Você está na página 1de 84

M 2023

DEIXA-ME EM PAZ!
PROJETO EDITORIAL ILUSTRADO CONTRIBUTIVO PARA A COMPREENSÃO
DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO NA INFÂNCIA

Lia Cristina de Matos Sá


Relatório de Projeto para obtenção de grau de mestre
Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais,
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Orientador Professor Júlio Dolbeth
Porto, 2023
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor e ilustrador Júlio Dolbeth pela confiança depositada,


pela paciência, pela constante dedicação e pelas oportunidades de aprendizagem.

Ao professor e escritor Emílio Remelhe pelo auxílio na escrita da narrativa.

Aos meus pais por toda a força, pelo carinho e apoio, pelos exemplos e por estarem
sempre presentes.

À psicóloga Susana Lêdo pela ajuda na compreensão da matéria em estudo.

A todas as pessoas que contribuíram para este projeto, pela ajuda, pelo incentivo
intelectual e emocional.
RESUMO

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade,


caracterizado pela presença de pensamentos e comportamentos repetitivos e intrusivos
que causam desconforto (obsessões) e rituais angustiantes e demorados (compulsões).
Nas crianças, estes comportamentos podem interferir significativamente em determinados
contextos, como a escola, atividades sociais e relações interpessoais.
O presente trabalho tem como principal objetivo a criação de um álbum ilustrado,
cuja problemática assenta no transtorno obsessivo-compulsivo nas crianças.

A sua finalidade é esclarecer e informar, para que o público possa ser instruído,
criar consciência e sensibilizar sobre o tema para evitar conceções erradas. Outro objetivo
é abrir caminho para o diálogo de forma a esclarecer potenciais equívocos que possam
existir.
A ilustração pode contribuir para a divulgação do tema de forma clara e compreensível.
Esta tem o poder de despertar o olhar e o sentido criativo da criança e permite a identificação
da mesma com situações específicas do tema. Com recurso à ilustração, é possível captar
a atenção dos leitores, nomeadamente dos mais jovens, implementando neles hábitos de
leitura e contribuindo para a formação de um adulto mais sensibilizado e informado.

Este projeto, tem também como objetivo envolver a comunidade num diálogo inclu-
sivo de modo a contribuir para o bem-estar individual e coletivo.

palavras-chave: álbum ilustrado, inclusão, transtorno obsessivo-compulsivo, literacia em


saúde mental
ABSTRACT

Obsessive-compulsive disorder (OCD) is a psychiatric anxiety disorder, characterized


by the presence of repetitive and intrusive thoughts and behaviors that cause discomfort
(obsessions), distressing and time-consuming rituals (compulsions). In children, these
behaviors can significantly interfere in certain contexts such as school, social activities and
interpersonal relationships.

The present work has, as its main goal, the creation of an illustrated album. Its focal
point is obsessive-compulsive disorder in children. The main purpose is to clarify and inform
the public so that they can be educated and sensitized, as well as create awareness on the
theme to avoid misconceptions. Another goal is to open paths of communication, which may
enable dialogue in order to clarify pre-existing misconceptions.
Illustration can contribute to the dissemination of the topic in a clear and understand-
able way. It has the power to awaken the child’s eye and creative sense, and allows the child
to identify with specific situations on the topic. Through illustration, it is possible to capture
the attention of readers, particularly the youngest ones. It implements reading habits in them
which will contribute to the development of a more cultured, sensitized, and informed adult.

This project also aims to engage the community in an inclusive dialogue in order to
contribute to individual and collective well-being.

keywords: picture book, inclusion, obsessive-compulsive disorder, mental health literacy


ÍNDICE

RESUMO

ABSTRACT

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
1.2. Motivação e Objetivos
1.3. Metodologia
1.4. Estrutura

2. O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
2.1. Critério Diagnóstico
2.2. Especificadores
2.3. Características Diagnósticas e de Apoio ao Diagnóstico
2.4. Desenvolvimento, fatores de risco e prognóstico
2.5. Consequências funcionais e diagnóstico diferencial
2.6. Sintomas de TOC nas crianças
2.7. Terapia Cognitiva-Comportamental
2.8. Medicação

Literacia em Saúde

A importância da leitura na infância


Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

3. O ÁLBUM ILUSTRADO
3.1. Definição e Caracterização
3.2. Características editoriais do álbum ilustrado
3.2.1. Formato
3.2.2. Capa e Contracapa
3.2.3. As Guardas
3.2.4. Folha de Rosto
3.2.5. Página e dupla-página
3.2.6. Tipo de Letra
3.2.7. Ilustração

4. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
4.1. Enquadramento do projeto
4.2. Estudos de caso
4.3. Componente gráfica

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

10
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figura 1 Álbum ilustrado, Era uma Vez uma Raiva


Figura 2 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, Era uma Vez uma Raiva
Figura 3 Álbum ilustrado, Vazio
Figura 4 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, Vazio
Figura 5 Álbum ilustrado, O meu Monstro e Eu
Figura 6 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, O meu Monstro e Eu
Figura 7 Esboço do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 8 Composição final do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 9 Fonte tipográfica Sassoon Primary Std Regular
Figura 10 Fonte tipográfica Pequena Regular
Figura 11 Esquematização da página
Figura 12 Cor universal associada ao TOC
Figura 13 Esboço da personagem Artur
Figura 14 Primeiros esboços das personagens
Figura 15 Primeiros esboços das personagens
Figura 16 Primeiros esboços das personagens
Figura 17 Primeiros esboços das personagens
Figura 18 Primeiros esboços digitais
Figura 19 Primeiros esboços digitais
Figura 20 Esboços digitais da personagem de Artur
Figura 21 Esboços digitais da personagem do monstro
Figura 22 Storyboard
Figura 23 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 24 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 25 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 26 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 27 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 28 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!
Figura 29 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

12
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

INTRODUÇÃO 1

15
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1

O presente relatório de projeto foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Design


Gráfico e Projetos Editoriais, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
O objeto de estudo foca-se no álbum ilustrado, na ilustração, no design editorial e na
psicologia. O desenvolvimento desta investigação consiste na criação de um projeto
prático, em particular, a criação de um álbum ilustrado cujo tema aborda a problemática
do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) na infância.
A definição da área de estudo foi complementada com o apoio da Dra. Susana
Lêdo, profissional de saúde na área da psicologia. Com o seu contributo foi possível
compreender que o transtorno obsessivo-compulsivo pode ser caracterizado por pensa-
mentos, dúvidas, ideias, imagens ou impulsos recorrentes indesejáveis e intrusivos
(obsessões) e impulsos irresistíveis (compulsões) de realizar ações para tentar diminuir
a ansiedade causada por essas obsessões. As obsessões e compulsões causam grande
angústia e interferem de todas as formas na vida do indivíduo. Na escola, na família e nas
relações e interações com os outros.
Por outro lado, não haverá grande diferença entre TOC na infância e na idade
adulta – está relacionado com as temáticas que serão mais adequadas para cada faixa
etária. Na infância, pode assistir-se a algumas obsessões/compulsões que acabam por
ser "normais" para essas idades sem que possam preencher todos os critérios para um
total diagnóstico de TOC (comportamentos como por exemplo, não pisar as linhas do
passeio são comuns e não constitui critério para se concluir ser TOC), pode ser apenas
uma forma de as crianças se organizarem/disciplinarem mentalmente e de autorregularem
a sua ansiedade. (Lêdo, 2022)
Atualmente, apesar de existir informação sobre o TOC acessível na internet, a
forma mais utilizada na procura de informação não se adequa às crianças. Destina-se
maioritariamente a adultos. Desta forma, podemos afirmar que hoje em dia existe uma
carência deste tipo de informação dirigida aos mais pequenos, mais especificamente na
literatura para a infância. A existência de álbuns ilustrados ou livros, relacionados com o
TOC dirigidos para crianças são escassos tanto nacional como internacionalmente.

16
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Analisada a investigação teórica desta problemática, foi necessário conseguir


colmatar esta informação num projeto prático que captasse a atenção do público-alvo em
questão. Por isso, na produção do artefacto editorial, procurou-se mostrar a importância
do álbum ilustrado para o público infantil, através do desenvolvimento de ilustrações,
realizando um livro que desperte para a leitura, conhecendo as diferentes formas de
interação com o objeto e analisando as opções visuais mais eficazes para cativar o leitor
e prolongar o seu interesse. Não tendo apenas o público infantil como público-alvo, mas
também os seus educadores porque estes são essenciais no crescimento e evolução da
criança. Apresentado com caraterísticas muito específicas, o álbum ilustrado estabelece
uma relação muito especial entre texto e imagem, onde é possível utilizar estas duas
ferramentas para contar uma história. De igual importância são as suas propriedades
físicas, como o formato, capa e contracapa, guardas ou até mesmo o tipo de papel. Todos
estes elementos juntos contribuem para a sua construção, tratando o objeto-livro como
um todo.
Por fim, importa evidenciar que esta investigação intenta ainda apresentar um
contributo pessoal e para todos aqueles que tenham interesse nesta temática, abrindo o
caminho para futuras investigações.

MOTIVAÇÃO E OBJETIVOS 1.2

A motivação para a presente investigação, deve-se sobretudo ao interesse pela


área da ilustração, pelo álbum ilustrado e pela consciencialização de certas doenças
mentais, nomeadamente a TOC. Considero que este transtorno é pouco falado e pode
ser mal compreendido. Foi selecionado o público-alvo infantil porque acredito que a
saúde mental na infância seja importante para toda a vida do indivíduo. É nos primeiros
anos de vida que a criança adquire bases para os anos seguintes. Além disso, é nesta
fase que podem surgir os primeiros sintomas de transtornos que se podem agravar na
adolescência e vida adulta.

Associado ao interesse pessoal da ilustração, é de notar que a leitura é uma


atividade muito importante no desenvolvimento intelectual, físico e emocional da criança.
O álbum ilustrado é um objeto que proporciona experiências enriquecedoras nas primeiras
leituras da criança. Desta forma, são propostos como objetivos gerais do projeto analisar
e mostrar a importância do design de comunicação na criação de ilustrações para um livro
que desperte para a leitura e consciencialização; perceber de que forma é que o TOC
afeta diariamente as crianças; perceber em que medida podem os educadores e outros
elementos do meio social ajudar a criança; conhecer as diferentes formas de interação
com o objeto e analisar as opções visuais mais eficazes para cativar o leitor.

Para ser possível a concretização destes objetivos, procurar-se-á realizar


uma contextualização acerca do Transtorno Obsessivo-Compulsivo nas crianças e

17
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

posteriormente conhecer e descrever as características editoriais usadas na criação de


álbuns ilustrados, através de alguns estudos de caso e de características essenciais para
o seu desenvolvimento.
No final desta investigação, é esperado conseguir dar resposta às seguintes questões:

Como é que as crianças com TOC são afetadas diariamente por este transtorno?

O que é que pode ser feito pelas pessoas que rodeiam a criança com TOC?

Em que medida é que o álbum ilustrado pode ajudar a criança?

METODOLOGIA 1.3

A execução do projeto, tanto na sua componente teórica como na componente


prática, assenta numa metodologia documental e experimental. Envolvendo as seguintes
etapas:
1. Estado da arte.

2. Recolha, análise e organização de documentos e entrevista. Posteriormente


foram realizadas as recolhas e leituras sobre o tema e foi feita a análise do conteúdo de
textos, teses, artigos e livros. Foi também trabalhada a informação recolhida de uma
entrevista semiestruturada realizada à profissional na área da psicologia Susana Lêdo.
Esta recolha foi importante não só para enquadrar e sustentar bibliograficamente o tema
na componente teórica, mas também para a construção do artefacto.

3. Seleção e organização da informação para a realização da narrativa. Nesta


etapa, o contacto com o professor Emílio Remelhe, escritor e professor de escrita criativa,
foi um fator crucial para tornar a narrativa mais limpa e aliciante.

4. Elaboração das ilustrações. Foram realizadas experiências e esboços com


diferentes materiais e optou-se pelo meio digital para a elaboração das ilustrações. Foi
também elaborado um storyboard para melhor organização do processo de trabalho.

5. Projeto editorial e processos de impressão. Esta fase dedicou-se à realização do


livro. Foram definidas grelhas, escolha do formato, seleção da paleta cromática, escolha
do tipo de letra para a capa e miolo e dos materiais a utilizar.

6. Na última fase, foram executados os últimos testes de impressão, de modo a


realizar pequenos ajustes de cor e corrigir pequenos elementos que não eram desejados.

18
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

RESUMO DA METODOLOGIA

19
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

RELAÇÃO ENTRE OBJETIVOS E MÉTODOS

Objetivos:

Criação de um artefacto editorial capaz de criar consciencialização sobre o TOC


ao mesmo tempo que desperta interesse para a leitura;

Perceber de que forma é que o TOC afeta diariamente as crianças;

Perceber em que medida podem os educadores e outros elementos do meio social


ajudar a criança;

Conhecer as diferentes formas de interação com o objeto e analisar as opções


visuais mais eficazes para cativar o leitor;

Métodos:

Investigação através de publicações desde livros, teses e artigos. Investigação


de cores, materiais, tipografia e ilustração. Revisão da literatura. Estudos de caso e
entrevistas.

ESTRUTURA 1.4

O presente relatório de projeto é divido em cinco capítulos (introdução, o TOC, o


álbum ilustrado, desenvolvimento do álbum ilustrado e considerações finais).

O primeiro capítulo é destinado à introdução do trabalho, onde se procura contextu-


alizar o objeto de estudo e o seu desenvolvimento. É abordado de forma sucinta a temática
do TOC e do álbum ilustrado. Neste capítulo também são expostos os interesses que
levaram à escolha do tema e do projeto, referindo os objetivos que se pretendem atingir.
De forma a encontrar uma contextualização teórica e compreensão do TOC, foi
desenvolvido o segundo capítulo que permitiu investigar e analisar este transtorno de
ansiedade. Desta forma foi possível perceber os seus sintomas, as suas características
clínicas, as suas causas e formas de tratamento. De seguida, achou-se importante sali-
entar o TOC na infância mais especificamente e de que maneira é que afeta as crianças.
Posteriormente foi falado da importância da literacia em saúde mental e também da
importância da leitura no desenvolvimento da criança.
O capítulo três é destinado ao álbum ilustrado, enunciando as suas características
editorias e o seu potencial. Inicialmente começou-se por definir e caracterizar o álbum,
através da perspetiva de vários autores. De seguida, foram abordadas as características

20
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

editoriais do álbum ilustrado como as capas e contracapas, guardas, folha de rosto e


página dupla, a composição do texto e a ilustração.
Depois de compreendidas as bases teóricas do tema, avançou-se para o capítulo
quatro onde foi exposto o desenvolvimento do projeto, começando por explicar a metodo-
logia adotada. De seguida foram expostos alguns estudos de caso que serviram de base
e de inspiração para a construção e desenvolvimento do projeto.
No capítulo cinco, são encontradas as considerações finais do projeto, resultantes
de todo o desenvolvimento do relatório. No final é possível encontrar todas as referências
bibliográficas utilizadas no trabalho.

21
TOC 2
“Nas fobias, a ansiedade é precipitada por objetos ou
situações exteriores. Ao contrário, nas perturbações
obsessivo-compulsivas, a ansiedade é produzida
por acontecimentos internos: pensamentos ou dese-
jos persistentes que se impõem à consciência e que
não podem ser interrompidos.” (Gleitman, Fridlung &
Reisberg, 2011, p.1077)
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO (TOC)

Com o intuito de tornar o projeto mais coerente é necessário contextualizar o


TOC a partir de um ponto de vista clínico e científico. Neste capítulo apresenta-se uma
introdução ao transtorno, salientando os fatores mais relevantes que o caracterizam,
nomeadamente o diagnóstico, a sintomatologia, as consequências e o tratamento.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) por norma envolve obsessões e


compulsões. As obsessões surgem como pensamentos, ideias, desejos, impulsos ou
preocupações indesejadas e intrusivas que cruzam a mente da pessoa repetidamente.
Muitas vezes as obsessões não tem sentido, são desagradáveis ou até mesmo repul-
sivas. As obsessões mais comuns envolvem impulsos em magoar um familiar próximo;
preocupações contínuas com sujidade, germes, contaminação, infeção ou contágio;
pensamentos recorrentes de que algo não foi feito de forma correta, mesmo quando o
indivíduo sabe o contrário; pensamentos blasfemos de caráter religioso; medo de perder
algo importante; sentimentos de que determinadas coisas tem de estar sempre no mesmo
lugar, posição ou ordem; preocupações com a forma ou o funcionamento de certas partes
do corpo; sons, palavras, números ou imagens sem nexo.
Para alguns indivíduos, as obsessões pouco recorrentes causam grande
ansiedade, enquanto que para outros, as obsessões constantes podem ser vistas como um
“ruído de fundo” ligeiramente incómodo. Os doentes recorrem frequentemente a familiares,
amigos ou terapeutas para obter garantias ou para reduzir a sua incerteza transferindo-
lhes a responsabilidade de decisão. As compulsões (ou rituais) são comportamentos
repetidos que são normalmente realizados em resposta a uma obsessão. O seu principal
objetivo é reduzir o desconforto causado. No entanto, o comportamento compulsivo é
exagerado e deve ser realizado de uma maneira particular ou mesmo de acordo com
“regras” autoprescritas. Por vezes, o comportamento não parece estar ligado ao alívio de
uma obsessão e os doentes não conseguem explicar a pressão aflitiva que sentem por
realizar a compulsão. Os comportamentos obsessivos não proporcionam satisfação, mas

24
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

são mantidos porque reduzem a tensão, o desconforto ou a ansiedade que está associado
às obsessões. Os comportamentos compulsivos são quase sempre reconhecidos como
excessivos ou irrealistas, embora algumas crianças possam negar a redundância das
suas ações e algumas pessoas mais velhas possam ter desistido de resistir às suas
compulsões. Tal como as obsessões variam em frequência e intensidade, as compulsões
podem ocorrer raramente ou consumir parte do dia da pessoa. O TOC pode ser um
problema que passa despercebido a qualquer pessoa, exceto ao indivíduo em questão.
Pode criar diversas dificuldades para o doente e para os membros da família à medida
em que aumenta e diminui o seu grau de intensidade, ou pode ser de tal gravidade
que consome a atenção e energia do doente e os membros da família envolventes em
formalidades utilizadas para manter a tranquilidade. (Greist et al.,1989)

Relações entre obsessões e compulsões

Mario Maj, Norman Sartorius, Ahmed Okasha e Joseph Zohar confirmam que
tradicionalmente, julga-se que que as obsessões são ocorrências mentais ocultas, como
pensamentos, imagens ou impulsos, enquanto que as compulsões são comportamentos
visíveis e evidentes, como lavar, repetir, verificar ou ordenar. A distinção entre obsessões
e compulsões com base na sua forma de se expressar contradiz uma segunda visão, mais
contemporânea, que enfatiza uma ligação funcional mais dinâmica entre obsessões e
compulsões. De acordo com este novo ponto de vista, as obsessões são acontecimentos
mentais que provocam aflição e ansiedade, tais como pensamentos de contaminação,
pensamentos de ser responsável por um acidente, impulsos inadmissíveis ou imagens
blasfemas. De acordo com o conceito mais atual de TOC, os pensamentos que funcionam
como um neutralizador de outros pensamentos ou impulsos constituem compulsões.
Estas podem ser comportamentos nítidos e explícitos, como lavar-se para compensar
a ansiedade em relação à contaminação, ou rituais disfarçados, como rezar em silêncio
para anular um pensamento blasfemo. Tanto os comportamentos como os pensamentos
podem funcionar para reduzir a angústia obsessiva e, dessa forma, ambos podem ser
considerados compulsões. (Maj, Sartorius, Okasha & Zohar 2002)

CRITÉRIO DIAGNÓSTICO 2.1

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª


edição, American Psychatric Association, 2014), são apresentados de seguida os critérios
para o diagnóstico do TOC.
A. Presença de obsessões, compulsões ou ambas:

25
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

As obsessões são caracterizadas por:


1. Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum
momento durante a perturbação, são experienciados como intrusivos e indesejados e
que, para a maior parte das pessoas, causa extrema ansiedade ou sofrimento.
2. O indivíduo tenta ignorar ou excluir tais pensamentos, impulsos ou imagens ou
neutraliza-los com outro pensamento ou ação.

As compulsões são caracterizadas por:


1. Comportamentos repetitivos (p. ex., lavar as mãos, organizar, verificar) ou atos
mentais (p. ex., rezar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa em questão
se sente obrigada a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que
devem ser rigidamente aplicadas.
2. Os comportamentos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir a ansiedade e o
sofrimento ou evitar algum evento ou situação temida; entretanto, esses comportamentos
ou atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam neutralizar ou evitar.
É de notar que as crianças mais pequenas podem não ser capazes de enunciar
os objetivos desses comportamentos ou rituais mentais.
B. As obsessões ou compulsões ocupam tempo (p. ex., quando demoram mais
de uma hora por dia) ou causam sofrimento clinicamente significativo ou danos no
funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
C. Os sintomas obsessivo-compulsivos não se devem aos efeitos fisiológicos de
uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica.
D. A perturbação não é melhor explicada pelos sintomas de outro transtorno
mental (p. ex., preocupações excessivas, como o transtorno de ansiedade generalizada;
preocupação com a aparência, como o transtorno dismórfico corporal; dificuldade de se
desfazer de pertences, como o transtorno de acumulação; arrancar cabelos, como na
tricotilomania; entre outros.)
É importante determinar se o paciente tem um insight bom ou razoável, “O indivíduo
reconhece que as crenças do transtorno obsessivo-compulsivo são definitiva ou provavel-
mente não verdadeiras ou que podem ou não ser verdadeiras.”, com um insight pobre, “O
indivíduo acredita que as crenças do transtorno obsessivo-compulsivo são provavelmente
verdadeiras.”, ou um insight ausente, “O indivíduo está completamente convencido de
que as crenças do transtorno obsessivo-compulsivo são verdadeiras.” (DSM-5, 2014, p.
237) O insight simboliza o tipo de entendimento que o paciente tem sobre si mesmo no
que diz respeito ao transtorno.

CAUSAS 2.2

Duke Hamilton afirma que atualmente, não existe uma causa específica para o
TOC. No entanto, existem várias teorias que apontam para uma variedade de fatores
envolvidos no seu desenvolvimento. O TOC deve-se muito provavelmente a um misto de
fatores físicos, ambientais e psicológicos.

26
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Genética. Ter um membro da família que sofre com um tipo de TOC parece aumen-
tar a probabilidade de desenvolver a perturbação. “For exemple, up to 30% of teenagers
with OCD had at least one member oh their immediate family who was prone to obsessive
symptoms.”. (Hamilton, 2014, p.14)
Alguns dos distúrbios do espetro do TOC podem ser: transtorno dismórfico corporal;
hipocondria; compulsão alimentar ou anorexia; tricotilomania. O TOC não parece ser um
transtorno somente genético, pois gêmeos idênticos, não necessariamente desenvolvem
o mesmo transtorno. “If one of the parents has OCD, there seems to be a 2% to 8% chance
that each child will also have it.”. (Hamilton, 2014, p.14) Isto pode acontecer não só devido
à parte genética mas também, ao ambiente familiar.
Causas físicas. As análises cerebrais feitas a pessoas com TOC mostram
disfunções na comunicação entre diferentes partes do cérebro, provocando respostas
inadequadas quando surge a ansiedade. Habitualmente, o cérebro está preparado para
enviar e receber sinais que nos levam a reagir a determinados estímulos. Isto para que
seja possível refletir sobre a ação. Este circuito cerebral deixa de ser ativado depois da
realização do ato, dado por terminado o ciclo de feedback e permitindo assim a retoma às
suas atividades. Na pessoa com TOC, este ciclo de feedback é interrompido e o cérebro
não consegue desligar e ignorar os impulsos deste circuito. Fazendo com que repitam a
mesma ação vezes sem conta. Recentemente, o TOC tem sido associado a baixos níveis
de serotonina, um químico existente no cérebro que tem a função de transportar a infor-
mação de um neurónio para outro. Quando os níveis de serotonina são baixos, o cérebro
reage de forma diferente à ansiedade. Por norma, os pensamentos desnecessários são
facilmente filtrados, mas com os baixos níveis de serotonina, são interpretados como
“sinais de perigo” e causam níveis elevados de desconforto. (Hamilton, 2014)

CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICAS E
DE APOIO AO DIAGNÓSTICO 2.3

De acordo com o DSM-5, o sintoma que caracteriza o TOC é a presença de


obsessões e compulsões. As obsessões são pensamentos repetitivos e constantes (p.
ex., a contaminação), imagens (p. ex., de cenas violentas ou de horror) ou impulsos (p.
ex., magoar alguém). É importante notar que as obsessões não são agradáveis ou acon-
tecem voluntariamente: são intrusivas, indesejadas e causam sofrimento e ansiedade
acentuada na maioria das pessoas. A pessoa tenta ignorar ou suprimir as obsessões (p.
ex., evitando os desencadeantes ou usando a supressão do pensamento) ou neutraliza-las
com outro pensamento ou ação (p. ex., com uma compulsão).
As compulsões (ou rituais) são comportamentos repetitivos (p. ex., lavar ou
verificar) ou ações mentais (p. ex., contar ou repetir palavras) que o indivíduo se sente
forçado a realizar como resposta a uma obsessão. As compulsões são normalmente
uma resposta às obsessões (p. ex., pensamentos de contaminação levando a rituais de

27
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

lavagem). O objetivo é reduzir o sofrimento causado pelas obsessões. Embora algumas


pessoas possam experienciar alívio da ansiedade com as compulsões, elas não são
executadas por satisfação. Para uma pessoa ser diagnosticada com TOC, as obsessões
e compulsões devem ocupar parte do tempo diário da pessoa como por exemplo, mais de
uma hora por dia ou então, causar sofrimento e ansiedade clinicamente significativos. Este
critério é fundamental para diferenciar o TOC do transtorno de pensamentos intrusivos
ocasionais ou comportamentos repetitivos que são comuns na população em geral
(p. ex., verificar duas vezes se a porta está trancada). A frequência e a gravidade das
obsessões e compulsões variam entre os indivíduos com TOC (p. ex., alguns demonstram
sintomas leves a moderados, passando 1 a 3 horas por dia com obsessões ou executando
compulsões, enquanto outros tem pensamentos intrusivos ou compulsões quase
constantes que podem ser incapacitantes.) (DSM-5, 2014)

Quanto às características associadas que apoiam o diagnóstico do TOC, o DMS-5


afirma que, “O conteúdo específico das obsessões e compulsões varia entre os indivíduos.
Entretanto, certos temas, ou dimensões, são comuns, incluindo os de limpeza (obsessões
por contaminação e compulsões por limpeza); simetria (obsessões por simetria e
compulsões por repetição, organização e contagem); pensamentos proibidos ou tabus
(p.ex., obsessões agressivas, sexuais ou religiosas e compulsões relacionadas); e danos
(p.ex., medo de causar danos a si mesmo ou a outros e compulsões de verificação).”
(DSM-5, 2014, p. 239) Certas pessoas também tem dificuldades em se livrar dos seus
objetos e vão acumulando como uma consequência de obsessões e compulsões.
Estes temas surgem em diferentes culturas, são consistentes ao longo do tempo
e podem estar associados a diferentes bases neurais. É importante observar que os
indivíduos tem com frequência sintomas sobre diferentes assuntos. As pessoas com
TOC experimentam uma sucessão de respostas afetivas quando confrontadas com
situações que desencadeiam obsessões e compulsões. Por exemplo, muitas pessoas
sentem ansiedade acentuada que pode incluir ataques de pânico recorrentes. Outros,
relatam fortes sentimentos de repulsão. Enquanto efetuam as compulsões, algumas
pessoas relatam uma angustiante sensação de inquietação. É comum que indivíduos com
o transtorno evitem pessoas, lugares e coisas que estimulam obsessões e compulsões.
Por exemplo, pessoas com preocupações com o tema da contaminação, podem evitar
situações públicas (p. ex., restaurantes ou casas de banho públicas) para reduzir a
exposição; pessoas com pensamentos intrusivos na temática de provocar danos podem
evitar as interações sociais. (DSM-5, 2014)

28
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

DESENVOLVIMENTO, FATORES DE RISCO E


PROGNÓSTICO 2.4

Segundo o DSM-5, nos Estados Unidos, a idade média em que tem início o TOC
é 19,5 anos, em que 25% dos casos tem início aos 14 anos de idade. O início após os
35 anos é incomum, mas ocorre. Os indivíduos do sexo masculino podem desenvolver
o transtorno mais precocemente em relação aos indivíduos do sexo feminino: cerca de
25% dos homens iniciam os sintomas de TOC antes dos 10 anos. O início dos sintomas
é geralmente gradual. No entanto, um início agudo também tem sido relatado. Quando o
TOC não é tratado, o seu seguimento é, em geral, crônico e com frequência os sintomas
aumentam e diminuem de intensidade. “Alguns indivíduos têm um curso episódico, e uma
minoria tem um curso de deterioração. Sem tratamento, as taxas de remissão em adultos
são baixas (p. ex., 20% para aqueles reavaliados 40 anos depois)”. (DSM-5, 2014, p. 239)
Quando o TOC surge na infância ou adolescência, pode permanecer para o resto
da vida. No entanto, 40% dos indivíduos com início do transtorno na infância ou adoles-
cência podem experienciar remissão até ao início da idade adulta. É mais fácil diagnosticar
as compulsões de uma criança do que as obsessões pois, as primeiras são observáveis.
Porém, a maioria das crianças tem obsessões e compulsões, assim como a maioria dos
adultos. “O padrão de sintomas em adultos pode ser estável ao longo do tempo, porém
é variável em crianças. Algumas diferenças no conteúdo das obsessões e compulsões
foram relatadas quando amostras de crianças e adolescentes foram comparadas com
amostras de adultos. Essas diferenças provavelmente refletem um conteúdo apropriado
aos diferentes estágios do desenvolvimento (p. ex., taxas mais altas de obsessões sexu-
ais e religiosas em adolescentes do que em crianças; taxas mais altas de obsessões por
danos (p. ex., medo de eventos catastróficos, como doença ou a própria morte ou de
pessoas amadas) em crianças e adolescentes do que em adultos).” (DSM-5, 2014, p.
239)
Quanto aos fatores de risco e prognóstico, o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5) afirma estes podem ser:
Temperamentais. Sintomas mais internalizantes, uma afetividade negativa mais alta
e uma inibição do comportamento na infância podem ser fatores possíveis de risco
temperamentais.

Ambientais. Abuso físico e sexual na infância ou outros eventos que podem causar stress
ou trauma na criança, foram associados a um risco aumentado no desenvolvimento do
TOC. Algumas crianças podem desenvolver os sintomas obsessivo-compulsivos subi-
tamente, o que foi associado a diferentes fatores ambientais, incluindo vários agentes
infeciosos e uma síndrome autoimune pós-infeciosa.

Genéticos e fisiológicos. A taxa de TOC entre familiares de primeiro grau de adultos com
o transtorno é aproximadamente duas vezes superior à de familiares de primeiro grau sem
o transtorno; no entanto, entre familiares de primeiro grau com início do TOC na infância
ou adolescência, a taxa aumenta em 10 vezes. “A transmissão familiar deve-se, em parte,

29
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

a fatores genéticos (p. ex., uma taxa de concordância de 0,57 para gêmeos monozigóticos
vs. 0,22 para gêmeos dizigóticos). Disfunção no córtex orbitofrontal, no córtex cingulado
anterior e no estriado tem sido mais fortemente envolvida.” (DSM-5, 2014, p. 240)

CONSEQUÊNCIAS FUNCIONAIS E
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 2.5

Como referido no DSM-5, o TOC está associado a uma qualidade de vida limitada
e a altos níveis de prejuízo social e profissional. O prejuízo ocorre em diferentes áreas
da vida e está associado à gravidade do sintoma. Pode ser causado pelo tempo gasto
nas obsessões e a executar as compulsões. O paciente pode tentar fugir de certas situ-
ações e isto pode restringir o funcionamento da pessoa. Sintomas específicos podem
criar obstáculos específicos. Por exemplo, obsessões sobre danos ou violência podem
fazer as relações com familiares e amigos parecerem perigosas; o resultado pode ser
tentar fugir dessas relações. Pensamentos obsessivos sobre simetria podem impedir a
conclusão de projetos escolares ou profissionais, visto o trabalho nunca parecer “direito”.
Isto pode resultar em fracasso escolar ou na perda de emprego. As consequências na
saúde também podem acontecer. Por exemplo, as pessoas com preocupações sobre
contaminação podem vir a evitar consultórios médicos ou hospitais devido ao medo de
exposição a germes ou, desenvolver problemas dermatológicos como lesões cutâneas
devido à lavagem excessiva. Por vezes, os sintomas do TOC podem interferir no trata-
mento (p. ex., quando o paciente considera os medicamentos contaminados).
Quando o transtorno se inicia na infância ou adolescência, os indivíduos
podem experienciar dificuldades no desenvolvimento. Os adolescentes podem evitar a
socialização com os amigos e os jovens adultos podem sentir dificuldades no processo de
sair de casa e se tornarem independentes. O resultado pode ser relações escassas fora
dos familiares e falta de autonomia e de independência financeira. Algumas pessoas com
TOC podem ainda, impor regras e proibições aos membros da família devido ao transtorno
como por exemplo, não receber visitantes em casa com medo da contaminação. Isto pode
levar à disfunção familiar. (DSM-5, 2014)

O DSM-5 afirma que são diagnósticos diferenciais:


Transtornos de ansiedade. Pensamentos recorrentes, comportamentos de
evitação e pedidos repetitivos de tranquilização também podem surgir nos transtornos
de ansiedade. No entanto, os pensamentos repetidos que estão presentes no transtorno
de ansiedade generalizada são geralmente, preocupações relacionadas com assuntos
da vida real, enquanto que as obsessões do TOC não costumam envolver preocupações
da vida real e podem incluir conteúdos irracionais. Para além disto, as compulsões geral-
mente estão ligadas às obsessões. “Assim como os indivíduos com TOC, aqueles com
fobia específica podem ter uma reação de medo a objetos ou situações específicas; no

30
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

entanto, na fobia específica, o objeto temido está geralmente muito mais circunscrito, e
os rituais não estão presentes.” (DSM-5, 2014, p. 241)
No transtorno de ansiedade social, as situações receadas estão ligadas às
interações sociais e, a procura de tranquilização resulta na evitação dessas situações
sociais.
Transtorno depressivo maior. O TOC pode se diferenciar do transtorno depressivo maior
ao qual, os pensamentos são geralmente coerentes com o humor e não são vividos como
intrusivos ou angustiantes.

Outros transtornos obsessivo-compulsivos e transtornos relacionados.


“No transtorno dismórfico corporal, as obsessões e compulsões estão limitadas a
preocupações acerca da aparência física, e, na tricotilomania (transtorno de arrancar
cabelo), o comportamento compulsivo está limitado a arrancar os cabelos na ausência de
obsessões.” (DSM-5, 2014, p. 241) No transtorno de acumulação, os sintomas focam-se
maioritariamente na dificuldade persistente de se livrar de objetos pessoais, resultando
na acumulação excessiva de objetos. Porém, se uma pessoa tem obsessões típicas do
TOC (p. ex., preocupações sobre não se sentir completo ou danos), e essas obsessões
levam a comportamentos compulsivos de acumulação (p. ex., adquirir todos os objetos de
uma coleção para se sentir completo ou não descartar jornais velhos pois podem conter
informações que poderiam evitar danos), um diagnóstico de TOC deve ser referido.

Transtornos alimentares. O TOC pode se distinguir da anorexia nervosa pois,


no TOC as obsessões e compulsões não estão limitadas a preocupações acerca do peso
e dos alimentos.

Tiques (no transtorno de tique) e movimentos estereotipados. Um tique é um


movimento motor ou uma vocalização que acontece de forma súbita, rápida, recorrente
e não rítmica. Um movimento estereotipado é um comportamento motor repetitivo,
que acontece por impulso e é não funcional (p. ex., bater a cabeça, balançar o corpo,
morder a si mesmo). Os tiques e os movimentos estereotipados normalmente, são menos
complexos do que as compulsões e não tem como objetivo neutralizar as obsessões. No
entanto, pode ser difícil distinguir os tiques das compulsões. As compulsões costumam
surgir como resultado das obsessões e os tiques são, com frequência, precedidos por
impulsos sensoriais premonitórios.

Transtornos psicóticos. Algumas pessoas com TOC tem um insight pobre ou até
mesmo convicções de TOC delirantes. Contudo, apresentam obsessões e compulsões
e não tem outras características de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo.
Transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva. Apesar de o transtorno de person-
alidade obsessivo-compulsiva e o TOC tenham nomes semelhantes, as suas manifes-
tações clínicas são diferentes. O transtorno de personalidade obsessiva-compulsiva não
é caracterizado por pensamentos intrusivos, imagens ou impulsos e não é seguido por
comportamentos repetitivos resultado dessas intrusões. Por sua vez, envolve um padrão
duradouro e determinado de perfeccionismo excessivo e controle rigoroso. (DSM-5 , 2014)

31
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

SINTOMAS DE TOC NAS CRIANÇAS 2.6

Os sintomas de TOC nas crianças podem ser muito difíceis de detetar. Normalmente,
o transtorno manifesta-se como uma obsessão pela organização, contar ou fazer as
coisas numa ordem específica. Por vezes podem fazer uma pergunta repetidamente na
esperança de obter sempre a mesma resposta.
As crianças passam por fases de organização à medida que aprendem a distinguir
formas e cores. No entanto, se os comportamentos forem feitos com o intuito de aliviar
ansiedade, não faz parte do desenvolvimento normal. As crianças muito pequenas são
demasiado novas para serem diagnosticadas com TOC, no entanto, se a ansiedade e
os comportamentos associados ao TOC interferirem com o seu funcionamento normal,
é essencial procurar ajuda. A terapia de modificação de comportamento pode ajudar nos
primeiros sinais de TOC por isso, quanto mais cedo forem abordados, melhores são as
hipóteses de superar o transtorno. (Hamilton, 2014)

TERAPIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL 2.7

Segundo o Manual de terapia cognitivo-comportamental para o transtorno


obsessivo- compulsivo, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) utiliza, no tratamento
do TOC, intervenções comportamentais e cognitivas que foram comprovadas funcionar
no tratamento de outros transtornos, como as fobias e a depressão. Os métodos para o
tratamento reúnem tarefas, normalmente realizadas em casa, de exposição, abstenção
de executar rituais a partir de uma lista de situações que provocam ansiedade, exercícios
cognitivos, entre outros. Para conduzir adequadamente o tratamento, é necessário que
o terapeuta tenha conhecimento e domínio dos fundamentos cognitivo-comportamentais
em geral e do TOC, em particular. Na avaliação inicial, ele deve identificar os fatores
responsáveis pela ansiedade e pela necessidade de efetuar rituais, assim como os
processos comportamentais e cognitivos que dão origem e propagam os sintomas, de
forma a ser capaz de os transmitir por um meio simples e claro ao paciente. A TCC para o
TOC é um tratamento feito de forma breve que procura eliminar os fatores que sustentam
o transtorno: o alívio obtido com a realização das compulsões (reforço negativo), com
a hipervigilância e com as evitações. É importante explicar ao paciente que o alívio é
enganador, pois reforça nele a necessidade de realizar tais atos e o impede de perceber
que os medos são irreais. O objetivo da terapia é enfrentar os medos; em vez de fazer
rituais como lavar as mãos e verificação, será pedido que se abstenha de fazê-los.
(Cordioli, 2014)

Na prática, a TCC distingue-se de outras modalidades de psicoterapia pelos


exercícios práticos que são pedidos que o paciente realize em casa ou no trabalho, no
intervalo entre sessões, específicos para cada sintoma do paciente e respeitando o grau
de dificuldade. O terapeuta tem uma função idêntica à de um treinador; cada semana são

32
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

escolhidos exercícios, é feita uma avaliação do nível de dificuldade e como obter sucesso,
propondo tarefas cada vez mais difíceis mas executáveis. Normalmente, a terapia começa
com uma lista mais detalhada dos sintomas do TOC, dos horários e locais mais críticos,
que servem de base para a programação dos exercícios. Dá-se início os exercícios mais
simples, deixando para mais tarde os mais complexos. As sessões de terapia costumam
ser semanais e a duração do tratamento deve ser breve, com duração de 10 a 15 sessões.
O paciente tem de dedicar, pelo menos, 1 hora por dia às tarefas e um total de, no mínimo,
20 horas. O ideal é que o processo terapêutico termine com a eliminação completa de
todos os sintomas, o que está associado a uma taxa menor de recaídas. (Cordioli, 2014)

Nomeadamente para o TOC, a TCC procura cortar o círculo vicioso representado


pelo alívio das obsessões obtido pelos rituais das compulsões. Quando este círculo é
interrompido, é possível haver uma margem de nova aprendizagem, pois os objetos, as
situações ou os estímulos que provocam medo deixam pouco a pouco de o fazer. Isto
acontece por meio do fenômeno natural de habituação, tornando-se novamente estímulos
neutros, e também porque novas associações entre os estímulos e as emoções (p. ex.,
ausência de medo) são estabelecidas. A memória que o paciente tinha anteriormente de
estímulo e resposta de medo, passa a ser substituída por uma nova memória à qual o
medo não está associado. (Cordioli, 2014)

MEDICAÇÃO 2.8

De acordo com Joanna Jast, a medicação mostrou ser eficaz no tratamento do


TOC, mas a sua ação desenvolve-se de forma gradual. O paciente poderá ter de esperar
semanas ou até meses para ver alguma melhoria. Os profissionais sugerem que se espere
pelo menos 12 semanas para observar se o medicamento funciona para o paciente.
Os antidepressivos e, mais especificamente, os inibidores seletivos da recaptação de
serotonina (SSRIs) são utilizados para tratar o TOC desde 1980. Estes medicamentos
aumentam o nível de um químico cerebral específico (neurotransmissor), chamado sero-
tonina, suprimindo a sua recaptação de modo a que haja mais serotonina para interagir
com as células cerebrais. O mecanismo pelo qual os antidepressivos atuam no TOC não
é totalmente compreendido, mas acredita-se que o transtorno é causado por um mau
funcionamento do sistema de serotonina no cérebro.

Nem todos os antidepressivos foram considerados benéficos para o tratamento


do TOC, somente são utilizados aqueles que inibem a recaptação da serotonina. Os
antidepressivos recomendados pelo National Institute for Health and Clinical Excellence
(NICE) para o TOC são: “Citalopram (Celexa, Cipramil); Fluoxetine (Prozac, Seronil,
Fontex); Fluvoxamine (Proxil, Paxil, Sonoxet); Sertraline (Zoloft, Lustral); Clomipramine
(Anafranil)” (Jast, 2013, p.27)

33
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

LITERACIA EM SAÚDE

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Literacia em saúde pode ser


definida como:
“ o grau em que os indivíduos têm a capacidade de obter, processar e entender as infor-
mações básicas de saúde para utilizarem os serviços e tomarem decisões adequadas
de saúde”. (OMS, 2020, p.5)
Em Portugal, os estudos mostram que existe um grande número de pessoas
com baixos níveis de literacia, mais especificamente os idosos, com doenças crónicas,
com baixos níveis de escolaridade e baixos rendimentos (OMS, 2020; como citado em
DGS, 2018). Existem certezas de que a Literacia em Saúde não só contribui para a
promoção da saúde e prevenção da doença, mas também para a eficácia dos serviços
de saúde. Baixos níveis de Literacia em Saúde estão associados a um maior número de
internamentos e com maior utilização dos serviços de urgência, assim como um menor
predomínio de atitudes individuais e familiares preventivas no campo da saúde, dando
origem a uma diminuição na qualidade de vida. Desta forma, compete aos Profissionais
de Saúde o desenvolvimento de iniciativas que tem como objetivo promover a fortificação
dos cidadãos.
A melhoria da Literacia em Saúde é decisiva para que o cidadão seja capaz de
tomar decisões ao nível da saúde, divulgando uma utilização mais eficiente e racional dos
recursos de Sistema de Saúde que contribuirão para a sua sustentabilidade.No entanto,
o maior impacto da Literacia em Saúde é a redução do risco da utilização excessiva e por
vezes contraindicada das tecnologias da saúde como por exemplo, os medicamentos.
(OMS, 2020)

35
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

A adolescência caracteriza-se por um enorme desenvolvimento físico, cognitivo,


emocional, social e moral. É uma fase da vida considerada pelo início de algumas pertur-
bações mentais. É também uma faixa etária distinta pelo desenvolvimento de intervenções
psicoeducacionais capazes de promover a literacia em saúde mental, nomeadamente em
contexto escolar. Foi desenvolvida e avaliada uma intervenção psicoeducacional com o
objetivo de promover a literacia em saúde mental sobre a ansiedade dos adolescentes em
contexto escolar, designada “ProLiSMental”. Tem como objetivo: habilitar os adolescentes
em contexto escolar para aceder, compreender, avaliar e aplicar a informação sobre a
saúde mental, de modo a promover uma boa saúde mental e a ajudar no reconhecimento
e gestão da ansiedade. (OMS, 2020)

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) assegura que, apesar da importância


da Literacia em Saúde para a Saúde Física ter sido largamente reconhecida, a área da
Literacia em Saúde Mental tem sido esquecida. Existem certezas dos benefícios que algu-
mas estratégias mostram na promoção de Saúde Mental, nomeadamente as campanhas
endereçadas a comunidades, intervenções em contextos educativos, formação na área
de primeiros socorros psicológicos e a informação disponibilizada em websites. (OPP,
2015)
“As pessoas com baixa Literacia em Saúde evidenciam uma menor capacidade de
compreensão dos conteúdos de material informativo sobre Saúde, doenças, exames de
diagnóstico, consumo de alimentos ou uso de medicamentos. Apresentam também mais
dificuldade em pesquisar, selecionar, ler e assimilar a informação em Saúde disponível
na internet e através de outros meios.”. (OPP, 2015, p.6)

Por fim, a melhoria da Literacia em Saúde é muito importante para uma partici-
pação ativa e informada dos cidadãos nos Sistemas de Saúde, sendo vista como uma
medida essencial para a redução das desigualdades em Saúde na Europa.
Algumas estratégias para a promoção da Literacia em Saúde consistem em integrar
a Literacia em Saúde nos Sistemas e Políticas de Saúde, garantir uma comunicação
eficiente e integrar a Literacia em Saúde na educação. (OPP, 2015)

36
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA INFÂNCIA

Vanessa LoBue, professora de psicologia na Rutgers University em Newark,


acredita que a leitura para crianças traz diversos benefícios, como por exemplo, promover
a compreensão da linguagem e a alfabetização. A maioria das crianças diz gostar e
aproveitado esse momento especial com os pais. Embora existam claros benefícios na
leitura para pré-escolares, há evidências de que a leitura para bebés também é importante,
mesmo para recém-nascidos. (LoBue, 2019)

Segundo a psicóloga infanto-juvenil Bárbara Ramos Dias, a leitura começa antes


da criança saber ler, por isso os livros devem fazer parte do contexto infantil e familiar
da criança, desde cedo. Todo o enquadramento, quer familiar, quer educativo da criança
deve proporcionar-lhe oportunidades de exposição à leitura. Essas experiências literárias
devem ser convenientemente planeadas de modo a desenvolver na criança uma atitude
positiva e de prazer pelos livros. É importante que o papel dos pais e educadores seja
introduzir desde cedo este hábito, quer seja lendo com os filhos, ou dando o exemplo.
O livro promove uma grande ligação de aproximação entre pais e filhos, para
além de ser um momento de carinho e afeto, serve como uma ferramenta para o diálogo
e aprendizagem.
A leitura tem um papel educativo, revigorante e cultural. Um livro pode trazer alegria,
mas também pode ter uma função mais profunda como um recurso de enriquecimento
que promove o desenvolvimento, a criatividade, a imaginação, o pensamento crítico
e a empatia. Através da leitura, a criança é capaz de aprender um idioma, amplia
conhecimentos gerais e alarga os seus horizontes.

38
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Na infância, a leitura é importante porque pode despertar emoções, estimular a


associação do mundo imaginário com situações vivenciadas no cotidiano das crianças
e, ampliar a compreensão do mundo real. (Dias, s/d)
De acordo com Rosário Oliveira, os livros e a leitura são muito importantes na
infância. A leitura começa muito antes das crianças saberem ler, por isso os livros devem
fazer parte da infância e do contexto familiar desde cedo. Os leitores são formados desde
o início da vida, pois o desenvolvimento da literatura e da alfabetização deve começar
antes da criança ingressar na vida escolar. Todo o contexto familiar e escolar da criança,
deve proporcionar-lhe oportunidades que lhe permitam entrar em contacto com os livros.
Essas experiências literárias devem ser planeadas para que a criança desenvolva uma
atitude positiva em relação aos livros.
Conhecer um livro deveria ser algo importante para qualquer pessoa, ainda para
mais para uma criança. Principalmente quando encontra um bom livro que é capaz de
cativar, estimular e despertar o seu interesse.
Os livros tem um papel educativo, recreativo e cultural. Trazem alegria porque o
leitor gosta de contemplar as imagens e de admirar as personagens. O livro possibilita o
desenvolvimento da imaginação e o sentido crítico. Desta forma, verifica-se que é desde
cedo que a criança deve contactar com o livro, tendo a possibilidade de o conhecer e
explorar. (Oliveira, 2018)

A escritora Hannah Sheldon-Dean e a especialista clínica Laura Phillips afirmam


que desde o nascimento, as crianças estão programadas para desenvolver as suas
capacidades linguísticas e, a sua exposição constante a diferentes padrões linguísticos
ajuda-as nessa evolução. “Just exposure to words is the single most importante thing that
you can do to help build language pathways in your child’s brain.” (Phillips, 2023, Seção
Language development)
Quando os pais leem para os filhos desde cedo, mesmo antes de a criança ser
capaz de comunicar verbalmente, ajudam a estabelecer as bases neurológicas para o uso
correto da linguagem e da literacia. Isto deve-se ao facto de os livros terem a capacidade
de expor constantemente as crianças a vocabulário e gramática que nunca ouviram.
Para além disto, a literatura é uma ferramenta importante para ajudar as crianças a
desenvolver empatia. Quando as crianças leem sobre situações diferentes à que se
encontram, como por exemplo vidas diferentes da sua, ganham uma apreciação diferente
pelos sentimentos dos outros, assim como outras culturas, estilos de vida e perspetivas.
Os livros também tem o poder de ajudar as crianças a lidar com os próprios sentimentos de
uma forma saudável. Ver as personagens dos seus livros a experienciar grandes emoções,
como a raiva ou tristeza, permite que saibam que esses sentimentos são normais. Dando-
lhes a oportunidade de conversarem sobre as suas emoções.
Ter tempo para ler com os pais ou educadores, não se resume apenas à atividade
de ler um livro. Há a oportunidade destes passarem tempo de qualidade juntos, de forma
consistente e concentrada, sem existirem distrações ou exigências. Apenas alguns minu-
tos de leitura em conjunto, por exemplo, antes de dormir, proporcionam a oportunidade
de se relacionarem um com o outro e de partilharem uma atividade agradável. (Dean &
Phillips, 2023)

39
O ÁLBUM ILUSTRADO 3
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO 3.1

Vários autores têm sugerido diferentes caminhos para a definição de álbum ilus-
trado. Contudo, descobrem definições distintas e sentem dificuldade em arranjar uma que
seja consensual. Existem contudo definições que mostram algumas das características
que pertencem ao álbum ilustrado.

Para falarmos do álbum ilustrado, é importante primeiro arranjar uma definição. Um


livro ilustrado e um álbum são distintos. No primeiro, a imagem serve o texto, contribuindo
para a sua interpretação; no segundo, texto e ilustração são iguais na sua importância,
formando um todo orgânico por meio de uma relação dinâmica. A terminologia não é
semelhante. No entanto, e no que respeita à relação texto-imagem, bem como ao livro
enquanto objeto total, pode se dizer que no livro ilustrado, o texto tem prioridade em
relação à imagem, podendo esta ser dispensada, enquanto no álbum, a ligação entre o
primeiro e a segunda é intrínseca. (Mendonça, 2012)

“Um álbum ilustrado é texto, ilustrações, design total; é uma obra de manufatura
e produto comercial; documento social, cultural, histórico e, antes de tudo, é uma
experiência para as crianças. Como manifestação artística, equilibra-se num ponto de
interdependência entre as imagens e as palavras e no desdobramento simultâneo das
páginas encontradas e no drama de virar a página.”. (Bader, 1976, p.1).

De acordo com Rui Vitorino dos Santos (2015), a primeira dificuldade começa na
designação de artefacto. A sua definição é feita entre os álbuns ilustrados e os restantes
artefactos que constituem a literatura infantil. A evolução histórica assenta na ideia de

43
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

que o álbum ilustrado tem como similares o livro ilustrado de um lado e o livro de artista
no outro. O álbum ilustrado tem início quando a ilustração deixa de estar limitada a um
espaço alternado com texto, ou então fechada numa moldura; quando a imagem ganha
poder e deixa de ser tratada como um acessório ou decoração; quando é detentora de
conteúdo e forma uma mensagem em conjunto com o texto. É na interação do texto e
imagem que se começa a contruir a sua designação. (Santos, 2015)
Um consenso que foi ganho em torno de uma definição é comunicado pelos
editores e parte das suas características formais na materialidade do objeto: 24 ou 32
páginas; capas duras; localização da ilustração e do texto que fica predominantemente ao
longo da dupla-página. É também recorrente no álbum ilustrado a narração ser realizada
pelo texto e pela imagem em conjunto, que possibilita a compreensão da narrativa se
algum destes elementos for omitido. (Santos, 2015)

CARATERÍSTICAS EDITORIAIS DO ÁLBUM


ILUSTRADO 3.2

São feitos álbuns ilustrados nas mais diversas áreas, dirigidos tantos a crianças
como a adolescentes e adultos. Podem ser de ficção, informativos ou artísticos. No
entanto, todos eles seguem algumas características editoriais como por exemplo, a forte
presença de imagens (de caracteres diversos) geralmente impressas em quadricromia ou
a preto e branco; o papel geralmente é de elevada gramagem e o seu formato é maior ou
diferente de um livro que só envolva texto; o design gráfico é aprimorado, o que valoriza
a obra e normalmente são de capa dura. As características editorias que distinguem o
álbum ilustrado para um público infantil dos outros livros destinados a adultos, são um
número de páginas reduzido (geralmente 24, 32,40 ou 48) e a limitada extensão do texto
que por vezes pode nem existir. O texto nos álbuns ilustrados costuma ser apresentado
em caracteres de tamanho superior aos de um livro narrativo e, muitas vezes, de uma
forma não direta. Tirando partido da forma como é escrito. Os álbuns infantis podem ser
informativos, poéticos, narrativos, abecedários ou contendo apenas imagens. (Florindo,
2012)

Para editar um livro, neste caso um álbum ilustrado, é necessário a articulação


de diversas áreas e dos respetivos especialistas. Desde o autor do texto, o autor das
ilustrações, o designer gráfico, o revisor e o editor. O diálogo e a partilha de informação
entre todos, é fundamental neste tipo de publicações para que cada um possa contribuir
com o seu entendimento e experiência tendo em vista um projeto bem sucedido. (idem,
ibidem)

Graças à evolução tecnológica e ao uso do computador, todos estes processos são


facilitados, permitindo que o designer possa ser mais criativo, quer no uso de diferentes
tipos de letra que são disponibilizados, quer no uso do seu tamanho. Todos os formatos

44
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

que podem ser usados, os diversos tipos de papel que estão disponíveis, o uso de texturas,
brilhos e outros elementos são, atualmente mais variados. No entanto, muitas vezes estas
decisões partem do editor e não do designer, que já tem determinadas as características
gráficas que pretende utilizar, devido ao seu orçamento ou outras condicionantes. (idem,
ibidem)

O trabalho de equipa é muito importante neste tipo de projetos. Todas as partes


envolventes são relevantes, desde o autor do texto que dá criação à narrativa, ao ilustra-
dor que dá vida às personagens e ao designer que é fundamental na criação do artefacto
e tem responsabilidades como o formato, os tipos de letra utilizados, os materiais e a
paginação. Todas estas partes estabelecem ligações para produzir um álbum ilustrado.
Desta maneira, para entender melhor o processo serão expostas algumas das carac-
terísticas editoriais que são fundamentais no desenvolvimento deste género de publi-
cação, como a capa e contracapa, as guardas, a folha de rosto, página e dupla-página e
a composição do texto e a ilustração.

CAPA E CONTRACAPA
A capa, mostra as dimensões ou o formato do livro e é a primeira familiaridade
que temos com o artefacto, com o peso, a sua textura e a relação que é criada entre a
lombada e contracapa. Estes três elementos fazem parte de um todo e, quando se pega
no livro o gesto de rotação que é feito entre a capa e a contracapa, é mais do que um gesto
instintivo, é algo aculturado. Assim, a atenção que é dada à escolha da capa é crucial para
o álbum ilustrado, já que a escolha do tipo de letra, a hierarquização do título, o nome do
autor e do ilustrador, a imagem, a escolha e gramagem do papel, localização do logótipo
da editora, o tipo de acabamentos e a seleção da ilustração a ser utilizada são elementos
fundamentais no design da capa e irão influenciar as opções de leitura do público. A capa
é muitas vezes uma confirmação estética e narrativa do álbum ilustrado. Assim como pode
provocar engano ao leitor quando o seu interior não corresponde à expetativa criada pela
capa.
A contracapa, assim como as duplas páginas do miolo, funciona em diálogo com
a capa. Ao contrário da capa, a contracapa contém tipicamente a informação resumida
referente à narrativa do livro, informação biográfica e a informação legal (código de barras,
ISBN, etc.). Durante muito tempo, a contracapa comunicava o fim do livro, algo que era
ignorado e não perdurava para além do ato da compra. Os códigos de barras, são um
exemplo da comunicação abstrata e codificada e, também um elemento que pode ser
trabalhado pelo designer, não só como mancha gráfica mas também como conteúdo
narrativo. (Santos, 2015)

45
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

AS GUARDAS

As guardas têm duas funções: A primeira é referente à estrutura do livro, unindo


a capa e os cadernos do miolo, ocultando a cola e o cozimento do miolo. Atualmente, as
guardas são duas folhas de papel que são coladas (guarda fixa), uma ao verso da capa
e a outra cozida ao primeiro caderno do miolo, ficando solta (guarda volante). O processo
da guarda traseira é semelhante, só que desta vez uma das folhas é colada ao verso da
contracapa. A segunda função das guardas e a mais importante, é o facto de poderem
ser utilizadas como parte da narrativa. Podendo apresentar o universo presente no miolo,
personagens e pré-registos. (Santos, 2015)

De acordo com Helena Consejo Pano (2011), as guardas existem em diferentes


variedades e formas e cumprem diferentes funções. De seguida será apresentada uma
lista da caracterização da tipologia das guardas. A lista divide-se em três categorias:

A. Categoria estética (cor e ilustração);


B. Categoria funcional;
C. Categoria formal (forma e textura);

A.
1. Coloridas (uma cor, duas ou mais cores);
2.Ilustradas (uma ilustração igual para toda a coleção, ilustração ou detalhe de
uma ilustração do miolo, ilustrações exclusivas, ilustração ou padrão que se repete);
3. As guardas dianteiras podem ser iguais às guardas traseiras, diferentes, simétri-
cas, complementares ou com pequenas variações.

B.
1. Sugerem o tom da narrativa
2. Apresentam o cronótopo
3. Apresentam a personagem
4. Fazem parte do livro como um todo
5. Fazem parte da narrativa
C.
1. Como suportes com diferentes objetos
2. Desdobráveis
3. Com texturas especiais.

46
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

FOLHA DE ROSTO

A folha de rosto tradicionalmente repete o título da obra, designa o autor e o


ilustrador, mas assim como as guardas e os restantes elementos do álbum ilustrado,
apresenta elementos para além da narrativa como complementos ou continuidade da
história. (Santos, 2015)

Muitas vezes, as folhas de rosto apresentam-se com alguns elementos da capa,


como o título, o nome do autor, o ilustrador, a editora e alguns grafismos presentes no
miolo. Pode aparecer um novo elemento gráfico, porém não é muito usual. A ilustração
tem uma presença muito forte nestas páginas porém, podemos encontrar elementos
puramente visuais onde se pretende inserir o leitor na perspetiva gráfica da narrativa sem
fazer uso de texto.

PÁGINA E DUPLA‑PÁGINA

O miolo do álbum ilustrado, composto por cadernos, é o meio principal onde a


história acontece. A escolha do formato da página, o papel, o acabamento, a grelha de
paginação e a forma como a página de entrada se transforma numa dupla‑página são algu-
mas das características que definem o álbum ilustrado. A página dupla, que no fundo é a
junção da página da esquerda e a da direita, é cada vez mais frequente no álbum ilustrado
contemporâneo. Deste modo, é dada à ilustração a possibilidade de se expandir em toda
a sua plenitude ao ponto de ocupar a página na sua totalidade (ilustração sangrada), e é
utilizada na construção de cenários complexos ou panorâmicos. Outra utilidade importante
é identificada pelas possibilidades de construção de ritmo e movimento, quer na mancha
tipográfica quer nas ilustrações e potencial divertimento entre as páginas anteriores e as
posteriores, proporcionando-se um jogo, suspense ou tensão que apenas é concluída
com o virar da página. (Santos, 2015)

TIPO DE LETRA

Apesar dos leitores não darem grande importância à tipografia, ela tem um papel
importante na narrativa verbal. Para além de permitir a leitura dos seus caracteres, pode
ser um elemento narrativo, a letra é uma imagem e o seu formato pode ser usado para
comunicar na história ou fazer parte da ilustração, criando uma relação entre texto/

47
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

imagem. (Santos, 2015)

Referenciando Gil Maia (2003), “Hoje, a enorme diversidade de tipos de letra


permite estudar milimetricamente a dimensão gráfica da letra (a família, o corpo, o pé, o
traço, a espessura, o contraste, o entrelinhamento, etc.). Essas análises servem inclusive
para fundamentar teorias sobre a forma de rentabilizar os processos de perceção, no
sentido de reduzir a complexidade e aumentar a previsibilidade de modo a que a leitura,
muitas vezes, dedutiva e não exclusivamente analítica não tropece em irregularidades
gráficas.” (Maia, 2003, p. 124)

ILUSTRAÇÃO

Atualmente, a ilustração beneficia de características diferentes da ilustração


realizada antigamente. Isto acontece em todo o género de textos, mas é também muito
diferente daquela que antes surgia nos livros para crianças. “Ilustrar é, já o dissemos
mais do que uma vez, dar luz a um texto.” (Maia, 2003, p.113)

“Hoje, a ilustração encheu a página e foi absorvida pela avidez do papel branco
e seco; cresceu, como um dilúvio, até aos limites do corte das folhas do livro e transbor-
dou mesmo para além do seu espaço visível e material, deixando que sejamos nós, os
leitores, a prolonga-la num espaço aéreo envolvente ao livro e às nossas mãos.” (Maia,
2003, p.115)

A ilustração ocupa a superfície total, onde convive com o texto mas, cada vez mais
observamos que se pode preferir a criação de um vazio que envolve as imagens. (Maia,
2003)

Hoje em dia, pela atitude da ilustração, o livro ilustrado deixou de ser uma sequên-
cia de páginas singelas, que se posicionam lado a lado e são percorridas pelo texto e
imagens alternadamente. Passou a ser uma sucessão de pranchas e de folhas dobradas
a meio. A dupla página liga o lado par e ímpar através da cor, dos traços e das manchas
da imagem. “Tudo se passa como se a ilustração, cansada de ocupar as margens das
páginas, decidisse instalar-se no centro da obra, e obrigasse, mesmo, o próprio texto
escrito, a aparecer, também ele, como imagem para poder ser visto.” (Maia, 2003, p.116)

48
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO 4
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

ENQUADRAMENTO DO PROJETO 4.1

Para ser possível iniciar o projeto, foi essencial definir o conceito, o conteúdo e
a metodologia. Desta forma, neste capítulo é escrutinado todo o processo desenvolvido
para a concretização do artefacto final. Contextualizando e explicando a sua sequência,
assim como todas as decisões que foram desenvolvidas e as que foram abandonadas.
Após a realização da pesquisa e de uma entrevista realizada a uma profissional de
saúde, foi entendido que não existia muito material direcionado para o público infantil sobre
esta temática. Ao ser iniciada a pesquisa sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, foram
explorados diversos conceitos que teriam de ser entendidos para que o tema pudesse
ser tratado com a sensibilidade necessária para ser compreendido pelas crianças. Tendo
em conta que o objetivo principal deste projeto é a criação de um objeto que auxilie na
instrução do TOC e sensibilize crianças e adultos através da leitura para a construção de
uma consciência social e pelo respeito pelo outro.
No início do projeto, foi difícil perceber que tipo de texto iria transmitir a mensagem
pretendida; as ilustrações, que teriam de comunicar por si e ao mesmo tempo acompanhar
a história; o tema que tinha sido escolhido para este projeto não ser de nenhuma área
alguma vez estudada.
A realização da narrativa mostrou-se ser um desafio mas desta forma permitia
um maior envolvimento na estruturação do texto e ilustração. A história relata a vida de
Artur que um dia se depara com o monstro do TOC. Este monstro começa pequeno mas
à medida que o tempo passa, vai ficando maior e a cada dia incapacita mais o dia-a-dia
de Artur. O monstro é responsável por diversos pensamentos indesejados e por rituais
angustiantes. O rapaz decide falar com os pais que lhe proporcionaram ajuda. Por fim ,
Artur aprende a lidar com o monstro e este já não é tão grande nem assustador.

52
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

ESTUDOS DE CASO 4.2


Após a escolha da temática abordada neste projeto, surgiram dúvidas e questões
relativamente aos vários aspetos a ter em conta na realização do objeto gráfico. Posto
isto, foram recolhidos alguns exemplares literários. Ao analisar estes objetos gráficos,
procurou-se perceber o nível e tipo de escrita e a forma como os autores trabalham o tipo
de discurso e a linguagem. Desta maneira, foi possível compreender o recursos a usar
para a narrativa do projeto a ser realizado. Como o álbum ilustrado a ser desenvolvido é
destinado tanto a pequenos como a grandes leitores, como já foi referido, é necessário
conseguir captar cada um destes extremos. A nível gráfico, foi tido em atenção a forma
como se trabalhavam as ilustrações e o uso das cores, quer nas páginas singulares, quer
nas páginas duplas. Também foi tido em atenção a construção das personagens, a forma
como se articulam todos os conteúdos e a relação entre o texto e a imagem.
Foram consideradas estas três obras como referências e casos de estudo para
o desenvolvimento deste projeto, pois apresentam características que se assemelham
ao que é pretendido transmitir. São três narrativas com conceitos bastante fortes dentro
do tema das emoções e dos sentimentos com uma forma de aprendizagem bastante
completa.

4.2.1 Era uma Vez uma Raiva


Um dos livros que rapidamente se destacou foi, Era uma Vez uma Raiva de
Blandina Franco e ilustração de José Carlos Lollo. Trata-se de uma narrativa que conta a
história de uma raiva que começa bem pequena e acaba por tomar proporções preocu-
pantes. O livro mostra aos mais pequenos como podem controlar as suas emoções e de
que maneira as birras e zangas se podem tornar arrasadoras, e como o sofrimento será
maior se as emoções negativas não forem controladas. No final, após muitas peripécias,
caberá ao bom senso arrumar a confusão toda iniciada pela raiva.

Figura 1 Álbum ilustrado, Era uma Vez uma Raiva

53
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

O livro é composto apenas pelos cinzas e vermelhos, surgindo no final uma


personagem de cor azul. Contudo, tendo apenas este conjunto de cores, as ilustrações
tornam-se bastante ricas pelas suas texturas de aguarela. Todo o álbum funciona em
crescendo até que a cor vermelha que representa a personagem da raiva, inunda toda
a página. No final o vermelho desaparece e surge uma personagem de cor azul que faz
um maravilhoso contraste com a paleta de cores que é encontrada até agora.
Este livro foi uma grande referência na realização do projeto do mestrado, não só
pelo uso das texturas nas imagens, mas também pela forma que a narrativa foi construída
em crescendo e decrescendo.

Figura 2 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, Era uma Vez uma Raiva

4.2.2 Vazio
Existem também vários autores-ilustradores, que escrevem as narrativas e ilus-
tram os seus próprios livros. Catarina Sobral foi um dos exemplos analisados ao longo
da pesquisa. Um livro que despertou bastante interesse foi Vazio que conta a história de
um senhor que sente uma estranha sensação, mas não sabe dizer exatamente do que se
trata. Vai em busca de um médico que o examina, mas não lhe dá respostas. De seguida,
tenta encher-se com compras e preencher o incómodo com flores e plantas, mas nada
disto resulta. Até que um dia, quando anda desanimado, cruza-se com outra pessoa que
também se encontra neste estado. O seu coração pulsa fortemente e algo de uma força
extraordinária o faz deslumbrar com a vida.

54
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Figura 3 Álbum ilustrado, Vazio

Vazio é um poema visual sobre o amor e a empatia ou, para começar, a falta deles.
Num retrato sobre a vida contemporânea, sempre acelerada e cheia de compromissos e
solicitações, um homem vai passando pelo espelho, pela rua, pelo médico, pelo super-
mercado, pelo jardim, pela exposição, pela chuva. Nada se mantém por tempo suficiente
dentro dele para conseguir transformá-lo. Até que se cruza com alguém que coincide com
ele. Quem será? O que é certo é que o homem em quem nada permanecia, o homem que
só por uns instantes conseguia guardar dentro de si aquilo e aqueles por quem passava,
fica finalmente cheio de tudo aquilo de que precisa. E tudo aquilo de que precisa deixa-
lhe, claro, espaço para mais. (Pato Lógico, 2014)

Figura 4 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, Vazio

55
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Catarina Sobral consegue criar uma narrativa maravilhosa sem texto, que é
contada apenas pela imagem. A artista criou cenários cheios de cor em que a personagem
principal é vazia, branca e isenta de cor. A história pode ter várias interpretações, visto
não haver texto. É possível para a criança que lê a história, ultrapassar o possível e criar
narrativas impressionantes. Mais uma vez, todas as texturas utilizadas nas ilustrações
serviram de referência para a criação do projeto do mestrado.

4.2.3 O meu Monstro e Eu

O livro que se relaciona de forma mais direta ao projeto é O meu Monstro e Eu


de Nadiya Hussain e ilustração de Ella Bailey. O livro relata a história de um rapaz e o
seu monstro amarelo, o monstro das preocupações. O monstro nunca o larga, quer ele
esteja a escovar os dentes, a brincar ou a tentar dormir. O rapaz só quer que o monstro
se vá embora. É a narrativa ideal para mostrar às crianças a melhor forma de ultrapassar
as suas inseguranças. Para lhes ensinar que se partilharem as suas preocupações, será
mais fácil soltarem-se delas.

Figura 5 Álbum ilustrado, O meu Monstro e Eu

Este livro conta com ilustrações suaves e doces, com predominância da cor
amarela. O livro O meu Monstro e Eu serviu como referência pelo facto de existir duas
personagens principais, um monstro e um rapaz que tem uma relação semelhante à que
é pretendida retratar no projeto de mestrado.

56
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Figura 6 Exemplo de ilustração do álbum ilustrado, O meu Monstro e Eu

COMPONENTE GRÁFICA 4.3

FORMATO

Para o formato do projeto, foi escolhido um formato quadrado de 20cm x


20 cm. O formato inicial não foi pensado desta forma. No início do projeto o livro era de
formato retangular, no entanto, posteriormente, evoluiu para o formato quadrado para
facilitar o enquadramento das composições de texto e imagem. É possível observar nas
imagens abaixo que o mesmo spread do livro ganha mais espaço e consegue respirar
melhor no formato final. Este tamanho de 20 cm permitia ainda assim, um custo de
produção não muito elevado visto caber num A3. Desta forma, o formato quadrangular
proporciona um certo equilíbrio ao projeto e um melhor manuseamento do objeto gráfico,
independentemente da faixa etária.

Figura 7 Esboço do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz! Figura 8 Composição final do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

57
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

TIPO DE LETRA

Foi tido em conta desde o início um tipo de letra que tivesse uma boa legibilidade
e fácil leitura visto se tratar de um livro destinado ao público infantil. Para os primeiros
esboços foi escolhida a Gill Sans. Um tipo de letra com uma aparência limpa e fácil
legibilidade. Porém, no decorrer do projeto o tipo de letra escolhido para o miolo foi a
Sassoon Primary Std, desenhada especialmente para livros infantis. O tipo de letra utilizado
para o título do livro é a Pequena de Rodrigo Araya Salas, desenhada especificamente
para livros destinados a crianças. Apresenta um caráter mais descontraído e divertido.
Para o corpo do texto foi utilizado um tamanho de 18 pt com um entrelinhamento de 22
pt. Para a maioria do texto foi utilizado o tipo de letra em regular, no entanto, algumas
palavras surgem assinaladas a bold para criar destaque na narrativa.

Figura 9 Fonte tipográfica Sassoon Primary Std Regular Figura 10 Fonte tipográfica Pequena Regular

58
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

GRELHAS E MARGENS

Quando se deu por terminada a escolha e implementação dos tipos de letra,


passou-se para a paginação e esquematização das páginas do álbum ilustrado. Foi criada
uma grelha com seis colunas verticais e 6 horizontais, com um espaçamento entre elas
de 0,3 cm. As margens tem todas tamanhos diferentes, sendo a margem inferior maior
devido à dobra do miolo.

Figura 11 Esquematização da página

59
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

PALETA CROMÁTICA

As cores a serem utilizadas ao longo do livro foi um aspeto muito importante


pensado desde o início. Feita a pesquisa, foi conhecido que segundo a Fundação
Internacional do Transtorno Obsessivo-Compulsivo a cor verde-azulado é a cor universal
usada e reconhecida para consciencializar o TOC.

Figura 12 Cor universal associada ao TOC

Posto isto, esta cor tem um papel importante em toda a narrativa. Para além da
personagem que representa o monstro do TOC ser retratada nesta cor, ela está também
presente nos cenários das composições. Para além disso a cor amarela aparece como
destaque em algumas composições para mostrar as compulsões da personagem principal.
No final do livro, existe uma transição do verde-azulado para um arco-íris de cores que
representa o despegar da personagem de Artur do monstro do TOC.

60
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

No início foram realizados esboços com as personagens e cenários a preto e


branco, onde apenas a personagem do monstro possuía cor. No entanto, a personagem
principal perdia protagonismo e a figura que caracteriza o TOC acabava ganhar mais
personalidade e dominar a narrativa.

Figura 13 Esboço da personagem Artur

PERSONAGENS E NARRATIVA

Como já foi referido anteriormente, o objeto gráfico aborda o tema do TOC e alguns
dos sintomas associados ao transtorno, que são transmitidos à personagem principal.
Inicialmente esta personagem, Artur, é retratada como uma criança divertida e alegre.
Pouco a pouco vai se deparando com um monstro, que pretende retratar uma pequena
porção do que é o transtorno obsessivo-compulsivo. Através de uma figura que é retratada
como um monstro mas não demasiado aterrador, foi pensada a melhor forma de expor o
TOC de maneira que fosse acessível às crianças mas sem ser excessivamente terrível,
que provocasse nelas medo ou relutância de explorar o livro. Chegou-se à conclusão que
a melhor maneira de retratar este monstro seria através de uma mancha texturada, que
aparenta estar sempre aborrecida e à medida que os sintomas de Artur vão aumentando,
a mancha gráfica também aumenta. O rapaz quando já não tolera mais a imensidão que
se tornou este monstro, decide falar com os pais e obter ajuda. O objetivo da narrativa
não é trazer uma resposta clínica ao público mas sim, mostrar alguns dos sintomas e dos
sentimentos trazidos por este transtorno e criar empatia.

61
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

PROCESSO ILUSTRATIVO

Como a ilustração sempre foi uma área de interesse, foi bastante compensador
desenvolver um projeto de tal importância. Foi permitido explorar uma linguagem que
transmite uma mensagem paralela ao texto que possa ser lida tanto por crianças como
por adultos.
Partindo do texto elaborado anteriormente, numa primeira fase, o desenvolvimento
das ilustrações consistiu na realização de um estudo das personagens que ao longo do
processo, foram sofrendo alterações. Foram realizados vários esboços com diferentes
materiais como por exemplo, diferentes tipos de riscadores, recortes e guaches.

Figura 14 Primeiros esboços das personagens Figura 15 Primeiros esboços das personagens

Figura 16 Primeiros esboços das personagens Figura 17 Primeiros esboços das personagens

62
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

É possível observar através dos esboços que as personagens sofreram diferentes


alterações no processo da ilustração. A própria personagem do monstro foi tendo diferentes
representações até se aproximar do conceito final.
Posteriormente, foi compreendido que através do recurso ao digital era possível
captar as mesmas texturas e simular os mesmos processos analógicos. Posto isto, foram
efetuados novos esboços das personagens nesta vertente.

Figura 18 Primeiros esboços digitais Figura 19 Primeiros esboços digitais

De seguida, às ilustrações foi acrescentada uma textura de aguarela que favorece


a componente gráfica, trazendo consistência e interesse às imagens.
No decorrer destas experiências, a paleta cromática das personagens foi sendo
alterada. A personagem do monstro passou da cor vermelha para a cor verde-azulado (ou
teal) que, como foi dito anteriormente, é a cor universal que representa o TOC. O próprio
Artur, no início desta fase, era de tons roxos e azulados o que o tornava mais pesado.
Como o tema do livro já se pode considerar difícil, foi determinado que seria mais apro-
priado trazer cores mais vivas para contrastar com o tema da narrativa.

63
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Figura 20 Esboços digitais da personagem de Artur

Figura 21 Esboços digitais da personagem do monstro

64
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Sucessivamente foi feito um storyboard com esboços muito primários para planear
o seguimento da narrativa para haver uma melhor organização e planeamento do trabalho.

Figura 22 Storyboard

As ilustrações foram pensadas de forma a conter uma mensagem paralela ao texto


que o suplementasse. Para a elaboração das ilustrações finais foram sendo acrescentados
pequenos pormenores que facultassem uma leitura mais criativa da obra.

65
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Figura 23 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

Figura 24 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

Os cenários ou os fundos das ilustrações possuem uma narrativa própria que


complementam a história principal. São caracterizados por rabiscos e manchas que repre-
sentam toda a confusão presente na cabeça de Artur, na mesma cor da personagem do
monstro. À medida que a narrativa vai fortalecendo e os sintomas de Artur se tornam mais
intensos, os cenários acompanham. No final quando Artur consegue prevalecer sobre o

66
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

monstro do TOC, podemos ver que surgem outras cores na sua vida. Neste momento os
cenários passam a ser apresentados com rabiscos e manchas coloridas e divertidas.

Figura 25 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

Figura 26 Página do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

67
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

CAPA E CONTRACAPA

A própria capa e contracapa registam uma narrativa. Na capa podemos reparar


que Artur e o monstro se observam. Com esta representação, é desejado retratar que
Artur encara o monstro. O título do livro e o nome da autora enquadram-se no centro. O
fundo da capa é pintado de cores vivas e na contracapa encontramos uma sinopse da
história, num fundo texturado na cor figurativa do TOC. A transição de cores acontece
na lobada e pretende retratar o percurso e a coragem de Artur ao enfrentar o monstro
do TOC. Artur deixa entrar outras cores na sua vida.

Figura 27 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

68 Figura 28 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!


Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Figura 29 Capa e contracapa do álbum ilustrado, Deixa-me em Paz!

PAPEL

Após a realização de alguns testes de cor e tipos de papel, chegou-se à conclusão


que o melhor a utilizar seria, o Munken Linx de 150 gramas para o miolo. Para a capa
utilizou-se o mesmo papel com a mesma gramagem porém, foi feito um acabamento
acetinado na mesma.

69
CONSIDERAÇÕES FINAIS 5
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Para a realização deste projeto foi necessário ter em conta diversos conceitos
indispensáveis para o processo de criação do álbum ilustrado. Sendo o TOC o tema
abordado neste objeto literário, foi concluído que seria importante adquirir competências
não só relativamente a este transtorno mas também, ao sistema de inclusão. Áreas essas
que não eram conhecidas anteriormente a este projeto. O interesse e curiosidade em
relação à área da ilustração e do design social sempre existiram no entanto, foi importante
consolidar conhecimentos e ferramentas que permitissem desenvolver o projeto.
Não teria sido possível desenvolver o projeto sem a análise das pesquisas feitas
às características do TOC, que permitiu não só a realização do texto, como a construção
das ilustrações. Assim, através das composições, foi fundamental que a informação
essencial fosse transmitida. Com igual importância, foi o estudo do álbum ilustrado. Foi
dada importância à literatura para a infância e foi crucial perceber melhor este género
editorial e desta forma, colocar na prática os conhecimentos adquiridos na parte teórica.
A revisão ao estado da arte e o estudo de casos foram, também, fases importantes para
o projeto. Foi compreendido o que já tinha sido feito tanto a nível nacional, como inter-
nacional e a forma como o assunto tinha sido tratado. Foi importante perceber que para
a temática do TOC, o material existente é escasso e, por isso era desejado fazer algo
contra isso.
É importante referir que o objeto gráfico foi pensado para que os leitores
conseguissem transmitir a mensagem pretendida facilmente, de modo a consolidar
os conhecimentos tratados. Todos os elementos do objeto literário, texto e ilustração,
apresentam características para que seja acessível a aprendizagem das crianças na faixa
etária desejada. Desta maneira foi utilizada uma linguagem acessível, curta e objetiva e
as personagens principais pensadas para criar uma conexão emocional com os leitores.
As ilustrações tem a capacidade de comunicar sozinhas. No entanto, foi criado um objeto
em que o texto e a imagem se incorporam num só, tendo cada um a sua importância
para a transmissão da mensagem pretendida. O grande objetivo do álbum ilustrado é
dar a conhecer o transtorno obsessivo-compulsivo e algumas das suas características,
funcionando como um guia para a melhor compreensão deste transtorno.
Esta experiência foi, sem dúvida bastante gratificante, não só do ponto de vista do
objeto gráfico, como também de toda a pesquisa e estudo realizados. Foi observado que
o álbum ilustrado em questão tem grande importância na transmissão da mensagem de
forma eficaz e pode consistir numa ferramenta importante na transmissão do transtorno
ao paciente, ou até mesmo a outras crianças. Sendo um projeto de inclusão social foi
interessante perceber de que maneira é que o álbum ilustrado poderia incidir no públi-
co-alvo e que consequências iria ter na sociedade.
Por fim, importa referir que seria proveitoso dar continuidade ao projeto, criando
outros álbuns ilustrados que abordem diferentes doenças mentais, visto não existir objetos
de literatura para a infância suficientes nestas temáticas.

73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

OBRAS DE REFERÊNCIA E MONOGRAFIAS

American Psychiatric Association (APA). (2014) Manual diagnóstico e estatístico de tran-


stornos mentais: DSM-5. 5.ed. Porto Alegre: Artmed.

Andrade, A., Augusto, B., Fernandes, C., Santos, C., Rodrigues, C.,Almeida, C. ... Almeida,
Z. (2020) Literacia em Saúde, um desafio emergente: Contributos para a mudança de
comportamento. Coletânea de Comunicações. Gabinete de Comunicação, Informação
e Relações Públicas do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Bader, B. (1976). American Picture Books from Noah’s Ark to the Beast Within. New York.

Gleitman, H., J. Fridlund, A., & Reisberg, D. (2011). Psicologia (7th ed.). Fundação
Calouste Gulbenkian.

Codioli, A. V. (2007). TOC : manual de terapia cognitivo-comportamental para o transtorno


obsessivo-compulsivo. Artmed.

Crain, P. (2016) Reading Children: Literacy, Property, and the Dilemmas of Childhood in
Nineteenth-Century America. University of Pennsylvania Press, Philadelphia.

Dalgalarrondo, P. (2008) Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed.

Greist, J. H. (1989) Obsessive Compulsive Disorder: A Guide. University of Wisconsin.

Hamilton, D. (2014) What Is Obsessive Compulsive Disorder- Symptoms of OCD. Lightning


Source, Victoria.

Jast, J. (2013) Obsessive Compulsive Disorder- The essencial guide.

Lange, S. &, Merveldt, N (2017) Children as Readers In Children’s Literature: The Power of
Texts And The Importance of Reading. Johns Hopkins University Press.

Macedo, A., Pereira, A., Madeira, N., Araújo, A., Pinto, A., Amaral, A. ... Santos, V. (2018)
Psicologia na Medicina. Lidel – Edições Técnicas, Lda.

77
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Maj, M., Sartorius, N., Okasha, A. & Zohar, J. (2002) Obsessive-Compulsive Disorder.
John Wiley & Sons Ltd.

Nikolajeva, M. & Scott, C. (2006) How Picturebooks Work. Routledge.

Ordem dos Psicólogos Portugueses (2015) Literacia em Saúde. Lisboa.

Pano, E. C. (2011) Peritextos del siglo XXI. Las guardas en el discurso literario infantil.
Ocnos.

Torres, A., Lima, M. (2005) Epidemiologia do transtorno obsessivo-compulsivo: uma


revisão. Revista Brasileira de Psiquiatria.

RECURSOS ELETRÓNICOS

Boa Consulta (2021). Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC): Causas, Sintomas,


Diagnóstico e Tratamento. Disponível em: https://www.boaconsulta.com/blog/transtor-
no-obsessivo-compulsivo-causas-sintomas-tratamento/ (Consultado em Outubro de 2022)

Dean, H. S. & Phillips, L. (2023) Why Is It Important to Read to Your Child? Disponível em:
https://childmind.org/article/why-is-it-important-to-read-to-your-child/ (Consultado em
Março de 2023)

Dias, B. R. (s/d). A importância dos livros no desenvolvimento das crianças, não só em


termos culturais, como emocionais e sociais. Disponível em: http://barbararamosdias.
pt/a-importancia-dos-livros-no-desenvolvimento-das-criancas-nao-so-em-termos-cul-
turais-como-emocionais-e-sociais/ (Consultado em Fevereiro de 2023)

Elia, J. (2022). Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtornos relacionados


em crianças e adolescentes. Manual MSD Versão Saúde Para a Família. Disponível
em: https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/problemas-de-sa%C3%BAde-infantil/
dist%C3%BArbios-da-sa%C3%BAde-mental-em-crian%C3%A7as-e-adolescentes/tran-
storno-obsessivo-compulsivo-toc-e-transtornos-relacionados-em-crian%C3%A7as-e-ad-
olescentes (Consultado em Outubro de 2022)

Escola SaudávelMente (2017). Literacia em Educação para a Saúde Psicológica.


Disponível em: https://escolasaudavelmente.pt/directores/prevencao-e-promocao-da-sau-
de-psicologica-e-sucesso-educativo/literacia-em-educacao-para-saude-psicologica-2
(Consultado em Janeiro de 2023)

Florindo, C. E. F. O. (2012). O Álbum Narrativo de Potencial Recepção Infantil:uma nova


forma de edição. (Dissertação de Mestrado em Edição de Texto). Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

78
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

nternational OCD Foundation. (2022). What Causes OCD? Disponível em: https://iocdf.
org/about-ocd/what-causes-ocd/ (Consultado em Dezembro de 2022)

Krebs, G. (2015). Obsessive-compulsive disorder in children and adolescents. Archives


of Disease in Childhood. Disponível em: https://adc.bmj.com/content/100/5/495.full
(Consultado em Outubro de 2022)

LoBue, V. L. (2019). The Importance of Picture Books. Disponível em: www.psychology-


today.com. https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-baby-scientist/201908/the-im-
portance-picture-books (Consultado em Fevreiro de 2023)

Mendonça, L. (2013). A importância do ilustrador no processo do livro. (Tese de


Doutoramento em Design de Comunicação). Faculdade de Belas Artes da Universidade
do Porto.

National Institute of Mental Health (NIMH). (2022). Obsessive Compulsive Disorder.


Disponível em: https://www.nimh.nih.gov/health/topics/obsessive-compulsive-disorder-ocd
(Consultado em Novembro de 2022)

Swedo, S. E., MD. (1989). Obsessive-Compulsive Disorder in Children and Adolescents:


Clinical Phenomenology of 70 Consecutive Cases. Disponível em: https://jamanetwork.
com/journals/jamapsychiatry/article-abstract/494524 (Consultado em Outubro de 2022)

Oliveira, R. (2022). A importância do livro na primeira infância. Disponível em: https://


vilanovaonline.pt/2018/02/08/a-importancia-do-livro-na-primeira-infancia/ (Consultado
a Março de 2023)

Phillips, K. A., & Stein, D. J. (2022). Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Disponível


em: https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-men-
tal/transtorno-obsessivo-compulsivo-e-dist%C3%BArbios-relacionados/transtorno-ob-
sessivo-compulsivo (Consultado em Novembro de 2022)

Santos, R. (2015). O influxo da mudança no álbum ilustrado a influência da gramática


digital (Tese de Doutoramento). Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

79
SÍTIOS E BLOGUES

Pato Lógico: https://pato-logico.com/

Planeta Tangerina: https://www.planetatangerina.com/pt-pt/

International OCD Foundation: https://iocdf.org/

OBRAS ANALISADAS E REFERIDAS

Franco, B. & Lollo, J. C. (2017) Era uma vez uma raiva. Nuvem de Letras

Sobral, Catarina (2014) Vazio. Pato Lógico

Hussain, N. & Bailey, E. (2020) O Meu Monstro e Eu. Booksmile


ANEXOS
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial Ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

ENTREVISTA À PSICÓLOGA SUSANA LÊDO

Dra. Susana- As questões que coloca remetem para alguma complexidade nas
respostas, ainda que aparentemente pareça que não, muitas vezes os comportamentos
mais compulsivos e os pensamentos obsessivos estão relacionados com outros quadros
clínicos da infância e o grau de intensidade e frequência desses sintomas também são
importantíssimos para se perceber se é “normal” ou patológico para a idade e característi-
cas da fase de desenvolvimento da criança.

Em que consiste o Transtorno Obsessivo-Compulsivo? Como se manifesta


nas crianças?

Diagmos que o transtorno obsessivo-compulsivo pode ser caracterizado por


pensamentos, dúvidas, ideias, imagens ou impulsos recorrentes, indesejáveis e intrusivos
(obsessões) e impulsos irresistíveis (compulsões) de realizar acções para tentar diminuir
a ansiedade causada por essas obsessões. As obsessões e compulsões causam grande
angústia e interferem na escola, na família ou nas relacões e interacções com os outros.
Não haverá grande diferença entre as TOC na infância e na idade adulta - tem mais a
ver com as temáticas que serão mais adequadas para cada faixa etária. Todavia, é mais
comum a partir da adolescência. Na infância pode assiteir-se a algumas obsessões/
compulsões que acabam por ser “normais” para essas idades sem que possam preencher
todos os critérios para um total diagnóstico de TOC (aqueles comportamentos de não
calcarem as linhas do passeio, por exemplo, é algo comum e não constitui critério para se
concluir ser uma TOC), podem ser apenas uma forma de se oranizarem/dispciplinarem
mentalmente e de auto-regularem a sua ansiedade.

Quais são as obsessões e compulsões mais regulares nas crianças?

Não há muitas diferenças entre o adulto e a criança, está mais relacionado com
os interesses relacionados com cada faixa etária, podem ser exemplos: lavar as mãos
excessivamente, contar coisas (por exemplo, passos), sentar-se e levantar-se da cadeira
imensas vezes, limpar e reorganizar constantemente certos objetos ou fazer demasiadas
correcções no trabalho escolar.

82
Deixa-me em Paz! | Projeto Editorial ilustrado Contributivo para a Compreensão do Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Infância | Lia Sá

Como é que afeta socialmente as crianças? As suas relações, a aprendizagem


e o seu desenvolvimento?

Da mesma forma que noutras faixas etárias, pode ser limitativo porque condi-
ciona um comportamento mais espontâneo e natural. Também, por serem crianças mais
inseguras e medrosas, não serão tão sociáveis e com capacidade de interagirem com as
crianças da sua idade - o isolamento acaba por sobressair. Com estes comprometimentos,
a aprendizagem pode ser mais periclitante e o consequente desenvolvimento de algumas
competências (neomeadamente as sociais) também.

Qual deve ser a atitude dos pais e educadores perante as crianças que mani-
festam sintomas de TOC?

Pais e educadores (família e escolas) têm de “trabalhar” em conjunto. A inter-


venção de medidas que dão a sensação de segurança e maior confiança, de aceitação
e compreensão à criança têm que ser espelhadas nos vários contextos em que a criança
de insere.

O tratamento para as crianças deve ser diferenciado dos adultos?

No que concerne ao método, sim. Tal como para todas as problemáticas, a inter-
venção em crianças é diferente da intervenção nos adultos. No entanto, tal como para os
adultos a psicoterapia é fundamental.

Que tipo de tratamentos estão disponíveis?

Como referi, a psicoterapia individual é fundamental; a parte medicamentosa por


vezes também poderá ser necessária. Pode também ser eficaz a terapia familiar (inter-
venção na família e não apenas à criança).

De que forma é que podemos educar as crianças para não discriminar


crianças com sintomas de TOC?

Penso que com a mesma sensibilidade e respeito à diferença que para outros quad-
ros clínicos ou idiossincrasias que nos podem distinguir a todos pela nossa individualidade.

83

Você também pode gostar