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RESUMO

Torna-te aquilo que és! A hora e a vez exterioriza o embate da


personagem contra seus instintos, representados no paradoxo
anjo X demônio, o bem contra o mal, e retratados na dura
realidade do sertão mineiro, através da violência e do
sentimento de vingança. Estreitamente marcado por
elementos da narrativa, o conto Matraga apresenta como
ápice o cotidiano do sertanejo, a tragédia, a religiosidade, a
aventura, o animalesco e o primitivismo. As duras condições
do sertão obrigam as personagens a sobreviver
preponderantemente abrindo mão do direito de sonhar e
almejar dias melhores. O universo é nitidamente machista,
paternalista, autoritário e opressor. Dominação e poder são
conquistados por imposição, emprego de força bruta e
violência. Pensar Guimarães Rosa, é pensar no sertão
mineiro, pensar sua obra, é pensar uma narrativa de um
caboclo sertanejo. Religiosidade e redenção cristã são a
magnitude desta obra.

Palavras-chave: regionalismo, violência, redenção, Matraga.

INTRODUÇÃO

Este estudo tem o objetivo de apresentar uma leitura crítica


do conto a “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães
Rosa, publicado na obra Sagarana no ano de 1946.
Guimarães Rosa, nascido em Cordisburgo, MG, em 27 de
junho de 1908, filho de Florduardo Pinto Rosa e Francisca
Guimarães Rosa. É um dos grandes escritores de nossa
literatura, premiado e reconhecido, apresenta em suas obras
características bem peculiares empregadas em sua prosa
regionalista de poder renovador, fazendo uso de uma
linguagem criativa do sertão mineiro, expressando a
dualidade de suas personagens, abrilhantando a terceira fase
do modernismo. O ser humano é primordial na criação da
obra de Guimarães Rosa. Através da linguagem inovadora, a
estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos,
ele trouxe o regionalismo novamente em pauta, mas com um
novo significado e com uma estética universal. Terceiro
ocupante da Cadeira 2 da academia Brasileira de Letras,
eleito em 8 de agosto de 1963, na sucessão de João Neves
da Fontoura e recebido pelo Acadêmico Afonso Arinos de
Melo Franco em 16 de novembro de 1967. Posterior a sua
posse na Academia Brasileira de Letras, Guimarães Rosa
faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de novembro de
1967.
Em 1952, durante uma longa viagem a Mato Grosso escreveu
o conto publicado após sua morte "Com o vaqueiro Mariano".
O livro póstumo "Entremeio: Com o vaqueiro Mariano" (1969).
Publicado em 1956, Grande sertão: Veredas já foi traduzido
para muitas línguas. Guimarães Rosa; Grande sertão:
Veredas recebeu o Prêmio Machado de Assis, do Instituto
Nacional do Livro, o Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1956)
e o Prêmio Paula Brito (1957); Primeiras estórias recebeu o
Prêmio do PEN Clube do Brasil (1963).
Em 1946, a primeira obra João Guimarães Rosa é
publicada. Um livro de contos regionalistas,
Sagarana ostenta o regionalismo em seu título: “saga”
(sagen, de origem alemã) que significa lenda, mito, estória,
e “rana” (de origem tupi) que significa semelhante, parecido.
Recebeu o Prêmio Filipe d'Oliveira pelo obra.
Integrante do modernismo brasileiro, a dualidade, o bem e o
mal, ilustram as características do barroco presentes na
obra. A Poética de Aristóteles e seus elementos como a
peripécia, as mudanças que ocorrem dentro da obra, a
transformação de um estado de coisas para o seu oposto, de
forma provável ou inevitável. A ida de Matraga a fazenda do
Major Consilva enfatiza essa transformação. A arte imita a
natureza, não apenas retratando, realizando uma simples
cópia do real, mas fazendo como, produzindo ao modo
roseano, imitando um processo. A mimese representada no
momento de partida de Matraga, após a revoada dos
pássaros. A catarse, o livramento das imperfeiçoes é presente
em toda a obra, além do coro do teatro grego nos cânticos do
sertão. A espécie por excelência de descoberta é a que
coincide com a peripécia. Matraga não é essencialmente
virtuoso e justo, entretanto, não é a maldade ou tirania própria
que o leva a desgraça, mas um simples erro de
discernimento. A tragédia grega de Sófocles e sua perfeita
descrição dos detalhes, o desenrolar dos acontecimentos e o
trágico final, tal qual a obra Édipo Rei.
Mesmo sem ver o desenrolar dos fatos, seu simples relato
estabelece sensações de terror e piedade. É justamente esse
efeito que Matraga produz sobre nós. Este conto retrata as
contrariedades de um homem cruel, a dura realidade do
sertão, a violência e o embate com seu próprio instinto.

METODOLOGIA
Leitura crítica do conto a “A hora e vez de Augusto Matraga”,
de Guimarães Rosa, organizado em resumo, introdução,
metodologia, fundamentação teórica, resultado e discussão,
considerações finais e referências bibliográficas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

Para Walnice Galvão (2008), a estória do penitente sertanejo


Augusto Matraga e o seu lema “P’ra o céu eu vou, nem que
seja a porrete”, se apresenta como uma figura triangular,
expressando o divino, o humano e o natural, a relação entre
corpo, mente e espírito, ou a Terra, o céu e o ar, intermediário
entre ambos. É a união do Pai, do Filho e do Espírito Santo
em um único ser, em uma estória de salvação, na qual se
exprime a ação pessoal de três pessoas, Augusto Esteves,
Nhô Augusto e Matraga. A dor, o martírio, o suplício de
Matraga é comparado ao martírio de Cristo, pois se submete
ao sacrifício para chegar até o redentor, através do sacrifício
da vida, presente nos ritos da eucaristia, reencena a salvação
por meio da fé. Sua vida é marcada por trios, seja este com
as prostitutas, com a mulher e a filha, com o casal de pretos,
com seu Joãozinho Bem-Bem e o velho, motivador da
celeuma entre esses dois. A marca triádica inscrita numa
circunferência na nádega direita de Matraga identificam
amplos e abstratos conceitos quanto a eternidade, o universo,
a divindade, a perfeição e uma íntima ligação com o seu
destino. O nome Matraga é tão marcante, aparece no início
do texto, e desaparece de forma imperceptível, pois até então,
ele era Augusto Esteves, Nhô Augusto, tornando-se Matraga
somente no momento de sua morte. Entre suas dores, sua
marca e sua predestinação apontam suas fases de vida que
são vencidas, superadas e deixadas para trás, conforme
detalhamento que será apresentado no resultado desse
trabalho.
Com o objetivo de superar a dor e alcançar sua redenção,
Matraga parte de uma situação de fracasso, e o transforma
em vitória. O sertanejo se transforma por si só, dando a
entender que o fim não tem importância, pois o que importa
são os meios. “(...)na descrição, para o qual as facadas, os
casos de amor, os estouros de boiada e os crepúsculos têm
valor eterno, acima de quaisquer outros.” CANDIDO (2002)

RESULTADO E DISCUSSÃO

O conto é dividido em três fases, apresentado por um


narrador onisciente, em terceira pessoa, rico em detalhes, a
poética é marcada pela junção do universo sertanejo e da
natureza. A primeira fase é marcada com a violência sofrida
por Nhô Augusto. Este, tomado por um sentimento de
frustação e perca, ele realiza uma tentativa de vingança,
contra seu antagonista, o Major Consilva. Nhô Augusto, não
obtém êxito, chegando na fazenda, percebe sua
vulnerabilidade como um chefe. Sem jagunços para lhe
seguir, Nhô Augusto se torna um marido sem mulher, um pai
sem filha, um patrão sem terras. Impotente perante a situação
desfavorável, ele é expulso como um derrotado, e tem sua
vida sentenciada pelo Major. Os porretes caíram em cima
dele, com a intenção de surra-lo até a morte.

“Frecha, povo! Desmancha!”

“Arrastem p’ra longe, para fora das minhas terras... Marquem


a ferro, depois matem.”

Traído por seus capangas, marcado pelo ferro feito gado do


Major, Nhô Augusto parece estar próximo do fim. Em resposta
a queimadura que o marcara nas nádegas, em um último ato
de sobrevivência e desespero, Nhô Augusto dá um berro e
um salto medonho no barranco. Em decorrência aos
ferimentos, os capangas acreditam que não existe
possibilidade de sobrevivência, e decretam sua morte, e
armaram uma cruz naquele local, e vão embora. Nhô Augusto
é resgatado por um preto que morava na boca do brejo.

“Sapo não pula por boniteza,


mas porém por percisão.”

A vida de Nhô Augusto ganha um novo sentido a partir desse


episódio trágico. A expressão acima marca esse momento. A
precisão é o mexer-se em busca de alternativas, encontrar
novas saídas, correção de caráter, a flexibilidade ética, moral
e social de Nhô Augusto.
De acordo com BOSI (1974), Guimarães Rosa foi mestre na
passagem do fato bruto ao fenômeno vivido, da descrição à
epifania, da narrativa plana à constelação de imagens e
símbolos; mas tudo isso ele o fez com os olhos postos na
mente sertaneja, remexendo nas relações mágicas e
demoníacas que habitam a religião rústica brasileira.
Denominada de transformação, a segunda fase tem início
com Nhô Augusto moribundo, acudido por um casal de pretos,
que de forma cuidadosa e através da devoção e fé,
conseguem o milagre de fazê-lo sobreviver aos ferimentos.
“Os outros não vão vir aqui, para campear defunto, porque a
pirambeira não tem descida, só dando muita volta por longe.
E, como tem um bezerro morto, na biboca, lá de cima vão
pensar que os urubus vieram por causa do que eles estão
pensando...”
Foram dias de sofrimentos, dores, angústias e máximo
cuidado. Os pretos tornaram-se protetores e pais de Nhô
Augusto. Mãe Quitéria e Pai Serapião dedicaram meses de
cuidados, até sua plena recuperação. Nhô Augusto então
decide partir para o único pedaço de terra que lhe havia
restado.

“Acho boa essa ideia de se mudar para longe, meu filho. Você
não deve pensar mais na mulher, nem em vinganças.
Entregue para Deus, e faça penitência.”

Conforme CANDIDO (2002), “(...)sabor regional, mas na


medida em que constrói esse sabor regional, isto é, em que
transcende a região”. Minas, é menos uma região do Brasil do
que uma região da arte, com detalhes e locuções e
vocabulário e geografia cosidos de maneira por vezes quase
irreal, tamanha é a concentração com que trabalha o autor.
A terceira e última fase, e não menos importante, é a
redenção. Nhô Augusto vivencia um ritual de auto flagelo, em
penitência cotidiana, ele dedica muito tempo ao trabalho, sem
conforto ou diversão. A vida de confusões parece ter sido
completamente esquecida, deixada para trás, até que
passados seis anos, ele reencontra um parente, Tião, que lhe
traz as boas novas, remetendo-o de volta ao passado. A
chegada de Joãozinho Bem-Bem e seus jagunços, gera
entusiasmo. O passado insiste em revisitar Nhô Augusto. Ele
é convidado a se juntar ao bando, porém, este convite é
recusado. Tempos mais tarde, em Arrial do Rala-Coco, Nhô
Augusto se cruza novamente com Joãozinho Bem-Bem e seu
bando, que planejam uma execução por vingança ao
assassinato de um de seus jagunços. Sentenciado pelo
bando, um membro da família do assassino deverá pagar com
a vida. Nhô Augusto intervém pela vida do familiar, e então,
seu parente Joãozinho Bem-Bem toma por ofensa, e assim se
estabelece o conflito entre os dois.
Conforme DAMATTA (1990), Existe um nome de
apresentação (inteiramente neutro), um nome classificatório e
pessoalizado, incorporado numa biografia claramente
apresentada (Nhô Augusto), e um nome conquistado e único,
individualizado (Matraga). Nessa mudança de nomes, nosso
herói não está só. Os exemplos são fartos tanto na literatura
quanto na história e na sociologia, pois há uma mudança de
posição social sempre corresponde uma mudança de nomes
próprios ou classificadores (títulos, números, etiquetas etc.). A
criada obscura e sem nome se transforma na radiante
Cinderela; o Dr. Jekyll, em Mr. Hyde; Edmond Dantés no
Conde de Monte Cristo; Antônio Vicente Mendes Maciel no
Antônio Conselheiro; o respeitável e exemplar funcionário
público Joaquim Soares da Cunha em Quincas Berro D’Água;
Virgulino da Silva Ferreira, em Lampião; o anônimo Edson
Arantes do Nascimento, em Pelé; e Nhô Augusto em Matraga.
A casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, e
assim se deu o embate entre Matraga e o bando. Tiros para
todos os lados, homens mortos, outros correndo, fingindo
para preservar a vida. Eram dois molambos, farrapados, sujos
de sangue, sem balas para trocarem tiros, o duelo agora na
ponta da faca, e em público. A faca de Matraga atinge o
estômago de seu Joãozinho Bem-Bem, saltando-lhe um
mundo de cobras sangrentas para fora da barriga. Matraga
antes de morrer, pede ao povo que socorram seu parente que
vai morrer primeiro. Seu Joãozinho Bem-Bem em reverência a
Matraga diz que morre na faca do homem mais corajoso que
já conheceu.
Matraga passava a vida a repetir que por bem ou por mal iria
para o céu, nem que fosse a porrete. E assim sendo, sua hora
e sua vez chegaram. O júbilo, o regozijo, e sua redenção
transcorrem a base do porrete, e desta forma se foi Augusto
Esteves, Nhô Augusto, Matraga.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Matraga, como diz o narrador, “não é nada”. Matraga é o


outro lado de Nhô Augusto, o inverso, aquele que é difícil de
tragar. Essa dualidade presente em toda obra, expressa o
universo do sertanejo, a inversão de valores, o outro lado, a
redenção, o contentamento da personagem. Marcado por
conflitos, Augusto Esteves se divide entre o poderoso Nhô
Augusto e Matraga. Nhô Augusto “torna-te aquilo que és” no
final da trama, quando este torna-se Matraga, através de um
universo de renúncias as transformações. O desenrolar da
trama, a transformação de Augusto Esteves, órfão desde
muito cedo, filho de pai ausente, criado por sua avó, que
desejava que ele se tornasse padre, assume a personalidade
de Nhô Augusto, homem forte, aquele que representa a figura
dos antigos coronéis, dos senhores da terra, dos que
mandam, dos que ditam as regras e empurram goela abaixo
através da violência, dos que não aprenderam a ser pai, nem
marido, pois não conhecera o amor. Enquanto Matraga é
aquele que aprende amar, o que vive em meio aos pobres,
aos negros, a natureza, o que renuncia, o redentor, o que
encontra sua salvação matando Joãozinho Bem Bem. Para
os amigos tudo, para os inimigos o vigor da lei e para os
leitores de A hora e a vez de Augusto Matraga o sabor
regional do sertão mineiro, repleto de autenticidade e
tradições clássicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

https://drive.google.com/file/d/
1qUFyHS99zkD6tvmUMkLUSNn5xcdJpnx6/view Acesso em
29/09/2022

https://www.culturagenial.com/a-hora-e-a-vez-de-augusto-
matraga-guimaraes-rosa/ Acesso em 29/09/2022

https://vestibular.uol.com.br/resumos-de-livros/a-hora-e-vez-
de-augusto-matraga-sagarana.htm Acesso em 29/09/2022

https://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/
2010/10/28211389-roberto-damatta-carnavais-malandros-e-
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https://www.bbm.usp.br/pt-br/bbm-no-vestibular/sagarana/
Acesso em 29/09/2022

https://www.academia.org.br/academicos/joao-guimaraes-
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https://www.hotcourses.com.br/study-abroad-info/once-you-
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https://document.onl/documents/galvao-walnice-matraga-sua-
marca-ref-guimaraes-rosa-ltb-iipdf.html?page=1 Acesso em
29/10/2022

BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo:


Editora Cultrix, 1974.

CANDIDO, Antonio. Textos de intervenção. 1ª edição. São


Paulo: Editora 34, 2002.

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