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MARCAS SEM UM PROPÓSITO SÃO MARCAS SEM ALMA

Jaime Troiano

Presidente do Grupo Troiano de Branding

Arquimedes, talvez o maior matemático da antiguidade clássica, dizia há mais


de 2200 anos: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu levantarei o
mundo”. Pois bem, depois de vários anos envolvido com a BrightHouse, essa
frase milenar ganhou um sentido especial na minha vida profissional.

Porque o Propósito é a alavanca que tem transformado a vida de muitas


organizações. Não é demais afirmar que talvez ela não resolva os problemas
deste nosso mundo, mas potencializa sobremaneira o impacto que as
organizações têm na sociedade e dá uma razão de ser para sua existência.

Nós somos os pontos de apoio que garantimos a propulsão dessa fantástica


alavanca. As organizações que combinaram esses dois elementos – a alavanca
e o ponto de apoio - têm criado muito mais valor, no sentido pleno que essa
palavra pode ter. Valor no sentido do impacto no bottom line, valor no sentido
da sustentabilidade organizacional, valor no sentido da contribuição para os
projetos de felicidade de seus colaboradores e dos segmentos da sociedade
atendidos por elas.

Propósito é a resposta para a seguinte pergunta: o que Brasil perderia se sua


empresa desaparecesse amanhã? É uma pergunta transformadora.

Quando a resposta a essa pergunta é apenas a perda do negócio em si, de sua


fatia de mercado, é porque o verdadeiro Propósito da organização não foi
identificado. Se a TV Globo desaparecesse amanhã, o Brasil perderia muito
mais do que a maior rede de TV aberta do país e toda sua oferta de
programação. Perderíamos uma rede de comunicação cujo Propósito é
estabelecer uma continua sintonia com a sociedade. Há não muito tempo, a
bandeira Extra do Grupo Pão de Açúcar identificou que seu Propósito ia além de
vender mais barato, algo que outras grandes redes também se propõem a
fazer. Após uma “escavação” de suas origens e dos princípios que movem a

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rede, foi se revelando qual era, em última instância, seu real Propósito: Por
uma vida mais família. Uma forma de se apresentar, onde preço baixo continua
sendo, obviamente importante, mas é sobretudo um veículo para materializar
esse Propósito maior.

Escavação é o termo que usamos na BrightHouse Brasil para designar essa


operação de busca e revelação, no interior da própria organização. Propósito
não é um gimmick publicitário, não é uma frase de efeito, não é algo criado de
fora para dentro. Muito algo contrário disso, ele é uma ideia, um sentimento,
uma essência que está presente na alma da organização, no sonho de seus
fundadores e dirigentes. Por essas razões, esqueçam a ingênua tentativa de
criar um Propósito. Ele não é um “aromatizador” que se aplica, é sim a própria
fragrância que emana da flor, e que nasce com ela.

O processo para a identificação e formulação do Propósito é uma metodologia


comprovada, organizada em quatro etapas (Investigação, Incubação,
Iluminação e Ilustração) e muito diferente dos processos habituais de
construção de posicionamento de mercado.

Muitas empresas prestadoras de serviço têm se arvorado em especialistas


nesse assunto. Como Propósito é uma ideia que tem assumido um caráter
modal, muitos falam sobre esse tema, infelizmente, sem propriedade e
experiência suficiente. Temos o privilégio de estar mergulhado nesse território
há 20 anos, por meio da BrightHouse. Várias dezenas de projetos bem
sucedidos já foram conduzidos pela BrightHouse, que no Brasil é uma das
empresas do Grupo Troiano de Branding.

Nessa perigosa precipitação e oportunismo que observamos em nosso mercado


para ocupar espaços como vendedores de projetos de Propósito, o que vemos
no mais das vezes, são estudos de posicionamento na verdade. Algo muito
diferente do se entende por Propóstico.

O posicionamento é algo que formula um ponto de diferenciação para a marca


no mercado. É o que Al Ries e Jack Trout propuseram na década de 70 do
último século. O propósito é, acima de tudo, um ponto de vista próprio da
marca nascido dentro da organização e não pode ser encontrado no mercado,
mas na história dessa organização. Porém, a revelação de um Propósito não
contraria nunca e nem tampouco dispensa a preocupação com posicionamento
de mercado. Ao contrário, posicionamento, é uma janela que olha para o
mercado e é tanto mais poderoso quanto mais estiver alinhado com a energia
interna que emana do Propósito da organização. Afinal de contas, marcas não
são tapumes que ocultam a empresa mas são espelhos que revelam quem ela é
em sua plenitude. Quando a rede de lojas Riachuelo assume em sua
comunicação que ela representa o Abraço da moda, para milhões de brasileiros,

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ela se posiciona a partir de um compromisso interno que é seu Propósito. Isto
não é fruto de um movimento publicitário apenas. É a expressão da razão de
ser da empresa, do que efetivamente é sua vocação, seu Propósito.

Há três temas que estão entrelaçados com a questão do Propósito. Eles


merecem um cuidadoso esclarecimento.

Primeiro Tema: Propósito substitui a já clássica preocupação com missão, visão


e valores?

A resposta a essa pergunta parte de uma prosaica situação a que assistimos


atualmente. Muitos de nós já percebemos que se trocássemos os quadros
pendurados nas paredes de uma empresa com os de outras, onde aparecem
mission statements, por exemplo, muito provavelmente os colaboradores não
notariam a mudança no dia seguinte. Este é um fato muito mais comum do que
se poderia supor e esperar.

No Grupo Troiano de Branding, realizamos há algum tempo a seguinte


experiência: coletamos os textos com missão, visão e valores de 60 empresas
no Brasil. Depois de devidamente observados e organizados, constatamos o
que já se suspeitava: as palavras, ideias, promessas que aparecem neles
podem ser resumidas a um conjunto muito pequeno e repetitivo de temas.
Coisas como excelência, compromisso com acionistas, ética, responsabilidades
sociais e ambientais, qualidade etc, etc, etc repetem-se ad nauseam. O que foi
criado um dia para individualizar uma organização e dar um sentido para sua
existência, como sua missão, visão e valores, hoje é algo que as aproxima e as
torna indiferenciadas, umas em relação às outras. Isto significa que devemos
abandonar a preocupação em dispor de uma missão, visão dentro das
organizações? Absolutamente, não! O que devemos entender, no entanto, é
que missão, visão e valores são uma condição necessária mas não suficiente,
como se diz em matemática. Missão revela o que eu sei fazer bem. É o what.
Visão traduz para onde vai a organização. É o where. Nenhum dos dois porém
responde à pergunta: por que eu existo? O why! É isso, em última instância, de
que trata o livro. É isso que significa escavar e revelar o Propósito: entender
porque a organização existe.

Falar de escavação e da identificação da razão de ser de uma marca pode


parecer, à primeira vista, um exercício nostálgico. Apenas uma reconstituição
“arqueológica” da sua história, um passeio pelos sonhos dos fundadores. Mas
não é bem assim. A revelação do Propósito é, sobretudo, uma projeção para o
futuro. Ele é o que permite articular a razão de ser daquela marca com aquilo
de que o mundo precisa. A melhor forma de dizer isso foi expressa há muito
tempo por Aristóteles: “Onde as necessidades do mundo e os seus talentos se
cruzam, aí está a sua vocação”.

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A Graco, uma das empresas do grupo Newell Rubbermaid, tradicional fabricante
de uma ampla de produtos de crianças e bebês percebeu isso. Ao invés de
pensar apenas em sua missão, fabricar os melhores produtos para cuidar dos
filhos pequenos, deu um passo além. Identificou que seu Propósito era algo
com muito mais alcance, muito mais valioso e revestido de um sentido de
“uniqueness”: “Cuidamos dos pais, para que eles possam cuidar melhor dos
seus filhos”. A partir daí, não só sua razão de ser ficou mais clara como
também ampliou-se muito a possibilidade de oferta de novos produtos e
serviços.

Segundo Tema: existe alguma evidência de que empresas com um claro


Propósito gerem mais resultados que as outras?

A resposta é sim. Há um seleto grupo de empresas no mundo que são amadas


– veja bem, literalmente amadas, e não somente admiradas – por todos os
públicos com os quais elas se relacionam: clientes, colaboradores, fornecedores
e a comunidade mais ampla.

Os autores do livro “Firms of Endearment ” (R.Sisodia,D.Wolfe e J.Sheth),


pesquisaram centenas de companhias e encontraram um certo grupo que
atende a esse critério. Essas empresas pagam muito bem seus empregados,
entregam valor para seus clientes, estão rodeadas por uma rede de prósperos
fornecedores e, atenção, trazem um fantástico retorno para os acionistas:
1025% nos últimos 10 anos, versus apenas 122% para as empresas listas no
S&P 500 (índice que agrega as 500 ações mais relevantes para o mercado
norte-americano) e 316% para as companhias citadas na obra “Good to Great”
do Jim Collins. Vocês encontrarão esse gráfico no livro, mas ele é tão poderoso
para demonstrar o quanto empresas com um propósito geram resultados
superiores, que resolvi mostrá-lo aqui também.

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Mas isso também é verdade para o Brasil. Estudo que fizemos há pouco tempo,
publicado na revista de Marketing Industrial também demonstra a força do
Propósito como uma alavanca de resultados.

Nesse estudo, estabelecemos uma relação entre três variáveis: a existência de


um Propósito na organização, o nível de reputação de sua marca corporativa e
a sua performance na BOVESPA. O que encontramos foi uma verdadeira Roda
da Fortuna. Um ciclo virtuoso de realimentação entre as três variáveis.

Terceira Tema: a adoção de uma causa é sinônimo de ter um Propósito?

A resposta é não! Estamos diante de uma perigosa confusão. Quando alguém


fala de Propósito, o outro poderá dizer: “ah, vocês estão falando de coisas
como usar embalagens recicláveis ou apoiar causas sociais...”. Nada disso.
Ainda que louvável, esse tipo de prática surge como um “adendo”, como uma
das ações que compõem as atividades de marketing e relacionamento da
empresa. É sempre um esforço - nem sempre ancorado na realidade – de
retratar a empresa como uma organização que também se preocupa com a
sociedade. Bom, propósito não é um adendo, não é um aromatizador, como
disse antes. É algo entranhado em tudo, tudo o que a empresa faz e diz.
Propósito não é uma iniciativa isolada, momentânea ou oportunista. Propósito
não é “me too”, algo como “nós também protegemos o meio-ambiente”.
Propósito é sim uma maneira única que a empresa escolhe para organizar sua

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contribuição para o mundo. Propósito é algo que todos os colaboradores da
empresa respiram no seu dia-a-dia.

O que fazemos na identificação, formulação e ativação do Propósito em uma


organização é pautarmos nossa metodologia, nossos esforços pela frase
inspiradora do CEO Mundial da Brighouse, nosso sócio Joey Reiman: “The fruits
are in the roots”.

Seja em nossa vida pessoal ou na vida das organizações, é impossível


escaparmos do que nós somos. Quanto mais passa o tempo, cada vez nós
somos mais parecidos com nós mesmos. Isso é verdade para cada um de nós
como pessoas e para as organizações em nossa sociedade. Nós temos duas
alternativas. Uma é ignorar que existe uma energia potencial inserida na vida
dessas organizações e que cria uma razão de ser para sua existência. A outra é
reconhecer a presença dessa energia, apropriar-se dela e transformá-la na
alavanca que dinamiza a organização, mobiliza seus colaboradores e faz com
que ela tenha um significado único em seu mercado e na sociedade. Essa
energia é o seu Propósito. E ela transforma a empresa, a sociedade e o mundo.

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