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Formadora Convidada

Susana Resende
Módulo II | 2022

A Pose: Narrativa de 1 desenho

O corpo está sempre em movimento. Sempre a agachar ou a esticar-se. Mesmo em descanso, está
a fazer algo. Pode-se dizer que o corpo é incapaz de estar quieto, pois até isso é fazer algo. As
pessoas fazem coisas e tudo o que isso envolve é interessante e importante. É a sua pequena parte
no drama da vida. Só os entediados não o conseguem perceber; quando um artista desenha, é
neste drama da vida que ele vislumbra inspiração no tema.
Descansar, ler, correr, brincar, contemplar, falar, rir, chorar e por aí fora, estas actividades revelam a
dança da vida e invocam imagens com as quais a retratar. Vemos muitas fotos estáticas em jornais,
revistas etc. Temos de ter cuidado de não as deixar nos influenciar, pois nada na vida é estático.
Quando desenhamos, não representamos algo estático, antes uma parte de uma acção, 1 desenho
de uma pose – que é uma posição em milhares de poses, as quais compreendem todo o leque de
poses diárias desse modelo. É uma acção extrema, menos os intervalos dessa.

Don Graham, um grande professor de desenho e de animação, disse das acções extremas: “Em vez
de ser apenas um ponto de viragem ou ponto de paragem numa acção, ela – a acção extrema –
torna-se um desenho de grande e especial interesse visual, um desenho narrativo, que conta uma
história.”
A maioria das poses nas aulas são algo passivas. As mulheres olham as suas malas ou bebem de
chávenas, os homens tentam parecer masculinos ao fazer algo físico, para flectir os seus músculos.
Eu usualmente forço-lhes um objecto para que assimilem algum contexto com a realidade diária,
seja falarem ao telefone ou lerem um jornal. Essas, são actividades vitais. As nossas próprias vidas
são passadas a fazê-las. E, no entanto, frequentemente tenho de lembrar os alunos de que “Hey!
Não é possível ela estar a ler uma revista com os olhos estão desenhados noutra direcção!” ou
“Olha, como é que ele pode estar a ler um jornal se nem desenhaste o jornal!?...”
Devemos entrar no drama – chamo-lhe Narrativa de 1 desenho – ou o desenho será como ter um
astronauta a flutuar no espaço sem uma amarra. Se tudo o que tivermos no desenho fossem dois
olhos e um papel, a narrativa estaria comunicada. O que desenharmos à volta disso pode ser uma
linda rapariga ou uma personagem como Tritão, ou um Adónis, ou até o Pateta. Eles tornam-se os
protagonistas, mas a narrativa continua a ser “dois olhos a ler um papel.”

Continuo à procura de modos para vos persuadir a desenhar ideias (narrativas), ao invés de
desenhos (coisas). Na semana passada, a modelo estava curvada em frente, a olhar, interessada,
para algo fora do palco. O aluno, cujo desenho aqui apresento, estava a começar a desenhar uma
cabeça, esquecendo-se da curvatura, ou do suporte que os braços estavam a providenciar ou, mais
importante ainda, do olhar intrigado.
Contar uma narrativa estimula-nos a usar coisas no desenho que reforcem o nosso conceito da
pose. No meu esboço correctivo, acentuei a curvatura, que ajudou a projectar o olhar em frente.
Permitiu-me empurrar o ombro mais para diante, cobrindo o espaço que o olhar tinha de viajar. As
linhas das costas e do peito agem como ajudas direccionais para o olhar. Ganhei um pouco mais de
movimento ao empregar um dos princípios mais valiosos da animação: agachar e esticar – a parte
frontal do pescoço esticado e a nuca agachada. Curvá-la em frente também me permite ter a gola
da camisa pendurada, criando uma elipse que igualmente ajuda a projectar para diante o olhar, ao
formar uma espécie de linha direccional para ele. Todas estas coisas trabalham em conjunto para
transmitir o conceito de Narrativa de 1 desenho.
Já viram o anúncio “Não sair de casa sem ele” (cartão de crédito). Aqui fica um mantra para
desenho: “Não desenhar algo sem ela” (narrativa).

– Walt Stanchfield, Drawn to Life vol.1: 20 Golden Years of Disney Masterclasses (Focal Press, 2009)

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