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Pratt Humbolt
Pratt Humbolt
EAREINVEN AODA /
AMERICA
Hour. Elle anieo roi tradUZIdo por Mana JOIé Mou� d. Luz. Morta,., tendo suJo pubhado on Jjnalmaue. fUI reVIsta
NuevoTctlOC11tu:O, IDO I, n'l. 1988.
explomção interior, terras adentro, possi pular e de seu tmbalho ideológico. Desta
velmente pela primeim vez desde a con maneira, como espero demonstrar em con
quista do Peru e da procum do Eldorado. tinuaçao, o discurso de Humboldt sobre a
Em um prefácio, Humboldt registra esse América deve ser escutado em diálogo
momento de mudança: "Não é navegando com outros textos contemporâneos.
ao longo da costa", diz, "que podemos Em na Grã-Bretanha que o capital esta
descobrir o caminho das cordilheirns e sua va-se acumulando mais aceleradamente e
constituição geológica, seu clima etc.... que a produção superava em mpidez os
Seu tmdutor inglês dá um caráter estético mercados. Nos sonhos de aquisição dos
ao tema: "Gem�nente as expedições ma burgueses protestantes da Inglaterra, a des
rítimas têm uma certa monotonia que vem nudez do mundo inteiro ver-se-ia logo co
da necess idade de se referir, continuamen berta com têxteis britânicos. Em 1 788 for
te, à navegação com uma linguagem técni mou-se a Sociedade para o Descobrimento
ca (...). A descrição de viagens terrestres a das Zonas Interiores da África e começou
regiões longínquas é muito mais propícia a explornção do Niger. A1exander von
a despçrtar o interesse gemi" (Humboldt, Humboldt, que na época tinha 19 anos,
1822).1 fez-se imediatamente sócio. Dumnte as
O momeJltum econômico para a explo-
o
três décadas seguintes a sociedade enviou
ração terrestre é claro. A medida que a exploradores-escritores famosos, como
industrialização acelera a produção, na Eu Mungo Park, Richard Denham, Richard e
ropa intensifica-se a demanda de mercados John Lander (Park foi um dos heróis de
e matérias-primas; os capitalistas europeus Humboldt). Simultaneamente, o interior
•
buscam um comércio mais direto com o da Africa do Sul sofreu uma mininvasão
estrangeiro sem competência e sem inter de explomdores-escritores, começando
mediários locais; uma CllQnnC apropriaçao com os naturalistas Anders Spannan e o
e transfonnação eurocentnsta do planeta franco-brasileiro Le Vaillant. As invasões
pôe- se em movimento. Ao longo de todo britârúcas se sucederam em 1802 e 1806.
o século XIX a exploração e descrição do Em 1797 a África do Norte foi invadida por
interior do continente foram uma atividade Napoleão, acontecimento que obrigou
de capital importância pam este processo Humboldt e Bonpland a desviarem o itine-
•
expansiorústa, tanto do ponlo de vista ins rário da Arrica para as Américas. Da mes-
trumentaI (confecção de mapas, documen ma maneira, a pressão começava a sesentir
tação, contatos iniciais) quanto do ideoló no império americano da Espanha, cujo
gico. Da mesma maneiro que em anterio interior havia pennanecido fechado duran
res momentos expansioll.istas, a lilcTiltura te muitos anos a viajantcs estrdngciros. A
de viagens constitui um veículo importallle carta brane;) que a Corte espanhola deu a
para a criação de conhecimentos e fonnas Humboldt e a Bonpland foi uma resposta
. .
de compreensão que, no sentido teatral, aos premcntes lIltcresses econonucos e,
-
uma parte importante do seu atmtivo po- invadido a Arrica do Sul.) Nas décadas
IIUMBOLDT E A R EINVENÇÃO DA AMalCA 153
seguintes, o interior da América do Sul "se através de uma delicada diplomacia. Mas,
abriu" sob o influxo de viajantes-escrito aqui termina a semelbança.
res, como tinha sucedido na África. A expedição de La Condamine cumpriu
sua missão. No entanto, é mais lembrada
por sua carga dramática do que por seus
êxitos científicos. Os expedicionários so
freram muilos desastres e quando, dezanos
depois de sua partida, regressaram à Euro
11. A ciência e a consciência
pa, não levavam mostras de botânica mas,
planetária
somente, relatos horripilantes de espiona
gem, intrigas, assassinatos, doenças, sofri
Embora as expedições malÍtimas de mentos e amor. Eram histórias relatadas
Cook possam ter encerrado um capítulo na em um estilo facilmente reconhecido para
história das viagens, abriram, contudo, um os europeus: o estilo dos naufrágios, do
capírulo novo na história da literatura de sofrimento e da sobrevivência que tinha
viagens, um capítulo que Humboldt viveu sido o modelo utilizado na literatura de
até suas últimas conseqüências. Foram so viagens desde o século XVI. A poélica
brerudo os trabalhos sobre as expediçôcs dessa "Iileratura de sobreviventes" exigia
de Cook que consolidaram o raciocínio um equilíbrio aristolélico entre a instrução
científico como uma maneira dominante e o divertimento: o último, fornecido pela
na literatura de viagens e exploroções. Por emoção e o caráter exótico do relato, e a
volta de 1790, a literatura européia sobre o primeiro, pelo drama moral da redenção,
mundo não-europeu estava claramente po bem como por apêndices descritivos sobre
larizada em dois extremos: o científicol costumes, nora e fauna. No seu informe à
representado por descriÇÕes de viagens e Ac..demia de Ciências de Paris em 1745,2
inumeráveis livros de história narural taxo La Condarnine adola automaticamente es
nÔmica, e o sentimental, representado por ta velha configuração sumamente estável.
narraÇÕes de viagens, novelas e poesia ro Sessenta anos mais tarde, lal possibilidade
mântica do sublime. (Nesta polarizaç.ão já não existia para Humboldt. Realmente,
pode-se reconhecer as duas caras da hege Humboldt se refere em um prefácio a esle
monia burguesa emergente: a separação tipo de relato como relalivo a uma "época
entre formas subjetivas e objetivas de au anterior". Ao contrário, em 1740, se bem
toridade, entre as esferas pública e priva que o projelo de La Condamine fosse cien
da.) Humboldt nasceu no meio desta dinâ tífico, ainda não existia uma autoridade
mica e ela é transparente em seu trabalho. discul1iiva geral especificamente ancorada
Este ponto é evidente quando se compara na ciência; para Humboldt esta forma de
Humboldt com seu antecedente imediato autoridade já é um forte in1perativo.
na América do Sul, o científico francês La Cook encontra-se, portanto, entre La
Condamine. Por iniciativa da comunidade Condamine e Humboldl, com o apareci
científica européia, La Condamine chefiou mento de seus lrabalhos sobre viagens
em 1735 uma expedição internacional ao científicas e o nascimento da ciência como
continente para medir a longitude exata de forma normativa de pesquisa. Humboldt
um grau no equador. Como no caso de discorda muita deste desenvolvimento. A
Humboldl, conseguir a autorização da cor maior parte de sua obra esteve dedicada ao
te espanhola para a viagem foi uma con que ele se refere como "o grande problema
quista assombrosa que só se pôde alcança r da descrição física do globo". Dos trinta
no homem desinteressado da ciência e livros que escreveu e que foram O resultado
154 ESn-oos IIISTÓRICOS -199111
de suas viagens pela América, a maioria nomias européias descritivas, assim como
são tratados de taxonornia botânica e zoo seus museus, seus jardins botânicos e suas
lógica - sobre plantas equinociais, um par coleções de história natural, são fonnas
de livros dedicados exclusivamente ao es simbólicas de apropriação planetária, arti
tudo das mimosas, alguns atlas físicos, culações de uma "consciência planetária"
zoologia e anatomia comparadas -além da emergente através da qual, parafraseando
descrição demográ fica de base ecológica Daniel Defer (1982), a Europa chega a
dos célebres Ensaios políticos. Humboldt ver-se a si mesma, como um "processo
estava tão comprometido com O projeto da planetário" mais do que uma simples re
ciência descriliva que manifestou um gran gião do mundo. (Destaca-se que o tenno
de desinteresse pelas fonnas narrativas. "poder descritivo" é usado para discutir e
DUnlnte muitos anos negou-se a escrever avaliar tais sistemas).
uma descrição narradora de sua viagem Apesar de estarem baseados no mundo
americana e pode-se imaginar que foi a não-social, escritos científicos como os de
proliferação de trabalhos de viagens poste Humboldt devem ser vistos também como
riores o que finalmente lhe convenceu a "estatísticos" no sentido etimológico (cf. o
iniciar seu Relato histórico em 1814. Ape tenno alemãoStaatÍ5tik) vinculado a s/ate
sar de seu enonne êxito popular, Hum craft. A geografia e as ciências naturais
boldl, cinco anos mais tarde, abandonou o são, entre outras coisas, aparelhos discur
projeto, depois de completar dolorosamen sivos mediante os quais os Estados defi
te três livros c de destruir o quarto manus nem e representam o território. Não é por
crito. Certamente é o poder estabili71ldor acaso que a descrição da paisagem toma-se
e totalizador da ciência descritiva e c1assi uma prática importante no meio das lutas
ficatória o que atrai Humboldt e seus cole pa ra forjar as primeiras repúblicas burgue
gas científicos e o que faz, a seu ver, me sas da América e da Europa. E tampouco
díocre o estilo narrativo. Na maneira nar- é por acaso que a descrição da paisagem
rnllv3, uma pessoa conta somente uma pe- por Humboldttenha sido reproduzida uma
•
quena história, caminha um único e e outra vez pelos escritores crioulos ame
estreito caminho sobre a face da Terra. Por ricanos durante as décadas seguintes à in
outro lado, as grnndes categorias descriti dependência.
vas da ciência taxonômica cobrem o globo Este vínculo com a fonnação estatal,
sem esforço algum, designando tudo, sub claríssima nos E/lSaios polúicos de Hum
metendo tudo a um conjunto de sistemas boldt, traça as dimensões políticas e de
classificatórios que, como Humboldt espe classe na ascensão da ciência. Como men
rava, expressaria, finalmente, a hannonia cionei antes, ao final do século XVIII, os
•
e penetra pelo interior para repetir o gesto nem colocar nossos pés, descemos e
fundador. De fato, freqüentemente faz-se chegamos ao rio: atravessamos a pé ou
alusão a Colombo. Em Quadros da natu em ombros de escravos e subimos •
reza, o ensaio sobre o Orinoco, por exem�
•
mas nunca pomlcnorizados� o mesmo olismofomãst ico (na paisagem acima cila
acontece com os moradores, scj:lln eles da, os leitores contemporâneos s6 podem
missonários espanhóis, colonos crioulos escutar a V07 de Alejo C1 rpe ntier em Los
ou escravos e lrabnllmuorcs indígenas que pasos perdidos). Deve-se destacar, ao
gUIavam e transportavam sua equIpagem
• •
uma das relativamente escassas al usões ção que facilitou a utilização dos livros de
nesses livros aos propósitos do capital eu Humboldt pelos inte lectuais crioulos que
ropeu. Entretanto, qualquer impressão a buscavam descolonizar sua cultura sem
respeito desses habitantes, como donos de perder seus valores europeus.
uma economia ou de uma ecologia pro
prias, brilha por sua ausência.
Em suma, "a maneira estética de Hum
boldt de tratar temas de história natural" IV. Humboldt transculturado
representa uma América em um estado
primitivo a partir do qual poderá agora, Silva a la agriculrura e1l In zona tó"ida
dependendo do ponto de vista, elevar-se à de Andrés Bello (1825) é somente um dos
glória da civili2J!ção ou cair na corrupção muitos livros bispano-americanos que têm
da civili2J!ção. O que significa reviver esta suas raí7P.S DOS textos de Humboldl. Sabe
estratégia nas vésperas da independência mos que Bello, sendo ainda jovem e estu
da llispano-América e de uma nova fase dante, conbeceu Humboldt e Bonpland em
de intervenção européia? Humboldt c seus Caracas e os acompanhou em algumas de
viajantes imaginários estão delineando pa suas expedições locais, inspirando-se em
ra os europeus um novo começo da história seus projetos. Anos mais tarde, escreven
da América do Sul, um novo poDtO de do por ocasião da Independência da Hispa
partida para um futuro que começa agora no-Anlérica, Bello repete, no início de seu
e que remodelará esse "território selva famoso Silva, o gesto humboldtiano do
gem". Em um de seus prefácios, Hum (re)descobrimento. O começo, "Salve, te
boldt alude a este futuro: cU/ufa região", assemelha-se ao viajante
inJaginário de Humboldl. Segue um catá
"Se então algumas páginas de meu livro logo grandioso das riquezas naturais da
forem arrancadas do esquecimento, o América, desde a cana-<le-açúcar, • cocho
habitante das margens do Orinoco verá, nilha, os cados, o fumo, o aipim, o algodão
extasiado, que as populosas cidades en etc. Nota-se o mesmo discul1io de acumu
riquecidas pelo comércio e os campos lação, o mesmo tom grandioso,.. mesma
férteis CIIltivados pelos homens livres visão do florescente mundo primitivo. O
embelezam esses lugares quando, na eco de Colombo é,talvez, ainda mais forte
época de minhas viagens, só encontrei que em Humboldl.
selvas impenetráveis e tcrras inundadas" Com relação à reinvenção da América,
(1822:I,li). Bello está situado de maneira diferente das
de Humboldt e de seus discípulos. Como
Segundo a experiência de Humboldt, a intelectual crioulo, o projeto de Bello em
visão transfonnadora da América aparece Silva é descoloni""dor. Está buscando no
novamente como uma paisagem vista por vas fonnas de representação para as novas
uma testemunha imaginária. Entre Hum repúblicas, um discul1io que fundamente o
boldt e esse futuro observador existe uma auto-conhecimento e a legitimação no pre
cadeia de acontecimentos dos quais Hum sente c projeta as novas sociedades para o
boldt explicitamente se exclui. Sua auto- futuro. (Silva foi escrito como parte de um
-
boldl, repele-o somenle como geslO. De incorporam a cul!ura da melrópole (Rama,
1982, capo 1), processos cujas experimen
pois de uns scssenta versos de grandcza
taçõcs e inovações os teóricos da aculturn
botânica, o poeta muda rcpenli n:u nem c de
ç;;o ignornm. Tanlo a seleção quanto a
conceito. Torna-se persuasivo aos habi
invenção estão claramente presentes em
tantes dil� novas repúblicas paro quc po
Silva, de Bell o 111l1l'lcul!urnndo materiais
voem a paisagem v:7i a e re pud iem os de
,
� il \l
le c rioulas em b u sca de uma cullurn desco
vida/do lavmdor e sua modes�1 frnllque
IOllizada ill'ilruída.
za". O futuro, ape llas emrcvislo Jlor HUIl1-
Paro esclarecer csle ponto, só se neces
bold� converte-se no lema do lexto <le
sita examinar outros text os sobre a Améri
Bello. Pard articular esse futuro, Bello
ca Lalin a com que dialogavam tanlo os
toma outro modelo europeu, o pas to ri l .
escritores hi spa no-a mc rica ll os quanto
Nota-se na scgulllhl p.arte do poem;], UIII:I
Humboldl. Por volla de 1820, oUlro dis
dívida e specia l com 'L' GeórgiCl/s de Vir
curso muilo diferenle sobre a Hispano
gílio. Uma dívida suficientemcnte sigl lili AméricJ estiva ressoando em tomo de
caliva pam ill'lpimr MClléndez y Pclayo a Bello em Londres e de Humboldt em Paris.
reivindicarem 8ello como "o mais virgil iiJ Em 1810, depois de desaparecidas as res
no de nossos poclas".4 A poesi a paslaml trições coloniais, dezenas de viajanles, so
de 8ello COll'lerva a poslura eSlelizanle da bretudo ingleses, escrevernm livros de via-
obrd de Humholdl. l11assubslitui a temática gens. E muito possível que esta afluência
-
da na lurC7.a c do visual por uma mi ss:io de li vros de viagens lenha sido o que mais
moral e cívica. Bello evoca a Hum bo ld l tarde levou Humboldl a empreender seu
para deixá -l o de Intlo c seguir COm outro prüprio Relato histórico. Bello leu e escre-
assunto, fa7cntJu icuall11clIle com outros veu conlll1U;unenle estes cscntorcs para os
, .
. .
:
-
cawiva de Echevcrria quanlo o Faclllldo siões Irnduziu resumos (ainda que de modo
de Sannienlo começam com paisagcll� muilo selelivo).
c1arnmentc humboldtianas e os dois, U1l111 Como Jean Franco assinalou, a maioria
vez adquirida esta expressão, encami desses visilanles brilânicos da época da
nham-se parn outras fom."s rellcxivas. Independência viajou e escreveu explicita-
160 lSTtrooS IIISlÓRICOS - 199118
mente como cxplomdorcs de v:lI1guarda "Há nesse país lodas as facilidades par.
pa", ° clpilal europeu (Fr-t nco, 1979). En a elllpresa {' gm ndes expectativas de pro
genheiros, millcra logist;\S, fa/clH.Jcirm, (' gresso: só se Ilecessita que o homem
flgrônomos cmll1 enviados pólm: loc;l Ii/Jlr COl1lece fl lai'cr a máquill:l rtndar. Ela
e analisar, com prccisiio, os rCCllTM)�; COIl agora está pamd;'l, m;ls com o cilpital e a
tatar c contrata r as c1itc� locais; i n hmnar indlístria podem Iic;lr pmdutiv :l, com
os perigos potenciais c iJS condições de seguro:; bene fícios c extrema riqUC7;1."
lrabalho, lransporte e oUl ros assunlos. De
senvolviam um discurso clanUllcntc elo· o contr.1SIC com 0$ exuberantes pano
qüente de sua miss[lo. Como assina!;, ra mas de Humboldt não podia ser maior.
Franco, esta onda de vi;ljanlcs-cscri lorcs Ncstes textos, a natureza lImcricana é
buscou frcqücnlemcnle uma posiç,io cons apresentada, obsessivamentc, C0l110 o rru
cienciosamente nul iCSlétit,1 cm seus livros, lO da explomç'-'o européia. O cxolismo e a
inl roduzindo retóricas cconôm iC<ls c i 11Ier retórica mmfintica uc Humboldt sflo deix,l
vencion iSlas que esta Véllll q Uil'" lola Ime 111 (' do� de lado el11 prol de uma visão lIloder
ausenles dos livros dc Humholdl c de seus ui7;1 do m, i ndustri ai iz'1dora.
.. Cri t iCH 111-$C
discípulos. Aprecin-sc, por exemplo, ('�I:l frequcnlemenlc os livros de Humboldl
visão dos Andes CI11 uma dcsCriÇÜll de I Q
� 7 porque são "cxcessivamente cicntíficos,
feila pelo cngcnheiro in!;lés Jost'ph An com pouquíssimos detalhes para satisrazer
drews (cilada por Fmncn): um;1 1l1inUIlCiosa leitu m", C0l110 expressou
UIl1 escrilOr c m 1 825 (Slescnson, 1825).
"Conlemplando a cordilheim mais pró As expcclalivas de inlcrvenção européia
xima c seus altos cumes, o senhor 1'110- ocupam o centro e n;"io as l11:1rgcns deste
mas e cu sonhamos (10 ImIo de suas discurso e seus porta-v07Cs louvam em vez
íngremes ladcims. Escav:unos ricos fi de mistificarem sua particip:lção nesse
lões mincmis, COllSlruílllOS fomos de processo. Em contraste direto com 1-lul11-
fundição; em noss,) i1l1agi naç.l0. ilviSla boldl (c Bello), a nalure7a ,: visla como
mos uma mullid,-,o de ,mhal hadorcs problemática c, inclusive, rcia, c sua pró
desloca Ildo- se cOlno i Il:-;e!lh lla:-, ti Ilur.ls pria pri m i lividadr é um signo do descuido
e sOllhamo� quC' este cllonnr l' ...clvil hUll1ano. Em 1828, " lenenlC Charles
gCIll território c!'Ilava povmtdo rt'lílS Bmnd acha os pampas ";íridos c inóspitos"
energias do:> brilâllicl)� fi nOH' ou dez (p. 57) se bem que enconlrc semprc belcvlS
m il has de disl'-'lIcia" (Fr.IIIl·O, 1 979: I1;)S cenas de tmbalho dos nat ivos. "Foi
133). lindo", diz, qua ndo duas l ro p i l has de mulas
Cllcontmm-sc n:1 estrada, "ver C0l110 os
De maneira si milar, Juhn Mawc ( I S 16) peões mantêm as tropilhas scrmradas umH
tenta mas não consegue descrever O cemi das oUl ras" (Brand, 1 828:208). Para O
rio "selvagem c romântico" que descobre francês Gaspar Mo ll icn (1 824), a nalureza
em Ul Pinta (' só COllbC gUC exdam:lr: "Que' primiliva acha-se descuidada ou indcci fr.í
pnlco pílm u m :Igricullor empreendeuor! vel cnquanto fi belc7i! cSlíi nns paisage ns
Na realidade, ,,'ualll1cnle ,udo eSl" descui civili7<ldas qne lemh""" a Europa:
dado". Charles Cochmne (s.d.), UII1 hnl'-'
nica cuja tl1l1bição é Hpm.lcra r-!'It' UH pl':-'C:I "Oepob de :11 mvcssa n nos uma espesSéI
de pérohls dói Colômhin, vr. níl paisHgelll selv<l, continu<ll11os sempre el11 asccl1-
americana, uma mri qu i lllJ adonllccída il ('� s:io, i1té cheg:'JnlloS li um lugar a partir
pcrn dc alguém qU(' a coloque cm movi do qUill !'Jurgiu lllllíl paisagcm verdadei
mento: ramcnte magníricH: a rcgiflo intcirn de
HUMBOLDT E A RElNVENÇÃO DA AM�lUCA 161
ciana, de que esta não logrou desenvolver sionismo europeu, não é de se surpreender
seu meio. Ao mesmo tempo, nem o traba que Sanniento achasse um pouco proble
Lho assalariado nem o consumismo têm mática sua própria aUloridade como escri
lugar na chamada de Bello para uma vida tor de viagens. UPara qualquer escritor',
austera e simples, assentada na terra. A diz Samuento em seu prefácio, "é muito
perspectiva pré-industrial e pastoral de difícil escrever livros de viagens inleres
Bello não deve ser vista somente como santes agora que a vida civilizada repro
nostálgica e reacionária, mas sim como duz, em todas as partes, as mesmas carac
uma resposta dia lógica à visão mercantilis terísticas" (1909:2). "Maior é a di ficulda
ta e expansionista dos engenheiros britâni de", continua, Use o viajante sai de socie
cos. Bello é um literato urbano, vê a Eu dades mais ai rasadas, para constatar que
ropa em busca de alternativas para eSla existem outras mais adiantadas. Sente-se,
visão e Imnscultura Virgnio e Humboldt enL1o, incapaz de observar pela falta de
com esse propósilo. A notória omissão de preparo, que deixa o olhar turvo e míope,
minerais emseu canto de louvara AmériC.1 por causa da dilala,Jo da vista e a multipli
é, talvez, sintomálica na sua intenção des cação dos objetos que nelas se encaixam".
coloni7..adora: a mineração (como bem sa Ele cita como exemplo desla turbidez sua
bia Humboldt) consliluía o grau de alração própria incapacidade em descobrir nas fá
para o capital estrangeiro e o locus dos bricas algo mais que uma acumulação
desígnios neocoloniais. inexplicável de maquinaria. Se seu texto
fosse comparado com o dos grandes escri
tores de viagens, como Chateaubriand, La
ma rtine, Dumas ou Jaquemonl, condui,
!leu seria o primeiro em deixar de escrever"
IV_ Reinventando Europa (p. 6).
Apesar desta elaborada renúncia - que
Silva, de Bell�, enlra então em um diá se deve ler também como uma atitude -,
logo transatlântico iniciado por Humboldt Sanniento conlinua e escreve seu relato de
e seguido por muitos escritores dos dois viagem sem qualquer evidência da invali
lados do oceano ao longo da época da dade do espírito que se aplica neste prefá
Independência. É um diálogo onde se en cio. Seu texto, com efeito, faz com que se
contram várias V07..CS comprometidas no pergunte: Olmo se situa o homem de letras
que chamei de "reinvenção da América". americano com relação à Europa na fase
Particularmente para os escritores bispa independente? O capílulo inicial apresenta
no-americanos, é um momentd altamente um episódio fascinante dedicado a respon
experimental, no qual a transculturação der a esta pergunta, ao menos no aspecto
dos paradigmas europeus é de fundamen simbólico. O relato começa com o navio
tai importância. Pam que não se pense que de Samuento saindo de Valparaíso rumo a
HUMBOLDT E A REINVE.'lÇÃO DA AM17:R ICA 163
fuera); teu pa"'iado é meu presente, teu ' arborizadas ou, freqüentemente, ao Palais
exotismo (um mundo fora do tempo do Royal" (Sanniento, 1909:116).
relógio) é minha vida quotidiana (no inte Em gesto burlesco, transculturado, Sar
rior da Argentina). Só depois de se colocar roiento, então, reenfoca o discurso descri
desta maneira, Sanniento começa a assu tivo (pré-industrial) bumboldtiano, exata
mir O papel de escritor de viagens como menle em seu próprio contexto de origem:
mediador cultura\. Com efeito, sua via a metrópole capitalista. É o modelo bum
gem SÓ continua quando . mediação cultu boldtiano salvo numa dimensão: a da apro
ral pode seguir. priação. Figura alienada, o jlanetlr não
É de acordo com este gesto que, che compra, não coleciona amostras, não clas
gando a Paris, Sanniento se representa co sifica, não faz esquemas totalizadores nem
mo um descobridor: o descobridor do exa imagina transformar o que vê. Reaciona,
to análogo do que Humboldt tinha encon contudo, e Sanniento, o archi-jlanet.r fren
trado nas regiões equinociais. Paris é uma te ao espetáculo dos jlaneurs reage fazen
enorme comuc6pia, um lugarde diversida do-se uma pergunta muito americana e
de e abundâncias intermináveis e exóticas. muito republicana: uÉ este, efetivamente,
O que Humboldt encontrou nas selvas e
o povo que fez as revoluções de 1789 e
nos pampas, Sarmiento encontra nas lojas 1830? Impo"'iível!" Um comentário pro
da rua Vivienoe, nas coleções do lardin des vável para um sul-allle';caoo inde
pendente e nas vésperas de 1842. Um
Plantes, nos museus, nas galerias, nas li
comentário verdadeiramente profético.
v rarias e nos restaurantes. As descriÇÕes
catalogadoras que Sarmiento faz de Paris
reproduzem o discurso acumulativo de
Humboldt e sua posição de assombro ino
cente. Ironicamente, o naturalista se re
descobre no fúl1leur urbano. Sarmiento se Notas
refere longamente às alegrias do jlaneur,
cujo privilégio, tal como o descreve, é 1. a. Humboldl (1822), ltadução de Helen
curiosamente semelhante ao do naturalis Maria Williams. lbomasina Ross realizou uma
ta: " 0 flaneur em Paris é uma coisa santa e lradução posterior em 1851.
respeitável, uma função tão privilegiada 2. Apresentado pardalmellte em PinJcerton:S
que ninguém ousa interrompê-lo. O jIa voyages, v. 14
neur tem direito a meter o nariz em todas 3. Estelenno, originalmente denomioadope
as partes ( . ..). Se um cidadâo pára diante lo sociólogo cubano Fernando Ortiz da déada
de uma fresta do muro e a olha com aten de 1940, Coi recentemente reiDtroduzido nos es
ção, não falta um desconhecido que se tudos literários hispano-americanos por Ángel
detém para ver o que o indivíduo está Rama, especialmente em seu Tran.scuüurQción
NJ"al;va de Âmbial ÚlliNl (México. Siglo
olhando; surge um terceiro e logo já são XXI, 1982).
uns oito; todos os passantes param: a rua
4. alado por Hespel t ti alii (1946).
fica obstruída; ajuruamenta". (p. 111).
S. Essas matérias apareceram 00 Reperlorio
Semelhante ao naturalista Hwnbold� americano Bello. Ver volumes 19 e 20 das
de
"oflaneurpersegue também uma coisa que Obras compWQs d.eAndris Helio (Caracas, Mi·
ele mesmo não Sabe o que é; busca, olha, nisterio de Educació!i, 1957).
examina, passa adiante, vai lentamente, faz 6. Aqui estou em dCvida com o ltabalho de
rodeios, aoda e chega ao fim (...) algumas Eliubetb Ganel! sobre os conceitos geracionais
vezes às margens do Sena ou às avenidas do Facwtdo de Sarmiento.
HUMBOLDT E A R ElNVENÇAo DA AMÉUCA 165
Colbum.
MOLLlEN, Gaspar. 1824. Travels in. tire Repu
OEFERT, Daniel. 1982. La col/«I< du monde:
b/ic of Colombia in tlte years 1822 aM 23.
paur un élUde des riciJs de voyages du XVI
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