de cada nação, e, hoje, do mundo
ciência geográfica e seu objeto de análise, toma-se possível, no presente, globalizado pela economia de mercado, que faz o marxismo ser vivo e
estabelecer um melhor juízo a respeito da inferência do marxismo na atual; e possuir um corpo de prinápios, teses e formulações que permitem
geografia brasileira. Vamos aos fatos. Primeiro, é preciso ter em conta que estabelecer análises e proposições infra e super-estruturais inovadoras,
tanto a fase da "rede8coberta" quanto a do atrofiamento" foram marcadas
/1
que alimentam práxis transformadoras e revolucionárias e nossas utopias
pela luta ideológica dos contrários, marxistas e não-marxistas. Na linha existenciais, portanto, nossas aspirações maiores inseridas na estância
marxista, foi o conceito de ideologia e de modo de produção formulado da superestrutura, e que representam o futuro pelo qual lutamos, e que
por Marx na Ideologia Alemã que alimentou o posicionamento dos geó- desejamos materializr, tomar concreto em nossa vida pragmática do
grafos críticos. Se, em decorrência das nossas limitações epistemológicas presente. Negar o marxismo porque o socialismo real, erroneamente
e ontológicas quanto ao domínio dos fundamentos teóricos do marxismo, chamado por muitos de comunismo, não vingou e não resolveu os pro-
os quais, em certo sentido,· foram mal interpretados e utilizados por blemas da humanidade; porque o fetichismo do capital não desapareceu;
geógrafos críticos brasileiros, isso não significou e nem significa a falência porque não se obteve uma "medida objetiva" da exploração do trabalho;
do marxismo no sentido de fornecer seus fundamentos teóricos e meto- porque o desenvolvimento capitalista industrial não gerou um pro-
dológicos corno ferramentas analíticas, interpretativas e pragmáticas, na letariado numericamente superior aos trabalhadores das demais classes
busca do conhecimento dos fenômenos geográficos. Muitopelo contrário, sociais; porque as revoluções socialistas não se romperam nos países
significou, sim, a nossa incapacidade de manusear corretamente as leis avançados, e sim nos subdesenvolvidos; porque a incorporação do cam-
e categorias analíticas da dialética materialista.Também, não significou po à economia de mercado ocorreu lenta e tardiamente, a exemplo do caso
que os críticos renovadores ficaram totalmente presos ao marxismo brasileiro, cuja estratégia da Revolução Verde se concretizou 20 anos depois
ortodoxo, dogmático e petrificado no tempo e no espaço, como muitos (1950-1970); porque a superação da questão nacional não foi resolvida;
alegaram no passado, e ainda há os que afirmam no presente. Como Marx porque o Estado nacional, principalmente nos países desenvolvidos,
examinou o desenvolvimento do capitalismo fundamentado em evidên- veio a se fortalecer em vez de definhar; porque não ocorreu a autodes-
cias políticas e econômicas de uma determinada época histórica, que truição prevista do sistema capitalista, em função de suas crises periódicas
abrange do mercantilismo ao liberalismo econômico industrial, e deste de produção, da concentração de capital e da queda da taxa de lucro, e
ao liberalismo político alcançado por meio das revoluções liberais (inglesa, outros porquês, como assinalaram vários cientistas políticos, a exemplo
holandesa, estadunidense, francesa), é óbvio que muitos de seus diagnós- de Francisco de Oliveira, Paul Singer, Antônio Flávio Pierucci, José
ticos e conclusões, quando transpostos para a realidade do presente, neces- Arthur Giannotti, além de outros debatedores, citados por Diniz em
sitam ser retrabalhados e adaptados ao novo estágio alcançado pelo ca~ Certa Má Herança Marxista: Elementos Para Repensar a Geografia Crítica
pitalismo. O marxismo, corno sistema filosófico-científico e metodologia (DINIZ, 2002, p. 78-108). Também, Giannotti, no texto Além de Marx
de análise da realidade objetiva Homem/Natureza, é por natureza (2000), e em outras publicações. Roberto Schwarz, no artigo O Neto Corrige
dialético, portanto, um sistema aberto em contínuo processo de renovação o Avô (Giannotti X Marx) pondera que:
e revitalização. E não poderia ser diferente, caso contrário, ele negaria a
sua própria essência transformadora. Lenin, já vivendo no contexto da ao estender uma linha direta entre os seus esquemas elementares e os impas- ·
transição do capitalismo industrial em plena fase de expansão do ses da passagem ao socialismo, penso que Giannotti força a mão. Cria tam-
capitalismo monopolista-imperialista, deu um passo à frente ao incorporar bém uma perspectiva falsa, a meu ver irreal. Ficamos com a impressão de
à análise do capitalismo o desenvolvimento desigual. É justamente essa que não houve nos últimos 150 anos luta de classes acirrada nem revolu-
capacidade de adequação - via mediação dialética - à temporalidade ções, impressão que está errada e que desvia do essencial da perplexidade da

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REFLEXÕES SOilRE TEORIA E CRiTICA EM GEOGRAFIA
CAPtruw V - O Marxismo na Geografia Brasileira

esquerda. O que os socúilistas não consegUiram crúir foi aforma desociedade ao"riovo" processo de reestruturação do capital produtivo pelo avanço do
superior, efetivamente mais satisfatória, capaz de superar o capital no âmbito· · meio técrúco-científico informacional (Milton, 1994, p. 44), também pela
local e do planeta (SCHWARZ, 2001, p. 4-14). crescente interação entre trabalho e ciência, entre trabalho material e ima-
terial Por outro lado, não é menos verdade que, como bem argumenta e
Na minha contra-argumentação, se o Socialismo, com os seus 70anos comprova Ricardo Antunes, no seu importante ensaio Os Sentidos do Tra-
de história, não vingou a ponto de expressar o modelo ideal de sociedade balho- Ensaios Sobre Afirmação eNegação do Trabalho, em que expõe a noção
igualitária, pior ainda com o Capitalismo que, até aos dias atuais, não con- ampliada de classe trabalhadora, nela incluindo
seguiu implantar os ideais humanistas de "liberdade, igualdade e frater-
nidade" (bandeira da Revolução Francesa de 1789), mesmo nos países de todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário,
capitalismo avançado; que não há maior "medida de exploração do traba- incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor
lho" dispendido pelo trabalhador, do que os rúveis de exploração revelados serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o
pelas diversas formas de mais-valia (absoluta, relativa e diferencial), bem capital, inclusive o proletariado precariz:ado, o subproletariado moderno, part-
transparentes na atualidade, no mundo do trabalho. Outra medida objetiva time, o novo proletariado dos Me Donald's, os trabalhadores hifenizados[... ],
é confirmada pela terceirização da economia, geradora crescente de sub- os terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan José
empregados e desempregados. Outro fator, é que a análise marxista é, por· Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada"economia infonnal", que
natureza, econômica e social e não quantitativista. Pela mesma razão, o fato · muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores
das "revoluções socialistas" não terem eclodido nos países desenvolvidos desempregados, expulsos do processo produtivos e do rr,iercada de trabalho pela
e sim nos subdesenvolvidos, e que à maioria dos países, Com o passar dos reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva,
anos, não conseguiu constrilir o regime socialista após átomada do poder na fase de expansão do desemprego estrutural (AN1UNES, 2000, p.103, 104).
pelos revolucionários (a exemplo da URSS e das Repúblicas Populares),
não significa a falência da previsão marxista sobre o amanhã socialista, muito A referência de que os Estados dos países desenvolvidos se fortaleceram,
·pelo contrário, significa; sim, o atestado de que as condições objetivas e subje- em vez de se enfraquecerem, não corresponde a toda verdade. Se houve
tivas implantadás não alcançaram a maturidade necessária para consolidar uma fase de prosperidade e de estabilidade após a "grande recessão", a
a "consciência socialista" nas respectivas sociedades e construir onovo regi- exemplo dos estados da social-democracia, na seqüência temporal houve
me. O Sod.alisino, como ideologia e novo modo de produção, não nasce também o enfraquecimento de muitos países desenvolvidos (o contexto
pronto e acabado após a conquista do poder político. Assim foi com o capita- europeu é um bom exemplo), em virtude de múltiplas causas, a exemplo
lismo enfrentando a resistência feudal, que teve de ser construído, pari passu, . do desemprego estrutural, da crescente privatização da economia, do
no embate da luta dos contrários, opondo-se às forças contra-revolucioná- crescimento e concentração do capital financeiro internacional privado;
rias, traduzidas nos inimigos da revolução que buscam sabotar o novo da multiplicação dos paraísos fiscais etc. Nos países dependentes de
regime em construção. Também, o fato de o desenvolvimento industrial · · capitais, ciência e tecnologia, a exemplo do Brasil, a perda de nossa
não ter gerado um efetivo de trabalhadores superior ao das demais clas- soberania é patente, sendo que o Estado brasileiro, por não ter um projeto
ses sociais, trafa-se de uma afirmação relativa, que nãomrre'sponde bem político identificado com a nossa nacionalidade (povo, território e governo),.
à realidade. Se, por um lado, é verdade que a partir·da substituição do desobrigou-se de suas funções político-administrativas, entróu e permanece
modelo taylorista/fordista de desenvolvimento econômico pelo modeh no jogo do capital financeiro - oficial e privado - internacional. O Brasil
do capitalismo flexível neoliberal, no contexto da economia globalizada pelo tomou-se um Estado de concessões dos "espaços luminosos", no dizer de
mercado, houve uma crescente redução do proletariado industrial devido Milton Santos (2000).

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA


CAPtfULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

Passando para o campo da ciência geográfica no Brasil, vários dos forma mais verticalizada possível, os fundamentos do marxismo, como
nossos geógrafos, uns, por formação cultural e ideológica contrária ao teoria, metodologia e práxis social de análise, a fim de que possam
marxismo; outros, por desconhecer a teoria materialista da história, interpretar a realidade política, econômica e social gerada pelo modelo
não aceitaram (e muitos continuam não aceitando) o marxismo como de desenvolvimento capitalista. Trabalhar as categorias da dialética
· teoria e metodologia à altura de estabelecer a unidade da sociedade com materialista em suas naturezas transitórias, que sempre se renovam na
a natureza, e vice-versa; outros mais, por ignorar ou subestimar as leis relação espacial/ temporal. Para tanto, é preciso aplicar o materialismo
da dialética materialista. Pela mesma razão se portaram contrários à histórico ao nível do objeto de investigação da ciência geográfica.
utilização das categorias da dialética, na acepção de mediadoras entre húcialmente em riível do lugar, podemos trabalhar o espaço geográfico
as duas instâncias (natural e social) e principais responsáveis pela em termos de interdependência dos fenômenos, como exemplo a
reconstituição teórica da totalidade espácio/temporal do objeto da "subtotalidade espacial" pensada por Armando Corrêa (2000); em
ciência geográfica, o espaço produzido pelo trabalhador. Como po- seguida, como totalidade sistêmica interagindo os espaços local/ regi-
deremos trabalhar as relações interdependentes concreto/ abstrato, onal com o regional/ nacional (escalas micro, meso e macro), e, finalmen-
abstrato/ concreto, ou, objeto/ sujeito, sujeito/ objeto, ou, sujeito/ sujeito te, como totalidade geral na formulação marxista, inferida na formação
sem as leis e as categorias mediadoras da dialética materialista? No sóció-econômica, agregando a ela a categoria espaço (formação sócio-
conjunto, as leis - unidade e luta dos contrários; transformação das espacial de Milton (1978)). Agindo assim, contrib.uiremos para o atual
mudanças quantitativas em qualitativas e vice-versa, negação da negação momento da.renovação da geografia brasileira.
-; e as categorias mediadoras - a totalidade; a contradição; a correlação Tomando o texto elaborado por Diniz, Certa Má Herança Marxista:
espaço-tempo; essência e fenômeno; o singular, o particular e o geral; Elementos Para Repensar a Geografia Crítica, pelo fato de nele estar inserido
causa e efeito; necessidade e causalidade; possibilidade e realidade; o . uma síntese de debates realizado pelo Cebrap, intitulado Adeus ao
conteúdo e a forma etc., são fundamentais na interpretação da natureza Socialisnw, entre renomados especialistas da realidade nacional. Diniz,
e da sociedade como realidades objetivas em movimento, em contínuo começa a sua análise reconhecendo que
processo de interação mútua e mudança. Sabemos que os enfoques
naturalistas e funcionalistas revelaram-se inconsistentes para dar res- · não há dúvida de que a assimilàção do marxismo foi a pedra angular na edi-
postas à integração Homem/Natureza (unidade geográfica}. Também ficaÇiio da Geo'grafia Crítica, influenciando de nwdo intenso todos os seus aspec-
que o projeto da geografia cultural de valorização subjetiva do território, . tos teórico-metodológicos e ideológicos [. .. ] e que entre o final dos anos 70 e
com análise centrada no lugar como algo construído pelo sujeito/in- primeira metade dos 80[. .. J, o marxismo tornou-se preponderanteem relação
divíduo, ou, pelo sujeito/coletivo, como no caso das ininorias étnicas, às demais correntes de renovação da geografia à época (o neopositivismo e a
ou, trabalhando os "sentidos dos lugares" através da contribuição da fenomenologia), tomandírse assim hegemônico na geografia- humana brasileira.
·,fenomenologia que, em certo sentido, corre o risco de inverter a valora- (DINIZ, 2002, p~ 77, 81 ).
ção hierárquica dos elementos constitutivos do espaço geográfico,
absolutizando a subjetividade em detrimento das ações concretas Depois de afirmar que "em todos eles {geógrafos críticos] estava pre-
materializadas no espaço pelo trabalho dos homens concretos, sente a intenção de revolucionar a Geografia, tanto em termos epistemo-
construindo os seus espaços de vivência individual ou coletiva, em ·lógicos quanto em termos éticos e políticos", lança a seguinte dúvida:
que o "espaço vivido" {FRÉMONT, 1980) venha assumir uma valoração "passados cerca de três décadas desde o advento da Geografia Crítica, que
acima da realidade. Todas essas ponderações pertinentes devem ser objeto balanço poderia ser feito das transformações trazidas pela incorporação
de nossas preocupações. Aos geógrafos críticos cabe buscar conhecer, de do marxismo à disciplina?" Em seguida, diz

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRlTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

o que é problemático nessa continuidade da influência marxista sobre a geo- sujeito e do objeto de estudo da ciência geográfica; se demos os primeiros
grafia brasileira, é ofato de que o marxismo que infonna os trabalhos de mui- passos na.interpretação da unidade espácio /temporal; se hoje temos múlti-
tos geógrafos ainda é omesmo marxismo vulgar e dngmático característico das plas linhas de investigação e interpretação geográfica, em função de múl-
décadas de 70 e 80 [... ],e, que, ao invés de uma 'fertilização" mútua de influ- tiplas filosofias e metodologias científicas adotadas; se temos uma geografia
ências marxistas, fenomenológicas e de outras fontes, o que se tem é apenas viva, dinâmica, em construção em muitos dos Estados da federação brasi-
uma alternância de categorias e perspectivas teóricas de gêneses bastante leira, mesmo que as abordagens venham "contaminadas" por uma carga
diversas para explicar os problemas da sociedade contemporânea, sem que se negativa de "marxismo vulgar", podemos afirmar com segurança que o está-
questione avisão que a maioria dns geógrafos tem arespeito dn capitalismo atual gio de desenvolvimento científico e cultural que a nossa categoria alcançou
(DINIZ, 2002, p. 86). na presente realidade do Brasil contemporâneo, devemos, em grande
parte, ao compromisso assumido pelos nossos geógrafos críticos (marxistas
Diniz ainda afirma que e não marxistas) de renovar a geografia brasileira, muito embora a renovação
esteja "inconclusa", como bem acentuou Ruy Moreira. Foi pelo discurso
muitas dns equívocos derivadns da assimilação dn marxismo vulgar podem per- ideológico acirÍ'ado dos contrários (marxistas e não marxistas), até mesmo
.petuar-se na produção geográfica atual[... ]. E, não havendn uma rediscussão ampla . ferino; alimentado por princípios ideológicos e posicionamentos opostos,
quanto à pertinência das teorias marxistas sobre ofuncionamento dn capitalismo muitas vezes acompanhados por posturas não éticas etc., que fez avançar
atual, também não pode haver uma reavaliação da postura político-ideológica dns a contradição inovadora carregada de matizes do marxismo, da fenomenolo-
geógrafos (DINIZ, 2002, p. 100). gia e do existencialismo, mesmo que o tratamento dado ao objeto da ciência
geográfica, tenha sofrido "desvios" de interpretação no dizer dos antimarxis-
Finalmente, propõe a necessidade dos geógrafos brasileiros de ' retomar 1
tas. Contra argumentando, vamos aos fatos concretos. Na abordagem geo-
as disci.tssões deontológicas da Geografia à luz de um novo entendimento gráfica das relações Homem/Natureza, Homem/Homem, a contribuição
das relações entre estado, mercado e sociedade no mundo atual" (DINIZ, marXista superou a dialética kantiana inerente à razão como sendo uma
2002, p. 105). · lógica de aparências. Em relação a Hegel, o marxismo superou a sua análise
Na minha análise parcial, os "males" apontados pelos "críticos" da Geo- · do real visto como "totalidade espiritual", ao afirmar que "o ideal não é mais
grafia Crítica, imputados aos geógrafos que buscaram soluções no sentido do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela inter-
da renovação da geografia brasileira via materialismo dialético e histórico, pretada" {MARX, 1984), resgatando a dimensão superior da dialética
tanto no domínio da epistemologia e da metodologia geográfica, quanto da hegeliana, o seu método de interpretação, dando assim uma contribuiç~o
práxis dirigida contra o modelo político-econômico de desenvolvimento fundamental à teoria do conhecimento via utilização das leis e das categonas
capitalista vigente no Brasil, e que, na visão deles, são considerados como da dialética materialista. Na medida em que os geógrafos críticos e criticados
os principais responsáveis pela não renovação da geografia brasileira, não · introduziram-nas como metodologia de análise nas suas falas, nas suas pes-
são de responsabilidade dos geógrafos críticos. Em sua quase totalidade, quisas e estudos geográficos, à percepção do espaço geográfico como
as afirmações contrárias aos críticos são inconsistentes, calcadas em análises totalidade construída pelo homem histórico num determinado território,
apressadas, mal elaboradas e desprovidas de fundamentação dialética no ·torna-se visível Trata-se de uma contribuição efetiva negada por geógrafos
que concerne ao marxismo esposado pela Geografia Crítica. Muito pelo con- "críticos" brasileiros funcionalistas, teoréticos e quantitativistas; também,
trário, se hoje temos uma melhor reflexão e compreensão da Geografia como em certa medida, por fenomenologistas/ existencialistas que sublimaram
ciêricia;· se temos a capacidade de detectar melhor os males que afetam tanto os valores da subjetividade em detrimento da objetividade. Evidentemente,
a natureza quanto a sociedade brasileira; se temos Um. melhor domínio do t:únbém por tradicionais por desconhecerem os fundamentos teóricos e prag-

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA CAPITULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

máticos do materialismo dialético e histórico. Com Marx, Engels e Letún, do capitalismo internacional. Ignorar que a riqueza gerada pelo trabalhador
e outros teóricos contemporâneos do marxismo, a dialética alcança um está- é cada vez mais acumulada e concentrada em mãos de poucos, em detri-
gio qualitativamente superior quanto ao seu desenvolvll:nento, a sua ligação mento da maioria da população brasileira. Ignorar que vivemos uma
com a prática_ e com a situação da classe trabalhadora, mrus~ especificamente; "democracia de fachada", porquanto as necessidades para a sociedade bra-
com a classe operária. A verdade passa, então, a ser buscada com o intuito sileira não se transformam em realidade efetiva, deixando de existir o reino
de desmitificar a "eternidade'' do sistema capitalista. É mino diz Robert Kmz da liberdade para o povo brasileiro. Ignorar que os últimos governos da
no livro O Colapso da. Modernização, referindo-se a crise do sistema mundial República brasileira, a exemplo de H-IC e Lula, reproduziram (e vem repro-
produtor de mercadorias: duzindo) o mesmo modelo desenvolvimentista capitalista da época da
ditadura militar, direcionado para a-exportação de bens produzidos na
A lógica da. crise está avançando da. periferia para os centros. Depois dos linha dos agronegócios e da mineração, acarretando acelerada exaustão
· colapsos do Terceiro Mundo nos anos 80, e do socialismo real no começo dos dos recursos naturais renováveis e não-renováveis. Ignorar que o projeto
anos 90, chegou a hora do próprio Ocidente. O princípio da. rentabilidade ainda. do governo de geração de energia via construções de novas hidrelétricas
partirá para uma última corrida. deslumbrada. antes de percorrer, até ofim, obedece a mesma estratégia imposta e induzida pelo capitalismo inter-
seu caminho duplo de "emancipação negativa" e destruição social-ecológica nacional de suporte à opção centrada no crescilnento da economia. Igno- ·
(KURZ, 1992, p. 206). rar que a conquista da nossa nacionalidade (governo, povo e território)
está ficando cada vez mais distante, em grande parte, devido à crescente
Nas contradições geradas pelo capitalismo a partir das· condições perda de nossa àutonomia e soberania em termos de Estado, de capitais,
materiais, os geógrafos "marxistas" vêm contribuindo com a sua análise ciência e temologia, e de continuarmos sendo devedores e, ao mesmo tem-
interpretativa da realidade brasileira, mesmo que cometendo enganos e po, "avalistas" do sistema produtor de mercadoria, é fechar os olhos pe-
"desvios" epistemológicos e metodológicos, no dizer dos que renegam o rante uma realidade tão gritante e transparente no Brasil, revelando-se des-
papel do marxismo na análise geográfica. José William Vesentini é um conhecer a realidade regional/nacional do território sob o jugo de empresas,
exemplo de profissional coerente com a sua ideologia·contrária à dialética principalmente multinacionais, que operam com o capital financeiro inter-
. marxista como metodologia de investigação para captar a: realidade obje- nacional, oficial e privado, na economia globalizada pelas leis do mercado
tiva do espaço geográfico. Recentemente, Luis Lopes DinizFilho, critica mundial. Ignorar, por exemplo, que o capitalismo com os seus princípios
também aqueles geógrafos que optaram por uma "filiação ideológica ao tidos por éticos e liberrus encoberta uma falsa democracia, traduzindo uma
marxismo vulgar", pelo fato que explicam os problemas ambientais e urba- falsa liberdade do indivíduo e do cidadão. Que as ações pragmáticas dos
nos como resultados perversos da "lógica do capitalismo". Ora, ignorar, grandes empreendedores capitalistas são propaladas pela mídia falada;
por exemplo, que o modelo capitalista de desenvolvimento econômico, escrita e virtual como conquistas que encarnam o progresso e a moderni-
de longa data, mais precisamente a partir da incorporação do campo à dade, ou, pelo lado oposto, são encobertadas pela mídia do silêncio quan-
economia de mercado (1970), pelas grandes empresas multiriacionais (a . do for de ronveniência dos agentes do "modelo". Tudo isso vem corroendo,
exemplo da Cargill, Bunge, ADM, Coimbra) vem, aceleradamente, frag- de forma crescente, as bases éticas, morais, étnicas e culturais formadoras
mentando e destruindo o território brasileiro e toda a biodiversidade de nossa nacionalidade. E, querer tratá-lo por modelo social que pode ser
nele existente (inclusive a humana), principalmente os "luga.reS luminosos" e · transformado "numa democracia universal para todos" que pode ser me-
(Milton). Ignorar que os índices de pobreza do povo btasileiró quanto à lhorada. por políticos, melhor dizendo politiqueiros, é tapar os olhos
moradia, saúde, educação, cultura etc., são, em grande parte, gerados na · perante uma realidade política negativa, tão explícita no Brasil de hoje, e
infra-estrutura econômica do modo de produção capitalista sob controle ... na totalidade dos países dependentes do capital financeiro internacional.

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~:

REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRITICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO V :... O Marxismo na Geografia Brasileira

Há aqueles, como o professor Nildo Viana, em sua análise A Dialética e engloba, igualmente, todo o domínio do social no context~ da rea}i~ade
conw Ideologia, que se posiciona contra a releitura de Marx via mediação objetiva, objeto de nossa investigação. Marx, em Introduçao,a Cntica.~a
dos .denominados "clássicos do marxismo" (Engels, Lenin, Stalin e Economia Política, já dizia: "o concreto é concreto porque e a reuruao
Trotski), a fim de romper, segundo ele, "com as interpretações fetichistas (síntese) de muitas determinações, portanto, unidade da diversidade"
de seu pensamento". (VIANA, 2003, p. 111). Na realidade, o autor (MOURA, 1977, p. 98). No presente, no processo do conhecimento do
citado apegou-se, principalmente, à posição crítica assumida por Karl espaço geográfico corno totalidade, já estamos. avançando na ~o~­
Korsch, no livro Marxisnw e Filosofia (1977), que caminha na mesma preensão dialética da sociedade e da natureza, vIBtas como .uma unica
direção da sua maneira de ver; e na de Gyürgy Lukács, em História e natureza ·regida pela interdependência (autonomia e dependência) dos
Consciência de Classe (1989), em que ambos se posicionaram contra a reifi- fenômenos. Procedendo assim, resgatamos a unicidade do espaço
cação do marxismo. Se hoje temos um legado científico/ cultural, em parte geográfico, visto numa relação espacial e histórica, em que o homem e
construído no passado, em termos de contribuição do marxismo à geo- natureza materializam-se sob a dialética objetiva e subjetiva numa só
grafia brasileira que ainda deixa muito a desejar, é porque nos falta um natureza. No momento em que compreendemos que a dimensão do na-
maior domínio do substratum teórico e metodológico do materialismo tural constitui essência da natureza humana e vice-versa, e que a natu-
dialético e histórico, no sentido de resgatar o papel do sujeito histórico reza não pode ser tratada corno simples complemento da natureza
na construção do espaço geográfico. Por outro lado, temos ciência de que humana (como Humboldt a tratava), mas sim como essência da natureza
em muitos representantes da categoria agebeana ocorreram avanços subs- humana, fica deveras fácil trabalhar o espaço geográfico em sua unidade
tanciais em termos de "consciência geográfica", podemos dizer, teórica e complexidade. O propósito maior deve ser o de resgatar valores e des-
e pragmática do território brasileiro, ressaltando a importância do valores produzidos pela ação antrópica na c~nstrução do espaç?; frag-
marxismo para o conhecimento da nação brasileira no atual contexto da mentação e destruição do território local/ regional, onde se configura o
economia globalizada. Por exemplo, em termos de relações interde- espaço geográfico no contexto do modelo eco!1?mico-operac~onal do
pendentes Natureza/Sociedade, Sociedade/Natureza, via emprego da capitalismo. De posse dessa constatação, adqummos uma ma10r cons-
lógica e metodologia dialética e emprego de categorias mediadoras, a ciência ecológico-ambiental esocial atinente ao espaço urbano e rural,
partir das categorias "totalidade" e "contradição", avançamos no enten- aumentando em nós a responsabilidade corno ser social, traduzida nu-
dimento da unidade intrínseca das duas naturezas, a ponto de hoje conse- ma ética e numa prática (práxis) superior de preservar, com qualidade,
guirmos traduzir a fundamental unidade e conexão do próprio real, à a biodiversidade de todas as espécies vivas do planeta Terra. Poderíamos
base da unicidade das duas naturezas numa só natureza. Na totalidade, · assim falar de uma geografia sócio-ambiental, que, no dizer do geógrafo
por Henri Lefebvre denominada de" centralidade", a realidade como ne- Francisco Mendonça:
.. cessidade está em permanente devir, pois, o movimento dialético é ·
inerente à matéria (Natureza e Sociedade) vista em sua objetividade na- àeve emanar de problemáticas em que situações conflituosas, decorrentes
tural e social. A busca da totalidade em cada momento espácio /temporal da interação entre sociedade e a natureza, explicitem degradação de uma
significa ter em conta descobrir a determinação fundamental do fenô- ou de ambas. A diversidade das problemáticas é que vai demandar um
meno, assim como as estruturas envolvidas em termos de complexidade, enfoque mais centrado na dimensão natural ou :rzais na ~imensão soci~l,
de unidade e contradição. Enfim, buscar conhecer a cadeia das múltiplas atentando sempre para ofato de que a meta principal de tais estudos e ~çoes
determinações que se concretizam, via pensamento abstrato/ concreto, · vai na direção da busca de soluções do problema, e que este dever~ ser
concreto/ abstrato; relação sujeito/ objeto, objeto/ sujeito, cuja unidade abordado a partir da interação entre estas duas dimensões da realidade
revelada reflete o real em sua concretude, e cuja historicidade abrange · (MENDONÇA, 2002, p. 133).

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira

Ê, justamente, a questão da interação dos fenômenos naturais, sociais quando pretendemos dar conta do real, através da práxis transformadora
e .c~~ais q~e exige a me~a~ão pelo emprego da lógica e metodologia · (unidade da prática com a teoria e vice-versa) materializada pelo trabalho
di~letica, mmto embora sei a amda pouco trabalhada por nós, geógrafos. · dos homens concretos, a base do arcabouço teórico e metodológico do
Evidentemente, não se exclui, em determinado momento, a contribuição marxismo, há que se buscar a "totalidade" vista como movimento contra-
de outras correntes do pensamento, a exemplo da geografia cultural e hu- ditório em que o "todo" é resultado da unidade na diversidade. Daí, a
manística, na análise geográfica. O verdadeiro método dialético materialista importância do método dialético materialista que se utiliza de múltiplas
nunca se absolutiza como método de interpretação da realidade objetiva. categorias analíticas mediadoras em pares dialéticos, a exemplo do parti-
Muito pelo contrário, por ser dialético, é sempre aberto à complementari"' · cular/ universal; da essência/ fenômeno; conteúdo/forma; matéria/ cons-
dade. Retomar as análises de Marx e demais teóricos do marxismo que · ciência; espaço/ tempo; movimento.( repouso; necessidade/ casualidade;
o precederam e deram suas contribuições à dinâmica do marxismo abstrato/ concreto; continuidade/ descontinuidade; unidade/ diversidade;
significa entender que pela sua própria natureza o marxismo é dialético~ quantidade/ qualidade; negação/ salto; causa/ efeito; realidade/ possibili-
Portanto, para efeito de interpretação do espaço geográfico, em sua com- dade; necessidade/liberdade etc., que são indispensáveis à reconstrução
plexidade horizontal e vertical, há que se aprofundar o conhecimento do teórica da unidade do real. Trabalhar as categorias da dialética materialista,
presente estágio da filosofia e respectiva ideologia do capitalismo; do seu interagindo os fenômenos, significa vê-las em suas dinâmicas contraditó-
modo de produção; conhecer os seus mecanismos pragmáticos (econô- rias, porquanto a própria dialética expressa a contradição inerente ao movi-
micos-financeiros, técnicos-informacionais), internos e externos, portanto, mento da matéria. Se ainda na atualidade, depois de passadas mais de duas
operacionais de capitalização ampliada do capital, a exemplo do significado décadas, continuamos a tropeçar quanto à utilização correta do materia-
da variável comércio na economia globalizada. lismo dialético e do materialismo histórico na Geografia, não é porque o
Há que se tratar a espacialidade geográfica aplicando o método dialé- marxismo perdeu a sua historicidade, a sua razão de ser e existir, a sua
tico em cada situação concreta existente na formação econômica social e validade teórica e prática. Muito pelo contrário, se hoje temos um saldo
valorizada por Milton ao inserir nela a dimensão espacial, como já citam~s. positivo em termos de teoria e metodologia geográfica, em termos de aná-
? mesm~ fez Lenin ao introduzir o "desenvolvimento desigual" na aná- lise e prática geográfica acadêmica e não-acadêmica, sem subestimar a
lise marxISta, a constatação de sobrevivências de fon:riações e estruturas contribuição de outras linhas de interpretação do espaço geográfico, a
passadas no contexto da formação econômico-social capitalista, adquirindo exemplo da geografia cultural, da geografia humanista abastecidas pela
assim o método dialético uma dimensão interpretativa da realidade ainda · fenomenologia, trabalhando o espaço vivido, valorizando os valores e signi-
maior, pelo fato da "crise social" passar a ser interpretada em diferentes ficados materiais e espirituais, afetivos, traduzido no espaço da subjetivi-
c~existências históricas, portanto, em temporalidades/ espacialidades dade existencial, devemos muito às contribuições daqueles geógrafos
diferentes. Henry Lefebvre, utilizando-se dessa análise de Lenin conclui "críticos/ criticados" que introduziram o "marxismo dogmático, petrifica-
. '
que a "desigualdade dos ritmos do desenvolvimento histórico decorre do do, vulgar, ultrapassado", no dizer dos seus oponentes, na análise geográ-
desencontro que na práxis faz do homem produtor de sua própria história fica. Embora saibamos que, no geral, ·
e, ao mesmo tempo, o divorcia dela, não o toma senhor do que faz"
(MAR~S, 1996, p. 19), configurando o mesmo sentido dado po:rMarx, · ainda perdura no seio da categoria, oempirisnw no estudo do objeto da ciência
em Ideologia Alemã, ao afirmar que a contradição fundamentalda sociedade geográfica [... ]; a fragmentação do todo; a negação ou subestimação da
~apitalista reside na contradição da produção social gerada pelo trabalho · · dialética como teoria e metodologia de análise da realidade objetiva; a
livre do trabalhador e a apropriação indevida dos resultados da produção hegenwnia da aparência sobre a essência; as abordagens espácio-temporais
pelo empregador. Numa investigação geográfica (relação homem/ meio) dualistas; o tratamento individualizado ou dicotômico do conteúdo geográfico;
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:.·,

CAPinJLo V - O Marxismo na Geografia Brasileira


REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA

as abordagens formais descritivas efragmentárias da natureza e da sociedade na abordagem de determinado espaço geográfico, sob investigação. Pro-
etc., todavia, o amadurecimento qualitativo aconteceu e continua ascendente vido de uma formação cultural idealista -da escola básica à universidade
entre muitos membros e segmentos de nossa comunidade acadêmica - assim como em termos de existência e de inserção social no contexto de
(GOMES, 1999, p. 111). uma sociedade de classes, ao longo dos anos fomos sendo plasmados, forja-
dos e educados na postura pragmática idealista de se comportar, de ver
Podemos afirmar com segurança que ampliamos o universo de nosso e analisar as coisas, os objetos, os fenômenos, seus fatores e elementos cons-
conhecimento no tocarite ~ incorporação do marxismo na interpretação titutivos. Geralmente, devido a nossa formação cultural, congelamos o
geográfica homem/ meio. E evidente que temos ainda muitas dificuldades tempo e o espaço na abordagem geográfica, e o movimento dialético da .
teóricas e práticas que necessitamos superar. Foi graças ao confronto matéria natural-social deixa de existil: em nossa análise geográfica. Entre-
estabelecido, ao longo dos anos, entre geógrafos e não-geógrafos, críticos tanto, o que fica, o que conseguimos resgatar como valor positivo, como
e não-críticos, mandstas.e não-marxistas, que qualificou, para melhor, a geo- contribuição à renovação da geografia brasileira, em decorrência da luta
grafia brasileira e seus agentes. Se, ainda nos tempos atuais, não demos dos contrários, é o fato concreto que conseguimos avançar, embora em
o grande salto qualitativo desejado para incorporar em nossa práxis geo- dimensão "inconclusa" (Ruy Moreira, 2000), na aplicação do materialismo
gráfica, definitivamente, o materialismo histórico, muitas são as razões. dialético e histórico à compreensão da totalidade do espaço geográfico num
Entre elas, além das mencionadas, anteriormente, confirmamos existir determinado território.
/1
aqueles que continuam acreditando na vitalidade e eternidade" do siste- · As produções questionadoras" em campos opostos, até então produzi-
/1

ma capitalista, pelo fato de analisarem o capitalismo pelo prisma da que- das por nossos geógrafos combatentes, confirmam que avançamos pelo
da do socialismo real, e não pelo que historicamente representa, e pelo que fato que se ampliou, no seio da categoria, o universo daqueles que buscam
ele gera. Há aqueles que não acreditam no marxismo, em virtude da falên- a interpretação da realidade objetiva via materialismo dialético e histórico,
cia dos seus prognósticos apocalípticos" (no dizer deles) do destino do
/1 muito embora continuem a existir os contrários,a exemplo de Paulo César
capitalismo. Há aqueles que em virtude dos avanços acelerados da RCT, Gomes, que persiste em mostrar 11shuris de esgotamento da teoria e prática
gerando novos processos tecnológicos, acreditam que o capitalismo se marxista" (GOMES, 1996, p. 303 ), no sentido da renovação/ revolução do
desenvolverá a ponto de suprir"ideais·socialistas", como o da distribuição saber geográfico.
mais eqüitativa da renda, ou, de ampliar a democracia para todas as Finalizando, cabe afirmar que a renovação da geografia desejada pe-
classes sociais, por exemplo. los "críticos" que se mantêm como geógrafos críticos com coerência cien-
Especificamente, no âmbito de nossa categoria profissional, por razões tífica e ideológica", sem cair na ortodoxia praticada por pseudo-marxistas,
concretas de formação acadêmica e de alienação imposta durante décadas segue um processo dialético contraditório contínuo que à primeira vista
e décadas pelo sistema produtor de mercadorias, há muitos agebeanos e . pode-se revelar adormecido, no entanto, encerra múltiplas continuidades
não-agebeanos que se mantêm nos limites restritos dos fundarnentos da espaciais/temporais que vão se negando, e que, em dado momento, se
geografia tradicional, retratando através da lógica formal o espaço geo- interrompem, dando origem à descontinuidade (o salto qualitativo), afir-
gráfico ao rúvel das aparências dos fenômenos. Por comodismo cultural mando a gênese do novo. Inserir o marxismo na geografia brasileira pa-
ou aceitação do estado de coisas, não se püsicionam é não buscam conhecer ra que possamos "desvendar b que se encontra por trás das máscaras
a dialética materialista, a fim de procurar inseri-la em suas análises geo- sociais" (MOREIRA, 1979), penetrando muito mais na essência do mo-
gráficas. Finalmente, a grande dificuldade que temos na atualidade em do deprodução capitalista- seu modelo pragmático político-econômico
aplicar o marxismo à Geografia, como já frisamos, reside na nossa inca- e social - em plena vigência na atualidade mundial e brasileira.
pacidade de se trabalhar, corretamente, as categorias dialéticas mediadoras Aprofundar o conhecimento do processo de desnacionalização do

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPiTIJLo V - O Marxismo na Geografia Brasileira

Estado e da Nãção brasileira, traduzido na perda de nossa soberania e • a segunda, o movimento perde ímpeto, fôlego, "sofre desacelera-
de autodeterminação política; na perda do patrimônio étnico-lingüístico ção e continuidade, vira oficialidade e se atrofia", conduip.do que
e cultural db povo brasileiro; na fragmentação do território nacional/re- "a reformulação teórica avançou, todavia, a mudança permane-
gional em termos de substratum geológico-geomorfológico, pedológico- ceu inconclusa".
edafológico; na destruição da cobertura vegetal, da rede de drenagem T<µltO a fase da "redescoberta" quanto a do" atrofiamento" são marca-
de superfície e subterrânea, de nichos e ecossistemas ecológicos-ambi- das por lutas ideológicas de contrários, marxistas e não-marxistas, fruto
entais, da biodiversidade animal e vegetal etc., exige de nós, no plano .das contradições, principalmente as antagônicas que na concepção do mate-
de nosso exercício profissional e de nossa práxis comunitária, maior co- rialismo histórico são fundamentais corno teoria e metodologia de interpre-
nhecimento e enfrentamentos contra o modelo político-econômico do tação e previsão histórica do capitali§mo no marco do território mundial,
capitalismo em vigência no território nacional. No plano da educação, possibilitando-nos a visão do próprio futuro da humanidade, e contra-
ensino e pesquisa, precisamos romper com a carga ideológica negativa pondo-se ao "cientificisrno" do modelo neopositivista. A contribuição do
contrária ao marxismo, e inseri-lo em nossas análises geográficas. Jamais marxismo à geografia brasileira leva-nos às seguintes reflexões:
podemos ignorar que o "velho" Marx, dotado de profunda formação • ser de fundamental importância na formação do "geógrafo crítico",
teórica e de ações humanistas, dedicou com sacrifício e abnegação, pra- profissional com rúvel de competência à altura de interpretar a reali-
ticamente, dois terços de sua vida na edificação de um patrimônio - dade histórico-geográfica da nação brasileira, e apontar caminhos
filosófico, científico, social e cultural - para a toda a humanidade, que para a construção/ reconstrução nacional;
se tomou fonte de inspiração e de lutas de milhões de seres humanos • corno teoria e método de interpretação da realidade objetiva (N/S)
(povos e nações) no sentido da construção de um mundo melhor para para nós geógrafos corresponde ao espaço geográfico, objeto de
as sociedades humanas. Infelizmente, ainda nos tempos atuais, sob o esti- nossa investigação e de nossa práxis social; ·
gma da ideologia do capital, alimentando crença nos valores da demo- • corno concepção filosófica e ideológica centrada na história, tendo
cracia capitalista, em grande parte no seu modelo econômico de desenvol- o materialismo histórico como chave do conhecimento da sociedade,
vimento, traduzido na sua capacidade em produzir mercadorias, e; e dotado de urna importância prática revolucionária centrada na
desprovidos de urna fundamentação maior em termos de domínio da dialética de transformação da" possibilidade em realidade", é fun-
concepção materialista da história, fica deveras fácil pessoas, indivíduos damental sua importância na edificação da democracia popular e
e até mesmo segmentos de nossa categoria desconhecer, alimentar do socialismo;
dúvidas, e até mesmo negar a validade do marxismo para a interpretação • corno não se incorporou no interior da nossa categoria a linha da tradi-
da geografia brasileira. ção Ritter-Hegel (QUAINI, 1983) e não se efetivou, na prática, a ado-
ção do materialismo histórico corno teoria e e metodologia de inter-
pretação do espaço geográfico, prevaleceu a permanência do velho
CONCLUSÕES ANALÍTICAS paradigma geográfico na linha da tradição Ratzel-Kant-Hurnboldt,
não ocorrendo a "ruptura conceitual" esperada e desejada;
Compromissado com a renovação da Geografia (tradicional e crítica), · • também; a descoberta "tardia" de Marx nas obras de Lacoste, Milton,
pela via do materialismo histórico, em Assim se Passaram Dez Anos, Ruy Quaini, acrescento, nas de Ruy e na questão do método em Lefebvre,
Moreira identifica duas fases do movimento de renovação : contribuiu para que a categoria assimilasse, em parte; o materialismo
• a primeira, do "mergulho crítico" nas raízes do discurso geográfico histórico como teoria e metodologia de análise científica do espaço
(lacosteana); geográfico interdependente (relação Natureza/Sociedade);

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CA!'iTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRfTICA EM GEOGRAFIA

• outro indutor negativo foi a leitura e releitura dos clássicos do configurou-se como omomento crítico que se avolunwu ereforçou o papel
marxismo de maneira apressada, acrítica e não reflexiva, conduzindo dos "geógrafos questionadores" que passaram a dizer não ao que era posto
à incorporação mecânica e dogmática de teses do marxismo no conw conteúdo de uma ciência preocupada só com olugar, aárea, a região
discurso geográfico, impedindo que a "renovação" da geografia se em termos de paisagem geográfica e que permanecia na falsa síntese da
concretizasse; aparência,[... ]a história narrada excluía a maioria dos homens, era casada
• outro acontecimento que anestesiou muitos geógrafos, podemos com a geografia dos lugares vazios; (SILVA, L. R. da. 1991, p. 7, 8)
assim dizer, foi a "crise do socialismo real" em nível internacional,
sendo o sistema soviético (modelo indutor) dominado pelo poder • tornando Milton Santos, como exemplo, em Alguns Problema$ Atuais
do capital, na análise crítica de István Mészáros, Ricardo Antunes, da Contribuição Marxista à Geogr!ifia (1982), ele apontou o caminho da
Robert Kurz, e de outros analistas, em virtude da não-afirmação das renovação da Geografia via aplicação do método marxista, nos se-
sociedades pós-revolucionárias como socialistas, e, até mesmo, co- guintes termos:
mo capitalistas. Também, os "desvios" de condução político-admi- · • tomar o "real" como ponto de partida;
nistrativa de dirigentes do Estado soviético, e do abandono na URSS • não jogar com categorias marxistas de forma dogmática;
e nas Repúblicas Populares do "centralismo democrático"como • tomar a totalidade como instrumento do conhecimento;
principio diretor do partido marxista-leninista, detonou no mundo • idem, a dialética como meio da reconstrução da gênese;
ocidental fortes repercussões traduzidas em· movimentos antico- • o tempo e espaço interdependentes;
munistas e antimarxistas, inclusive no Brasil e no interior de nossa • o contexto, corno guia na reconstituição da geração dos
categoria profissional e categorias afins. Anarquistas, neopositivistas, fenômenos .
existencialistas, estruturalistas, convergistas de sistemas, modernistas, • na mesma obra citada, a abordagem de Ariovaldo Umbelino, Espa-
entre outros, foram os principais protagonistas-agentesímentores dos ço e Tempo: Compreensão Materialista e Dialética definiu "n" variáveis
movimentos revisionistas ocorridos; marxistas para se trabalhar o espaço geográfico.
• na Geografia, a década 1978-88 foi marcada pelas principais produções • · Ruy Moreira, nos textos A Geografia Serve para Desvendar Máscaras So-
críticas produzidas e editadas. Se, por um lado, o discurso reforçou ciais (1979), Geografia: Teoria e Crítica (1982) e Repensando a Geografia
a crise da Geografia pelo fato de dividir a categoria, por outro, alimen- {1982), enriquece-nos com suél$ análises quanto ao valor das catego-
tou a luta dos contrários (unidade na adversidade) via contradições rias marxistas na interpretação do espaço geográfico e dos "arran-
entre os geógrafos críticos e os não-críticos, dando surgimento a jos espaciais e suas instâncias". O Discurso do Avesso (~987), trab~o
novos posicionamentos mais contudentes e enriquecedores; pioneiro de Ruy, reverteu a maneira de pensar e ensmar Geografia
• quanto aos" desvios de interpretação cometidos", no que diz respeito no Brasil;
ao tratamento dado ao espaço geográfico, em grande pru:te foram de- • naquela época, Armando já advertia-nos da "imprecisão ontológica
correntes de nossas limitações epistemológicas/metodológicas do espaço"; Antônio Carlos e Wanderley Messias, embora .contestados
atinentes ao domínio e aplicabilidade dos fundamentos teóricos, em muitos dos seus dizeres, como por exemplo, ao buscar repassar
metodológicos e analíticos do materialismo como concepção histórica o conceito de ''lugar" como espaço geográfico concreto e o de categoria
da sociedade; . marxista de valor, no sentido de "valor do espaço", são importantes
• a década 1978-88, podemos considerá-la como a dos" anos de ouro"da por gerar contradições no interior da categoria e prod~ir liv_:os. e
geografia crítica brasileira, pelo volume de produções caracterizadas textos de relevante valor geográfico; Odete resgatava a 1IDportanoa
pelo discurso inovador. No dizer da geógrafa Lenyra Rique, do método em Henri Lefebvre; Carlos Walter advertia-nos do perigo

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····-=r

CAPÍTÜLO V - O Marxismo na Geografia Brasileira


,. REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

de cairmos no geografismo; Vesentini, assumindo a sua posição gado e resolvido os problemas da humanidade; porque o feitichismo do
ideológica antimarxista, critica aqueles que imputaram ao positivismo capital não desapareceu; porque o desenvolvimento capitalista industrial
o "grande mal da Geografia Tradicional" e aos que absolutizavam o não gerou um proletariado numericamente superior aos trabalhadores das
método dialético como solução da crise da Geografia; Nelson Rego, demais classes sociais; porque as revoluções socialistas não romperam nos
apontava-nos o resgate da unidade geográfica através do conceito de países avançados, e sim nos subdesenvolvidos; porque a incorporação do
segunda natureza de Marx, e muitos outros nomes (citando Douglas, capitalismo no campo ocorreu lenta e tardiamente; porque a superação
Fani, Sandra Lencioni, Lobato, Manuel Correia, Diamantino, Marcos da questão nacional não foi resolvida; porque o Estado Nacional veio a
etc) agregaram subsldos valiosos à renovação da geografia brasileira; se fortalecer (principalmente nos países desenvolvidos), em vez de defi-
Desde o transcorrer da década 70 até o presente momento, pelo discur- nhar, porque não ocorreu a autodestruição prevista do sistema capitalista,
so (falado e escrito) e por sua práxis política, Ruy, coerente com a sua ideo- e outros porquês, "o que os socialistas não conseguiram criar foi a forma
logia, figura entre os geógrafos críticos mais ativos quanto à renovação da de sociedade superior, efetivamente mais satisfatória, capaz de superar
geografia que almejamos. o capital no âmbito do planeta" (SCHWARZ, 2002).
Os "desvios" cometidos na abordagem do espaço geográfico são des- Finalizando, se até o presente momento não demos o salto qualitativo
vios em razão de nossa posição na estrutura das classes sociais; de nossa desejado no sentido da renovação da geografia brasileira, muito embora
formação acadêmica que, por sinal, deixa muito a desejar. Também, por devido às contradições, aos nossos olhos, às "condições objetivas" inerentes
ser a nossa práxis social e político-comunitária muito pouco participativa. à realidade nacional estejam bem mais amadurecidas, é porque as nossas
O mesmo se pode dizer de nossa incapacidade de manusear corretamente "condições subjetivas" de formação teórico-científica, filosófica, humanista
princípios, teses, leis e categorias analíticas marxistas, impedindo-nos de e político-ideológica não alcançaram o estágio necessário de desenvolvi-
concluir as "mediações qualitativas", necessárias para se reconstruir a mento em termos de compreensão da necessidade histórica de "mudança"
totalidade que bitscamos conhecer, e niio da falência do marxismo como do regime produtor de mercadorias, e da renovação da ciência, no nosso
teoria e metodologia para se interpretar o espaço geográfico de "totalidade", caso, da ciência geográfica, a fim de cumprir a sua responsabilidade soci-
inerente na formação sócio-econômica, ou, no dizer de Milton Santos, na al com a Sociedade e com a Natureza. Como ainda não adquirimos o nível
formação econômica sócio-espacial. de consciência histórica necessária para transformar a realidade em neces-
Se muitas das abordagens ficaram presas ao marxismo vulgar, ortodoxo sidade, aceitamos o status quo vigente. Criticamos o capitalismo por acu-
e dogmático, e mesmo heterodoxo; se, no presente, o marxismo utilizado mular e concentrar riquezas em proveito de poucos e em detrimento de
por muitos geógrafos continua sendo o mesmo das décadas de 1970 e 80 :tnuitos, gerando profundas desigualdades sociais, mas reconhecemos
nele a sua competência em produzir bens sociais de consumo (produtos/
(citado por Diniz); se muitos vêem "sinais .de esgotamento da teoria e
prática marxista" (P. César Gomes, por exemplo); se há aqueles que se mercadorias). Criticamos o marxismo porque o socialismo real não vingou
posicionam contra a "releitura"de Marx via mediação dos denominados nalJRSS e nas Repúblicas Populares, mas aceitamos o modelo econômico
clássicos do marxismo (Viana, Nildo, David Slater); se não se questiona . de desenvolvimento capitalista (não-sustentável) como o salvador da.
a visão que muitos geógrafos têm a respeito do capitalismo (Diniz, por pátria por ser gerador do superávit primári?. O Brasil ainda i:ão s: fez
exemplo), e, finalmente, se há renomados especialistas brasileiros de "nacão", autônoma, soberana e autodeterrrunada, e a Geografia deJXou
outras áreas do conhecimento que deram "adeus ao socialismo" (Giannotti, de ser a guardiã do território.
por exemplo), por advogar a niio existência de uma "medida objetiva de
exploração do trabalho"- objeto de procura de Marx para justificar o
"socialismo científico"; também pelo fato do socialismo real_não ter vin-
171
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CAPÍTULO V - O Marxismo na Geografia Brasileira
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

ENCONTRO NAOONALDEGEOGRÁFOS,4.Anais... Rio de Janeiro: AGB, 1980.


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176 177
CAPÍTULO VI

A Dialética Aplicada ao Ensino


e à Pesquisa Geográfica

RESUMO: Na Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica, o propósito


almejado pelo autor caminha na direção de procurar demonstrar
a importância das categorias da dialética materialista no processo
de reconstituição/ construção do espaço geográfico na sala de
aula e num dado território, visto em sua complexidade como
totalidade interdependente de fenômenos naturais e culturais.
No fundamental, buscar conhecer a dimensão de totalidade do
espaço geográfico construído pelo trabalho do homem e resul-
tante de múltiplas determinações concatenadas pelas categorias
da dialética materialista. Trata-se das mediaç~ dialéticas do uni-
versal, do particular e do singular dos fenômenos, que nos per-
mitem o melhor entendimento de como se processa a unidade
interdependente entre sujeito/ objeto, abstrato/ concreto, relação
essa essencial para o nosso conhecimento do espaço geográfico
no seu todo, no seu conjunto natural/ cultural e vice-versa.
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPíruLO VI - A Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica

O SURGIMENTO DA SOCIEDADE DE CLASSES Estado escravocrata sustenta-se pelo número de seus escravos, obtidos por
meio das guerras de conquista, cuja levas são encaminhadas à produção.
o período histórico da sociedade gentílica não havia a propriedade

N
Aumenta a intensidade de exploração da terra (agricultura, criatório,
privada dos meios de produção, porque a comunidade primitiva extração de madeiras e minerais), pela progressiva e crescente separação
não conhecia classes A terra era o recurso natural mais importante . das classes sociais, ampliando assim as atividades produtivas. Por ser a
e vista como um bem comum de todos. A vida era coletiva e toda a pro- terra mais explorada em seus recursos naturais, intensifica-se a degrada-
dução obtida era distribuida entre os membros da comunidade. Havia uma ção ambiental nos territórios.
perfeita divisão de trabalho, em que cada um cumpria as suas obrigrações Na Antiguidade, levando-se em conta o reduzido desenvolvimento
perante a comunidade. A Natureza mantinha-se soberana, dominante e das forças produtivas, em certo sentido podemos afirmar que havia um
imperativa, em virtude do fraco desenvolvimento das forças produtivas. relativo equilíbrio entre as funções econômicas/produtivas e as de
Ante as forças naturais, o Homem pautava-se mais pelo temor e depen- regulação da biosfera. Não que o homem agisse de maneira racional com
dência. Todavia, havia uma certa interdependência entre as formas de a intenção de manter a natureza preservada, mas sim pelo fato de ser
adaptações ativa e passiva. De situação de domínio, a natureza foi setor- provido de reduzido conhecimento técnico-científico, pautando-se
nando dependente do homem na medida em que a ampliação do trabalho mais pelo temor e dependência ante as forças naturais. No geral, o seu
passou a criar o excedente da produção, que exigia mais forças produtivas comportamento era guiado pela expontaneidade de suas ações. Todavia,
e meios de produção, inclusos os instrumentos de trabalho, dando surgi- há que ressaltar que, na sua relação com a natureza, ele vai-se afirmando
mento à sociedade de classes. As classes formaram-se com o advento e afir- cada vez· mais como ser consciente de suas ações, aprendendo a lidar
mação da propriedade privada sobre a terra e os meios de produção, e com com os elementos naturais.
elas surgiram as desigualdades sociais. · Na Idade Média, a descentralização do poder político, que se acentuou
O aumento contínuo da produção gerou cada vez mais excedente, após a queda do Império Romano, instituiu o poder dos monarcas e su-
responsável pelo surgimento da classe dos comerciantes, que passa a seranos e de mandatários da Igreja sobre os camponeses que se tomaram
comercializar os produtos e concentrar a propriedade da terra em suas servos de glebas. Areiação Homem/Natureza, em termos de aproveita-
mãos através do financiamento à produção, dando origem à usura. Gra- mento e conservação do solo, dá um passo substancial com a introdução
dativamente, o sistema de trocas de produtos vai sendo substituído pelo do sistema de três campos (dois em uso e um em descanso).
sistema de venda. Após o rompimento das estruturas feudais dominantes, o capitalismo
Em virtude da concentração da riqueza, paulatinamente ocorreu a sepa- nascente alcança um nível acelerado de desenvolvimento econômico. Com
ração dos produtores dos seus meios de produção. Inicialmente, os pasto- o advento da sistematização das ciências (séculos XVIl e XVill); o desen-
resseparam-se dos agricultores. Com o passar dos anos, vai se processando volvimento industrial impulsionado pelas novas forças produtivas, a exem-
a separação dos artesãos do campo que vão se acumulando nos espaços plo da incorporação às unidades produtivas de milhares de camponeses ex-
das cidades com suas oficinas domésticas. Finalmente, os agricultores se pulsos de suas terras (exemplificando com a revolução burguesa na Ingla-
separam dos seus meios de produção, na medida em que vão perdendo terra, em 1648); pela produção de máquinas e ferramentas; pela ampliação
a posse da terra e de seus instrumentos de trabalho, e passam a ser mão- e controle de novas fontes de energia; a multiplicação dos meios de trans-
de-obra escrava, semi-escrava e dependentes do senhor de posses. portes e comunicações, a produção e o mercantilismo alcançam um estágio
O regime escravista concentra ainda mais as riquezas nas mãos dos de desenvolvimento nunca visto, até então, na história da Terra. A relação
detentores do poder político e econômico do Estado autocrático .e impe- estabelecida entre o homem e a natureza revela que ele se liberta de sua con-
rialista por ser expansionista (o Império Romano é um bom exemplo). O dição de paciente da natureza e amplia o seu poder de domínio sobre ela.

180 181 f
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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO VI - A Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica

Infelizmente, o desenvolvimento capitalista não coordenado com a bios- suas leiS históricas de reprodução social. Simultaneamente, pelo fato de ser
fera - palco da vida de todos os seres vivos -, associado com a ganância o homem o principal agente de transformação do meio natural, a natureza
do homem em acumular bens e riquezas, rompe com o equilíbrio que havia depende dele, de sua consciência e racionalidade para se manter viva,
no passado entre Natureza e Sociedade e gera o desequihbrio através de portanto, para se renovar e perpetuar como natureza biogeográfiça. No ·
múltiplos impactos causados pelo processo produtivo, principalmente o fundamental, significa respeitá-la como natureza integrada, preservando-
de natureza industrial. A partir da década de 1970, o modelo taylorista- ª em sua essência natural como a principal responsável pela continu-
fordista de desenvolvimento econômico perde no men:ado mundial as suas idade do ciclo da vida no planeta Terra. A sua dependência do homem é
condições de competitividade, sendo substituído pelo modelo capitalista gerada pela dependência do próprio homem em relação a ela, pelo fato dele
contemporâneo neoliberal e flexível, praticamente em todos os quadrantes necessitar, totalmente, de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis.
do planeta Terra, via economia globalizada pelas leis do mercado. Muni- húelizmente, levado pela ambição em acumular bens e riquezas, na
ciado pelo capital financeiro internacional e pelas conquistas da nova revo- maioria das vezes o homem intervém na natureza de maneira desastrosa,
lução técnico-científica-informacional, o capitalista vem transformando, predatória e destrutiva. Agindo assim, ele a degrada e a transforma em
para pior, a natureza em mercadoria como objeto de uso e desuso descar- "coisa", em objeto, em "mercadoria" de uso e desuso descartável.
tável. É a lógica utilitarista-pragmatista, posta em prática pelos magnatas Pelo seu trabalho concreto num determinado território (local ou regi-
de grandes empresas multinacionais, que buscam a acumulação e concen- onal), o homem modela a natureza em diversas formas de representações
tração ampliada do capital. as quais denominamos de paisagens culturais. Em consonância com o seu
nível de conhecimento traduzido em saber vulgar, saber empírico, resul-
tante do senso comum de ver, sentir, compreender e fazer as coisas, ou,
RELAÇÃO SOCIEDADE/NATUREZA do técnico-científico, adquirido no decorrer da sua formação escolar aca-
dêmica e do seu desempenho profissional ao longo dos anos, ele repassa
Inicialmente, o entendimento da dialética aplicada ao ensino e à pes- à natureza em forma de trabalho socialmente necessário o seu grau cultu-
quisa em Geografia exige de nós professores, pesquisadores e estudantes ral-civilizatório. Ao modificá-la, ele incorpora em si os seus,valores natu-
universitários, a nítida compreensão da interação mútua Homem/Natu- rais. Na prática, ocorre o intercâmbio das trocas, que se concretiza por uma
reza, definida pela relação que o sujeito estabelece com o seu objeto de in- reciprocidade mútua, inferida pelo próprio homem na sua condição de
vestigação. A finalidade é buscar conhecer a "totalidade"de um determinado 11
agente" da natureza, ocorrendo então uma certa parcela de "naturaliza-
espaço geógráfico construído pelo trabalho dos homens concretos no ção" da Sociedade, e de "socialização" da Natureza. Se a reciprocidade
marco de um determinado território. Para tanto, há necessidade de cami- desejada se pautar por uma ética de respeitabilidade, o ciclo da vida da
nharmos na busca do entendimento dessa relação, ao mesmo tempo natureza será mantido. Caso contrário, teremos a degradação e destruição
unitária e contraditória, regida pela interdependência dos fenômenos dos recursos naturais (RN), o que significa causar a nossa própria auto-
(autonomia e dependência), em que cada realidade objetiva, natural ou destruição em termos de desfrute social dos bens naturais e da ambiência
social, se complementa pelas limitações pertinentes a cada uma. Enquanto salutar que o meio natural nos proporciona.
a "autonomia da natureza" decorre de suas leis naturais deterministas de A natureza não pode ser tratada como simples complemento ou
manutenção de seus ciclos naturais-da água, do carbono, do oxigênio, da apêndice do homem, como considerava Humboldt. As duas realidades
fotossíntese, do azoto, da cadeia alimentar, da cadeia genética e evolutiva objetivas, Homem e Natureza, se fundem numa "única natureza", via
das espécies etc, - que são responsáveis pela perenidade de sua renova- . inserção do próprio homem na natureza, por meio do seu trabalho. Essa
ção, como "nova natureza", a "autonomia da sociedade" é mantida por compreensão do binômio Homem/Natureza é de fundamental importân-

182 183
REFLEXÕES SOBRE TEORlA E CRlTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO VI -A Dialética Aplicada ao Ensinei e à Pesquisa Geográfica

eia para que possamos manter a unidade de ambas as realidades objeti- Na relação com a Natureza, entre as soluções propostas pelos idealistas,
vas, no sentido de que somos e devemos existir como uma só natureza"
/J
depreendem-se· dois posicionamentos de natureza pragmática:
(GOMES, 1999). Esta máxima, quando transformada numa prática social • um, que apela à consciência das pessoas no sentido de reverter o com-
coletiva, permite o resgate de nossa verdadeira identidade como ser portamento utilitarista imprimido ao meio ambiente. Anova conduta
natural/ cultural e aponta-nos o canúnho para uma vivência comum mais seria pautada pela vontade, pelo querer das pessoas em transitar da
harmoniosa com a natureza -evidentemente, não sem conflitos-, no sen- prática de destruição para a de preservação ambiental; .
tido de que haja a correspondência necessária de troca de valores quanto ·• outro, mais conseqüente, por cobrai dos gestores do Estado
à utilização e sustentabilidade do meio ambiente (natural e social). nacional uma certa atitude mais firme e coerente, contra os infra-
tores da natureza. No fundo, é também idealista porque os de-
fensores não vêem o Estado em sua relação de dependência fi-
COMPREENSÃO IDEALISTA DA NATUREZA E DA SOCIEDADE nanceira, econômica, científica e tecnológica ao capital financeiro
internacional. Estado esse que, em troca de empréstimos, cria toda
Sob a ótica idealista, a Natureza e a Sociedade são tratadas de ma- uma série de facilidades para os grandes empresários montarem
neiras distintas, não integradas, individualizadas, compartimentadas, os seus negócios, com vistas à acumulação e concentração
cada uma dentro de suas características fisionômicas e fisiológicas ampliada do capital. São as conhecidas "concessões" a grupos
próprias. Não há interação mútua entre as duas realidades objetivas e empresas estrangeiras que detêm a posse do capital financeiro,
em termos de interdependência. Há sim, uma relação de uso e desuso e que escolhem "os espaços luminosos" (SANTOS, 2000, p. 27)
da rnitureza pelo homem. A natureza é a paciente e o homem agente dos territórios regionais, a fim de implantar os seus complexos
de sua transformação. A natureza é apenas suporte físico e fornecedora agroindustriais e suas monoculturas, que irão operacionalizar as
de .recursos naturais, os quais serão transformados pelo trabalho do cadeias produtivas dos agronegócios dentro da economia de
homem em matérias-primas, indispensáveis à produção dos produtos mercado. No fundamental, os adeptos do segundo posiciona-
que serão colocados no mercado na condição de mercadorias revestidas mento não centram os seus esforços contra o modelo econômico
de valor de uso e de troca para serem consumidas. Na natureza, o ho- de desenvolvimento capitalista que, por natureza, é oposto ao
mem imprime a sua marca cultural na proporção de seu nível de co- desenvolvimento sustentável. O alvo principal é o próprio
nhecimento, de consciência ética, ecológica e ambiental. Estado, não soberano e dependente de capital, ciência e tecnologia
Geralmente, o idealista/ ambientalista, que trabalha a relação Natureza/ que ainda não se fez "nação".
Sociedade, se pauta pelo entendimento de que a Natureza se mantém
sempre em equilíbrio, em harmonia e não conflituosa, e que o conflito que
possa advir no plano das duas naturezas é atnbuído ao comportamento ENSINO E PESQUISA EM GEOGRAFIA
aético dos homens. Portanto,, são desvios de formação, de conduta, e não
fruto da intencionalidade premeditada calcada no interesse em acumular O mundo atual, filosófico-ideológico, político-econômico, social e cul-
e concentrar bens e riquezas, sem levar em conta o desiquihbrio natural. tural, impõe a necessidade de "mudanças", acadêmicas e não-acadêmicas,
No texto A Questão Ambiental: Idealismo e Realismo Ecológico, pontuamos, no âmbito das universidades, dos institutos de planejamento e de inves-
"É necessário que definamos muito bem como a questão ambiental fica tigacão científica, das escolas do ensino médio, das instituições culturais,
em grande parte dependente de como as pessoas se posicionam de acor- no sentido da formação do profissional qualificado, em todos os níveis e
do com as suas filosofias e práxis de vida". (GOMES, 1988, p. 37) em todas as áreas do conhecimento humano.

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,,-
' ~.'

REl'LEXÕF.S SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA CAPiTIJLO VI -A Dialética Aplicada- ao Ensino e à P~quisa Geográfica

A Educação, formal e informal, traduzida em ensino, pesquisa, extensão • o prevalecer da consciência do sujeito/ indivíduo em detrimento da
e práticas sociais indissociáveis, é, sem dúvida, o mais significativo inves- consciência do sujeito/ coletivo;
timento social direcionado na busca da valorização do ser humano. Daí • a disjunção entre o sujeito e o objeto, deixando de existir a interação
o relevante papel dos educadores, professores, estudantes, pais de alunos, mútua sujeito/ objeto; objeto/ sujeito;
profissionais liberais de diferentes categorias, líderes sindicais e comuni- • o caráter analítico/ descritivo do pensar e do agir aparente, tendo
tários que comandam as ações da sociedade civil organizada, em exigir como guia o senso comum de ver, sentir, analisar e refletir os fenô-
das autoridades responsáveis novos rumo8 para a Educação brasileira, com menos naturais e humanos;
vista a uma melhor formação do futuro profissional-educador/professo~ • a natureza do comportamento utópico/idealista, quase sempre
pesquisador, planejador, administrador, gestor etc.-, a fim de que possa ditada por uma postura éti5a ou punitiva;
cumprir com "responsabilidade social" a sua relevante missão cultural, • a permanência dos fenômenos investigados no âmbito das relações
educativa e formativa. de causa-efeito situadas ao nível de suas naturezas externas, impe-
A abordagem dialética -teoria, metodologia e práxis social -é urna meto- dindo o próprio conhecimento da origem do fenômeno, que é de na-
dologia importante e segura na busca dessa materialização existencial tureza interna;
pretendida. Ela é perfeitamente viável, c;l.esde que os sujeitos da construção • o processo do movimento/ desenvolvimento pautado por mudanças
do ensino e da pesquisa (em sala de aula e no campo), no caso da Geogra- acumulativas, lineares e quantitativas, situadas ao nível de aparência
fia, educadores, professores e alunos, estejam imbuídos da compreensão dos fenômenos. Não se penetra na essência intrínseca do objeto de
de que o espaço geográfico, sob investigação, foi construído pelo trabalho investigação, naquilo que é determinante;
dos homens concretos e que as ações praticadas no território foram agres- • no geral, o tratamento das relações Homem/Natureza ocorre de
sivas, causando degradações e impactos, ou de convivência com o meio maneira harmoniosa e não contraditória, não havendo mudanças
ambiente natural e cultural. quantitativas significativas que possam interromper a continuidade
Outra orientação importante no encaminhamento do ensino e da do processo acumulativo negativo, a exemplo da monocultura, cal-
pesquisa é aceitar que o objeto de nossa investigação é sempre o tema cada na retirada total da cobertura vegetal, na mecanização e pivo-
proposto pela sociedade/ comunidade, pelo fato de que o que está posto tização intensivas e no emprego abusivo de agrotóxicos, e produzir
para ela como "realidades de vida" são as condições naturais, econômicas, o salto qualitativo", em termos de desenvolvimento sustentável.
/1

sociais, culturais do seu próprio habitat de vivência. Finalmente, compre-


ender que ensino e pesquisa passam pela "práxis"comunitária dos sujeitos No âmbito da lógica dialética - como embasamento epistemológico-
envolvidos. Ela é, sem dúvida alguma, a grande escola para a nossa metodológico de investigação e análise do espaço geográfico como
aprendizagem. historicidade e totalidade, teremos:
• a compreensão materialista da realidade objetiva (N /S);
INTRUMENfALIZAÇÃO • o caráter analítico/ resolutivo do pensar dialético como movimento
contraditório que conduz ao desenvolvimento, se traduz num vir-
No âmbito da lógica formal - utilizada como embasamento conceitual a-ser contínuo em permanente construção/ reconstrução;
epistemológico-metodológico, referenda o comportamento do pesquisador, • a natureza do raciocínio dialético, percorrendo sempre a interação
no que concerne à busca do conhecimento parcial, a uma visão de apa- sujeito/ objeto, abstrato/ concreto;
rência do espaço geográfico inferido num determinado território. Guiado • o movimento/ desenvolvimento dos fenômenos em espiral, aberto
por esse raciocínio formal, teremos no diagnóstico do espaço geográfico: à complementaridade caracterizada em cada momento na relação

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍJULO VI - A Dialética Aplicada ao Énsino e à Pesquisa Geográfica

de interdependência espaço/ tempo, tempo/ espaço; Na atualidade, toda e qualquer abordagem espácio-ternporal em ter-
• as relações de reciprocidade dos fenômenos; mos de ensino, pesquisa e instrumentalização do saber geográfico passa, '
• a contradição e a negação dialética corno o moto-contínuo da história necessariamente, pela constatação de que:
da sociedade humana e da natureza. • vivemos num mundo globalizado e mundializado pela economia de
mercado altamente competitiva, sustentada pela hegemonia do
Corno filosofia, ideologia e metodologia, a dialética busca na teoria do capital financeiro internacional e nacional que detém os espaços pro-
materialismo científico (dialético e histórico), o seu substrato de ciência dutivos-regionalizados e as principais praças comerciais dos depen-
política e social direcionada na análise e interpretação da realidade objetiva dentes e subjugados Estados nacionais;
do mundo da natureza e da sociedade, com vista a modificá-lo para me- • os detentores do meio técni_so-científico-informacional, em questão
lhor. A condução do processo de investigação passa pelo conhecimento de segundos, operam urna rnultifacélica rede de comunicações via
da formação sócio-econômica, compreendida corno a sociedade numa satélites, cabos e computadores, realizando as transações comerciais
determinada etapa de seu desenvolvimento histórico, tornada na unidade das empresas globalizadas;
de todos os seus aspectos, com o modo de produção que lhe é inerente, • ciência e temologia incorporam-se cada vez mais à produção indus-
tendo o sistema econômico corno base material (infra-estrutura) que trial e ao mercado globalizado, aperfeiçoando e gerando novos ins-
alimenta a superestrutura político-jurídica, técnico-científica, social- trumentos e máquinas-ferramentas multiplicadoras de produtos-
cultural, educacional, ética, estética etc., corno formas de consciências rnercadorias a serem vendidos em todos os quadrantes do planeta
sociais, fundamentais ao desenvolvimento da sociedade. No caso da Terra, em diferentes rúveis de quantidade e qualidade, para serem
ciência geográfica, cabe investigar a "formação sócio-econômica espacial" consumidas pelos homens corno "coisas para si". A ética dos mercan-
(SANTOS, 1978, p.195). tilistas neoliberais é a de forjar, por meio dos mecanismos de comuni-
O materialismo histórico estuda a sociedade humana considerada sob cação da mídia, mentes e corpos consumistas;
o ponto de vista das leis mais gerais do seu desenvolvimento. No prefácio • no atual estágio atual da Revolução Científico-Tecnológica (RCT) ain-
da Crítica da Economia Política, Marx cita o enunciado clássico das teses da não se efetivou, na prática, a necessária incorporação da ciência
e prinápios fundamentais do materialismo histórico, que deve servir de à sociedade. Subtende dizer que o "uso social da ciência" perinanece
guia aos professores e pesquisadores que esposam a concepção do restrito à minoria da população brasileira, melhor dizendo, pertence
materialismo histórico: aos detentores do grande capital privado. O que prevalece para as
massas populares trabalhadoras é a standardização quantitativa de
Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações mercadorias de baixa qualidade;
necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção, que • as estruturas conceituais geográficas do passado estão ainda muito
correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento de suas forças presentes na condução do ensino e da pesquisa geográfica, nos re-
produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção forma aestrutura cintos das instituições escolares: No fundamentãl, elas ainda funci-
econômica da sociedade, a base real sobre a que se levanta a supraestrutura onam corno elementos conceituais impeditivos à compreensão do
jurídica e política, ea que correspondem determinadas formas de consciência espaço geográfico corno "totalidade" interdependente Homem/Na-
social.. O modo de produção da vida material condiciona oprocesso da vida social, tureza. O mesmo se pode dizer de correntes geográficas modernas,
política e espiritual em geral. Não é a consciência do homein que determina o que na atualidade superestimam, um ou outro componente da rela-
seu ser, mas, pelo contrário, oseu ser social é oque determina a sua consciência. ção sujeito/objeto, em detrimento de urna visão mais holista da
(MARX, 1966, p. 373) realidade objetiva;

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E ÜÚTICA EM GEOGRAFIA CAPÍTULO VI - A Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica

• na globalização, a interdependência dos fenômenos geográficos seja • há necessidade de se resgatar "o caráter social da espacialidade
entendida no âmbito da "acumulação ampliada do capital" a favor geográfica", e isto equivale adizer a dimensão social do espaço en-
de empresas, ocorrendo contínua perda de identidade do Estado naci- quanto categoria de valor local/ comunitário, regional/ nacional, e,
onal, impossibilitando, em parte, que os cidadãos da sociedade bra- mesmo de valor universal;
sileira possam fazer frente às múltiplas formas de violações praticadas, • no mundo globalizado e mundializado pela economia de mercado
premeditadas ou não, contra o Homem e a Natureza. Também, é preci- há que se construir uma nova cidadania, para o enfrentamento dos
so reverter o conceito capitalista de interdependência que, no presen- graves problemas que assolam a nação brasileira e a própria humani-
te, funciona como um mero engodo protecionista aos países depen- dade. Não é suficiente manter-se ao nível da investigação e mobiliza-
dentes de empréstimos, ciência e tecnologia; ção localizada, muito embo_!"a saibamos que a abordagem do "todo"
• o entendimento atualizado relativo ao ensino, pesquisa e instrumen- (geral) requer a interação das "partes" (particular);
talização do saber geográfico passa, necessariamente, pelo domínio • a paisagem geográfica é sempre uma expressão da história, como
que temos do objeto da ciência geográfica inserido na relação síntese de múltiplas determinações do passado;
homem/meio; • numa sociedade de classes, a desigualdade social é uma constante
• o emprego da lógica dialética como teoria e método de interpretação e não uma simples temporalidade ocasional, e o espaço geográfico
do mundo fora de nossa consciência, para se chegar a "síntese tota- construído no âmbito dessa sociedade é também desigual. Daí o
lizante de múltiplas determinações", deve se constituir em perma- entendimento da realidade espacial, quer seja no nível do ensino ou
nente prática exegética, indispensável a nossa compreensão científica no da pesquisa, estar imbutida na correspondência necessária da
e social do arranjo espacial urbano/ rural (ordenamento e desorde- "unidade do adverso";
namento territorial); • é fundamental, tanto no nível do ensino quanto no da pesquisa (teó-
• na metodologia dialética, o sujeito é um agente ativo da construção rica, experimental e aplicada), agir de forma reflexiva e crítica so-
do conhecimento através da elaboração de relações cada vez mais totali- bre o espaço geográfico, buscando resgatar o conhecimento verda-
zantes (complexas e abrangentes), tendo na prática social (práxis) o deiro nele inserido, via saber científico, cultural e social. A práxis
principal laboratório de renovação do fenômeno geográfico, pelo do sujeito joga uin papel central na busca de se conhecer a essência
fato dela revelar maior teor de veracidade dos fatos. A dialética, como dos fenômenos;
metodologia do real, oferece os instrumentais teóricos e práticos para • o concreto como a "síntese de muitas determinações"(Marx, 1857),
a captação da realidade totalizante, tendo na "contradição " o núcleo- resulta das mediações que possibilitam passagens de níveis de con-
motor do conhecimento do mundo da natureza e da sociedade, em cretudes diferenciadas: abstrato/ concreto, abstrato... [... ], e o par dia-
que a negação dialética se expressa como um contínuo vir-a-ser; lético não se reduz a uma simples postura dicotômica. Muito pelo con-
• o posicionamento político diante do quadro de violações praticadas trário, permite-nos avançar na busca da unidade do diverso como
por interesses pragmáticos e escusos do jogo do capital (financeiro, ren- saber mais totalizante;
tista, acionário, especulativo), tanto em nível nacional quanto ao inter- • há que se incrementar entre os mempros de nossa categoria o contí-
nacional no contexto do capitalismo flexível, deve ser uma constante; nuo debate epistemológico/ metodológico em termos de ciência, ci-
• idem, quanto à má conduta político/ administrativa de nossos go- ência geográfica e afins, mediado pelo domínio das variáveis infra e
vernantes, que se.dizem compromissados com as aspirações maiores superestruturais da Economia Política atinentes ao modo de produ-
da sociedade brasileira quando, em realidade, vêm praticando polí- ção capitalista, no atual estágio de seu desenvolvimento globaliza-
ticas neoliberais de reforço ao modelo de desenvolvimento capitalista; do e mundializado.

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO VI - A Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica

No presente, ações integradas de correntes geográficas distintas - • correlação entre categorias da dialética e do ensino -papel das cate-
marxista, existencialista e fenomenológica, por exemplo-, têm contribuido , gorias, em busca da totalidade dó conhecimento;
para o conhecimento do espaço étnico/comunitário. Também, quanto à teo- • contradição dialética - pensar e agir por contradição como o motor
ria das ciências, em termos de sistemas metodológicos da cognição científica, do conhecimento;
a partir do método "universal" ou filosófico esposado pela dialética mate- • ·afirmação do sujeito em termos de consciência coletiva -interação
rialista, há um aporte de outros métodos: educador/ educando/ comunidade.
• gerais - aplicados nas ciências (observação, experiência, indução, Na pes.quisa em geografia (teórica e aplicada), o pesquisador deve ado-
dedução, análise, síntese, analogia, modelação, reprodução hlstórica, taro seguinte procedimento prático: , ·
abstrato/ concreto) • tomar o real, portanto, a ~alidade objetiva inclusa na natureza e
• particulares - aplicados no campo de uma determinada ciência ou sociedade como ponto de partida da investigação;
grupo de ciências afins, a exemplo do hlstórico, do geográfico. • ter o espaço/tempo geográfico como formas de existir da matéria em
No presente, dado ao avanço acelerado e complexidade das investi- permanente movimento/ desenvolvimento. Não há espaço sem
gações nas ciências, a cognição científica exige do pesquisador a unificação tempo, e tempo sem espaço;
da dialética materialista com os dados e métodos das ciências concre- • ter a contradição dialética como o motor interno do movimento/ de-
tas. Todos os métodos a serem utilizados são válidos na medida em que senvolvimento dos fenômenos, materializado num determinado
podem ser interligados dentro de urna relação de interdependência espaço geográfico;
(unidade e autonomia). • tornar o contexto, e não a simples relação de causa-efeito, como guia
na reconstituição da geração e intermediação dos fenômenos;
• tomar a totalidade como o objeto mais complexo do conhecimento
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NO ENSINO geográfico a ser investigado; ,
E NA PESQUISA VIA METODOLOGIA DIALÉTICA • utilizar aformação econômica-social eespacial, como fundamental à cons-
trução/ reconstituição do espaço geográfico;
No ensino, a construção do espaço geográfico se define pela (o): • utilizar as categorias da dialética materialista corno mecliadoras' no
• mobilização para o conhecimento - exige a criação de uma processo de construção/reconstrução do espaço geográfico;
situação motivadora que leve em conta as condições concretas • ter sempre em mente que a interação sujeito/objeto, objeto/sujeito se
existenciais do aluno; a realidade com a qual vai trabalhar (escola, processa num determinado lugar do território, cujas relações de
comunidade) e o conhecimento inicial do objeto de estudo a ser produção estruturam o espaço geográfico materializado, concreta-
pesquisado. Há necessidade de sensibilizar o aluno para o mente, pelo trabalho do homem;
conhecimento, a fim de mobilizá-lo para o cumprimento da tarefa • ter em conta, sempre, a natureza social do espaço geográfico;
assumida, mantendo sempre urna relação consciente e ativa com • utilizar, quando necessários, métodos de aporte -científico/ cultural
o seu objeto de estudo; de outras ciências, inclusive da Filosofia.
• construção do conhecimento via pensar dialético. - em que o
sujeito coletivo (professor, alunos, rnernbros_da comunidade etc.)
constroém o conhecimento por meio do pensai e do agir dialético,
estabelecendo relações cada vez rnaís complexas e abrangentes
(totalizantes);

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REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRíTICA EM GEOGRAFIA
CAPÍTULO VI - A Dialética Aplicada ao Ensino e à Pesquisa Geográfica

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194 J95
Conclusão

presente ensaio geográfico procura, a partir da teoria do co-

º
nhecimento cultural e científico elaborado pelo homem no
transcurso de sua história, dar respostas a determinadas inter-
rogações que permeiam o universo de nossa consciência.
A postura filosófica e respectiva ideologia assumida; a teoria e
método de análise; o sujeito e o objeto da pesquisa; a práxis do sujeito
etc., entre outras questões, são preocupações do autor, objeto de dú-
vidas a exigir reflexões mais profundas que estão inseridas no corpo
de muitas publicações geográficas e afins.
A finalidade deste limitado trabalho de cunho teórico, é de que ele
contribua, para melhor, no sentido de que a nossa categoria representada
por estudantes universitários, por professores, pesquisadores e técnicos,.
possam avançar e superar "lacunas" epistemológkas e metodológicas
atinentes à teoria do conhecimento ciE;mtífico e cultural e da ciência
geográfica.
Em nenhum momento, o autor não se sente dono da verdade, pois, caso
assumisse tal comportamento, por natureza seria antidialético e antimar-
xista, contrariando assim a sua própria formação cultural, seu pensamento
e conduta profissional e social
REFLEXÕES SOBRE TEORIA E CRÍTICA EM GEOGRAFIA

Entretanto, julga ser do seu dever, por um lado, deixar claro a filosofia
e ideologia do marxismo-leninismo assumidas; seu partidarismo político
como cidadão no contexto da sociedade de classes; considerando a "ideo-
logia" como o sangue que oxigena a nossa mente e alimenta a nossa luta
no sentido de materializarmos, em vida, ou, no futuro, as nossas "utopias
existenciais", em prol da Nação brasileira e de um mundo melhor para
todos os filhos· da Terra. Por outro, o de contribuir para uma melhor
compreensão do papel do materialismo histórico e da dialética materialista
para o nosso entendimento do espaço geográfico na sua acepção de cate-
goria de totalidade.
Os dois capítulos finais - O Marxismo na Geografia Brasileira e a Dialética
Aplicada ao Ensino eà Pesquisa Geográfica.:... procuram direcionar, em certo
sentido, a retomada da Geografia Crítica na via do materialismo histórico.
Finalmente, o autor sentir-se-á realizado se algo mais tiver acrescentado
a nossa incursão ao entendimento da dialética materialista como doutrina
e método; da relação espácio-temporal como categoria analítica superior,
imprescindível à interpretação científica e social do mundo da natureza
e da sociedade, e da relação Ciência e Geografia canalizada parar trans-
formar o mundo para melhor.

Goiânia, fevereiro de 2007.

O autor:

198

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