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Brazilian Journal of Development

Controle de qualidade microbiológica de produtos não estéreis

Microbiological quality control in non-sterile products

DOI:10.34117/bjdv6n1-208
Recebimento dos originais: 30/11/2019
Aceitação para publicação: 20/01/2020

Nathália dos Reis Vieira


Biomédica pela Universidade Paulista, UNIP, Campinas-SP
Endereço: Avenida das Andorinhas, 260, Jd das Andorinhas, CEP 13101-400
E-mail: nathalia-vieira@hotmail.com

Wânia de Oliveira Vianna


Farmacêutica, Doutora, Professora Titular e Coordenadora do Curso de Farmácia da Universidade
Paulista - UNIP, Campinas, São Paulo-SP, Brasil
Endereço: Av. Comendador Enzo Ferrari, 280 - Swift, 13045-770, Campinas - SP
E-mail: wanniavianna@gmail.com

Jacqueline Fátima Martins de Almeida


Biomédica, Doutora, Professora Titular da Universidade Paulista - UNIP, Campinas, São Paulo-SP,
Brasil
Endereço: Av. Comendador Enzo Ferrari, 280 - Swift, 13045-770, Campinas - SP
E-mail: jacqueline.moraes@docente.unip.br

RESUMO
Produtos não estéreis são aqueles nos quais se admite a presença de carga microbiana, embora
limitada, tendo em vista as características da utilização do produto. A atenção no monitoramento e
controle desses produtos não estéreis assegura que a carga microbiana residente, seja esta no aspecto
qualitativo ou quantitativo, não comprometa e não interfira na qualidade final e na segurança do
paciente, sendo que os valores de referências são definidos pelas Farmacopeias. O presente trabalho
tem como objetivo determinar a contaminação microbiana em produtos farmacêuticos. Para isso,
realizou-se um levantamento dos laudos e boletins analíticos emitidos no período de janeiro a junho
de 2016, onde foi realizada a análise microbiológica para pesquisa e contagem de bactérias, bolores,
leveduras. Foram analisadas 774 amostras, das quais 42 (5,4%) estavam fora das conformidades.
Dentre elas, produtos oriundos de farmácias magistrais apresentaram maior incidência de
contaminação (9,36%), dos quais 1,81% apresentaram contaminação por Pseudomonas aeruginosa,
0,9% contaminação por Escherichia coli, e 2,42% por Staphylococcus aureus. Quanto aos produtos
não aquosos para uso oral, 3% demonstraram-se fora das especificações farmacopeicas. Diante dos
resultados obtidos, observa-se a necessidade de reforço e monitoramentos nas boas práticas de
fabricação, principalmente em produtos oriundos de farmácias magistrais.

Palavras-chave: Produtos não estéreis, Controle de qualidade, Contaminação microbiológica,


Farmacopéia, Medicamentos

ABCTRACT
Non-sterile products are those in which the presence of microbial filler is admitted, albeit limited, in
view of the characteristics of the use of the product. Attention in the monitoring and control of these
non-sterile products ensures that the resident microbial load, whether qualitative or quantitative, does
not compromise and does not interfere with the final quality and safety of the patient, and the

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reference values are defined by Pharmacopoeias. The present study aims to determine the microbial
contamination in pharmaceutical products. For this, a survey of the reports and analytical reports
issued from January to June 2016 was carried out, where the microbiological analysis was performed
to search and count bacteria, molds and yeasts. A total of 774 samples were analyzed and 42 (5.4%)
were out of compliance. Among them, products from master pharmacies showed a higher incidence
of contamination (9.36%), of which 1.81% presented contamination by Pseudomonas aeruginosa,
0.9% contamination by Escherichia coli, and 2.42% by Staphylococcus aureus. For non-aqueous
products for oral use, 3% were found to be out of pharmacopoeial specifications. In view of the results
obtained, it is observed the need for reinforcement and monitoring in good manufacturing practices,
mainly in products from manipulation pharmacies.

Key words: Non-sterile products, Quality control, Microbiological contamination, Pharmacopoeias,


Drugs

1 INTRODUÇÃO
A crescente preocupação da tríade qualidade-segurança-eficácia já não é segredo nas
indústrias do ramo farmacêutico. Mesmo com a concorrência cada vez maior, as mesmas precisam
garantir bons produtos, que atendam a demanda do mercado, sejam acessíveis ao consumidor e acima
de tudo, que cumpram as normas de qualidade impostas pelos órgãos reguladores. A garantia do
cumprimento de tais especificações durante todo o fluxo do processo de produção é o requisito básico
para o cumprimento das boas práticas da fabricação em medicamentos, redigidas na Resolução nº 17,
de 16 de abril de 2010 (ANVISA, 2010).
Um dos principais fatores analisados no controle de qualidade dos produtos farmacêuticos é
a contaminação microbiana, que por definição é a adição intencional ou acidental de microrganismos
como bactérias, fungos e seus subprodutos, como toxinas, ao produto manipulado (GABRIEL, 2008).
Sua patogenicidade depende de três variáveis: microrganismo contaminante, carga de contaminação
e a via de administração pela qual foi inoculado (BAIRD, BLOOMFIELD, 1996; PINTO, KANEKO,
OHARA, 2003). A qualidade microbiana é uma das exigências em relação a critérios de aceitação e
segurança, pois além de alterar a estabilidade, a eficácia terapêutica e características físico-químicas
do produto, como odor e cor, apresenta alto risco a saúde do consumidor, principalmente se tratando
de microrganismos com potencial patogênico (SOUZA, OHARA, SAITO, 1994; ZEITOUN et al.,
2015). No entanto, alguns produtos são considerados não estéreis, ou seja, aqueles que permitem uma
determinada carga microbiana embora limitada (OHARA, SAITO, 1984; ZEITOUN et al., 2015),
mas que devem atender aos parâmetros de garantia de qualidade, onde sua carga microbiana não
comprometa as propriedades do produto final.
A origem da matéria-prima, local e condições de armazenamento das mesmas, higiene do
manipulador, água para a fabricação dos medicamentos, ar do local de fabricação dos produtos,
superfície contaminada e a presença de biofilmes são pontos críticos de controle que devem ser

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monitoradas por apresentarem pontos específicos de potencial contaminação (CORREA, 1998;
DELGADO, KNEIFE, 2004; CZECH, KOPP, 2002). A qualidade microbiológica exigida de um
fármaco não pode ser obtida através de um processo esterilizante, como uso de calor e radiação
ionizante, dado por dois motivos principais: não é aceitável pelas autoridades sanitárias que se use
matéria-prima e procedimentos de baixa qualidade, e depois esse seja adequado no processo de
esterilização e também muitos produtos não suportariam esse tipo de tratamento, pois podem perder
suas propriedades como por exemplo uma emulsão. Dessa forma, a abordagem mais confiável para
assegurar sua qualidade é a utilização de matéria-prima de boa qualidade e assegurar o processamento
correto do produto (AULTON, 2005).
Medicamentos manipulados em farmácias magistrais (também designada farmácia de
manipulação) merecem uma atenção especial, devido ao aumento gradativo das mesmas no mercado
brasileiro. Contaminação cruzada e contaminação do produto pelos funcionários são problemas
enfrentados nesses locais. A atenção no controle dos produtos manipulados assegura que a carga
microbiana não comprometa a qualidade final ou a segurança do paciente (BONFILIO, 2010). É
válido ressaltar o risco de contaminação cruzada nesses medicamentos pelos manipuladores, fato este
que agrega um alto risco de contaminação microbiana para o consumidor final. Em uma pesquisa
realizada em 2004, onde se realizou a contagem e análise de patógenos em produtos farmacêuticos,
cosméticos e fitoterápicos, 7,7% das amostras testadas foram reprovados (YAMAMOTO et al.,
2004). Em outra pesquisa, 58,5% das drogas vegetais apresentaram contagem de bactérias superiores
ao limite farmacopeico e 63,1% de fungos acima do limite (BRUGNO et al., 2005). Esses números
comprovam a importância dos cuidados em todo o processo na produção de medicamentos
manipulados.
Dessa forma, este trabalho teve como objetivo analisar o índice de não conformidade, quanto
à contaminação microbiológica, de medicamentos não estéreis comercializados no município de
Campinas-SP.

2 MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho trata-se de um estudo observacional quantitativo, de corte transversal e
retrospectivo. Foi realizada coleta dos resultados de análises microbiológicas de produtos
farmacêuticos não estéreis, armazenados no sistema de um laboratório de análises químicas, situado
no município de Campinas- SP. O presente trabalho é dispensado de apresentação ao Comitê de Ética
e Pesquisa por não envolver direta ou indiretamente seres humanos.
Foram coletadas informações de 774 amostras comercializadas em farmácias de manipulação,
drogarias e amostras destinadas ao controle de qualidade, proveniente da produção de grandes

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farmacêuticas multinacionais. Os dados são provenientes de laudos e boletins analíticos emitidos ao
contratante do serviço prestado no período de Janeiro de 2016 a Junho de 2016, tais como:
especificações da amostra, dos quais incluem a forma farmacêutica do medicamento, via de
administração e dados referente a análise realizada, como a contagem de bactérias heterotróficas
totais, contagem de fungos (bolores e leveduras), presença dos patógenos Escherichia coli,
Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella spp, coliformes totais e fecais e
Candida albicans.
As 774 amostras analisadas foram estratificadas em seis grupos, de acordo com a via de
administração, divisão essa adotada pela Farmacopeia Brasileira 5ª edição: bases galênicas,
preparações não aquosas para uso oral, medicamentos para uso tópico, preparações aquosas para uso
oral, preparações vaginais e inalatórios (Figura 1). Das quais 331(42,77%) tratava-se de bases
galênicas em forma de base, creme, gel, emulsão, xampu, extratos de plantas, condicionador capilar
e sabonete líquido, 234 (30,23%) amostras tratavam-se de preparações não aquosa para uso oral em
forma de cápsula e comprimido, 107 (13,82%) amostras destinadas ao uso tópico (pomada, gel,
aerossol), 77 (9,95%) aquosa de uso oral (xarope, suspensão e solução), 10 (1,29%) cremes para
preparação vaginal e 15 (1,94%) inalatórios (Gráfico 1).

Via de
administração

Bases Não aquosa Aquoso uso Preparação


Uso tópico Inalatórios
galênicas uso oral oral vaginal

cápsula, pomada, xarope,


base, creme, comprimido gel, spray suspensão Creme aerossol
gel, emulsão, s revestidos nasal e solução
xampu, extratos
de plantas,
condicionador
capilar e
sabonete líquido

Figura 1 - Classificação dos medicamentos de acordo com a via de administração.

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Os ensaios analíticos empregados estão descritos nos compêndios oficiais da Farmacopeia
Brasileira 5ª edição (ANVISA, 2010b) e Farmacopeia Americana 39 edição (UNITED STATES
PHARMACOPEIA, 2016), como métodos gerais de ensaios microbiológicos. Para a análise de
contagem de microrganismos mesófilos (bactérias e fungos), os microrganismos foram cultivados em
meio líquido caldo caseína-soja estéril, seguido do cultivo em Agar Caseína Soja para análise de
bactérias e para análise de fungos foi utilizado o Agar Sabouraud dextrose. Dado período de
incubação, com auxílio de loop estéril, estriou-se por esgotamento uma alçada da diluição em Agar
seletivo Sal Manitol, a fim de detectar colônias características de Staphylococcus aureus; realizou-se
o igual procedimento em Agar Cetrimida, seletivo para Pseudomonas aeruginosa. Para pesquisa de
Escherichia coli utilizou-se de caldo de enriquecimento MacConkey Broth, realizando-se a
subcultura em Agar MacConkey para crescimento das colônias. O mesmo procedimento aplica-se a
coliformes totais e fecais. A pesquisa de Salmonella spp. foi realizada obrigatoriamente com a
diluição 1:10 da amostra, a qual foi transferida ao caldo de enriquecimento Rappaport Vassiliadis
após 24 horas em temperatura 32,5±2,5°C e realizado a subcultura em Agar Xilose Lisina
Desoxicolato para caracterização das colônias. Toda massa celular com crescimento positivo ao ágar
seletivo foi feita prova microbiana para confirmação.

Preparações vaginais Inalatórios


1,29% 1,94%
Aquoso uso oral
9,95%
Uso tópico
13,83% Bases galênicas
42,76%

Não aquoso para


uso oral
30,23%

Gráfico 1 - Estratificação das amostras de acordo com a via de administração.

3 RESULTADOS
Dentre as 774 amostras analisadas, 94,58% (732/774) amostras estavam em conformidade
com os limites estabelecidos pelas Farmacopeias e 5,42% (42/774) amostras, em desacordo com a
mesma, pois apresentaram contaminação por microrganismos e patógenos. Dos resultados não
conformes, 32 (4,13%) entraram em desacordo devido a contagem de bactérias heterotróficas totais

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estar acima dos valores limítrofes e 26 (3,36%) valores de fungos acima do limite. Das formas
farmacêuticas que exigiam pesquisa de Staphylococcus aureus, 8 (1,03%) apresentaram
contaminação, as que determinavam pesquisa de Pseudomonas aeruginosa, 5 (0,65%) apresentaram
resultados positivos e as que foram feitas pesquisa de Escherichia coli, coliformes totais e
termotolerantes 5 (0,65%) entraram em desacordo. Não houve nenhuma amostra contaminada por
Candida albicans, Salmonella spp e gram negativa bile-tolerantes (Tabela 1).

Tabela 1 - Resultado das análises microbiológicas de bases galênicas, preparações aquosas e não aquosas para uso oral,
preparações vaginais, inalatórios e medicamentos para uso tópico no período de Janeiro/2016 à Junho/2016.
Amostras Total
Analisadas 774 (100%)
Aprovadas 732 (94,57%)
Reprovadas 42 (5,43%)
Reprovadas por bactérias heterotróficas
32 (4,13%)
acima dos valores limítrofes
Reprovadas por fungos acima dos valores
26 (3,36%)
limítrofes
Reprovadas pela presença de E. coli 5 (0,65%)
Reprovadas pela presença de S. aureus 8 (1,03%)
Reprovadas pela presença de P. aeruginosa 5 (0,65%)

Das subdivisões, 331 amostras tratavam-se de produtos oriundos de farmácias de


manipulação (bases galênicas). Dessas, 21 (6,34 %) estavam contaminadas por bactérias
heterotróficas totais, 19 (5,74%) contaminadas por fungos; 8 amostras (2,42%) contaminadas com S.
aureus, 6 (1,81%) contaminadas com Pseudomonas aeruginosa e, 3 (0,91%) contaminadas por
Escherichia coli, coliformes totais e fecais. Das 234 amostras de preparação não aquosa para uso oral,
7 (2,99%) delas estavam contaminadas, onde 6 (2,56%) apresentaram valores de bactérias em
desacordo, 6 (2,56%) valores de fungos não conformes e 1(0,43%) contaminação por Escherichia
coli; das 77 preparações aquosas para uso oral, 1 (1,30%) estava contaminada por bactérias e a
mesma, contaminada por Escherichia coli.107 produtos de uso tópico foram pesquisados, onde 3
(2,80%) estavam com valores de bactérias e fungos em desacordo (Tabela 2). Preparações vaginais e
produtos inalatórios apresentaram-se todos dentro da especificação.

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Tabela 2 - Resultado das análises microbiológicas de bases galênicas, preparações não aquosas para uso oral, preparações
aquosas para uso oral e uso tópico, realizadas no período de janeiro/2016 a junho/2016.
Preparações Preparação
Bases galênicas não aquosas aquosas uso Uso tópico
para uso oral oral
Analisadas 331 (100%) 234 (100%) 77 (100%) 107 (100%)
Aprovadas 300 (90,63%) 227 (97,00%) 76 (98,70%) 104 (98,70%)
Reprovadas 31(9,36%) 7 (2,99%) 1 (1,30%) 3 (2,80%)
Reprovadas
por
contaminação 21 (6,34%) 6 (2,56%) 1 (1,30%) 3 (2,80%)
por bactérias
heterotróficas
Reprovadas
por
contaminação Não
19 (5,74%) 6 (2,56%) 3 (2,80%)
por fungos contaminado
(bolores e
leveduras)
Reprovadas
pela presença
3 (0,91%) 1 (0,43%) 1 (1,30%) Não aplicável
de E. coli

Reprovadas
pela presença Não
8 (2,42%) Não aplicável Não aplicável
de S. aureus contaminado

Reprovadas
pela presença
Não
de P. 6 (1,81%) Não aplicável Não aplicável
contaminado
aeruginosa

Em relação à contagem de bactérias heterotróficas totais, constatou-se que as mesmas


tiveram valores entre 3,9 x 101 UFC/g ou mL a 2,06 x 106 UFC/g ou mL; para contagem total de
fungos (bolores e leveduras), a variação foi de 2,3 x 101 UFC/g ou mL a 2,8 x 105 UFC/g ou mL.

4 DISCUSSÃO
O presente estudo apresenta a contaminação microbiana encontrada em produtos
farmacêuticos não estéreis, comercializados na cidade de Campinas, onde delineou-se o perfil de
contaminação de acordo com os diferentes tipos de formulações.
Produtos farmacêuticos estão sujeitos à contaminação por bactérias heterotróficas, fungos
e leveduras, podendo esta ser proveniente da falha no processo de produção, estocagem e uso da

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matéria-prima de baixa qualidade (ANDRADE et al., 2005; DENYER, BAIRD, 1990), fatores esses
cruciais na qualidade final do produto.
Em estudo feito por Andrade e colaboradores, detectou-se que 10,5% dos medicamentos
para administração por via oral contendo matéria-prima de origem natural estavam fora da
especificação (ANDRADE et al., 2005). Em 2008, outra pesquisa aponta que 37% das amostras da
mesma origem apresentaram populações bacterianas e fúngicas acima do tolerável, ou continham
bactérias patogênicas (SCHUTZ, VELAZQUEZ, ABEGG, 2008). Essa variação é explicada
sabendo-se que cada farmácia de manipulação possui seu processo de fabricação, onde pequenas
falhas nas boas práticas de fabricação impactam na qualidade do produto final. Em relação a presença
de patógenos, o mesmo estudo comprovou a presença de Escherichia coli em 7,4% das amostras
analisadas e Staphylococcus aureus em 22,2% (SCHUTZ, VELAZQUEZ, ABEGG, 2008). Zaroni et
al detectou que em 23,61% dos medicamentos de origem natural ocorreu crescimento de
Pseudomonas aeruginosa e 22,2% crescimento de Escherichia coli. No mesmo não detectou a
presença de Salmonella e Staphylococcus aureus (ZARONI et al., 2004).
Em relação às bases galênicas, nas quais se inclui formulações-base de creme, loções e géis,
onde entende-se por produtos oriundos de farmácias de manipulação, Andrade e colaboradores
constataram que somente 2,83% dos produtos estavam fora da especificação farmacopeica e três
apresentaram contaminação por bastonetes gram-positivos não fermentadores de lactose
(ANDRADE et al., 2005). Matéria-prima vegetal e produtos naturais, 3,51% e 10,5%
respectivamente entraram em desacordo. Segundo Yamamoto e colaboradores, em uma pesquisa
realizada em 2004 foi feita a contagem e análise de patógenos em produtos farmacêuticos, cosméticos
e fitoterápicos, 7,7% foram reprovados, sendo estes 5% apresentando a contagem de bactérias acima
do limite estabelecido, 3,1% contagem de fungos acima do estabelecido, 0,8% com a presença de E.
coli e 0,4% com a presença de Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus (YAMAMOTO et
al., 2004). Bonfilio et al apresentaram valores discrepantes, onde analisaram 2347 amostras
manipuladas e dessas, somente (0,96%) foram reprovadas (BONFILIO et al., 2013).
É conhecido que produtos manipulados são produzidos individualmente, de acordo com cada
prescrição, o que dificulta mapeá-los como um todo. Várias são as fontes de contaminação, como o
fracionamento da matéria-prima, processo esse que causa o carreamento de partículas visíveis e
subvisíveis, aumentando a contaminação microbiana (YAMAMOTO et al., 2004), pureza da água
utilizada no processo, do ar comprimido e ar ambiente, materiais de acondicionamento e embalagens,
equipamentos e utensílios da produção, até os cuidados e boas práticas de fabricação do pessoal
operacional (AMARAL, 2017), o que também explica a presença de patógenos em algumas amostras
(ANDRADE et al., 2005; TRABULSI, 2009). A presença desses microrganismos patogênicos é um

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grande indicativo de contaminação cruzada do manipulador, pois sabe-se que alguns são encontrados
com frequência nas fossas nasais e cavidade oral (KERN, BLEVINS, 1999) e outros transmitidos
pela via oral-fecal (SUTTON, JIMENEZ, 2012). Dessa forma, a garantia da higiene industrial,
monitoramento ambiental da água utilizada, e condições higiênico-sanitária dos colaboradores,
reduzem a carga microbiana do produto final (KNEIFE, CZECH, KOPP, 2002).
Um artigo publicado na American Pharmaceutical Review, em janeiro de 2012, mostrou a
realização de 147 recalls de produtos não estéreis, sendo 77 casos de contaminação por bacilos gram
negativos (como Escherichia coli, Salmonella spp. , Staphylococcus aureus, Serratia e Klebsiella ),
23 apresentaram a presença de bolores e leveduras e três casos de contaminação por cocos gram
positivos, no período de 2004 a 2011 (SUTTON, JIMENEZ, 2012). É justificável que produtos
oriundos de processos controlados por indústrias apresentem menor indicie de contaminação,
sabendo que as mesmas possuem um rigoroso controle de qualidade baseado em auditorias e
investigações internas, padronizado e documentado, afim de evitar tais problemas (KERN,
BLEVINS, 1999), visto que a mesma trabalha com lotes de quantidades gigantescas.
Ratajczak et al. realizou, em 2014, o levantamento de dados de 1285 de produtos não estéreis,
onde avaliou os mesmos grupos de medicamentos do presente estudo, baseando-se na Farmacopeia
Europeia (harmonizada com a Farmacopeia Brasileira) (RATAJCZAK et al., 2015). Neste estudo,
dentre o total de amostras, somente 1,87% (24 amostras) apresentou não conformidade. Preparações
não aquosas para uso oral (a saber, comprimidos revestidos e cápsulas), detiveram a porcentagem de
0,98% (equivalente a sete amostras). A inconformidade foi atribuída a contagem de bactérias acima
do limite (1,6 x 105UFC/g) e fungos (3,4 x 103UFC/g) (RATAJCZAK et al., 2015). A baixa
contaminação em comprimidos revestidos e cápsulas é esperada, pois sabe-se que essas preparações
apresentam baixa atividade de água, o que dificulta o crescimento de microrganismos, porém a falta
de cuidados no processo de fabricação (contaminação cruzada) pode acarretar carga microbiana nos
mesmos e até mesmo a presença de patógenos oportunistas.
Em relação as preparações aquosas para uso oral, somente uma amostra apresentou contagem
de bactérias (4,2 x 104 UFC/mL) (RATAJCZAK et al., 2015). Produtos aquosos como xaropes e
suspensões, que apresentam maior atividade de água livre, são mais tendenciosos ao desenvolvimento
de bactérias, fungos e patógenos como Pseudomonas aeruginosa, dado que a água é um substrato
para o crescimento de muitos microrganismos. Em contrapartida, medicamentos com baixa atividade
de água, pH extremamente ácido ou alcalino, ausentes de nutrientes e adicionados de conservantes
ajudam na prevenção da contaminação microbiana (AMARAL, 2017; SUTTON, JIMENEZ, 2012).
Nesse trabalho, essa regra não foi observada, fato justificado pela quantidade de amostras não aquosas

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serem mais prevalentes que as aquosas para uso oral. Segundo a mesma pesquisa, não foi encontrado
contaminação em produto destinado a uso tópico e preparações vaginais (RATAJCZAK et al., 2015).
A crescente preocupação com o controle de qualidade dos medicamentos é um tópico
emergente e de suma importância para o ramo farmacêutico. Produtos não estéreis possuem
determinado grau de tolerância à presença de microrganismos não patogênicos, entretanto estes não
devem transcender aos valores limites determinados pela legislação, pois sabe-se que altas cargas
microbianas podem ocasionar patologias, principalmente em pacientes com sistema imune
deprimido, onde nesses casos como consequência grave e irreversível, levar ao óbito.

5 CONCLUSÃO
A contaminação microbiana de um fármaco tem sido um problema recorrente, por resultar na
deterioração do princípio ativo, afetando a potência e estabilidade do mesmo (ZEITOUN et al., 2015).
O monitoramento e controle da qualidade dos produtos farmacêuticos, é de suma importância para
assegurar a eficiência do produto comercializado.
Dessa forma, conclui-se que os medicamentos não estéreis do tipo base galênica (a entender
por todos aqueles produzidos em farmácia de manipulação), preparações aquosas e não aquosas para
uso oral e preparações destinadas a uso tópico, apresentaram incidência de contaminação acima dos
limites permitidos pela Farmacopeia Brasileira. Portanto faz-se necessário o controle microbiológico
mais rígido em relação aos produtos não estéreis, bem como conscientizar quanto a sua correta
manipulação e cuidados especiais, visando sempre preservar a saúde do consumidor e garantir a ação
benéfica para o qual foi destinado, não sendo veículo de contaminações secundárias ocasionando
problemas futuros ao paciente. Produtos produzidos de acordo com as boas práticas de
fabricação em laboratórios e condições higiênico sanitárias, apresentam melhor desempenho em
relação a carga microbiana no produto final, melhorando também seu aspecto físico-químico e a
contaminação microbiana agregada no mesmo, elevando assim a qualidade do produto
comercializado.

REFERÊNCIAS

AMARAL, F. D. Análise de riscos e pontos críticos de contaminação microbiana na


manipulação de produtos e insumos farmacêuticos. Anápolis: Goiás: Instituto de Ciência,
Tecnologia e Qualidade Industrial – ICTQ, 2006. Disponível em:
http://www.lucapeconsultores.com/artigos/analise_de_risco.pdf . Acesso em 25 abr. de 2017.

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ANVISA. AGENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Farmacopeia Brasileira,


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