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LOURA
[...] foi o primeiro trabalho literário que Eça de Queirós publicou depois de haver
escrito, com Ramalho Ortigão os célebres folhetins de O Mistério da Estrada de
Sintra, que de julho a setembro de 1870 deras á publicação no Diário de Notícias
(Lisboa). (...) Singularidades de uma Rapariga Loura é a página que inaugura não
apenas – e a rigor – o realismo na literatura portuguesa, (...) mas também representa
o instante primeiro de ruptura de Eça com a prosa ortodoxamente lusa que se
escrevia no seu país.
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Pós-graduanda em Literaturas do Cone Sul pela Universidade Federal Fronteira Sul
(UFFS/Chapecó/SC); Especialista em Produção e Revisão de Textos pela Unochapecó e graduada em
Letras Português/Espanhol pela Unoesc (Xanxerê/SC); e-mail: gio-reislunardi@hotmail.com
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E tamanha era a inovação estética desse conto que as pessoas habituadas à
cadência pesada da prosa portuguesa da época o tinham como estrangeiro. Realmente é
um conto singular, de enredo e de desfecho singular; em que o leitor se surpreende com
o inesperado, pleonasmo necessário já que a partida para a província (decisão de
Macário) é de abandono (ele deixa a rapariga) e de alívio (ele pára de “sofrer”). A
paixão pungente está presente no conto, os encantos da rapariga, chamada Luísa,
atordoam Macário.
Segundo Gancho (1991, p. 5-6),
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tear, tela para teu uso e telas que não irás usar". Nisso vê-se a tessitura das atitudes de
Macário e da rapariga; o rapaz tece sua vida financeira para usá-la com a rapariga. O
que tece a rapariga? O desfilamento do número três (também algo singular) no conto
fortalece algumas propostas de análise; já que ele é modelador e: Macário esforça-se
com o trabalho para ter dinheiro para casar-se com a rapariga loura enquanto ela rouba o
leque (supomos pelos indícios que apresentaremos a seguir), a caixa de lenços e a pedra
de ouro; sendo assim, o exemplo dele poderia modelar o caráter da rapariga enquanto
sua noiva. Não é o que acontece.
Quanto ao singular, o narrado diz que as singularidades da rapariga, são fortes;
sua fresca beleza contrasta com seu mau caráter, o que oferece ao conto uma
personagem que a princípio é secundária, mas está nos moldes de ser a mocinha, a musa
inspiradora. É singular que o tio de Macário não aceite seu casamento, já que não há
motivos aparentes para tal, apenas a possibilidade dele desconfiar da moça loura e
pensar não será creditado caso contasse.
As personalidades das personagens do conto são repletas de singularidades,
tomando a definição de serem características distintas. Já a idéia de ser singular e não
plural toma-se como o conjunto dessas idéias de caráter. Uma vez que, transpondo-nos
para a sociedade atual, quanto mais conhecimentos dominarmos, mais valor (respeito)
teremos. Ser plural é que seria o ideal e não singularmente bom em algo apenas.
Segundo o Ximenes (2001), singular é: “Adj. 1. Pertencente a um; único, particular. 2.
Especial, extraordinário. 3. Excêntrico. 4. Distinto, notável 5. Gram. Número que indica
uma só coisa ou pessoa.”
Em verdade, o surgimento do número três como proposta de desdobramento
com o conto surgiu-nos antes de lê-lo; como algo de presságio ou previsão (pré-visão)
daquilo que o enredo nos mostraria. Assim surgiu-nos esse número no conto em análise,
quiçá mais forte do que esperávamos. Para desvendar a trama do número três com o
conto propomos a descoberta/desvendamento de três singularidades que serão
conseqüência para três lágrimas. Marca forte de desfecho da narrativa dada pelo
narrador como elemento de ligação com o leitor, já que Macário sofre com três
acontecimentos e a rapariga por três vezes rouba e por três vezes é mandada embora.
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As singularidades são uma lista de boas excentricidades; de características
únicas em se de tratando de objeto ou pessoa. A singularidade da rapariga loura é tão
singular que se trata de algo negativo; fora dos costumes e morais ideais. Não deixando
de ser uma característica única. Por ora o leitor poderia descobrir a índole da moça; de
repente sendo a intenção do autor em deixar suspeitas ou indagações. São pistas sutis,
portanto singularidades, que surgem na leitura do conto. “Macário, aos vinte e dois
anos, ainda não tinha – como lhe dizia uma velha tia (...), sentido Vênus”. Então ele
amava. Depois de ver a rapariga na janela, amava-a. Macário chorou três vezes; por três
vezes ele chorou. Desgosto amoroso aparente como traço do romantismo.
Macário trabalhava com seu tio Francisco em um armazém de panos como
guarda-livros, parece-nos que uma profissão semelhante à de um contador. Era um
rapaz muitíssimo concentrado; “Um trabalho escrupuloso e fiel, algumas raras
merendas no campo, um apuro saliente no fato e de roupas brancas, era todo o
interesse da sua vida”. Eis o caráter de Macário... Ele estava apaixonado deveras,
deixando sua seriedade para distrair-se com os emaranhados dos cabelos da rapariga.
Apresentamos a primeira singularidade (p.6):
Andava distraído, abstrato, pueril, não deu atenção à escrituração, jantou calado,
sem escutar o tio Francisco que exaltava as almôndegas, mas reparou no seu
ordenado que lhe foi pago em pintos às três horas, e não deu bem as recomendações
do tio e a preocupação dos caixeiros sobre o desaparecimento dum pacote de
lenços da Índia.3
Macário de casaca azul, calça de ganga com presilhas de trama de metal, gravata de
cetim roxo, curvava-se diante da esposa do tabelião, a Sra. Maria da Graça, pessoa
seca e aguçada, com um vestido bordado a matiz, um nariz adunco, uma enorme
luneta de tartaruga, a pluma de marabout nos seus cabelos grisalhos. A um canto da
sala já lá estava, entre um frufru de vestidos enormes, a menina Vilaça, a loura,
vestida de branco, simples, fresca, com seu ar de gravura colorida (SALES, 1989, p.
07).
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Grifo nosso.
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A representação da sociedade de uma época é tema iniciador do Realismo em
Portugal, o renomado documentarista realista e satírico, o destroçador da burguesia
lisboeta, balizada por preconceitos e hipocrisias, assim é denominado Eça de Queirós
(SALES, 1989, p.13).
Em nosso objeto de análise percebemos a marca boêmia dos saraus da época.
Eram assim as reuniões sociais da burguesia em Portugal (SALES, 1989, p. 9):
Mas, de repente, a peça, correndo até à borda da mesa, caiu para o lado do regaço de
Luísa, e desapareceu, sem se ouvir no soalho de tábuas o seu ruído metálico. (...)
Macário afastou a cadeira, olhando para debaixo da mesa: a mãe Vilaça alumiou
com um castiçal, e Luísa ergueu-se e sacudiu com pequequenina pancada o seu
vestido de cassa. A peça não apareceu. (...) Uma peça não se perde assim.
Isso denota a idéia de tempo perdido para conquistar a rapariga, que não
mereceria deveras, devido à sua índole. Quanto ao caráter de Luísa:
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Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando
vagarosamente a mão pela cara. (...) - O senhor não pagou... (...) – Tens razão. Era
distração... Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, senhor,
evidentemente... (SALES, 1989, p.17):
REFERÊNCIAS
GANCHO. Cândida Vialres. Como Analisar Narrativas. São Paulo: Ática, 1991.
WEOR, Samael Aun. Tarot y Cábala: El Sendero Iniciático en los Arcanos. São
Paulo: Sol Nascente, 1996.
SALES, Herberto, Os melhores contos de Eça de Queirós. 3 ed. São Paulo: Global
Editoras, 1989.