Você está na página 1de 12

ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÕES

Uma Introdução à Teoria e à Prática

STEWART CLEGG MARTIN KORNBERGER TYRONE PITSIS

SEGUNDA EDIÇÃO
C623a Clegg, Stewart.
Administração e organizações [recurso eletrônico] : uma
introdução à teoria e à prática / Stewart Clegg, Martin
Kornberger, Tyrone Pitsis ; tradução: [coordenação de] Patrícia
Lessa Flores da Cunha... [et al.] ; revisão técnica: Alexandre
Perucia. – 2. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Bookman,
2011.

Editado também como livro impresso em 2011.


ISBN 978-85-7780-830-4

1. Administração. I. Kornberger, Martin. II. Pitsis, Tyrone.


III. Título.

CDU 658

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052


CAPÍTULO SETE ADMINISTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO 331

MOMENTO PARA EXERCITAR

Criar uma marca de sucesso envolve Pense em uma marca que você tenha comprado
clientes e cria um relacionamento entre e gostado. Quais foram as razões? Liste-as.
esses clientes e a empresa

A The Body Shop é um excelente exemplo de


criação de marca. Anita Roddick, fundadora da
The Body Shop, criou uma identidade de marca
forte, em torno da noção de uma filosofia de lu-
cros com princípios. A empresa protesta contra
a testagem em animais, ajuda países do Tercei-
ro Mundo, apoia o movimento das mulheres, para
mencionar apenas algumas de suas muitas ati- Agora, pense em uma marca que você comprou
vidades (Joachimsthaler e Aaker, 1997). Isso ex- e não gostou. Quais foram as razões? Liste-as.
pressa claramente os valores da empresa e mo-
tiva, de maneira consistente e simultânea, os
membros da equipe. A Benetton, por outro lado,
teve problemas com sua estratégia de marca.
Quando a Benetton começou a fazer anúncios
usando imagens de pessoas soropositivas em
seus outdoors e levantou outras questões polê-
micas, sem dúvida, criou consciência de marca,
mas falhou ao ligar essa consciência ao seu ne-
gócio – vender roupas. Ao contrário, alienou o Compare suas anotações com as de seus cole-
mercado-alvo e os varejistas (Joachimsthaler e gas. Vocês identificaram marcas e pontos positi-
Aaker, 1997). vos e negativos similares?

que a tornaram uma das empresas mais reco- ministrar o monstro de múltiplas cabeças é
nhecidas do mundo, conta com uma revista explorada pelo conceito de organização ex-
chamada Color, dedicada a questões como es- pressiva.
cravidão, prisões e refugiados. A Color é tra-
duzida para muitas línguas e vendida em
mais de 60 países. Analisa temas e faz as pes- Criação da organização expressiva
soas se conscientizarem de problemas mar-
ginalizados. Fazendo isso, a Benetton posi- Em uma contribuição significativa para a teo-
ciona-se, não apenas como fabricante de ria da organização e a prática de administra-
roupas, mas também como uma organiza- ção, Schultz et al. (2000) definiram o concei-
ção socialmente responsável, preocupada to de organização expressiva. A comunicação é
com questões sociais. parte vital de toda ati-
vidade organizacional Em poucas palavras, o
e o conceito de orga- conceito de organização
expressiva captura dife-
COMUNICAÇÃO NO TRABALHO nização expressiva rentes níveis de expres-
leva isso em conside- sões organizacionais e
Dada a variedade de abordagens, canais, pú- ração. seu impacto sobre pro-
cessos, tais como cria-
blicos e níveis de comunicação, é fundamen- A tarefa-chave de ção de estratégias, re-
tal, para as organizações, coordenar suas ati- uma organização ex- cursos humanos, marke-
vidades de comunicação. Uma forma de ad- pressiva é comunicar ting e outros.
332 PARTE DOIS ADMINISTRAÇÃO DE PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

sua identidade a seu público interno e exter- ção de significados apoia-se fortemente na
no. Ela integra os níveis de comunicação e os comunicação.
diferentes públicos e alinha a comunicação É importante entender que uma organi-
corporativa de maneira correspondente. zação se expressa por meio de várias ativida-
Se uma empresa administra a comunica- des: o comportamento de seus funcionários,
ção de uma identidade associada a valores seu projeto físico (incluindo uniformes, pon-
como ser inovadora, atual e criativa, atrairá tos de venda, prédios, etc.), sua identidade cor-
funcionários de alto nível e, simultaneamen- porativa (logotipo, página na Web, etc.), sua
te, motivará os membros de sua equipe. Atrai- publicidade, seu objetivo estratégico, seu en-
rá, também, novos clientes e criará fortes la- volvimento em atividades comunitárias e as-
ços com os já existentes. Além disso, será mais sim por diante. Em resumo, tudo fala. As or-
fácil para essa empresa ter investidores finan- ganizações sempre comunicam e não podem
ceiros para si, bem como fortes relações com evitar isso. Dessa forma, a organização expres-
fornecedores importantes. siva concentra-se em comunicações que, cons-
Em um ambiente cada vez mais competi- tantemente (de maneira consciente ou não),
tivo, a publicidade e a criação de marca não representam qualquer organização. Conforme
serão ferramentas suficientes para diferenciar afirmam Hatch e Schultz (2001), a fim de
sua empresa da de seus concorrentes. Cada vez competir exitosamente com seus concorren-
mais as organizações irão competir a partir do tes, uma organização tem de criar uma iden-
que são e de sua habilidade em expressar sua tidade corporativa forte que se reflita na mar-
identidade e valores centrais. Assim, gerenciar ca corporativa. Tal organização expressiva ali-
capital simbólico e emocional, por meio da nha três importantes características organiza-
comunicação, torna-se o negócio central da cionais que são, em geral, analisadas separa-
administração. Mesmo o símbolo de fabrica- damente: visão (estratégia), cultura (funcio-
ção e produção que inventou a linha de mon- nários) e imagem (marca). A fim de alinhar
tagem, a Ford, anunciou uma alteração em sua essas “estrelas estratégicas”, os autores suge-
orientação, na direção de seu negócio princi- rem analisar as três possíveis lacunas entre elas:
pal e de entendimento do mesmo. Como de-
clarou um de seus executivos, “A fabricação 1 A lacuna entre visão-cultura surge quan-
de carros será parte decrescente do negócio da do a administração se afasta de seus fun-
Ford. No futuro, haverá uma concentração em cionários, desenvolvendo uma visão que
projeto, marca, marketing, vendas e operação não é compartilhada, compreendida ou
de serviços” (citado em Olins, 2000:51). O apoiada pelo restante da organização. A
deslocamento de uma empresa de carros tan- visão não inspira de maneira suficiente a
gíveis para ativos menos tangíveis implica que organização como um todo.
a compreensão da comunicação é sua tarefa 2 A lacuna imagem-cultura deriva de um de-
mais importante. Diferentes marcas como salinhamento entre o comportamento dos
Skoda, VW, Audi e Seat pertencem à mes- funcionários e a imagem expressa. A em-
ma empresa e partilham, umas com as ou- presa não pratica o que prega.
tras, uma plataforma corporativa; isso dei- 3 A lacuna imagem-visão resulta de um con-
xa claro que a diferença entre esses produ- flito entre a visão da organização e a ima-
tos não é tanto de características físicas de gem do ambiente da organização. Se a
carro, mas mais com relação a diferentes administração quer que a empresa vá em
visuais, sensações e valores não tangíveis a direção contrária a que seus clientes e ou-
eles associados. Assim, administrar um fa- tros stakeholders estejam indo, o melhor
bricante de carros significa, cada vez mais, plano estratégico será em vão e, por fim,
administrar significado. E essa administra- fracassará.
CAPÍTULO SETE ADMINISTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO 333

A chave para o sucesso é analisar as lacu- Ao contar histórias, os membros da orga-


nas e, por meio de pesquisa cuidadosa, elimi- nização dão forma à organização. Deal e Ken-
ná-las pela compreensão de ponto de vista e nedy (1982) identificam três papéis que as
necessidades de stakeholders, da perspectiva de histórias exercem nas organizações. Primeiro,
funcionários e de objetivo estratégico da alta elas prendem o presente ao passado. Situam a
administração. história da organização e suas origens, o que
possibilita às pessoas compreender a situação
atual. Segundo, mantêm a coesão. Comparti-
Administração com palavras? lhando as mesmas histórias, proporcionam aos
seus membros senso de comunidade e valores
Compreender o poder da comunicação e da comuns. Finalmente, explicam por que as coi-
linguagem possibilita que você utilize palavras sas são da forma que são. Histórias explicam
para administrar organizações. Tome o exem- muito das práticas e do comportamento que são
plo dos funcionários. Como administrador, expostos na vida organizacional. A isso, pode-
você pode se referir a eles como funcionários, mos acrescentar que elas definem a normalida-
mas poderia ainda chamar determinadas pes- de e suas variações; determinam o que está fora
soas, em diferentes ocasiões ou contextos, de do normal como extraordinariamente bom, as-
“mão de obra”, “recursos humanos”, “jogado- sim como extraordinariamente ruim.
res”, “estrelas”, “derrotados”, “perdedores” (ou Se a comunicação é fundamental para pro-
a expressão australiana equivalente “drongos”) cessos de organização, se a linguagem é o meio
e assim por diante. Metáforas diferentes não so- pelo qual as organizações são racionais, pla-
mente afetam as pessoas de maneiras diversas, nejam, negociam e tomam decisões, a mudan-
mas também despertam pensamentos diversos. ça poder ser colocada em prática por meio de
Recursos podem ser explorados e desenvolvidos, diferentes linguagens. O exemplo simples uti-
enquanto mão de obra é apenas utilizada e, sim- lizado acima demonstra facilmente isso. Pen-
bolicamente, torna-se independente da mente, sar e falar de seus funcionários como “mão de
cérebro e corpo. Utilizando diferentes metáfo- obra” (como fez Taylor) significa deixar de lado
ras e comunicando-se por elas, os administrado- uma ampla variedade de possíveis oportuni-
res criam diferentes realidades (ver também Ca- dades. Utilizar a metáfora de recursos huma-
pítulo 1). nos abre um mundo inteiro de possíveis opor-

EM ESSÊNCIA

Escutar ponto de vista do outro. Mas, como sugere Ro-


gers, a mudança pode ser conquistada somente
A comunicação para uma organização expressi- pelo entendimento com o outro e não pelo en-
va começa não pela fala, mas pela escuta. Con- tendimento do outro.
forme descobriu Carl R. Rogers em sua expe-
riência como psicoterapeuta, o principal obstácu- • Uma técnica simples pode ajudá-lo a enten-
lo para a comunicação é a tendência das pessoas der a importância de escutar: antes de co-
de avaliar (Rogers, 1991). Esse fenômeno pode meçar a discutir com as pessoas, resuma os
ser superado a partir do fortalecimento de outra pontos apresentados por elas de maneira
habilidade – o ouvir. Especialmente quando as bastante precisa, de tal forma que concor-
pessoas falam sobre questões de elevada carga dem e sintam-se satisfeitas. Isso significa que
emocional, elas apegam-se a sua própria estru- você realmente compreendeu bem tudo o
tura de referência e esquecem de entender o que elas querem dizer.
334 PARTE DOIS ADMINISTRAÇÃO DE PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

tunidades de administração, em que as pes- tem. Pessoas podem ser usadas, exploradas
soas tratadas como recursos podem não so- e esgotadas como recursos. Precisamos pen-
mente ser exploradas, mas, também, desen- sar estrategicamente sobre nossas estratégias
volvidas e utilizadas de maneira mais ou me- de comunicação, metáforas e linguagem –
nos eficiente. Essa nova linguagem de ge- na organização expressiva, elas estão forte-
renciar pessoas diferencia-se por meio de di- mente ligadas.
ferentes habilidades, aprendizado e poten-
cial de desenvolvimento, que você pode até
mesmo não ver ou administrar enquanto Poder e comunicação
utiliza o termo mão de obra para funcioná-
rios. Em resumo, uma mudança de lingua- Toda forma de administração envolve poder.
gem, uma nova metáfora, uma nova manei- A comunicação não é exceção; nunca é um
ra de comunicação pode alavancar a mudan- artifício neutro para expressar realidade. Na
ça e o desenvolvimento organizacional. É verdade, ela cria realidade. É um meio pode-
claro que, da mesma forma que a noção de roso de estabelecer e reforçar a realidade orga-
ser mão de obra possui seu lado negativo, a nizacional. Bordow e Moore (1991) sugerem
noção de pessoa como recurso também o três etapas (às quais acrescentamos mais duas)

MINICASO
Comunicação como uma estratégia foram convidados a visitar a sede e discutir as
necessidades dos trabalhadores com os toma-
Um exemplo extraído da Navistar Company ilus- dores de decisão, de maneira informal e direta.
tra a ligação da comunicação com a estratégia Essa prática de comunicação desenvolve proces-
(Argenti e Forman, 2000). John Horne, dire- sos conjuntos de criar e implementar estratégias,
tor-executivo da fabricante de caminhões pesa- onde trabalhadores e administradores aprendem
dos Navistar, juntou-se à empresa em 1993 e en- mutuamente, uns com os outros.
controu a organização em uma situação não tão Em segundo lugar, Horne iniciou uma pes-
boa. Stakeholders importantes (funcionários, sin- quisa com funcionários, concentrando-se em si-
dicatos, alta administração, comunidade finan- tuações de trabalho específicas. Os resultados
ceira, mídia) haviam perdido a confiança na em- da pesquisa foram publicados, e um plano de
presa, e a situação como um todo não era muito ação foi desenvolvido, incluindo prazos e resul-
boa. Horne decidiu que a forma de mudar isso tados, envolvendo, especialmente, líderes sindi-
seria trazer seus funcionários para junto de si (no- cais, tornando-os participantes do processo de
vamente) – e isso aconteceu a partir de uma ini- mudança. Com esses esforços e exercícios re-
ciativa de comunicação bem desenvolvida. lacionados (como campanhas de RP, introdu-
O primeiro passo foi visitar as fábricas, a fim ção de conferências de liderança, a fim de me-
de engajar todos os funcionários na discussão lhorá-la, etc.), Horne colocou a Navistar nova-
de como bater a concorrência. Logo, isso tor- mente no rumo do sucesso. Ele iniciou proces-
nou-se uma tarefa formal da administração, e, sos de comunicação com públicos diferentes.
todo mês, um membro da alta administração vi- Por meio da criação de uma base comunicati-
sitava uma fábrica. Em encontros que envolviam va compartilhada, a organização estabeleceu
cerca de 30 trabalhadores, que expunham ante- um futuro comum nas e pelas comunicações
cipadamente com os colegas suas necessida- (ver Argenti e Forman, 2000).
des, conversavam a respeito das coisas boas e
das que poderiam ser melhoradas. Após a reu- • Pense sobre onde você trabalha ou estuda.
nião, a administração publicava um relatório que A organização se comunica com você eficaz-
incluía respostas às questões levantadas. Além mente; a partir de seu ponto de vista, quais
disso, os trabalhadores da fábrica de montagem as formas mais eficientes utilizadas?
CAPÍTULO SETE ADMINISTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO 335

para que administradores gerenciem a comu- mais importantes de fora da organização. Exis-
nicação ativamente. Esses devem se dar conta tem várias formas de disseminar ideias: anun-
de que, ao administrar com poder na e entre a ciá-las em discursos, divulgá-las via jornal da
comunicação, estão, essencialmente, adminis- organizacão ou jornal eletrônico ou pela pu-
trando valores (ver também Capítulo 6). Quer blicação de um relatório. Essas estratégias top-
estejam priorizando ajuste de gerenciamento down podem ser suplementadas com táticas
orçamentário e o baixo risco, ou estejam pre- bottom-up – tais como comentários ou con-
parados para investir em oportunidades para versa informal com atores-chave de um pú-
inovação com um alto risco de fracasso, eles blico mais amplo que comunicará sua mensa-
estão comunicando os valores que dominam gem para seu próprio público. Não confie
a organização. É extremamente importante unicamente em mensagens formais, oficiais,
que esses valores sejam internamente consis- procure descobrir maneiras informais de co-
tentes e conhecidos por todos; caso contrário, municar a mensagem. O melhor é criar a men-
essa dissonância passa a ideia de desprezo e sagem simbolicamente em valores que não são
alienação. Uma vez estando os valores dentro somente anunciados, mas também evidentes
da estrutura, os administradores precisam con- na prática (ver também Capítulo 5).
siderar o estabelecimento de uma pauta. Isso
significa garantir que as pessoas falem sobre
as coisas certas. Você tem um papel de lide- Criação da mensagem
rança ao selecionar o tópico de comunicação.
Não importa o que aconteça, é importante que A história, a seguir, ilustra a criação da men-
as pessoas falem e entendam os eventos rela- sagem. Thomas Watson Jr., Presidente do
cionados às questões que você levanta. Se as Conselho da IBM, foi desafiado por uma su-
vendas caem, existem muitas formas de lidar pervisora, descrita como
com esse problema. Você pode treinar a equi-
pe de vendas, baixar os preços, aumentar a [uma] recém-casada de 22 anos de idade, pe-
qualidade ou os serviços em torno do produ- sando 41 quilos, cujo marido foi mandado para
to, promovê-lo melhor, produzi-lo de manei- fora do país e a quem, em consequência, foi
ra mais barata ou mudar o mercado, por exem- dado um emprego até a volta dele. A jovem
plo. É importante isolar um ou dois tópicos mulher, Lucille Burger, foi obrigada a certifi-
que são utilizados para discutir e compreen- car-se de que as pessoas que entrassem em áreas
der os acontecimentos. Ter certeza de que não de segurança usassem uma identificação clara
somente as pessoas falam sobre o assunto, mas e correta. Cercado por seu usual séquito de
também que as pessoas certas falam sobre ele. homens de camiseta branca, Watson aproxi-
Criar redes de pessoas que representam atores mou-se da entrada de uma área onde ela estava
importantes, que possuem conhecimento, de guarda, não usando um crachá verde que
contatos, ideias, energia e poder para mudar permitiria a entrada por aquela porta, mas um
as coisas. Esses atores-chave devem se unir e crachá laranja aceito em outros lugares da fá-
formar uma rede temporária que discute o brica. “Eu estava tremendo em meu uniforme,
problema e elabora possíveis soluções. Essa que era muito grande”, lembra ela. “Ele escon-
rede poderia envolver pessoas de todos os ní- dia meu tremor, mas não minha voz”. “Des-
veis da hierarquia, com históricos e personali- culpe”, eu disse a ele. Com certeza, eu sabia
dades diferentes. Ao desenvolver a solução para quem ele era. “Você não pode entrar. Sua en-
os problemas que a organização enfrenta, te- trada não é permitida”. Isso é o que devíamos
nha certeza de que você administra a dissemina- dizer”. Os homens que estavam acompanhan-
ção, de modo que a informação seja comunica- do Watson ficaram chocados; o momento con-
da por toda a organização e para os stakeholders tinha possibilidades imprevisíveis. “Você não
336 PARTE DOIS ADMINISTRAÇÃO DE PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

sabe quem ele é?” sussurrou alguém. Watson Enquanto a supervisora fala, Watson, nova-
ergueu sua mão pedindo silêncio, enquanto mente como um deus, não diz nada – ou-
alguém do grupo retirou-se rapidamente e re- tras pessoas falam por ele. E, mesmo no
tornou com o crachá adequado (Peters e Wa- momento da história em que ele poderia ter
terman, 1982, citado em Mumby, 1987: 121). falado, simplesmente ergue a mão e as coi-
sas acontecem (Mumby, 1987). Usando essa
A história deixa claro que, independentemente história aparentemente inocente como um
de poder e de status dentro da hierarquia or- exemplo, você pode observar a comunica-
ganizacional, todos os membros têm de obe- ção em funcionamento. Ela conta aos mem-
decer rigidamente às regras. Watson e a su- bros da organização como eles devem se
pervisora estabeleceram um exemplo de com- comportar (seguir as normas rigorosamen-
portamento correto: Watson providencian- te) e, simultaneamente, promove e reforça
do o crachá correto e a supervisora agindo as relações de poder organizacionais (Wat-
rigorosamente, de acordo com as regras. Mas son como uma figura divina, Burger como
a história também funciona como um pon- uma mulher que se envolve apenas com seu
to de referência para os membros da orga- trabalho).
nização (especialmente para os novatos, que Em geral, a comunicação é mais poderosa
ainda não sabem como a organização fun- quando utiliza imagens em vez de palavras e
ciona realmente) e possui mais um signifi- conceitos. Observando como líderes estimu-
cado sutil. Como demonstra a história, to- lam pessoas através da comunicação, uma
dos na IBM têm de aceitar igualmente as equipe de pesquisadores analisaram o estilo de
normas. Entretanto, o que a história não comunicação de presidentes norte-americanos
menciona é que essas regras são estabeleci- e a inspiração sentida pelos cidadãos (Roche,
das pela administração, por pessoas como 2001). O resultado foi impressionante. Os
Watson e não pela supervisora. presidentes que foram descritos como caris-
Mumby (1987) afirma que a história pos- máticos e incríveis usaram palavras baseadas
sui vários significados subjacentes que influen- em imagens para comunicar sua visão. Eles
ciam de maneira muito intensa a realidade pintaram figuras verbais que realmente inspi-
organizacional. Se Watson fosse realmente raram seus compatriotas. John F. Kennedy afir-
apenas outro funcionário que tivesse de seguir mou em seu discurso de posse: “Juntos per-
as normas, não valeria a pena a história ser mita-nos explorar as estrelas, conquistar de-
recontada. Simultaneamente, Watson é apre- sertos, erradicar doenças, tocar as profunde-
sentado como um funcionário “comum”, com zas do oceano e encorajar as artes e o comér-
o qual se pode conversar tanto quanto qual- cio”. Compare-o com o discurso de Jimmy
quer outro membro da organização, mas, ao Carter, em que afirmou, “permita que nossos
mesmo tempo, se mostra como uma figura recentes enganos tragam um compromisso
divina na história. Observe apenas a descri- ressurgente com os princípios básicos de nos-
ção dos dois atores. A supervisora é descrita sa nação, para que saibamos que se desprezar-
como uma “recém-casada de 22 anos de ida- mos nosso próprio governo, não teremos fu-
de, pesando 41 quilos, cujo marido foi man- turo”. Enquanto Kennedy utilizou imagens
dado para fora do país”; suas roupas não ser- cheias de vida, Carter fez uso de conceitos
vem e ela está nervosa ao enfrentar Watson. abstratos que parecem continuar vazios e fa-
Apesar de a história pintar uma fotografia lham ao criar compromisso. Em resumo, a
pobre dela, trabalhando apenas porque seu comunicação com base em imagens é muito
marido está fora do país, Watson mostra-se mais poderosa que a linguagem voltada para
quase mítico, cercado por uma espécie de sé- conceitos. Em vez de falar apenas sobre sus-
quito que normalmente acompanha um rei. tentabilidade, os administradores devem falar
CAPÍTULO SETE ADMINISTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO 337

sobre como podemos nos manter em contato prestar atenção aos paradoxos ocultos na co-
com nossos filhos e com a natureza. municação. Por exemplo, dizer às pessoas para
Administradores eficazes e poderosos criam “serem espontâneas!” representa uma situação
circuitos de feedback. Será decisivo que você difícil que torna impossível elas se comporta-
saiba o que outras pessoas pensam a respeito rem, realmente, de maneira espontânea. Se elas
de suas iniciativas, pois exercitar poder sem o fazem, obedecem à sua sugestão e simples-
saber como ele está sendo recebido é encami- mente não são espontâneas. Alguns tipos de
nhar-se para uma queda. Assim, sondar o pronunciamentos são referidos como profeci-
ambiente torna-se uma tarefa vital. As men- as autorrealizáveis: transmitem comunicações
sagens podem ser ambíguas ou difíceis de en- que motivam o que declaram acontecer. Pen-
tender, o que torna necessário descobrir como se no mercado de ações. Se todo mundo acre-
elas realmente são compreendidas. Isso envolve ditar que a economia irá mal, as pessoas serão
todos os níveis – de funcionários a stakehol- mais cuidadosas com seus investimentos, o que
ders e clientes. Novamente, isso desafia a es- realmente irá ocasionar o que temiam. Ou se
trutura da organização a oferecer canais, em você tem medo de não ter sucesso em um exa-
que essa comunicação pode acontecer. A prer- me, esse medo pode inibi-lo de ter um de-
rogativa tem seus privilégios, pois a comuni- sempenho normal e você pode não ter suces-
cação administrativa não somente reflete a so, em função de seu medo.
realidade, mas, também, busca constituí-la.
Assegurar feedback é especialmente impor-
tante quando um conjunto particular de con- Comunicação polifônica
sequências inesperadas possam surgir. Mudan-
ças importantes na administração e em orga- Em uma metáfora geralmente utilizada por
nizações não são somente disseminadas nas escritores e artistas, as organizações podem ser
palavras e por elas, mas somente se tornam ditas similares à Torre de Babel,¹ construções
vivas quando as pessoas adotam o vocabulá- imperfeitas e diferentes, produto de pessoas
rio recentemente proposto e descrevem nova- falando muitas línguas. Diferentes culturas e
mente suas experiências, utilizando essa nova subculturas, cada uma com sua própria voz,
linguagem, como o sistema de gestão da qua- criaram uma realidade organizacional confu-
lidade total (GTQ). A partir do uso de uma sa. Em vez de forçar todas as pessoas a falar
nova linguagem, elas criam e colocam em prá- uma língua, homogeneizando a organização
tica uma nova realidade. Contudo, você deve em uma comunicação monotônica, o que le-

O QUE QUER DIZER?

Quando o anúncio de um fato esperto árbitro disse: “Elas não são nada até que
cria o fato em si eu diga o que elas são”. Como afirma o terceiro
árbitro, bolas e strikes não existem sem julga-
Um exemplo a partir de um esporte que você mento; ao contrário, tornam-se reais somente quan-
pode encontrar no livro de Weick (1979) ilustra o do são consideradas como tais. Mas a maioria dos
poder da prerrogativa de forma humorística: “A administradores estão envolvidos em jogos que
história conta que três árbitros não concordavam são, de longe, mais complicados que o baseball e
a respeito da tarefa de julgar a validade das jo- têm regras muito mais indefinidas e inerentemente
gadas e identificar strikes. O primeiro disse: “Eu problemáticas e, sob essas circunstâncias, seriam
as considero como são”. O segundo disse: “Eu tolos os que acreditassem em suas próprias de-
as considero como as vejo”. O terceiro e mais clarações sem, antes, assegurar feedback.
338 PARTE DOIS ADMINISTRAÇÃO DE PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

varia, por fim, à mor- Polifonia significa, lite- das. Pessoas da periferia (novatos e de fora
te da criatividade (ver, ralmente, a presença de da empresa) irão pensar de maneira mais
também, Capítulo 9), muitas vozes e, portan- criativa, pois estão “expostos a ideias e de-
to, de diferentes ideias e
a administração deve perspectivas. senvolvimentos que não estão em confor-
reconhecer o valor da midade com as ortodoxias da empresa” (Ha-
polifonia. mel, 1996: 77). Assim, em vez de oferecer
Boje (2002) tem uma metáfora para com- uma liderança forte que silencia divergên-
preender as organizações que fazem uso da cias, as organizações devem utilizar, em suas
Tamaraland, uma produção teatral. Tamara- narrativas, a polifonia que está à disposição.
land é uma peça, em que diferentes atos acon- “Narrativas”, conforme sugere Mumby
tecem, simultaneamente, em diversos espaços, (1987: 113), “oferecem aos membros rela-
onde o público está livre para se movimentar. tos do processo de organizar. Tais relatos le-
O que um membro do público encontra, bem gitimam, potencialmente, as formas domi-
como o sentido que ele dá para isso, irá variar nantes da realidade organizacional e con-
significativamente, de acordo com o rumo que duzem ao encerramento discursivo, no sen-
tomará com relação aos espaços. A produção tido de restringir interpretações e significa-
dá uma ideia do que seja ser um membro pro- dos que podem ser atrelados à atividade or-
blemático do público. Contudo, o mais im- ganizacional”. Assim, narrativas não são so-
portante é que a peça rompe com
noções de linearidade, especial-
mente pela forma que o público
se relaciona com a mesma, pelas
inúmeras experiências, dependen-
do da ordem em que ele entra em
salas específicas. Para Boje, Ta-
maraland, como multiplicidade
de significados, resultados e ex-
periências, é uma projeção de
organizações modernas. Segun-
do ele, apesar de as organizações
poderem ser descritas por mis-
sões, estratégias e assim por
diante, existem muitos diretores
(p. ex., finanças, marketing, re-
cursos humanos), para apenas
um script.
Boje sugere que considere-
mos as organizações como um
metateatro, como uma multipli-
cidade de dramas simultâneos/
descontínuos, cujo sentido você
dá conforme segue adiante.
Múltiplas pessoas criam múlti-
plos sentidos, e processos de sen-
semaking de sucesso escutam,
democraticamente, vozes que IMAGEM 7.13 Imagine a polifonia como um buquê de flores,
normalmente estariam silencia- representando diferentes vozes.
CAPÍTULO SETE ADMINISTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO 339

mente artifícios de sensemaking, mas tam- oferecem a matriz para conversas, ações e to-
bém uma “produção motivada politicamente madas de decisão organizacionais normais
de uma determinada forma de perceber o podem ser potencialmente produtivas ou con-
mundo” (Mumby, 1987: 114). traprodutivas, funcionais ou não funcionais.
A 3M mudou basicamente a forma de re- Se as imagens forem monotônicas, concebi-
digir planos de negócio e seu processo de das remotamente e impostas de cima para bai-
sensemaking. Em vez de surgir com uma lista xo aos membros da organização, existe mais
dos pontos a serem realizados, a 3M – as pes- probabilidade de um menor senso de proprie-
soas por trás do bloco de notas Post-it e mui- dade, comprometimento e responsabilidade,
tos outros produtos – criou uma história que pois foram criadas poucas oportunidades para
explica a nova ideia, e como ela deveria se participar de construção ou compartilhamento
tornar realidade. A abordagem da narrativa de sentido. Em contraposição, procurar ad-
cria compromisso e motivação em toda a or- ministrar organizações de maneira polifônica
ganização. significa engajar-se em diferentes histórias que
Considerando que essas histórias põem em são comunicadas por vários canais com dife-
prática e reforçam uma determinada imagem rentes significados, ao mesmo tempo. Ao fa-
de uma organização que pode influenciar seus zer isso, reduzimos o risco do pensamento gru-
membros, quase de forma subliminar, abaixo pal e aumentamos nossa capacidade de pen-
do limite de suas consciências, narrativas que sar criativamente.

RESUMO E RECAPITULAÇÃO O capítulo percorreu o comportamento organi-


zacional, a teoria do discurso, a teoria da comuni-
A comunicação organizacional é absolutamente cação e o marketing, ajudando-o a entender, por
central para a administração. Como vimos, ela va- completo, o significado da comunicação. Explora-
ria entre diversas abordagens e análises. Importan- mos o papel do marketing e da criação de marca
tes teorias provêm de áreas de comportamento or- em organizações modernas. Embora você irá ou-
ganizacional e de análises do discurso. Enquanto a vir falar mais sobre esses conceitos em outras
primeira se concentra no compartilhamento de signi- obras, é importante observar como elas abordam
ficados e interpretações, a última centra-se na cons- as organizações. Considerando todas as linhas de
tituição da realidade por meio da comunicação. pensamento, o conceito de Schltz e Hatch de or-
Discutimos diferentes níveis de comunicação, ganização expressiva é um importante progresso
incluindo comunicação interpessoal (comunicação para compreender a forma por que as organiza-
direta entre você e seu amigo, em um bar); comu- ções modernas estão se desenvolvendo em enti-
nicação impessoal (entre você e um operador de call dades amplamente comunicativas, que subcon-
center); comunicação em pequenos grupos (com tratam quase tudo, exceto o controle sobre a
uma equipe); e, finalmente, comunicação de massa marca central. Esse é o caminho que organiza-
(p. ex., um anúncio da Apple em uma revista que ções corporativas importantes, como a Nike e a
fala sobre os últimos lançamentos de produto). Zara, seguem.
É importante manter separados os diferentes Administrar comunicação significa lidar com
níveis de comunicação, pois todos seguem normas poder. Vamos nos deparar ainda com esse assun-
diferentes. O que funciona bem na comunicação to no Capítulo 12, quando discutiremos a análise
de massa não funcionaria quando bem aplicado dos círculos viciosos de Gouldner. No contexto da
em uma discussão, com um amigo, em um bar. A administração da comunicação, os aspectos posi-
fim de comunicar de maneira eficaz, você precisa tivos do poder são particularmente evidentes. Co-
diferenciar os públicos da comunicação: você pode municação, envolvendo o conversar, o ouvir e a
comunicar dentro de uma organização, com outra criação de sentido, a partir de diferentes identida-
organização ou com outros stakeholders, como a des e entre elas, envolve, necessariamente, polifo-
mídia, um grupo da comunidade local ou sindicatos. nia. Administrar a polifonia exige repensar e des-
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

Você também pode gostar