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Ondas e Meios Contínuos

Eduardo V. Castro

2021-22

Departamento de Física e Astronomia, Faculdade de Ciências, Universidade do


Porto, 4169-007 Porto, Portugal

Estas notas servem apenas de apoio às aulas teóricas da unidade curricular de


Ondas e Meios Contínuos lecionada no Departamento de Física e Astronomia
da FCUP. Não pretendem substituir a bibliograa obrigatória e/ou
recomendada para esta unidade curricular. As notas têm dois objetivos
fundamentais: (1) ajudar os estudantes a distinguir o que é essencial do que é
acessório na bibliograa da unidade curricular; (2) permitir uma preparação
pré-aula teórica dos conteúdos que serão abordados, permitindo uma maior
uidez e interatividade durante as aulas.

Contents

I Oscilações 3
1 Movimentos periódicos 4
1.1 Oscilações sinusoidais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 Representação por vetor em rotação . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Vetores em rotação como números complexos . . . . . . . . . . . 6
1.4 Exponencial complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2 Sobreposição de movimentos periódicos 8
2.1 Sobreposição de duas frequências diferentes . . . . . . . . . . . . 8
2.1.1 Períodos comensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1.2 Batimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 Sobreposição de duas frequências iguais . . . . . . . . . . . . . . 10
2.3 Sobreposição de N oscilações sinusoidais com frequência igual,
mesma amplitude, e desfasamento consecutivo δ . . . . . . . . . . 12
2.4 Sobreposição de duas oscilações perpendiculares . . . . . . . . . . 14

1
3 Oscilações livres e seu amortecimento 17
3.1 Oscilações livres não amortecidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.2 Oscilações livres amortecidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2.1 Caso γ = 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2.2 Caso γ 6= 0 (subamortecimento, γ/2 < ω0 ) . . . . . . . . . 20
3.2.3 Caso γ 6= 0 (sobre-amortecimento, γ/2 > ω0 ) . . . . . . . 24
3.2.4 Caso γ 6= 0 (amortecimento crítico, γ/2 = ω0 ) . . . . . . . 25
4 Oscilações forçadas e ressonância 26
4.1 Regime estacionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.2 Regime transitório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
4.3 Potência absorvida no oscilador forçado . . . . . . . . . . . . . . 31
5 Osciladores acoplados e modos normais 33
5.1 Dois pêndulos acoplados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
5.2 Modos normais: abordagem analítica no caso geral . . . . . . . . 36
5.3 Muitos osciladores idênticos acoplados . . . . . . . . . . . . . . . 43

II Ondas 47
6 Modos normais de sistemas contínuos 48
6.1 N osciladores acoplados 1D no limite N → ∞ . . . . . . . . . . . 48
6.2 Análise de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
6.3 Corda vibrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.4 Outros sistemas 1D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6.4.1 Barra metálica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6.4.2 Coluna de ar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.5 Equação de onda em 2D e 3D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
7 Ondas progressivas 65
7.1 Ondas progressivas em 1D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
7.1.1 Ondas progressivas sinusoidais . . . . . . . . . . . . . . . 66
7.1.2 Sobreposição de ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
7.1.3 Dispersão, velocidade de fase e de grupo . . . . . . . . . . 70
7.1.4 Reexão e transmissão de ondas . . . . . . . . . . . . . . 71
7.1.5 Energia de uma onda sinusoidal . . . . . . . . . . . . . . . 75
7.2 Ondas progressivas em 2D e 3D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.2.1 2D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.2.2 3D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
7.2.3 Intensidade da onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
8 Interferência e difração 81
8.1 Dupla fenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
8.2 Múltiplas fendas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
8.3 Interferência devido a uma única fenda  difração . . . . . . . . 90

2
III Fluidos 92
9 Hidrostática 93
9.1 Pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
9.2 Equilíbrio num campo de forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
9.3 Fluido incompressível no campo gravitacional . . . . . . . . . . . 95
9.4 Princípio de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
9.5 Aplicações de hidrostática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
9.5.1 Princípio de Pascal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
9.5.2 Princípio dos vasos comunicantes . . . . . . . . . . . . . . 98
9.5.3 Medidores de pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
9.5.4 Paradoxo hidrostático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
10 Noções de Hidrodinâmica 100
10.1 Descrição do escoamento dum uido e diferentes regimes . . . . . 100
10.2 Conservação da massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
10.3 Equação de Bernoulli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
10.4 Viscosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
10.5 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
10.5.1 Planos paralelos na ausência de gradiente de pressão . . . 110
10.5.2 Planos paralelos parados na presença de um gradiente de
pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
10.5.3 Lei de Poiseuille . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

IV Elasticidade 112
11 Introdução à teoria da elasticidade 112
11.1 Lei de Hooke . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
11.2 Deformações uniformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
11.2.1 Expansão ou compressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
11.2.2 Tensão de corte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
11.2.3 Barra encastrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
11.3 Torção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
11.4 Flexão de uma barra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
A Coordenadas normais e o método matricial 128
B Pressão como função de ponto 130

3
Part I
Oscilações
1 Movimentos periódicos
Os fenómenos oscilatórios periódicos são incontáveis, ocorrendo em sistemas
muito variados e às mais diversas escalas. O exemplo da massa presa a uma
mola é paradigmático e será usado neste curso inúmeras vezes. Outro bem
conhecido na física é o movimento do pêndulo, quer simples quer físico. Todos
os instrumentos de cordas, ao emitirem o seu som mais melodioso, fazem vibrar
alguma ou várias das suas cordas. As asas de um mosquito oscilam com uma
periodicidade característica, gerando uma onda sonora que por nós detetada
porque os nossos tímpanos oscilam. De facto, no corpo humano ocorrem diversos
movimentos oscilatórios periódicos essenciais, a começar pelo bater do coração
e pela oscilação dos pulmões.

1.1 Oscilações sinusoidais


As oscilações sinusoidais, também ditas harmónicas simples, são oscilações descritas
pela equação:
x(t) = A sin(ωt + ϕ0 ). (1)
A oscilação sinusoidal é caracterizada por
A ≡ Amplitude ϕ0 ≡ fase inicial T ≡ período da oscilação,

sendo T o tempo ao m do qual o movimento se repete exatamente nas mesmas


condições. Isto quer dizer que o argumento da função seno variou de 2π ,
implicando

ω(t + T ) + ϕ0 = ωt + ϕ0 + 2π ⇒ T = .
ω
A expressão acima relaciona a frequência angular ω com o período T . A imagem
em baixo exemplica os conceitos.

Note-se que poderíamos igualmente ter escrito a função x(t) na Eq. (1) com

4
cosseno. De facto, as duas expressões são equivalentes, bastando alterar a fase
inicial ϕ0 para usarmos uma ou outra:
sin(ωt + ϕ0 ) = cos(ωt + ϕ0 − π/2) = cos(ωt + ϕ̃0 ),

com ϕ̃0 = ϕ0 − π/2.

Importância dos movimentos oscilatórios sinusoidais:


ˆ Forças de restauro em sistemas mecânicos, para um deslocamento x relativamente
ao equilíbrio sucientemente pequeno, admitem sempre a forma (exemplo
a 1D),
Fx ' −kx.
Pela 2ª lei de Newton,
r
k k
mẍ = −kx ⇔ ẍ + x = 0 ⇒ x(t) = A sin(ωt + ϕ0 ) com ω = .
m m

(Iremos com frequência usar a notação ẍ ≡ d2 x


dt2 e ẋ ≡ dt .)
dx

ˆ Teorema de Fourier, que será motivado e explorado neste curso, garante


que qualquer função periódica, isto é, tal que f (t+T ) = f (t), independentemente
da forma da função f (na altura veremos que condições deve f satisfazer),
pode ser escrita como uma soma de funções seno e cosseno. Ou seja, se
soubermos caracterizar bem o movimento periódico sinusoidal (um único
seno ou cosseno), saberemos caracterizar uma vasta gama de movimentos
periódicos.

Amplitude e fase inicial:


Dependem das condições iniciais. Sendo duas as constantes a determinar,1
precisamos de duas condições iniciais. Para sistemas mecânicos podemos usar
a posição inicial x(0) e a velocidade inicial v(0). Como v(t) = ẋ(t), temos
x(t = 0) ≡ x0 = A sin ϕ0
v(t = 0) ≡ v0 = Aω cos ϕ0 ,

obtendo-se
r  v 2
0
A= x20 +
ω
 
x0 ω
ϕ0 = tan−1 .
v0
1 Como é característico das equações diferenciais ditas de segunda ordem, que terão/tiveram
oportunidade de estudar em disciplinas de matemática.

5
1.2 Representação por vetor em rotação
Consideremos o movimento circular uniforme representado na gura em baixo.

Variação temporal do ângulo: θ(t) = ωt + θ0


Variação temporal da projeção no eixo horizontal: x(t) = A cos θ

Podemos então escrever,


x(t) = A cos(ωt + θ0 ) = A sin(ωt + θ0 + π/2).

Fazendo ϕ0 = θ0 + π/2, vem


x(t) = A sin(ωt + ϕ0 ).

É assim possível usar o vetor de posição ~r = x~ex + y~ey dum movimento circular
uniforme para representar uma oscilação. Referimos-nos a
x(t) = A cos(ωt + θ0 ) como a parte real
y(t) = A sin(ωt + θ0 ) como a parte imaginária.

1.3 Vetores em rotação como números complexos


Uma representação alternativa para o vetor ~r é
~r = x + iy,

onde
x ≡ deslocamento paralelo a xx
y ≡ deslocamento paralelo a yy.

A notação usual para este vetor posição que representa oscilações é


z = x + iy,

onde a letra ”i” deve ser entendida como uma rotação de 90◦ . Isto é,
iy ≡ deslocamento y na direção xx + rotação de 90◦ .

6
Na gure seguinte aplicam-se duas vezes o ”i” a b, ou seja, aplicam-se duas
rotações de 90◦ ao deslocamento b em xx.

Da análise da gura conclui-se que



i(ib) = −b ⇔ i2 b = −b ⇔ i2 = −1 ⇒ i = −1.

Os números z = x + iy , com i2 = −1, são designados números complexos,


sendo x a parte real e y a sua parte imaginária. As funções cujas variáveis são
números complexos, ditas funções de variável complexa, permitem simplicar
muito a análise de sistemas oscilatórios e por isso as iremos usar frequentemente.

1.4 Exponencial complexa


Seja z um número complexo dado por
z = x + iy, com x = A cos θ e y = A sin θ.
Recordando a expansão em série de Taylor da função f (x) em torno de x = 0,
x2 00 x3
f (x) = f (0) + xf 0 (0) + f (0) + f 000 (0) . . . ,
2! 3!
vem, para as funções seno e cosseno,
θ2 θ4 θ6
cos θ = 1 − + − + ...
2! 4! 6!
θ3 θ5 θ7
sin θ = θ − + − + ... .
3! 5! 7!
Fazendo a soma cos θ + i sin θ, obtém-se
θ2 θ3 θ4 θ5 θ6 θ7
cos θ + i sin θ = 1 + iθ − −i + +i − − i + ...
2! 3! 4! 5! 6! 7!
(iθ)2 (iθ)3 (iθ)4 (iθ)5 (iθ)6 (iθ)7
= 1 + (iθ) + + + + + + + ...
2! 3! 4! 5! 6! 7!
= eiθ .

A relação eiθ = cos θ + i sin θ é conhecida como fórmula de Euler.

7
Voltando ao número complexo z , vericamos que o podemos escrever como
z = Aeiθ .

A exponencial complexa ”eiθ ” deve ser entendida como uma rotação de θ. Isto
é,
z = Aeiθ ≡ deslocamento A na direção xx + rotação de θ.
Por exemplo, fazendo θ = π , vem
eiπ = −1 ⇔ eiπ + 1 = 0,

sendo a última igualdade designada por identidade de Euler, sobre a qual o


prémio Nobel da Física Richard Feynman disse um dia ser a fórmula mais notável
da matemática.
Fim da 1ª aula. 

2 Sobreposição de movimentos periódicos


Os sistemas oscilatórios que iremos abordar nesta unidade curricular são sistemas
ditos lineares. Sistemas lineares são descritos por equações lineares, que é
precisamente o que acontece nos casos que aqui interessam.
O exemplo paradigmático do sistema massa mola é, como vimos na aula
anterior, descrito pela equação diferencial
ẍ + ωx = 0.

Esta equação é linear porque não aparecem potências de ordem superior à


...
primeira em x ou nas suas derivadas, ẋ, ẍ, x . . . (neste caso apenas está presente
ẍ).
Uma característica importante dos sistemas lineares é que a soma de duas
ou mais soluções da equação ainda é uma solução. À soma de soluções vamos
chamar sobreposição. Ou seja, a sobreposição de duas oscilações num sistema
linear ainda dá origem a uma possível oscilação do sistema. Nesta secção faremos
a análise do efeito da sobreposição de oscilações periódicas.

2.1 Sobreposição de duas frequências diferentes


Sejam x1 e x2 duas oscilações sinusoidais,
x1 = A1 cos(ω1 t + α1 ) x2 = A2 cos(ω2 t + α2 ). (2)
Queremos estudar que tipo de oscilação resulta da sobreposição de x1 e x2 , isto
é,
x = x1 + x2 .
No caso geral a oscilação será complexa e não é possível identicar um comportamento
característico. Há, contudo, dois casos particulares muito relevantes que merecem
atenção.

8
2.1.1 Períodos comensuráveis
Os períodos das oscilações x1 e x2 são comensuráveis se existirem os inteiros n1
e n2 tais que
n1 T1 = n2 T2 = T. (3)
Por outras palavras, a razão T1 /T2 ou ω1 /ω2 será um número racional. Se isto
acontecer, a oscilação repete-se exatamente e nas mesmas condições ao m de T
em simultâneo para x1 e x2 , pelo que se repete também para a soma x = x1 +x2 .
Logo, a oscilação x(t) correspondente à sobreposição será periódica, com período
T . Note-se, contudo, que a oscilação já não será sinusoidal.

2.1.2 Batimentos
Considere-se A1 = A2 ≡ A na Eq. (2). Seja
ω1 + ω2 ω1 − ω2
ω̄ = e ∆ω = ,
2 2
e seja
α1 + α2 α1 − α2
ᾱ = e ∆α = ,
2 2
o que permite escrever
ω1 = ω̄ + ∆ω, ω2 = ω̄ − ∆ω, α1 = ᾱ + ∆α, α2 = ᾱ − ∆α.
Substituindo na Eq. (2), vem para a sobreposição
x = A cos((ω̄ + ∆ω)t) + ᾱ + ∆α) + A cos((ω̄ − ∆ω)t) + ᾱ − ∆α)
= A cos(ω̄t + ᾱ + ∆ωt + ∆α) + A cos(ω̄t + ᾱ − ∆ωt − ∆α).
Fazendo uso da relação trigonométrica
cos (a ± b) = cos a cos b ± sin a sin b
obtém-se
x = 2A cos(∆ωt + ∆α) cos(ω̄t + ᾱ).
Se ∆ω  ω̄ , estamos na presença do fenómeno de batimento. Ou seja, a
oscilação tem o comportamento de uma oscilação sinusoidal com frequência
angular rápida, ω̄ , mas com uma amplitude modelada de frequência baixa, ∆ω .
A gura em baixo mostra isso mesmo.

9
A melhor forma de perceber o fenómeno, é experimentando-o. Na página
moodle da UC podem encontrar um exemplo sonora. Nesta caso, a sobreposição
x(t) descreve a oscilação do nosso tímpano.
O tempo que decorre entre dois máximos da envolvente designa-se por período
do batimento, Tb . No caso do exemplo sonoro estes são dois instantes consecutivos
em que o nosso tímpano oscila com amplitude máxima. É aí que a intensidade
do som é máxima para o ouvinte. Note-se que Tb é metade do período da
envolvente,
1 2π 2π
Tb = = .
2 |∆ω| |ω1 − ω2 |
Como ω = 2πf , também podemos escrever
1
Tb = e fb = |f1 − f2 |.
|f1 − f2 |
Rera-se que o caso A1 6= A2 tem uma fenomenologia idêntica. A diferença
é que o valor mínimo da amplitude, em vez de zero, corresponde à diferença das
amplitudes, Amin = |A1 − A2 |.

2.2 Sobreposição de duas frequências iguais


Considere-se ω1 = ω2 ≡ ω na Eq. (2). A questão podemos colocar de imediato
é se a sobreposição x = x1 + x2 é ou não sinusoidal. Que será periódica, já
sabemos, pois este caso corresponde a fazermos n1 = n2 = 1 na Eq. (3).
Para responder à questão, faremos a análise no plano complexo. A resposta
é imediata analisando a gura em baixo.

Na gura, os vetores OP1 e OP2 representam as oscilações,


z1 ≡ OP1 = A1 ei(ωt+α1 )
z2 ≡ OP2 = A2 ei(ωt+α2 ) ,

sendo x1 = Re[z1 ] e x2 = Re[z2 ]. O vetor OP representa a soma (sobreposição),


z ≡ OP = z1 + z2 ,

sendo que Re[z] = x1 +x2 = x. Na analogia com o movimento circular uniforme,


os fasores z1 e z2 rodam com velocidade angular constante ω . Consequentemente,

10
a sua soma também roda com velocidade angular ω , podendo ser escrita como
z = Aei(ωt+α1 +β) ,
sendo A o comprimento de OP e α1 + β o ângulo que OP faz com a horizontal
(ver gura em cima). Não há dúvidas de que a parte real de z descreve uma
oscilação sinusoidal:
x = A cos(ωt + α),
onde se deniu α = α1 + β . Resta apenas determinar A e β .
Determinação de A e β :
z = z1 + z2 ⇔ Aei(ωt+α1 +β) = A1 ei(ωt+α1 ) + A2 ei(ωt+α2 )
 
⇔ ei(ωt+α1 ) Aeiβ = ei(ωt+α1 ) A1 + A2 ei(α2 −α1 )
 
⇔ Aeiβ = A1 + A2 ei(α2 −α1 ) .

A última igualdade contém duas equações, pois para a satisfazermos temos de


igualar a parte real à parte real e a parte imaginária à parte imaginária:
A cos β = A1 + A2 cos(α2 − α1 )
A sin β = A2 sin(α2 − α1 ).
Somando o quadrado das duas equações, obtém-se A:
2 2
A2 = [A1 + A2 cos(α1 − α2 )] + [A2 sin(α2 − α1 )]
= A21 + A22 + 2A1 A2 cos(α2 − α1 ). (4)
Sabendo A, obtém-se β da segunda equação:
A2
sin β = sin(α2 − α1 ).
A
Sobreposição construtiva e destrutiva:
Designemos por δ a diferença de fase2 entre as duas oscilações,
δ ≡ α2 − α1 .
Consideremos por simplicidade o caso A1 = A2 na Eq. (2). Pela Eq. (4), a
amplitude da oscilação sinusoidal resultante é A2 = A21 (2 + 2 cos δ). Usando a
relação trigonométrica,
δ δ δ
1 + cos δ = 1 + cos2 − sin2 = 2 cos2 ,
2 2 2
vem A2 = 4A21 cos2 2δ , ou seja,
δ
A = 2A1 cos .
2
2 Designa-se por fase o ângulo no argumento das funções sinusoidais, ou equivalentemente,
no argumento da exponencial complexa.

11
Esta equação diz-nos que, dependendo de δ , a amplitude resultante da sobreposição
pode ser máxima (interferência construtiva) ou mínima (interferência destrutiva):
δ = 0 ⇒ interferência construtiva ⇒ A é máximo

δ = π ⇒ interferência destrutiva ⇒ A é mínimo.


Note-se que para A1 = A2 vem β = δ/2 (ver gura acima), pelo que se pode
ainda escrever
A = 2A1 cos β.

2.3 Sobreposição de N oscilações sinusoidais com frequência


igual, mesma amplitude, e desfasamento consecutivo
δ
Queremos analisar a sobreposição das seguintes N oscilações:
x1 = A0 cos(ωt)
x2 = A0 cos(ωt + δ)
x3 = A0 cos(ωt + 2δ)
...
xN = A0 cos(ωt + (N − 1)δ).

Ou seja, queremos determinar x = n xn . A análise pode ser feita no plano


P
complexo: xn = Re[zn ] e x = Re[z], com

e
X
zn = A0 ei(ωt+nδ) z= zn .
n

Tal como no caso de duas oscilações com a mesma frequência, a sobreposição será
uma oscilação sonusoidal de frequência ω . Sem perda de generalidade podemos
escrever,
z = Aei(ωt+α) . (5)
A gura em baixo representa o caso particular de 3 oscilações, mas a análise
é idêntica para qualquer N .

12
Cada um dos fasores zn está representado por um segmento azul de comprimento
A0 . O fasor z correspondente à soma está representado pelo segmento vermelho
OP de comprimento A. Podemos-nos convencer dos seguintes factos: o polígono
resultante pode sempre ser circunscrito a um círculo com centro em C e raio que
vamos designar por R; os três triângulos com vértice em C e uma das arestas
A0 são idênticos, sendo que uma rotação de δ mapeia um triângulo no seguinte;
o ângulo OCB
\ é δ e o ângulo OCP \ é N δ.
Usando as propriedades de triângulos com dois lados iguais (isósceles), podemos
escrever
A0 δ
= R sin
2 2
A Nδ
= R sin .
2 2
Fazendo a divisão das duas equações, eliminamos a incógnita R e podemos
escrever A como
sin N2δ
A = A0 .
sin 2δ
Resta agora determinar a fase α na Eq. (5). Uma vez mais usando propriedades
de triângulo isósceles, vem

\ = π−δ
COB
2
π − Nδ
COP =
\ .
2

O ângulo α é precisamente α = COB \, obtendo-se


\ − COP

N −1
α= δ.
2

13
Finalmente, podemos escrever
sin N2δ
 
N −1
x = Re[z] = A0 cos ωt + δ .
sin 2δ 2
Esta expressão diz-nos que teremos interferência destrutiva sempre que o seno
no numerador for zero, ou seja, N δ = 2πn com n ∈ N. Isto acontece sempre
que os pontos O e P na gura coincidem, formando-se um polígono regular.
Esta sobreposição poderá parecer um exercício meramente académico. Mas
veremos mais adiante, quando discutirmos difração, que este resultado será aí
de grande utilidade.

2.4 Sobreposição de duas oscilações perpendiculares


Podemos ainda estudar a sobreposição de oscilações que não ocorrem na mesma
direção. Por oposição aos casos anteriores, vamos analisar brevemente o resultado
da sobreposição de duas oscilações em direções perpendiculares.
Como representado na gura em baixo, vamos considerar que uma oscilação
descreve a posição em x e a outra a posição em y , sendo
x = A1 cos(ω1 t + α1 )
y = A2 cos(ω2 t + α2 ).
Na gura, a oscilação em x é descrita por um fasor representado no circulo por
baixo do retângulo vermelho e a oscilação em y por outro fasor representado no
circulo à esquerda do retângulo vermelho. A sobreposição das duas oscilações
corresponde à posição do ponto P no interior do retângulo vermelho.

Se ω1 e ω2 forem incomensuráveis, a trajetória do ponto P não se repete.


Por outro lado, se ω1 e ω2 forem comensuráveis, isto é ω1 /ω2 ∈ Q, a trajetória

14
do ponto P repete-se ao m do tempo T = n1 T1 = n2 T2 . As guras formadas
pelo ponto P no caso comensurável são designadas guras de Lissajous. Alguns
exemplos estão representadas na gura em baixo.

Analisemos em particular o caso ω1 = ω2 = ω , que descreve o movimento


mais geral do pêndulo. Seja
x = A cos(ωt)
y = B cos(ωt + δ).

Podemos fazer a seguinte manipulação,


y
= cos(ωt) cos δ − sin(ωt) sin δ
B r
x x2
= cos δ − 1 − 2 sin δ,
A A
obtendo-se
y2 x2 xy
2
+ 2 −2 cos δ = sin2 δ. (6)
B A AB
ˆ δ=0
Neste caso a Eq. (6) adquira a forma
y2 x2 xy y x 2 y x
+ − 2 = 0 ⇔ − =0 ⇒ = .
B2 A2 AB B A B A

15
A trajetória é uma reta com declive B/A.

ˆ δ=π
Neste caso a Eq. (6) adquira a forma
y2 x2 xy y x 2 y x
2
+ 2
+ 2 = 0 ⇔ + =0 ⇒ =− .
B A AB B A B A
A trajetória é uma reta com declive −B/A.

ˆ δ = π/2
Neste caso a Eq. (6) adquira a forma
y2 x2
2
+ 2 = 1.
B A
A trajetória é uma elipse percorrida no sentido horário. Note-se que em
t = 0 temos P = (A, 0) e em t = T /4 temos P = (0, −B), donde se conclui
o sentido do movimento.

ˆ δ = 3π/2
Neste caso a elipse é percorrida no sentido anti-horário.

16
ˆ Outros valors de δ
Elipse com eixos inclinados.


Fim da 2ª aula. 

3 Oscilações livres e seu amortecimento


Nas oscilações livres não há qualquer ação externa periódica que faça oscilar
o sistema (por exemplo, uma força periódica) . Diz-se que o sistema oscila
livremente. As oscilações livres não amortecidas são aquelas em que a energia se
conserva. Em sistemas mecânicos isto signica que apenas estão presentes forças
conservativas. Nas oscilações livres amortecidas, a energia não se conserva.
Se o sistema for mecânico, quer dizer que existem forças não conservativas,
ditas resistivas, como a de atrito. Comecemos por analisar alguns exemplos de
oscilações livres.

3.1 Oscilações livres não amortecidas


ˆ massa-mola :
Como vimos anteriormente, aplicando a 2ª lei de Newton obtém-se a
equação diferencial
r
k
ẍ + ω x = 0 com ω =
2
.
m
O sistema conserva energia mecânica. A prova faz-se integrando no tempo
a equação diferencial,
Z t2
1 1 1 1
ẍ + ω 2 x dt = 0 ⇒ ẋ21 + ω 2 x21 = ẋ22 + ω 2 x22 ⇔ E1 = E2 .

t1 2 2 2 2

ˆ pêndulo de torção :

17
O sistema está representado na gura ao lado: um disco
com momento de inércia I está ligado rigidamente a uma
vareta cuja extremidade oposta está xa no ponto de
suspensão; rodando o disco de θ imprimi-se uma torção
na vareta; a vareta torcida dá origem a um torque de
restauro no disco, τz = −Kθ, sendo K uma constante.
(A torção será estudada mais à frente quando falarmos
de elasticidade.)
Da equação da dinâmica para a rotação, ~τ = dL/dt
~ , vem
dLz d  
τz = = I θ̇ = I θ̈.
dt dt
Logo, I θ̈ = −Kθ, ou seja,
r
K
θ̈ + ω θ = 0 com ω =
2
.
I
O sistema conserva energia mecânica. A prova faz-se de forma análoga ao
caso anterior.
ˆ pêndulo simples e pêndulo físico 3 :
Em ambos os casos, a equação diferencial de movimento adquire, para
pequenos ângulos (θ  1), a forma
θ̈ + ω 2 θ = 0. (7)
Para o pêndulo simples com o de comprimento l,
r
g
ω= .
l
Para o pêndulo físico, massa M , momento de inércia relativamente ao eixo
de rotação I , distância mínima do centro de massa ao eixo de rotação d,
vem r
dM g
ω= .
I
Uma vez mais a energia mecânica é conservada. Note-se que aqui a única
força que realiza trabalho é a força gravítica, que é conservativa.
ˆ circuito LC :
Um circuito elétrico com um condensador (capacitância C ) e uma bobina
(indutância L) apresenta uma equação diferencial para a corrente (ou
para pa carga no condensador) exatamente equivalente à Eq. (7), com
ω = 1/(LC). Também aqui há conservação de energia.
Na próxima secção vamos introduzir amortecimento. A energia deixa de se
conservar.
3 Qualquer corpo a oscilar em torno de um eixo xo.

18
3.2 Oscilações livres amortecidas
O tipo de amortecimento que iremos estudar é aquele que dá origem a um termo
proporcional a ẋ na equação diferencial de movimento. Em sistemas mecânicos,
isto corresponde a uma força resistiva F~R proporcional à velocidade,
F~R = −b~v , (8)
sendo b a constante de proporcionalidade. É o que acontece quando uma massa
se desloca num meio uido a velocidade sucientemente baixa. A força que um
uido exerce num corpo que nele se desloca é bem descrita por F~R = −(a1 v +
a2 v 2 )v̂ , com v̂ = ~v /||~v ||. Esta força também é conhecida por arrasto. A Eq. (8)
obtém-se no caso em que o primeiro termo domina, a1 v  a2 v 2 , ou seja, v 
a1 /a2 .
Consideremos o exemplo paradigmático do sistema massa-mola. O movimento
é unidimensional e vamos assumir que ocorre na direção x. A força resistiva
neste caso adquire a forma,
F~R = −bẋ~ex .
Aplicando a 2ª lei de Newton, mẍ = −kx − bẋ, obtém-se a equação diferencial
de movimento,
ẍ + γ ẋ + ω02 x = 0, (9)
com γ = b/m e ω02 = k/m. Note-se que a equação está dimensionalmente
correta, pois [γ] = T−1 e [ω02 ] = T−2 . Resta agora encontrar a solução da
Eq. (9).

3.2.1 Caso γ=0


Neste caso já sabemos que a solução é sinusoidal, em forma de seno ou cosseno.
A solução geral de equação é
x(t) = C1 cos(ω0 t) + C2 sin(ω0 t),

tendo as constantes C1 e C2 de ser determinadas pelas condições iniciais da


oscilação em estudo. A equação anterior é equivalente à Eq. (1) que escrevemos
no início para descrever oscilações sinusoidais. Basta identicar C1 = A cos(α)
e −C2 = A sin(α), obtendo-se
x(t) = A [cos(α) cos(ω0 t) − sin(α) sin(ω0 t)] = A cos(ω0 t + α).

No caso γ 6= 0 iremos resolver a equação diferencial no plano complexo. Poderíamos


tê-lo feito também para γ = 0. A vantagem é óbvia: trabalhar com a exponencial
complexa em vez de senos e cossenos. Seja z tal que x = Re[z]. A equação
diferencial para z é
z̈ + ω0 2 z = 0,
sendo a solução simplesmente
z = Aei(ω0 t+α) .

19
3.2.2 Caso γ 6= 0 (subamortecimento, γ/2 < ω0 )
A Eq. (9) no plano complexo é
z̈ + γ ż + ω02 z = 0. (10)
Vamos tentar uma solução do tipo exponencial complexa,
z = Aei(pt+α) . (11)
A diferença relativamente ao caso γ = 0 é a presença do termo ż na equação
diferencial. Como quer a segunda derivada da função exponencial quer a primeira
são proporcionais à própria função, há uma forte possibilidade desta tentativa
dar frutos.
Substituindo a Eq. (11) na Eq. (10) vem,
(ip)2 + ipγ + ω02 z = 0 (ip)2 + ipγ + ω02 = 0. (12)
 

O lado esquerdo da equação obtida é complexo, pelo que a equação só pode ser
satisfeita se quer a parte real quer a parte imaginária se anularem4 . A única
solução possível com p ∈ R é p = 0. Portanto, p terá de ser um complexo,
p = n + is, com n, s ∈ R. (13)
Substituindo na Eq. (12) para p, vem
−p2 + iγp + ω02 = 0 ⇔ −n2 + s2 − 2ins + iγn − γs + ω02 = 0.

Para a parte real temos


−n2 + s2 − γs + ω02 = 0,

e para a parte imaginária,


−2ns + γn = 0.
Desta última obtém-se
γ
−2ns + γn = (−2s + γ)n = 0 ⇒ s = ,
2
e substituindo a solução para s na equação da parte real, obtém-se
γ2 γ γ2
−n2 + − γ + ω02 = 0 ⇒ n2 = ω02 − . (14)
4 2 4
Daqui se percebe porque é que no início desta secção escrevemos γ/2 < ω0 , pois
caso contrário temos n ∈/ R, o que não está de acordo com a nossa denição
4 Uma equação complexa pode sempre ser separada em duas: uma para a parte real outra
para a parte imaginária. Isto é análogo às equações vetoriais, que podem ser separadas nas
suas componentes.

20
de p = n + is. O caso γ/2 < ω0 é conhecido por subamortecimento, ou
amortecimento subcrítico. O caso γ/2 > ω0 será analisado mais adiante.
Finalmente, a solução encontrada pode ser escrita como
z = Aei(nt+ist+α) = Ae−st ei(nt+α) ,

onde s é um inverso de um tempo τ associado ao decaimento exponencial da


oscilação e p desempenha o papel de uma frequência angular ω (designa-se por
pseudo-frequência):
γ 1
s= ≡
2
r τ
γ2
n= ω02 − ≡ ω. (15)
4
Apenas nos interessa a parte real da solução neste caso, sendo esta
x(t) = Re[z] = Ae− τ cos(ωt + α).
t

Na gura em baixo apresenta-se um esboço da função x(t).

Torna-se evidente que a energia não é conservada, uma vez que o fator
exponencial e− 2 t na solução garante que a oscilação irá desaparecer ao nal
γ

de algum tempo. A energia dissipa-se.


Podemos, contudo, denir um pseudo-período da oscilação enquanto ela está
presente,
2π 2π
T = =q .
ω γ2
ω02 − 4

De facto, a oscilação amortecida pode ser entendida como uma oscilação sinusoidal
com uma amplitude que diminui com o tempo,
x(t) = A(t) cos(ωt + α), (16)

21
com γ
A(t) = A0 e− 2 t , (17)
onde A0 = A(0).
Fazendo uso da analogia com a oscilação sinusoidal (movimento harmónico
simples - MHS), podemos determinar a taxa à qual a energia é dissipada (energia
dissipada por unidade de tempo ou potência dissipada). No MHS a energia
mecânica pode escrever-se à custa da amplitude como
1
MHS ⇒ E = kA2 .
2
Substituindo por A(t),
γ 1 2 −γt
A(t) = A0 e− 2 t ⇒ E(t) = kA e = E0 e−γt .
2 0
A potência dissipada em cada instante é então,
dE
P (t) = = −γE(t), (18)
dt
onde o sinal negativo indica apenas que a energia no sistema está a diminuir.
Esta expressão é válida quando γ  ω , pois só neste caso é que a analogia com
o MHS faz sentido5 .
Fim da 3ª aula. 

Fator de qualidade Os parâmetros que caracterizam o oscilador amortecido


são a sua frequência angular natural, ω0 , e o parâmetro γ que quantica o
amortecimento (γ = b/m). Com estes podemos denir uma quantidade adimensional
designada por fator de qualidade Q,
ω0
Q= .
γ
Quanto maior Q melhor é o oscilador, ou seja, mais oscilações realiza antes de
parar. Iremos de seguida relacionar Q com o número de oscilações. Mas antes
5 Validade da Eq. (18):
A energia é dada por E = 12 mẋ2 + 12 kx2 , com
dA
x(t) = A(t) cos(ωt + α), v(t) = ẋ(t) = −A(t)ω sin(ωt + α) + cos(ωt + α).
dt
Se a desigualdade
dA γ
A(t)ω  − = A(t) ⇒ ω  γ/2
dt 2
se vericar, podemos desprezar o termo em cosseno na velocidade, vindo v(t) '
−A(t)ω sin(ωt + α). Para a energia mecânica vem então
1 1 1 1 1
E= mẋ2 + kx2 ' mω 2 A2 sin2 (ωt + α) + k2 A2 cos2 (ωt + α) ' kA2 ,
2 2 2 2 2
onde no último passa voltamos a usar ω  γ/2, ou equivalentemente ω ' ω0 = k/m.
p

22
disso, aproveitamos para escrever a pseudo-frequência angular ω tem termos de
Q: r r
γ2 1
ω= ω02 − = ω0 1− .
4 4Q2
Para Q sucientemente grande, podemos aproximar ω por ω0 . De facto, mesmo
para Q = 2 o erro que cometemos ao aproximar ω ≈ ω0 é cerca de 3%.

Número de oscilações e fator de qualidade Vimos em cima, com as


Eqs. (16) e (17), que a oscilação subamortecida pode ser pensada como uma
oscilação sinusoidal com uma amplitude que diminui exponencialmente no tempo,
A(t) = A0 e−t/τ com τ = 2/γ . O tempo característico τ é tal que

A0
A(τ ) = . (19)
e
Podemos perguntar quantas oscilações é que o sistema realiza durante o tempo
τ . Para isso, introduzamos a variável N ≡ t/T que conta oscilações, sendo T
o pseudo-período. Note-se que N é um número real e não necessariamente um
inteiro. Para t = τ temos

Nτ = τ /T ⇒ τ = Nτ T = Nτ .
ω
Como τ = 2/γ , vem
2 2π ω/γ
= Nτ ⇒ Nτ = .
γ ω π
Para um bom oscilador temos Q  1 e ω ≈ ω0 , vindo
ω0 /γ Q
Nτ ≈ = .
π π

Decremento logarítmico Dene-se como decremento logarítmo a quantidade


 
x(t)
δ ≡ log .
x(t + T )

Usando as expressões nas Eqs. (16) e (17), vem


   γ  γ γ
δ = log eT /τ = log e 2 T = T = π .
2 ω
Para um bom oscilador ω/γ ≈ ω0 /γ = Q, obtendo-se
π 1
δ≈ ≈ .
Q Nτ

23
3.2.3 Caso γ 6= 0 (sobre-amortecimento, γ/2 > ω0 )
Recordemos que para a solução da Eq. (10) propusemos z = Aei(pt+α) [ver
Eq. (11)]. Chegamos à conclusão de que necessariamente p ∈ / R, assumindo
assim p = n + is com n, s ∈ R na Eq. (13). O resultado que se obtém para n da
Eq. (14) é r
γ2
n = ± ω02 − . (20)
4
No caso subamortecido
q temos ω0 > γ/2 e n foi interpretado como uma frequência
na Eq. (15), ω = ω02 − γ4 . Escolhemos a solução positiva porque a negativa
2

não é uma solução diferente quando α é uma constante a determinar pelas


condições iniciais6 .
O caso que agora iremos analisar corresponde à situação ω0 < γ/2. É o
caso em que o amortecimento é sucientemente elevado para invalidar a nossa
hipótese de que n ∈ R na equação p = n + is. De facto, da Eq. (20) em cima
percebemos que n é agora um imaginário puro. Ou seja, o próprio p na Eq. (13) é
agora um imaginário puro, pelo que ip na proposta de solução z = Aei(pt+α) será
um número real. Isto sugere que devemos procurar soluções do tipo exponencial
real z = Cert . Substituindo na Eq. (10), vem
z̈ + γ ż + ω02 z = 0 com z = Cert ⇒ Cert (r2 + γr + ω02 ) = 0.

Isto é, z = Cert é solução se r satisfazer a equação


r2 + γr + ω02 = 0, (21)
que tem como solução r
γ γ2
r± = − ± − ω02 .
2 4
A solução mais geral corresponde à combinação linear z(t) = C1 er+ t + C2 er− t .
Como nos interessa apenas a parte real, designando A1 = Re[C1 ] e A2 = Re[C2 ]
obtém-se γ γ
x(t) = A1 e−( 2 +β)t + A2 e−( 2 −β)t ,
q
com β = γ4 − ω02 . Tal como anteriormente, há duas constantes, neste caso
2

A1 e A2 , a determinar pelas condições inicias. Não poderia ser de outra forma.


Temos liberdade para escolher a posição e velocidade iniciais, o que irá xar A1
e A2 .
O aspeto mais interessante da solução encontrada é que esta já não é oscilatória.
A massa irá tender para a posição de equilíbrio sem oscilar. A gura em baixo
represente esquematicamente as duas situações possíveis: a massa m aproxima
a posição de equilíbrio sem a ultrapassar, ou, se a energia cinética inicial for
suciente, a massa m cruza a posição de equilíbrio uma única vez.
6 Notar que cos(ωt + α) = cos(−ωt − α) = cos(−ωt + α0 ), sendo que quer α quer α0 são
uma fase inicial a determinar pelas condições iniciais. Ou seja, a solução com −ω não é uma
solução distinta.

24
Nota matemática : A Eq. (21) é conhecida por polinómio característico. Pode
ser usado para determinar a solução não só q quando γ/2 > ω0 mas também
quando ω0 > γ/2. Neste último caso β = γ4 − ω02 passa a ser imaginário e
2

recuperamos
q a solução encontrada quando há subamortecimento fazendo β = iω
com ω = ω02 − γ4 .
2

3.2.4 Caso γ 6= 0 (amortecimento crítico, γ/2 = ω0 )


Neste caso o polinómio característico na Eq. (21) tem uma solução dupla, r+ =
r− = −γ/2. Verica-se que, além de e− 2 t , também te− 2 t é solução (verique
γ γ

por inspeção). A solução geral é


γ
x(t) = (A1 + A2 t) e− 2 t ,

uma vez mais com constantes A1 e A2 a determinar pelas condições iniciais.


Uma característica interessante do amortecimento crítico é que, no caso deste
se iniciar com velocidade nula, a massa m volta à posição de equilíbrio num
tempo menor do que no caso sobre-amortecido. É o que se pretende com a mola
hidráulica de uma porta ou na suspensão de um automóvel. A gura em baixo
sumaria as situações possíveis.


Fim da 4ª aula. 

25
4 Oscilações forçadas e ressonância
Se empurrarmos um baloiço periodicamente, notamos que há uma frequência
particular para a qual a amplitude de oscilação aumenta consideravelmente sem
termos que aumentar a força periódica que aplicamos. Quando o tambor duma
máquina de lavar roupa entra em rotação e a sua velocidade angular aumenta
progressivamente, ocorre uma vibração mais vigorosa para um certo valor da
velocidade do tambor. Nesta secção iremos perceber que estamos perante o
mesmo fenómeno.

4.1 Regime estacionário


Consideremos uma vez mais o nosso oscilador harmónico com amortecimento.
Apliquemos sobre este uma força externa sinusoidal caracterizada por uma
frequência ω ,
F~ext = F~0 cos(ωt).
Se esperarmos tempo suciente, verica-se que o sistema passará a oscilar exatamente
com a frequência da força externa, ω . A seguinte intuição é útil para perceber
o fenómeno: devido ao amortecimento, a parte da oscilação relacionada com a
frequência natural ω0 decai, cando apenas a componente relacionada com a
força externa. Iremos ver adiante que esta intuição está correta. Mas para já,
veriquemos que a solução com a frequência da força externa é possível.
Comecemos por escrever a equação de movimento,
F0
mẍ = −kx − bẋ + F0 cos(ωt) ⇒ ẍ + γ ẋ + ω02 x = cos(ωt).
m
Vamos procurar soluções no plano complexo. A seguinte equação diferencial
tem como parte real precisamente a equação que queremos resolver:
F0 iωt
z̈ + γ ż + ω02 z = e .
m
Como solução vamos propor
z = Aei(ωt−δ) ,

que apresenta a característica referida: oscilar à frequência externa ω . Substituindo


na equação diferencial acima, vem
F0 iωt
(iω)2 + iωγ + ω02 Aei(ωt−δ) =
 
e .
m
A dependência temporal é idêntica dos dois lados da equação, pelo que a solução
proposta é boa se A e δ satiszerem
F0 F0 iδ F0 F0
−ω + iωγ + ω02 Ae−iδ =
 2
⇔ (ω02 −ω 2 )A+iγωA =

e = cos δ+ i sin δ.
m m m m

26
Separando a equação para a parte real e imaginária, temos
F0
Imag : γωA = sin δ
m
F0
Real: (ω02 − ω 2 )A = cos δ.
m
Fazendo a soma dos quadrados:
2 F2 F2
(Imag) + (Real)
2 2 2
⇒ (γωA) + (ω02 − ω 2 )A = 02 cos2 δ + sin2 δ = 02
 
m m
F0 /m
⇒ A= p 2 . (22)
(ω0 − ω 2 )2 + (γω)2

Fazendo a razão:
(Imag) γωA γω sin δ
⇒ = 2 =
(Real) (ω02 − ω 2 )A (ω0 − ω 2 ) cos δ
γω
⇒ tan δ = 2 . (23)
(ω0 − ω 2 )

A solução para o movimento do oscilador forçado é então x = Re[z],


x(t) = A(ω) cos [ωt + δ(ω)] , (24)
com A(ω) e δ(ω) dados pelas Eqs. (22) e (23), respetivamente.
Na gura em baixo, no painel da direita, encontra-se o resultado da experiência
representada no painel da esquerda. Os pontos experimentais são bem descritos
pelas Eqs. (22) e (23). Para a diferença de fase δ(ω) observa-se claramente
que δ < π/2 quando ω < ω0 e que δ > π/2 quando ω > ω0 (na gura o
eixo dos xx é a frequência ω/2π e δ está representada em graus em vez de
radianos). Esta alteração de comportamento em torno de ω0 corresponde à troca
de sinal no denominador da Eq. (23). Para a amplitude A(ω) há três observações

pertinentes:

27
ˆ ω=0
Da Eq. (22) obtém-se A(0) = F0ω/m2 = Fk0 . Neste caso não há oscilação
0
e o sistema encontra-se em equilíbrio. A amplitude é simplesmente a
elongação da mola necessária para equilibrar a força F0 , isto é, F0 = kA.
ˆ ω→∞
Da Eq. (22) obtém-se A(∞) = 0. Se a frequência externa for demasiado
elevada, o sentido da força varia tão rapidamente que a massa m não
consegue iniciar o seu movimento. A amplitude tende para zero como
1/ω 2 .
ˆ ω = ωm
No gráco da gura A(ω) tem claramente um máximo para uma frequência
ωm próxima de ω0 . Analisemos esta situação com mais detalhe.

Ressonância O máximo da amplitude A(ω) ocorre quando o denominador na


Eq. (22) apresenta o seu valor mínimo. Ou seja,
dA(ω) d
q
máximo ⇒ =0 ⇒ (ω02 − ω 2 )2 + (γω)2 = 0,
dω dω
obtendo-se
r
γ2 F /m F0 /m
ωm = ω02 − e A(ωm ) = r  0  =r  2 2 .
2 γ2
2
γ2

2 + γ 2 ω02 − 2 γ ω0 − γ2
2 2

28
Manipulando as expressão obtidas,
podemos reescrever ωm e A(ωm ) em
termos do fator de qualidade Q:
r
1
ωm = ω0 1− ,
2Q2
F0 Q
A(ωm ) = q .
k 1− 1
4Q2

Num bom oscilador com Q  1,


podemos aproximar
F0
ωm ' ω0 e A(ωm ) ' Q.
k
Na gura ao lado apresenta-se o
comportamento de A(ω) para vários
valores de Q. A amplitude máxima é
tanto maior quanto maior for Q.

O fenómeno representado na gura é conhecido por ressonância. À frequência


de ressonância ωm , que em muitas situações de interesse (Q  1) não se
distingue de ω0 , o oscilador apresenta uma amplitude de oscilação que é Q vezes
maior do que a elongação de equilíbrio F0 /k (quando ω = 0). Esta amplitude é
a amplitude de ressonância.
O fenómeno de ressonância ocorre em muitas situações físicas à nossa volta.
São exemplos o baloiço e a máquina de lavar roupa que referimos na introdução
desta secção. Note-se que para um amortecimento for sucientemente fraco,
ou seja, se Q for sucientemente elevado, a amplitude de ressonância pode ser
tão grande que coloca em causa a integridade do sistema. O copo de vidro que
parte sob ação de uma onda sonora é um exemplo disso mesmo. A regra de
que uma coluna militar apeada não deve marchar em cima de pontes pretende
evitar uma possível catástrofe devido ao fenómeno de ressonância. Por falar
em pontes, um exemplo clássico de ressonância envolvendo pontes é o caso da
queda da ponte de Tacoma. Este acontecimento, sem dúvida espetacular, foi
registado em vídeo. Podem visualizar o vídeo na página da disciplina (após a
aula teórica).7
7 O exemplo da ponte de Tacoma é na verdade um exemplo de utter devido ao vento
lateral, que não iremos estudar. Sigam os links na página da disciplina se quiserem saber
mais.

29
4.2 Regime transitório
Na ausência de força externa, todos os movimentos oscilatórios que encontrámos
dependiam das condições iniciais. Ou seja, a solução continha duas constantes
por determinar, que permitiam ajustar a solução às condições iniciais. Na
Eq. (24) não há constantes por determinar. O que é que aconteceu às condições
iniciais no oscilador forçado?
Vamos designar a solução indicada na Eq. (24) por solução particular,
xp (t) = A(ω) cos [ωt + δ(ω)] .

Esta solução corresponde ao que acontece no regime dito estacionário. Ou


seja, decorreu já tempo suciente desde o início do movimento para que já
não haja memória das condições iniciais. Enquanto o regime estacionário não
se estabelece, o sistema encontra-se no regime transitório.
A solução particular é denitivamente uma solução da equação diferencial
para o oscilador forçado,
ẍp + γ ẋp + ω02 xp = F0 cos(ωt). (25)
Mas não é a solução mais geral. Designemos por xh (t) a solução do oscilador
não forçado analisado na Sec. 3.2,
ẍh + γ ẋh + ω02 xh = 0. (26)
Somando as duas equações anteriores obtemos
ẍp + ẍh + γ ẋp + γ ẋh + ω02 xp + ω02 xh = F0 cos(ωt)
⇔ (xp +¨ xh ) + γ (xp +˙ xh ) + ω 2 (xp + xh ) = F0 cos(ωt)
0
⇔ ẍ + γ ẋ + ω02 x = F0 cos(ωt),

onde, no último passo, introduzimos x(t) = xh (t) + xp (t). Ou seja, se xp (t)


é solução da Eq. (25), então a soma x = xh + xp , em que xh é solução na
ausência de força externa, também é solução. Como xh contém duas constantes
por determinar, a soma x = xh + xp descreve todas as soluções possíveis pois
conseguimos ajustar a solução a todas as condições iniciais (por ajuste das
constantes em xh ).
Em matemática, a Eq. (26) é conhecida por equação diferencial de 2ª ordem
homogénea e a Eq. (25) por equação diferencial de 2ª ordem não homogénea.
A solução completa da equação não homogénea é dada pela soma da solução
da equação homogénea, xh (t), com uma solução particular da equação não
homogénea xp (t),
x(t) = xh (t) + A(ω) cos [ωt + δ(ω)] .

Como a solução homogénea acaba por se anular exponencialmente com o tempo


devido ao amortecimento, mais tarde ou mais cedo o regime estacionário acaba
por se estabelecer.

30
A título de exemplo, no caso do oscilador subamortecido, a solução geral do
movimento incluindo o regime transitório é
γ
x(t) = Be− 2 t cos(ω 0 t + α) + A(ω) cos [ωt + δ(ω)] ,

com ω 0 = ω02 − γ 2 /4 e com B e α a determinar pelas condições iniciais. No


p

caso
 de se vericar ω 0 ≈ ω , o regime transitório ocorre em forma de batimento.
Fim da 5ª aula. 

4.3 Potência absorvida no oscilador forçado


Vamos determinar a potência média absorvida pelo oscilador forçado. Ou seja,
o trabalho médio realizado pela força externa por unidade de tempo. O trabalho
correspondente ao deslocamento d~r é dW = F~ext ·d~r. A potência correspondente
será
dW
P = = F~ext · ~v .
dt
No presente caso temos
F~ext = F0 cos(ωt) ~ex e ~v = ẋ ~ex .

Considerando o regime estacionário,


ẋ = −A(ω)ω sin [ωt − δ(ω)] ,

vindo para a potência instantânea,


P (t) = −F0 cos(ωt)A(ω)ω sin [ωt − δ(ω)]
= −F0 cos(ωt)A(ω)ω [sin(ωt) cos δ − cos(ωt) sin δ]
= −F0 A(ω)ω cos(ωt) sin(ωt) cos δ − cos2 (ωt) sin δ .
 

Estamos apenas interessados na potência média. Seja T = 2π/ω o período da


força externa (o mesmo da oscilação no regime estacionário). Podemos denir
potência média como Z T
1
P̄ = P (t)dt.
T 0
Notando que
Z T Z T
1
cos(ωt) sin(ωt)dt = sin(2ωt)dt = 0
0 2 0
Z T Z T
1 + cos(2ωt) T
e cos2 (ωt)dt = dt = ,
0 0 2 2
vem
1
P̄ (ω) = F0 ωA(ω) sin δ(ω).
2

31
Usando a seguinte relação trigonométrica (válida para 0 < δ < π ),
s
tan2 δ
sin δ = ,
1 + tan2 δ
e a Eq. (23), obtém-se
1 γω
P̄ (ω) = F0 ωA(ω) p 2
2 (ω0 − ω 2 )2 + (γω)2
F02 ω 2 γ
= ,
2m (ω02 − ω 2 )2 + (γω)2
onde, na última equação, usámos a Eq. (22) para A(ω). A última expressão
pode ainda ser manipulada de forma a escrevermos
F02 γ
P̄ (ω) = 2 .
2m

ω0 ω
ω02 ω − ω0 + γ2

Analisemos a expressão obtida. Quer para ω → 0 quer quando ω → ∞


temos P̄ (ω) → 0 pois o denominador da expressão diverge; no primeiro caso,
o termo ω0 /ω domina no denominador e no segundo é o termo ω/ω0 que
faz o denominador aumentar. O anulamento da potência média faz sentido
sicamente pois em ambos os limites ẋ → 0 (a velocidade anula-se). O denominador
apresenta ainda um mínimo quando
 2
ω0 ω
ω02 − = 0 ⇒ ω = ω0 .
ω ω0
Ou seja, a potência absorvida pelo oscilador é máxima à frequência natural
do sistema, ω0 . De
q facto, enquanto a amplitude da posição A(ω) é máxima à
frequência ωm = ω02 − γ2 , como vimos acima, a amplitude da velocidade ẋ é
2

máxima para ω = ω0 (verique).


Perto do máximo da potência, quando ω ∼ ω0 , podemos aproximar
ω0 ω ω2 − ω2 (ω0 + ω)(ω0 − ω) ω0 − ω
− = 0 = ≈2 .
ω ω0 ωω0 ωω0 ω0
Substituindo na expressão para a potência vem
F02 γ
P̄ (ω) = .
2m 4 (ω0 − ω)2 + γ 2
O gráco correspondente a esta curva está representado na gura em baixo. A
curva tem a forma de uma Lorentziana8 com as seguintes características:
8A função Lorentziana é denida como
1 γ/2
L(x) = .
π (x − x0 )2 + γ 2 /4
É uma função normalizada, L(x)dx = 1, com máximo em x0 e largura a meia altura
R +∞
−∞
dada por γ .

32
ˆ Máximo em ω0 dado por
F02
Pmax = P̄ (ω0 ) = .
2mγ

ˆ Largura de banda, denida como a largura a meia altura ∆ω , dada por


Pmax γ
⇒ 4(ω0 − ω)2 = γ 2 ⇒ ω = ω0 ± ⇒ ∆ω = γ.
2 2

5 Osciladores acoplados e modos normais


Até aqui os sistemas eram compostos por um único oscilador. Se tivermos um
sistema com mais do que um oscilador que se inuenciam mutuamente, ou seja,
o movimento de um afeta o outro, dizemos que temos um sistema de osciladores
acoplados. Será possível analisar o movimento deste sistema aparentemente
mais complexo?

5.1 Dois pêndulos acoplados


Vamos considerar o sistema representado na gura ao
lado. Dois pêndulos, A e B , de comprimento l e
massa m, estão acoplados por uma mola de constante
k . Para análise que aqui queremos fazer, será suciente
considerar apenas pequenos desvios relativamente à
posição de equilíbrio da cada pêndulo.

33
Há dois casos de simples, como representado na gura em baixo: os dois
pêndulos são desviados da mesma quantidade e no mesmo sentido relativamente
à posição de equilíbrio, xA = xB (à esquerda); os dois pêndulos são desviados da
mesma quantidade relativamente à posição de equilíbrio, mas no sentido oposto,
xA = −xB (à direita).

ˆ xA = xB
Neste caso a mola mantém o comprimento de equilíbrio, não exercendo
força. Cada pêndulo oscila livremente como pêndulo simples. A frequência
da oscilação é conhecida, r
g
ω− = .
l
O movimento segundo x é simplesmente
xA = xB = C− cos(ω− t + α− ).

A origem do índice inferior − cará clara de seguida.


ˆ xA = −xB
O diagrama de forças que atuam em B , representado ao
lado, permite escrever para a componente x:
mẍB = −T sin θ − 2kxB , (27)
onde se usou, para a força da mola, o facto da elongação ser
xB − xA = 2xB , sendo a força em B dada por

F~e = −2kxB ~ex .


Para a componente y , vem:
mÿ = T cos θ − mg.

Considerando oscilações muito pequenas, podemos assumir que a posição


em y praticamente não varia, pelo que ÿ ' 0. Usando ainda cos θ ' 1,

34
obtemos
T − mg ' 0 ⇒ T = mg.
Substituindo este resultado para T na Eq. (27), e levando em conta que
podemos escrever sin θ = xB /l, vem
 
xB g k
mẍ = −mg − 2kxB ⇔ ẍB + +2 xB = 0.
l l m

A equação obtida é a mesma que se obteria para uma oscilador harmónico


com frequência r
g k
ω+ = +2 ,
l m
sendo a solução o movimento harmónico simples:
xA = −xB = C+ cos(ω+ t + α+ ).

Os dois casos simples que analisámos são designados modos normais de


oscilação. Quando um sistema oscila num dos seus modos normais, todas as
partes oscilam com a mesma frequência mantendo uma relação de fase constante.
Para os dois pêndulos acoplados: o primeiro modo normal tem frequência
angular ω− e as massas oscilam em fase; o segundo modo normal tem frequência
ω+ (mais elevada, daí o índice inferior) e as massas oscilam em oposição de fase.
Veremos adiante que determinar os modos normais de oscilação é equivalente
a encontrar todos os movimentos possíveis do sistema: qualquer movimento dum
sistema de osciladores acoplados é dado por uma combinação linear de modos
normais. Para o sistema em estudo, podemos escolher a combinação linear
xA (t) = C− cos(ω− t + α− ) + C+ cos(ω+ t + α+ ) (28)
xB (t) = C− cos(ω− t + α− ) − C+ cos(ω+ t + α+ ), (29)
pois contém os dois modos normais que encontrámos: C+ = 0 corresponde
ao modo normal com frequência ω− e xA = xB ; C− = 0 corresponde ao
modo normal com frequência ω+ e xA = −xB . Como há quatro constantes
por determinar, C+ , C− , α+ e α− , podemos ajustar a qualquer conjunto de
condições iniciais, xA (0), xB (0), ẋA (0) e ẋB (0).
Consideremos o caso particular com condições iniciais
(
xA (0) = C ẋA (0) = 0
.
xB (0) = 0 ẋB (0) = 0

As velocidades são dadas por


ẋA (t) = C− ω− sin(ω− t + α− ) + C+ ω+ sin(ω+ t + α+ )
ẋB (t) = C− ω− sin(ω− t + α− ) − C+ ω+ sin(ω+ t + α+ ).

35
Do anulamento das velocidades em t = 0 resulta α+ = α− = 0. Substituindo
nas posições e usando a condição inicial, obtém-se
( (
C
C = C− + C+ C− = 2
⇒ C
0 = C− − C+ C+ = 2 .

O movimento dos pêndulos é então dado por


C
xA (t) = [cos(ω− t) + cos(ω+ t)]
2
C
xB (t) = [cos(ω− t) − cos(ω+ t)] ,
2
ou seja, tem a forma de um batimento para cada pêndulo,
   
ω+ − ω− ω+ + ω−
xA (t) = C cos t cos t
2 2
   
ω+ − ω− ω+ + ω−
xB (t) = C sin t sin t .
2 2

Este tipo de movimento é facilmente vericado experimentalmente. Na página


da disciplina podem visualizar um vídeo (a disponibilizar no início da aula
teórica)
 que mostra o efeito.
Fim da 6ª aula. 

5.2 Modos normais: abordagem analítica no caso geral


Método geral para determinar os modos normais dum sistema de osciladores
acoplados (aplicado, como exemplo, aos dois pêndulos acoplados da secção
anterior):
1. Pequeno desvio relativamente à posição de equilíbrio (no mesmo sentido).
Para os pêndulos,
xA > 0, xB > 0.

2. Aplicar 2ª lei de Newton a cada oscilador. Para os pêndulos, evocando as


aproximações que já usámos acima, vem 9
xA
mẍA = −k(xA − xB ) − mg
l
xB
mẍB = k(xA − xB ) − mg .
l
9A força exercida pela mola na massa A seria Fe = −kxA se a extremidade da mola em B
estivesse xa. Como não está, temos de descontar na variação da posição da extremidade da
mola em A o deslocamento da extremidade em B : Fe(A) = −k(xA − xB ). Já na extremidade
em B a força é o par ação-reação desta, ou seja, Fe(B) = k(xA − xB ).

36
3. Procurar soluções do tipo modo normal,
xA = C cos(ωt)
xB = C 0 cos(ωt).

Substituindo para os pêndulos vem:

Método 1 (útil para 2 osciladores),


( (
ẍA + (ωe2 + ω02 )xA − ωe2 xB = 0 −ω 2 C + (ωe2 + ω02 )C − ωe2 C 0 = 0

ẍB + (ωe2 + ω02 )xB − ωe2 xA = 0 −ω 2 C 0 + (ωe2 + ω02 )C 0 − ωe2 C = 0 .

Resolvendo para a razão C/C 0 , obtém-se


C ωe2 C −ω 2 + ωe2 + ω02
= e = .
C 0 −ω + ωe2 + ω02
2 C 0 ωe2

Eliminando C/C 0 camos com uma equação que permite determinar as


frequências dos modos normais,
ωe2 −ω 2 + ωe2 + ω02
2 =
−ω 2 2
+ ωe + ω0 ωe2
2
⇔ ωe4 = −ω 2 + ωe2 + ω02 ⇒ ±ωe2 = −ω 2 + ωe2 + ω02 ,
obtendo-se da última equação,
ω− = ω0
q
ω+ = ω02 + 2ωe2 .

Substituindo numa das equações acima para C/C 0 , vem


   
C C
=1; = −1.
C0 − C0 +

Como C/C 0 > 0 no modo ω− , os osciladores estão em fase. No modo ω+ ,


temos C/C 0 < 0 e os osciladores encontram-se em oposição de fase.

Método 2 (matricial, útil para qualquer número de osciladores),


( (
ẍA + (ωe2 + ω02 )xA − ωe2 xB = 0 −ω 2 C + (ωe2 + ω02 )C − ωe2 C 0 = 0

ẍB + (ωe2 + ω02 )xB − ωe2 xA = 0 −ω 2 C 0 + (ωe2 + ω02 )C 0 − ωe2 C = 0 ,

(ωe2 + ω02 ) −ωe2


    
C 2 C
=⇒ =ω .
−ωe2
(ωe + ω02 )
2
C0 C0

37
 
C
Basta agora determinar os valores próprios ω 2 e os vetores próprios
C0
da matriz
(ωe2 + ω02 ) −ωe2
 
M= 2 .
−ωe (ωe + ω02 )
2

Os valores próprios obtém-se anulando o determinante da matriz dos coecientes,


(ωe2 + ω02 ) − ω 2 −ωe2
  
C
=0
−ωe2 (ωe2 + ω02 ) − ω 2 C0

(ωe2 + ω02 ) − ω 2 −ωe2
=⇒ 2 2 2 2 = 0,

−ωe (ωe + ω0 ) − ω
obtendo-se a mesma equação, e portanto, as mesmas soluções que se obtiveram
pelo outro método,
ωe2 −ω 2 + ωe2 + ω02
q
2 2 2 = ⇒ ω− = ω0 , ω+ = ω02 + 2ωe2 .
−ω + ωe + ω0 ωe2

Igualmente, para os vetores próprios vem


   
C C
=1; = −1.
C0 − C0 +

Note-se que o resultado CC0 = ±1 é válido para qualquer sistema com dois


osciladores idênticos. Por simetria, as duas amplitudes de oscilação têm de ser


iguais, podendo o sinal ser positivo ou negativo conforme a oscilação é em fase
ou oposição de fase, respetivamente.
Finalmente, encontrámos duas soluções para o movimento do sistema correspondentes
aos modos normais de oscilação,
xA (t) =C± cos(ω± t + α± )
0
xB (t) =C± cos(ω± t + α± ).

Como o sistema de equações é linear, qualquer combinação linear destas soluções


é uma solução desde que a razão C/C 0 seja a que encontrámos nos modos
normais,
xA (t) = C− cos(ω− t + α− ) + C+ cos(ω+ t + α+ )
0 0
xB (t) = C− cos(ω− t + α− ) + C+ cos(ω+ t + α+ ).

Como esta solução contém quatro constantes por determinar, sendo elas C− ,
C+ , α− e α+ ,10 conseguimos ajustar a qualquer condição inicial. Ou seja,
descrevemos todos os movimentos possíveis.
 Para o caso do sistema constituído
pelos dois pêndulos acoplados, onde CC0 ± = ±1, obtém-se a solução geral que
já escrevemos em cima, Eqs. (28) e (29). Essa solução é válida para qualquer
10 Estando a razão C± /C 0± xa, basta determinar C± para sabermos C±
0 .

38
sistema
 com dois osciladores idênticos.
Fim da 7ª aula. 

Coordenadas normais
A importância dos modos normais torna-se ainda mais evidente se introduzirmos
o conceito de coordenada normal. As coordenadas normais são combinações
lineares das coordenadas originais com a seguinte característica: quando escritas
em termos das coordenadas normais, as equações de movimento do sistema
transformam-se nas equações dum sistema de osciladores não acoplados com
frequências naturais idênticas às dos modos normais. Vejamos o que signica
isto no caso concreto do sistema de dois pêndulos que temos vindo a usar.
As equações de movimento, já derivadas acima, são
(
ẍA + (ωe2 + ω02 )xA − ωe2 xB = 0 (∗)
ẍB + (ωe2 + ω02 )xB − ωe2 xA = 0 . (∗∗)

Somando o subtraindo as duas equações, vem


(∗) + (∗∗) → (xA ¨+ xB ) + (ωe2 + ω02 )(xA + xB ) − ωe2 (xA + xB ) = 0
→ (xA ¨+ xB ) + ω 2 (xA + xB ) = 0
0

e
(∗) − (∗∗) → (xA ¨− xB ) + (ωe2 + ω02 )(xA − xB ) − ωe2 (−xA + xB ) = 0
→ (xA ¨− xB ) + (2ω 2 + ω 2 )(xA − xB ) = 0 .
e 0

Ou seja, denindo
q 1 = xA + xB e q 2 = xA − xB , (30)
obtém-se ( (
q̈1 + ω02 q1 = 0 2
q̈1 + ω− q1 = 0

q¨2 + (2ωe2 + ω02 )q2 = 0 2
q¨2 + ω+ q2 = 0 .
A solução para q1 e q2 é conhecida:
q1 (t) = A− cos(ω− t + α− ) q2 (t) = A+ cos(ω+ t + α+ ).

Usando a Eq. (30), podemos escrever a solução em termos de xA e xB ,


1 1
xA = (q1 + q2 ) xB = (q1 − q2 ),
2 2
que se resume exatamente às Eqs. (28) e (29) se identicarmos A− = 2C− e
A+ = 2C+ .
Há sempre uma combinação linear das coordenadas originais que torna o
sistema equivalente a uma coleção de osciladores não acoplados, sendo as frequências
naturais idênticas às dos modos normais. Os coecientes da combinação linear

39
que dene a coordenada normal dependem dos coecientes C e C 0 dos modos
normais. Em geral, podemos sempre escrever
(
xA = C− q1 + C+ q2
0 0
(31)
xB = C − q1 + C+ q2 ,

onde a única restrição é que CC0 ± seja exatamente a razão das amplitudes


de oscilação em modo normal (para os pêndulos acoplados esta razão é ±1).


Podemos assim determinar q1 e q2 em função de xA e xB resolvendo o sistema
de equações em cima, Eq. (31). Uma escolha possível para coordenadas normais
é  0  0
C C
q̃1 = xA − xB q̃2 = xA − xB . (32)
C + C −

As coordenadas q̃1 e q̃2 relacionam-se com q1 e q2 por uma constante multiplicativa.


A prova de que podemos sempre escrever o sistema de equações (31) pode ser
feita usando o método matricial e é apresentada no Apêndice A, onde encontra
também uma derivação do resultado acima para q̃1 e q̃2 em termos de xA e xB ,
Eq. (32).

Osciladores acoplados e ressonância


As coordenadas normais são também úteis para entender o fenómeno de ressonância
em sistemas de vários osciladores acoplados. Considere-se o sistema composto
por duas massas iguais ligadas por molas de constante k, representado na gura
em baixo.

Considerando que o ponto C no extremo esquerdo está xo, as equações de


movimento do sistema são
( (
mẍA = −kxA − k(xA − xB ) ẍA + 2ω02 xA − ω02 xB = 0
⇔ (33)
mẍB = k(xA − xB ) − kxB ẍB + 2ω02 xB − ω02 xA = 0 ,

onde ω02 = k/m. Poderá vericar que as duas frequências


√ correspondentes aos
modos normais de oscilação são ω− = ω0 e ω+ = 3ω0 , com razões entre
amplitudes (C/C 0 )∓ = ±1 (como esperado por os osciladores serem idênticos).
As coordenadas normais serão neste caso análogas ao sistema dos dois pêndulos
acoplados que estudámos antes:
q1 = xA + xB e q2 = xA − xB .
De facto, somando e subtraindo as duas equações de movimento encontradas,

40
obtém-se
( ( (
q̈1 + 2ω02 q1 − ω02 q1 = 0 q̈1 + ω02 q1 = 0 2
q̈1 + ω− q1 = 0
⇔ ⇔
q̈2 + 2ω02 q2 − ω02 (−q2 ) = 0 q̈2 + 3ω02 q2 = 0 2
q̈2 + ω+ q2 = 0 .

Vamos agora impor que o ponto C oscile de forma sinusoidal sendo a variação
da sua posição dada por
XC = X0 cos(ωt).
As equações de movimento sofrem a seguinte alteração,
( (
mẍA = −k(xA −XC ) − k(xA − xB ) ẍA + 2ω02 xA − ω02 xB = ω02 X0 cos(ωt)

mẍB = k(xA − xB ) − kxB ẍB + 2ω02 xB − ω02 xA = 0 .

Comparando as equações obtidas com o sistema na Eq. (33), vemos que o efeito
de oscilar sinusoidalmente o extremo C é análogo ao da aplicação de uma força
externa na massa A, sendo portanto uma forma equivalente de forçar o sistema
de osciladores. Passando para coordenadas normais, somando e subtraindo as
equações, vem (
2
q̈1 + ω− q1 = ω02 X0 cos(ωt)
2
q̈2 + ω+ q2 = ω02 X0 cos(ωt) .
Ou seja, em termos das coordenadas normais o sistema comporta-se como dois
osciladores forçados desacoplados. Sendo a frequência natural destes osciladores
efetivos ω− e ω+ , e uma vez que não há amortecimento, os sistema entra em
ressonância exatamente à frequência dos modos normais de oscilação.
Não é difícil generalizar esta análise para o caso de dois osciladores não
equivalentes acoplados. Bastaria usar as coordenadas normais da Eq. (32).
A conclusão seria idêntica: o sistema entra em ressonância à frequência dos
modos normais. Em boa verdade, qualquer sistema de osciladores acoplados,
independentemente do número de osciladores e da sua dimensionalidade, entra
em ressonância à frequência dos modos normais na ausência de amortecimento.

Contagem de modos normais


O sistema de duas massas ligadas por três molas com extremos xos, representado
na gura em cima, possui dois graus de liberdade, xA e xB . Este sistema tem
dois modos normais de oscilação. Se tivermos três massas dispostas segundo
o eixo dos xx ligadas por molas de extremos xos, e se apenas for permitido
que oscilem segundo x (osciladores unidimensionais), então temos três graus de
liberdade e portanto três modos normais de oscilação. Num sistema de duas
massas ligadas por molas que possam oscilar em x e y , como representado na
gura em baixo,

41
há quatro graus de liberdade: xA , xB , yA e yB . O número de modos normais é
também quatro.
Em geral, o número de modos normais é igual ao número de graus
de liberdade do sistema.
Devemos aqui deixar a seguinte nota. Se o sistema estiver isolado, ou seja,
quando não há molas com extremos xos, nem todos os modos normais serão
de vibração. Neste caso temos de levar em conta que o sistema também se
pode mover como um corpo rígido: movimento esse que pode ser decomposto
em translações do centro de massa mais rotações em torno deste. Tomemos
como exemplo uma molécula diatómica. A ligação entre os dois átomos, para
pequenos desvios relativamente à posição de equilíbrio, pode ser substituída por
uma mola.11 Quantos modos normais de vibração há? O número de graus
de liberdade é seis: três para cada átomo no espaço tridimensional. Como
a molécula está isolada, o centro de massa pode mover-se uniformemente em
qualquer direção do espaço tridimensional, como um corpo rígido, contabilizando
três modos independente de movimento. A molécula pode ainda rodar em torno
do centro de massa como um corpo rígido. Há três eixos ortogonais que passam
pelo centro de massa, mas um deles coincide com o eixo da molécula diatómica.
Como estamos a considerar átomos pontuais, toda a massa ocorre em cima do
eixo da molécula pelo que não há movimento de rotação em torno deste. Temos
então dois modos independentes de rotação. Como temos apenas seis graus
de liberdade e já identicamos cinco modos de movimento, sobre apenas um
possível modo de vibração.
Para um sistema isolado contendo M osciladores, cada um com n
graus de liberdade em D dimensões, o número de modos normais é
n × M . Destes, D são de translação do centro de massa e outros
11 Usando uma aproximação clássica, a energia potencial V (x) do sistema deve apresentar
um mínimo em função da distância x entre os dois átomos na molécula. Para pequenos desvios
em torno da distância de equilíbrio xeq podemos expandir em séria de Taylor,
1
V (x) ' Veq + k(x − xeq )2 + . . .
2
com Veq = V (xeq ) e constante k = d2 V /dx2 avaliada em xeq . O termo de primeira ordem na
expansão em série de Taylor é nulo por estarmos a expandir em torno do equilíbrio (a força é
nula no equilíbrio). A menos de uma constante, temos a energia potencial de uma mola. Esta
aproximação é conhecida por aproximação harmónica.

42
D de rotação. O número de modos de vibração é nM − 2D. Para
sistemas em que toda massa se dispõe ao longo dum eixo, o número
de modos de rotação é D − 1, pelo que o de vibração é nM − 2D + 1.

Fim da 8ª aula. 

5.3 Muitos osciladores idênticos acoplados


Sabendo determinar os modos normais de oscilação dum sistema de dois osciladores
acoplados sabemos determinar os dum sistema com N osciladores. Usando
o método matricial, o problema resume-se encontrar os valores próprios e os
vetores próprios de uma matriz N × N . Vimos, no nal da última secção,
que podemos estudar os modos de vibração das moléculas como se os átomos
estivessem ligados por molas. O mesmo princípio pode ser aplicado aos sólidos
para estudar os seus modos de vibração. O problema é que nos sólidos temos
N ∼ 1023 átomos. Nem no melhor computador do mundo conseguimos diagonalizar
tal matriz. No caso de osciladores idênticos, há uma saída que vamos agora
estudar.
Consideremos o sistema de N massas idênticas ligadas por os como mostra
a gura em baixo.12 Admitimos que os os estão tensos e que as massas se
movem na direção transversal. A tensão do o é T e cada massa vale m. Em
equilíbrio o sistema adota uma conguração retilínea em que as massas estão
igualmente espaçadas de l, sendo a posição transversal yp = 0, com p = 1, . . . , N .
Os extremos do sistema estão xos, com y0 = yN +1 = 0 em qualquer situação.

Vamos assumir pequenos desvios relativamente à posição de equilíbrio. Pelo


menos sucientemente pequenos para podermos desprezar variações da tensão
à medida que as massas se movem na direção transversal. Ou seja, vamos
considerar y  l e T ≈ const. Para a massa que ocupa a posição p, e de
acordo com o esquema da gura em baixo, a componente dos yy da equação de
movimento é
mÿp = −T sin αp−1 + T sin αp .
12 Conclusões idênticas se extraem dum conjunto de N massas ligadas por molas, mas
deixamos como exercício na série de problemas.

43
Atendendo aos triângulos retângulos identicados na gura, podemos escrever
sin αp−1 e sin αp como
yp − yp−1 yp+1 − yp
sin αp−1 ' e sin αp ' .
l l
Substituindo na equação de movimento, passando todos os termos para o lado
direito e dividindo por m, vem
ÿp + 2ω02 yp − ω02 (yp+1 + yp−1 ) = 0, (34)
onde ω02 ≡ lm
T
. Esta equação de movimento para p é, de facto, válida para todas
as massas p = 1, . . . , N , desde que sejam impostas as condições
y0 = 0 e yN +1 = 0.

Estas condições são designadas condições de fronteira. Procuremos os modos


normais deste sistema de N osciladores (idênticos) acoplados.

Modos normais
Queremos encontrar soluções que correspondem a movimento do tipo modo
normal, ou seja,
yp = Cp cos(ωt).
Substituindo na Eq. (34), obtém-se
−ω 2 Cp + 2ω02 Cp − ω02 (Cp+1 + Cp−1 ) = 0,

com as condições de fronteira C0 = CN +1 = 0. Vamos resolver o sistema de


equações no plano complexo fazendo Cp = Re[Cp ]:
Cp+1 + Cp−1 −ω 2 + 2ω02
−ω 2 Cp + 2ω02 Cp − ω02 (Cp+1 + Cp−1 ) = 0 ⇔ = . (35)
Cp ω02

Na última equação, o lado direito não depende de p. O lado esquerdo também


não pode depender. Vamos tentar a solução
Cp = Aeipθ .

44
Note-se que com esta dependência em p vem
Cp+1 + Cp−1 = Aei(p+1)θ + Aei(p−1)θ = Aeipθ (eiθ + e−iθ ) = 2Ae ipθ
| {z } cos θ,
Cp

ou seja,
Cp+1 + Cp−1
= 2 cos θ, (36)
Cp
que é já independente de p. Resta apenas determinar o que é que pode ser θ.
A solução deve respeitar as condições de fronteira:
ˆ C0 = Re[C0 ] = Re[Aei0×θ ] = Re[A] = 0;

ˆ CN +1 = Re[CN +1 ] = Re[Aei(N +1)θ ] = 0.

Da última equação obtemos


Re[A]Re[ei(N +1)θ ] − Im[A]Im[ei(N +1)θ ] = 0
| {z }
=0
Im[A] sin[(N + 1)θ] = 0,
onde usámos também o resultado da primeira condição de fronteira, Re[A] = 0.
Uma vez que A não pode ser zero porque nesse caso não haveria movimento,
vem nalmente

sin[(N + 1)θ] = 0 ⇒ (N + 1)θ = nπ ⇔ θ = , n ∈ Z.
N +1
A solução nal para um certo valor de n, ou seja, para o n-ésimo modo
normal, é então
Cp,n = Re[Cp,n ] = Re[An ]Re[eip N +1 ] − Im[An ]Im[eip N +1 ]
nπ nπ

| {z }
=0
 

= −Im[An ] sin p .
N +1

Designando −Im[An ] ≡ An podemos escrever para yp,n ,


 

yp,n (t) = An sin p cos(ωn t). (37)
N +1

Esta é a solução de movimento para a massa p quando o sistema oscila no n-


ésimo modo normal. A menos de uma constante global An para cada modo
normal, as amplitudes variam de forma sinusoidal com a posição (etiqueta p)
dos osciladores. As frequências normais, ωn , obtém-se combinando as Eqs. (35)

45
e (36), ou seja,
−ω 2 + 2ω02 −ωn2 + 2ω02
 

= 2 cos θ ⇒ = 2 cos , n∈Z
ω02 ω02 N +1
  

⇔ ωn2 = 2ω02 1 − cos , n∈Z
N +1
 

⇔ ωn2 = 4ω02 sin2 , n ∈ Z.
2(N + 1)

As frequências normais são então dadas por




ωn = 2ω0 sin , n ∈ Z. (38)
2(N + 1)

Número de modos normais


Sabemos já a resposta à questão: Quantos modos normais tem o sistema?
Estamos apenas a considerar um grau de liberdade para cada massa  movimento
na direção transversal  por isso, para N massas, teremos N modos normais.
Acontece porém que a solução encontrada depende de uma etiqueta n que pode
tomar todos valores inteiros positivos ou negativos, n ∈ Z. Haverá innitos
modos normais?
Esta aparente contradição é facilmente resolvida se notarmos que há apenas
N soluções sicamente distintas, sendo todas as outras repetições destas N .
Vejamos:
 
0×π
n=0 yp,0 = A0 sin p cos(ω0 t) = 0,
N +1
| {z }
=0
Não há movimento. Mesma solução para n = ±(N + 1), ±2(N +
1), ±3(N + 1), . . .
 
n=1 yp,1 = A1 sin Nπ+1 p cos(ω1 t),
Há movimento oscilatório. Mesma solução para n = 1 ± (N + 1), 1 ±
2(N + 1), 1 ± 3(N + 1), . . . A diferença entre cada um destes casos
é, no máximo, um sinal.13
 
n=2 yp,2 = A2 sin 2π
N +1 p cos(ω2 t),
Há movimento oscilatório. Mesma solução para n = 2 ± (N + 1), 2 ±
2(N + 1), 2 ± 3(N + 1), . . . A diferença entre cada um destes casos
é, no máximo, um sinal.
13 Por exemplo, para n = 1 + N + 1 vem
     
(1 + N + 1)π π π
sin p = sin p + πp = ± sin p
N +1 N +1 N +1
dependendo se p é par ou ímpar. O sinal pode ser absorvido na constante An a determinar
pelas condições iniciais. Portanto, temos a mesma solução física.

46
 
n=3 yp,3 = A3 sin cos(ω3 t),

N +1 p
Há movimento oscilatório. Mesma solução para n = 3 ± (N + 1), 3 ±
2(N + 1), 3 ± 3(N + 1), . . . A diferença entre cada um destes casos
é, no máximo, um sinal.
...
 
n=N yp,N = AN sin Nπ
N +1 p cos(ωN t),
Há movimento oscilatório. Mesma solução para n = N ±(N +1), N ±
2(N + 1), N ± 3(N + 1), . . . A diferença entre cada um destes casos
é, no máximo, um sinal.
Assim se demonstra que as soluções correspondentes a movimentos das massas
sicamente distintos correspondem a n = 1, 2, 3, . . . , N , sendo todos os outros
casos repetições destes. Como pictoricamente se pretende ilustrar com a gura
em baixo, todos os possíveis valores de n foram especicados em cima.

Uma ilustração dos dois primeiros modos normais para N = 7 encontra-se


nas imagens seguintes.
 
ˆ n=1 yp,1 = A1 sin π
N +1 p cos(ω1 t)

 
ˆ n=2 yp,2 = A2 sin 2π
N +1 p cos(ω2 t)


Fim da 9ª aula. 

47
Part II
Ondas
6 Modos normais de sistemas contínuos
6.1 N osciladores acoplados 1D no limite N → ∞
Consideremos novamente o sistema representado na gura em baixo. Todos os
osciladores são equivalentes: têm massa m e distam entre si de uma distância l.

Vamos tomar o limite N → ∞ mas mantendo xos o comprimento do sistema,


L, e sua massa total, M :

L = (N + 1)l e M = N m.

Tal só é possível fazendo o comprimento dos segmentos e cada uma das massas
tenderem para zero, l → 0 e m → 0. Passamos a ter um sistema que apresenta
um contínuo de massa no comprimento L, caracterizado pela densidade de massa
µ,
M N m m
µ= = → .
L (N + 1) l l
As frequências normais deste sistema podem ser obtidas da Eq. (38) que
aqui se reproduz,
 

ωn = 2ω0 sin , n ∈ {1, 2, . . . , N },
2(N + 1)

desde que tomemos os limites N → ∞, l → 0 e m → 0. Usando o facto que o


argumento do seno tende para zero no limite N → ∞, está justicado usar a
aproximação sin θ ≈ θ, obtendo-se
r
nπ T nπ
ωn ≈ 2ω0 =2
2(N + 1) lm 2(N + 1)
s
T nπ
=2 2 m
l l 2(N + 1)
s
T nπ
=2 ,
µ 2l(N + 1)

48
onde se usou a denição de ω0 e de densidade de massa µ. Como l(N + 1) = L,
obtém-se da expressão acima, tomando os limites N → ∞, l → 0 e m → 0, as
frequências normais,
s
π T
ωn = n = nω1 , n ∈ {1, 2, . . . , ∞}. (39)
L µ

As soluções de movimento do tipo modo normal obtêm-se da Eq. (37) tomando,


uma vez mais, os limites apropriados,
 
nπ  nπ 
yp,n (t) = An sin p cos(ωn t) → yn (x, t) = An sin x cos(ωn t).
N +1 L
(40)
Na expressão anterior deniu a posição x ≡ pl, p ∈ {0, 1, 2, . . . , N + 1}, que não
é mais do que a coordenada x no limite N → ∞ e l → 0.

6.2 Análise de Fourier


Qualquer movimento do nosso sistema contínuo pode ainda ser dado pela sobreposição
dos respetivos modos normais:

X
y(x, t) = An sin (kn x) cos(ωn t + αn ),
n=1

onde se deniu kn = nπ/L. As constantes An e αn têm de ser xadas através


das condições iniciais.
Num certo instante, por exemplo em t = 0, a expressão para y(x, 0) ca

π
(41)
X
y(x, 0) = Bn sin (kn x) , kn = n ,
n=1
L

onde denimos a constante Bn = An cos(αn ). Num certo ponto do nosso sistema


contínuo, por exemplo em x = x0 , a expressão para y(x0 , t) ca

X
y(x0 , t) = An sin (kn x0 ) cos(ωn t + αn )
n=1
X∞
= An sin (kn x0 ) [cos(ωn t) cos αn − sin(ωn t) sin αn ]
n=1


(42)
X
= [Cn cos(ωn t) + Dn sin(ωn t)] , ωn = n ,
n=1
T

onde denimos as constantes Cn = An sin (kn x0 ) cos αn e Dn = −An sin (kn x0 ) sin αn ,
e introduzimos o período T associado ao modo de mais baixa frequência (frequência
fundamental), ω1 = 2π/T .

49
As Eqs. (41) e (42) são representações do Teorema de Fourier.

Teorema de Fourier
Em 1807 e matemático Francês J. B. Fourier (1758-1830) anunciou o seguinte
Teorema: Qualquer função bem comportada 14 num intervalo pode ser representada
por uma série de Fourier (soma de senos e cossenos) nesse intervalo.

Seja f (x) a função que queremos descrever no intervalo de comprimento L.


De acordo com o teorema temos


(43)
X
f (x) = a0 + [an cos(kn x) + bn sin(kn x)] , kn = n .
n=1
L

É óbvio que a função está denida em x ∈ [−∞, +∞], sendo uma função
periódica de período L,
f (x + L) = f (x).
A série de Fourier para f (x) contempla os casos das Eqs. (41) e (42) que
obtivemos anteriormente. Em particular, a Eq. (42) é recuperada da série de
Fourier fazendo x → t, L → T e a0 = 0. O valor da constante a0 = 0 signica
que a função oscila tem torno de zero. Quanto à Eq. (41), devemos primeiro
notar que
π 2π 2π
=n
kn = n =n .
L 2L L
Ou seja, o período da função é 2L. Como no nosso sistema a função y(x) está
denido apenas em x ∈ [0, L], coloca-se a questão de saber o que devemos usar
para x ∈ [−L, 0]. Depois basta repetir a função de 2L em 2L para termos uma
função com período L = 2L. Para que a nossa Eq. (41) seja dada pela série de
Fourier devemos usar
(
y(x) 0≤x<L
f (x) = ,
−y(−x) −L ≤ x < 0

como esquematicamente se representa na gura em baixo.

Como a função é ímpar no período 2L, os coecientes an da série de Fourier são


14 As condições que a função tem de satisfazer são as condições de Dirichlet. Pesquisem
sobre elas e veriquem que são vericadas por uma grande parte de sistemas físicos.

50
nulos (a função cosseno é uma função par).

Expressão equivalente para a série de Fourier


Usando as relações
eiθ + e−iθ eiθ − e−iθ
cos θ = e sin θ = ,
2 2i
é fácil mostrar que a série de Fourier na Eq. (43) se pode escrever como

X ∞
X
f (x) = c0 + cn eikn x + c−n e−ikn x ,
n=1 n=1

onde
an − ibn an + ibn
c0 = a 0 , cn = , c−n = .
2 2
Fazendo −kn = k−n ,podemos escrever a série numa forma mais compacta,
+∞
X
f (x) = cn eikn x .
n=−∞

Determinar os coecientes da série de Fourier


Os coecientes da série de Fourier podem ser determinados a partir da função
f (x). Vejamos, a série tem três tipos de termos: constate, em cosseno e em seno,

X ∞
X
f (x) = a0 + an cos(kn x) + bn sin(kn x).
|{z}
n=1 n=1
(1) | {z } | {z }
(2) (3)

Integrado no período L, vem


Z L Z L Z L Z L
f (x)dx = (1)dx + (2)dx + (3)dx = a0 L.
0 0
|0 {z } | 0 {z }
=0 =0

Logo, Z L
1
a0 = f (x)dx ≡ f¯,
L 0

percebendo-se que a0 não é mais do que o valor médio da função.15


15 Em certa bibliograa o primeiro termo da série é denido como a0
em vez de a0 , sendo
2
o coeciente dado por Z L
2
a0 = f (x)dx.
L 0

51
Para determinar an e bn podemos usar a seguinte propriedade das funções
sinusoidais,
Z L
cos(kn x) sin(km x)dx = 0
0
Z L
L
cos(kn x) cos(km x)dx = δm,n
0 2
L
L
Z
sin(kn x) sin(km x)dx = δm,n .
0 2

As funções que obedecem a esta propriedade dizem-se funções ortogonais. Os


coecientes são então dados por
Z L Z L
2 2
an = f (x) cos(kn x)dx e bn = f (x) sin(kn x)dx.
L 0 L 0

Se usarmos a expressão equivalente para a série de Fourier,


+∞
X
f (x) = cn eikn x ,
n=−∞

os coecientes cn são dados por


Z L Z L/2
1 1
cn = f (x)e−ikn x dx = f (x)e−ikn x dx,
L 0 L −L/2

onde se usou a periodicidade da função, f (x) = f (x + L).

Transformada de Fourier
É possível generalizar a série de Fourier para funções não periódicas. De
facto, a função de período L, para a qual f (x) = f (x+L), deixa de ser periódica
no limite L → ∞.
Seja
Z L/2
c(kn ) = Lcn = f (x)e−ikn x dx.
−L/2

Podemos reescrever a série de Fourier para f (x) usando os coecientes c(kn ),


+∞
1 X
f (x) = c(kn )eikn x .
L n=−∞

Como kn = 2π/L, podemos denir



δkn = kn+1 − kn = .
L

52
A expressão para a série de Fourier de f (x) pode ser reescrita como
+∞
1 X
f (x) = c(kn )eikn x δkn .
2π n=−∞

No limite L → +∞, kn passa a variável contínua k, e


X Z
δkn −→ dk.
n

Ou seja, a função não periódica f (x) é dada pelo integral de Fourier,


Z +∞
1
f (x) = c(k)eikx dk,
2π −∞

e os coecientes são as componentes de Fourier,


Z +∞
c(k) = f (x)e−ikx dx.
−∞


Fim da 10ª aula. 

6.3 Corda vibrante


Consideremos uma corda de comprimento L, massa m e sujeita a uma tensão
T . Um segmento ∆x da corda está representado na gura em baixo.

Pretendemos estudar os possíveis movimentos oscilatórios da corda. A corda


é um contínuo de massa. Vamos precisar de uma equação de movimento para
cada elemento de massa ∆m que compõe a corda. Com base na gura em cima,
podemos escrever as equações de movimento para o elemento ∆m representado,
yy : ∆mÿ = T sin(θ + ∆θ) − T sin θ
xx : ∆mẍ = T cos(θ + ∆θ) − T cos θ.

53
Vamos considerar, como até agora, pequenas oscilações.16 O ponto de
equilíbrio estático da corda corresponde à sua conguração horizontal.17 Pequenos
desvios da corda relativamente ao equilíbrio correspondem por isso a θ  1.
Expandindo cos(θ + ∆θ) e sin(θ + ∆θ) nas equações de movimento vem, em
primeira ordem,
yy : ∆mÿ ' T (θ + ∆θ) − T θ
xx : ∆mẍ ' T − T = 0.

Ou seja, em primeira ordem o movimento ocorre apenas na vertical (ẍ ' 0) e é


dado pela equação de movimento
T
ÿ∆x = ∆θ, (44)
µ
onde usámos a denição de densidade linear de massa ∆m = µ∆x. As quantidades
∆x e ∆θ estão relacionadas. Vejamos como.
No ponto x o declive da reta tangente é simplesmente a derivada de y em
ordem a x. Note-se que y mede o desvio do ponto x da corda relativamente à
posição de equilíbrio num certo instante t, isto é, a função y depende de duas
variáveis y ≡ y(x, t). Portanto, a derivada em ordem a x com t xo é a derivada
parcial, obtendo-se
∂y
tan θ = .
∂x
Por outro lado, no ponto x + ∆x temos
∂y(x + ∆x, t)
tan(θ + ∆θ) = .
∂x
Expandindo em série de Taylor até primeira ordem, vem18
∂y ∂ 2 y
 
d ∂ ∂y
tan
 θ+ (tan θ) ∆θ ' y(x, t) + ∆x =  + ∆x,
dθ ∂x ∂x ∂x ∂x2

onde identicamos tan θ = ∂x .


∂y
Como
d 1
(tan θ) = ,
dθ cos2 θ
conclui-se então que
1 ∂2y
∆θ = ∆x.
cos2 θ ∂x2
16 Se queremos estudar movimento oscilatório, devemos sempre tentar perceber primeiro o
caso de pequenas oscilações.
17 Estamos a ignorar a força gravítica. Podemos fazê-lo no espaço interestelar ou se a tensão
T for muito maior do que mg , o que não é difícil em grade parte das cordas.
18 A expansão em série de Taylor para uma função f (x) em torno de x é, até primeira
0
ordem, dada por
df
f (x + ∆x) = f (x) + ∆x + . . .
dx

54
Para θ  1, que é o caso de interesse aqui, vem
∂2y
∆θ ' ∆x.
∂x2
Substituindo na Eq. (44), obtém-se
T ∂2y
ÿ∆x ' ∆x. (45)
µ ∂x2
O fator ∆x cancela na equação, pelo que podemos tomar o limite ∆x → 0 e
escrever a equação
∂2y T ∂2y
= .
∂t2 µ ∂x2
Podemos vericar facilmente que a razão T /µ tem dimensões de velocidade ao
quadrado. Por isso vamos denir
s
T
v≡ , (46)
µ

reservando para mais tarde o signicado físico desta velocidade. A equação de


movimento para a corda toma então a forma

∂2y 1 ∂2y
= . (47)

∂x2 v 2 ∂t2
Esta equação é designada por Equação de Onda e é um dos resultados mais
importantes desta unidade curricular. Esta versão unidimensional, bem como
a sua generalização para duas e três dimensões espaciais, têm uma importância
fundamental na descrição de variadíssimos fenómenos físicos: ondas que se
propagam nas cordas de uma guitarra, ondas na superfície de um lago quando
atiramos uma pedra, ondas sonoras, ondas eletromagnéticas, etc.

Modos normais da corda vibrante com extremos xos


Procuremos modos normais de oscilação da corda. Ou seja, vamos procurar
soluções do tipo modo normal para a equação de onda:
y(x, t) = f (x) cos(ωt). (48)
Para a segunda derivada espacial obtém-se
∂2y d2 f
2
= cos(ωt),
∂x dx2
enquanto para a segunda derivada temporal vem
∂2y
= −ω 2 f (x) cos(ωt).
∂t2

55
Substituindo na equação de onda, os fatores em cos(ωt) cancelam, obtendo-se
d2 f ω2 d2 f ω2
2
= − 2 f (x) ⇔ 2
+ 2 f (x) = 0. (49)
dx v dx v
A solução desta equação é já bem nossa conhecida,
ω  ω 
f (x) = A sin x + B cos x . (50)
v v
Tal como no caso de N osciladores acoplados analisado anteriormente, há
também aqui condições de fronteira que a solução deve satisfazer. Para a corda
com extremos xos na posição de equilíbrio y = 0, vem
y(x = 0, t) = y(x = L, t) = 0,

o que, pela Eq. (48), implica


f (0) = f (L) = 0.

Comparando com a Eq. (50), conclui-se da condição em x = 0,


ω 
f (0) = B = 0 ⇒ f (x) = A sin x ,
v
e da condição em x = L,
ω  ωn
f (L) = A sin L =0 ⇒ L = nπ.
v v
As frequências dos modos normais de oscilação da corda são então dadas por
s
v π T
ωn = n π = n , n = 1, 2, . . . ∞. (51)
L L µ

Compare-se este resultado com o da Eq. (39). É o mesmo. O contínuo de massa


que aí descrevemos não é mais do que a nossa corda.
As soluções para o movimento da corda em modo normal são dadas por
 nπ 
yn (x, t) = An sin x cos(ωn t). (52)
L
Compare-se este resultado com o da Eq. (40). É o mesmo.
As soluções de movimento da corda correspondentes a oscilações em modo
normal são conhecidas por harmónicos. O harmónico de frequência mais baixa
é designado por harmónico fundamental e tem frequência ω1 = πv/L. As
frequências dos restantes harmónicos são múltiplas deste, ωn = nω1 . Na gura
em baixo representam-se os primeiros dois harmónicos.

56
ˆ n=1 π

y1 (x, t) = A1 sin Lx cos(ω1 t)

ˆ n=2 2π

y2 (x, t) = A2 sin L x cos(ω2 t)

Além dos extremos, quando a corda oscila num certo modo normal podem
aparecer posições que não oscilam (ver caso n = 2 em cima). São designados
por nodos. Os pontos onde se observa oscilação máxima são antinodos.

Corda vibrante em oscilação forçada


Vamos admitir que atuamos no extremo x = 0 da corda fazendo-o oscilar
sinusoidalmente com frequência ωext , como representado na gura em baixo.

A condição de fronteira nesse extremo passa a ser


y(x = 0, t) = C cos(ωext t).
Para os restantes pontos da corda nada se alterou: a equação de movimento
continua a ser a equação de onda e a condição de fronteira em x = L é y(x =
L, t) = 0.
Procuremos soluções do tipo regime estacionário:
y(x, t) = f (x) cos(ωext t).
Substituindo na equação de onda, vem
d2 f  ω 2
ext d2 f  ωext 2
= − f (x) ⇔ + f (x) = 0.
dx2 v dx2 v
A solução é a do costume,
ω  ω 
ext ext
f (x) = A sin x + B cos x .
v v

57
Impondo as condições de fronteira,
f (0) = C ⇒ B = C
ω  ω 
ext ext
f (L) = 0 ⇒ A sin L + B cos L = 0.
v v
Substituindo B por C na segunda e resolvendo em ordem a A, obtém-se
cos ωext

v L
A = −C .
sin ωext
v L

A amplitude A diverge sempre que ωext é tal que


ω 
ext
sin L = 0.
v
Esta condição para ωext é a mesma que dene as frequências normais da corda.
Ou seja, a corda entra em ressonância sempre que
ωext = ωn = nω1 , n = 1, 2, . . . ∞.

Concluímos então que a corda apresenta uma ressonância para todas as suas
frequências
 normais.
Fim da 11 ª aula. 

6.4 Outros sistemas 1D


6.4.1 Barra metálica
Consideremos uma barra longa e na, como representado na gura em baixo.

Se batermos em ambos os extremos da barra simultaneamente excitamos modos


normais de oscilação da barra. A equação de movimento que descreve as
oscilações da barra, e que tem modos normais como possíveis soluções, é uma
equação de onda unidimensional análoga à Eq. (47). Derivemos essa equação.

Na gura em cima destacamos um segmento de comprimento ∆x da barra.

58
À esquerda o segmento está em repouso pois a barra está na conguração de
equilíbrio. À direita, representa-se o segmento no instante t quando a barra
se encontra em oscilação. O extremo esquerdo do segmento, originalmente na
posição x, está agora na posição x + ξ(x, t). Ou seja, a função ξ(x, t) mede de
quanto se moveu o ponto x da barra relativamente ao equilíbrio. O extremo
direito do segmento, inicialmente em x + ∆x, encontra-se agora na posição
x + ∆x + ξ(x + ∆x, t), com ξ(x + ∆x, t) = ξ(x, t) + ∆ξ .
A variação de comprimento do segmento, que inicialmente é ∆x, caracteriza
uma propriedade elástica do material. Todos os materiais apresentam alguma
elasticidade até atingiram pontos de deformação permanente ou mesmo de
rotura. No capítulo da Elasticidade, que iremos estudar na parte nal deste
curso, veremos que a relação entre a força e a deformação obedece à lei de
Hooke: transpondo para o nosso caso, podemos escrever
∂ξ(x, t) ∂ξ(x + ∆x, t) ∂ξ(x, t) ∂ 2 ξ(x, t)
F1 = aY , F2 = aY ' aY + aY ∆x,
∂x ∂x ∂x ∂x2
onde Y é um coeciente de elasticidade do material, conhecido por módulo de
Young, e a é a área da secção transversal da barra.
Podemos agora aplicar a 2ª lei de Newton. A aceleração é a segunda derivada
temporal do deslocamento do segmento. O deslocamento do segmento, no limite
em ∆x se torna tão pequeno quanto quisermos, é dado simplesmente por ξ(x, t),
sendo a aceleração ∂ 2 ξ/∂t2 . Aplicando a 2ª lei de Newton,
∂2ξ ∂2ξ
∆m 2
= F2 − F1 = aY ∆x.
∂t ∂x2
Introduzindo a densidade volúmica de massa ρ, vem ∆m = ρa∆x. Substituindo
na equação em cima, obtém-se
∂2ξ ρ ∂2ξ 1 ∂2ξ
2
= 2
= 2 2,
∂x Y ∂t v ∂t
concluindo a derivação a que nos propusemos. A única diferença entre a equação
de onda que descreve oscilações da barra ep
a que descreve oscilações na corda,
além da velocidade que na barra vale v = Y /ρ, é que na corda as oscilações
são transversais e na barra são longitudinais. Além disto, não há qualquer
diferença.
A procura de modos normais faz-se agora de forma totalmente análoga ao
caso da corda:
ˆ Impõe-se solução tipo modo normal, ξ(x, t) = f (x) cos(ωt);
ˆ Aplicam-se as condições de fronteira.
No caso da corda de extremos xos e que se estende entre x = 0 e x = L, as
condições de fronteira são
ξ(x = 0, t) = ξ(x = L, t) = 0.

59
Estas são condições ditas de extremo fechado. No caso da barra surge uma
condição de fronteira nova.
Consideremos que o ponto de suspensão da barra se encontra em x = 0. A
barra, de comprimento L, estende-se de x = −L/2 a x = L/2, como representado
na gura em baixo.

O movimento da barra é simétrico em torno de x = 0, assumindo que perturbámos


de forma simétrica os dois extremos da barra. Basta por isso que nos concentremos
numa das metades da barra, por exemplo x ∈ [0, L/2].
A condição de fronteira em x = 0 é análoga à da corda (extremo xo), uma
vez que esse ponto da barra não se move,
ξ(x = 0, t) = 0.
No extremo x = L/2 da barra (ou analogamente x = −L/2), não há constrangimentos
ao movimento do último segmento da barra. Se esse último segmento for
empurrado ou puxado pelo segmento anterior (força F1 na gura dos segmentos,
acima), nada impede que ele se mova uma vez que não há um segmento posterior
a puxar ou empurrar (força F2 na gura dos segmentos). Isto implica que o
segmento se move como um todo; não comprime nem dilata. Ou seja, ξ(L −
∆x, t) = ξ(L, t), vindo
L
− ξ L2 − ∆x, t
 
ξ 2,t ∂ξ
lim = = 0.
∆x→0 ∆x ∂x x= L
2

Esta condição de fronteira é designada por condição de fronteira de extremo


aberto. A determinação dos modos normais desta barra é um dos problemas
propostos na respetiva série.

6.4.2 Coluna de ar
As oscilações das moléculas de ar contidas numa coluna, como a representada
na gura em baixo,

obedece à mesma equação de onda. Se designarmos por ξ(x, t) o deslocamento

60
das moléculas relativamente à posição de equilíbrio x no instante t, a equação
de movimento é 2 2
∂ ξ 1 ∂ ξ
2
− 2 2 = 0,
∂x v ∂t
com v = B/p0 , sendo B o módulo de elasticidade (adiabático) do uido, neste
p

caso ar, e p0 a pressão média a que este se encontra.


A diferença entre a coluna de ar e a barra metálica, é que no caso do gás
podemos descrever as oscilações quer em termos do deslocamento das moléculas
ξ(x, t), quer em termos da variação local da pressão do gás relativamente ao
valor de equilíbrio, ∆p(x, t). A relação entre as duas quantidades é
∂ξ
∆p = −B .
∂x
Esta relação faz sentido sicamente. Nas regiões onde o gás expande, temos
∂ξ/∂x > 0 e espera-se uma pressão menor relativamente ao equilíbrio. Ou seja,
∆p < 0 como previsto pela relação acima. Nas regiões onde o gás comprime,
temos ∂ξ/∂x < 0 e espera-se um aumento da pressão relativamente ao equilíbrio.
Ou seja, ∆p > 0 como previsto pela relação acima. O tratamento das oscilações
dum gás, com a derivação das equações apresentadas em cima (aqui apenas
motivadas), pode ser encontrado no French ou no Moysés Nussenzveig. Escolham
o vosso preferido.
As condições de fronteira também podem ser de extremo fechado,
ξ(x0 , t) = 0,

ou aberto,
∂ξ
= 0.
∂x x=x0
Como serão as condições de fronteira em termos da quantidade ∆p? A resposta
será dada num dos problemas da série.

6.5 Equação de onda em 2D e 3D


É possível fazer uma derivação da equação de onda para sistemas bidimensionais
ou tridimensionais. No caso bidimensional podemos pensar numa membrana
elástica, como feito no French. Aqui deixamos apenas o resultado,
∂2z ∂2z 1 ∂2z
2
+ 2 − 2 2 = 0 2D com z ≡ z(x, y, t)
∂x ∂y v ∂t
2 2 2
∂ ψ ∂ ψ ∂ ψ 1 ∂2ψ
2
+ 2
+ 2
− 2 2 = 0 3D com ψ ≡ ψ(x, y, z, t),
∂x ∂y ∂z v ∂t
com uma breve motivação para o caso 2D, generalizável a 3D.
A equação de onde 1D, obtida para a corda na Eq. (47), tem a forma
∂2y 1 ∂2y
2
= 2 2.
∂x v ∂t

61
O lado esquerdo teve origem na força que atua na corda e o lado direito na
aceleração que aparece na 2ª lei de Newton. Se considerarmos uma membrana
no plano xy , que oscila na direção perpendicular z , a equação de movimento é
dada pela equação de onda 2D que escrevemos em cima,
∂2z ∂2z 1 ∂2z
2
+ 2 = 2 2.
∂x ∂y v ∂t
A origem do lado esquerdo continua a ser a força total aplicada segundo z a
um elemento da membrana e a do lado direito a aceleração. No caso 1D o
sistema estende-se segundo x e a força em y é proporcional a ∂ 2 y/∂x2 , como
vimos na Eq. (45). Em 2D, o sistema estende-se quer segundo x, havendo uma
força proporcional a ∂ 2 z/∂x2 , quer segundo y , havendo uma força proporcional
a ∂ 2 z/∂y 2 . A soma destas duas contribuições para a força total é a origem dos
termos com derivadas espaciais na equação de onda.
Aproveitamos para introduzir aqui uma notação mais compacta para os
termos com derivadas espaciais, que será usada nesta UC no contexto dos uidos
e que irá aparecer noutras UCs. A notação habitual é,
∂2ψ ∂2ψ ∂2ψ
+ + ≡ ∇2 ψ,
∂x2 ∂y 2 ∂z 2
onde
∂2 ∂2 ∂2
∇2 = 2
+ 2+ 2
∂x ∂y ∂z
é designado por Laplaciano ou operador de Laplace. A equação de onde em 3D
pode assim ser escrita como
1 ∂ψ
∇2 ψ − = 0.
v 2 ∂t2
Por vezes a notação ∇2 ≡ ∆ também é usada.

Modos normais em sistemas contínuos 2D


Consideremos uma membrana retangular com bordo exterior xo, como se
exemplica nas guras em baixo. Procuremos modos normais,
z(x, y, t) = f (x, y) cos(ωt),

que além de satisfazer a equação de onda 2D devem ainda respeitar as condições


de fronteira,
z(0, y, t) = z(x, 0, t) = z(Lx , y, t) = z(x, Ly , t) = 0.

Substituindo a solução tipo modo normal na equação de onda, vem


∂2f ∂2f ω2
+ = − f. (53)
∂x2 ∂y 2 v2

62
No exemplo da gura com o lme de sabão (ver legenda da imagem), é
evidente que os modos excitados têm nodos. Uma observação mais atenta
revela que esses nodos correspondem a linhas nodais paralelas a uma das arestas
do retângulo. Neste caso a posição dos nodos depende apenas de uma das
coordenadas, por exemplo da coordenada x. Faz por isso sentido procurar
soluções do tipo
f (x, y) = g(x)h(y). (54)
Se g(x0 ) = 0, temos f (x0 , y) = 0 para qualquer y , como observado nos nodos.
Substituindo a Eq. (54) na Eq. (53), obtém-se
d2 g d2 h ω2
h(y) 2
+ g(x) 2 = − 2 g(x)h(y).
dx dy v
Dividindo ambos os lados por g(x)h(y), vem
1 d2 g ω2 1 d2 h
2
+ 2 =− .
g dx v h dy 2
Este método de resolver equações diferenciais designa-se por método de separação
de variáveis : na equação acima, o lado esquerdo só depende da variável x
enquanto o direito só depende da variável y . A única forma da equação ser
satisfeita para todo o x e todo o y (na região onde existe membrana, claro está)
é nenhum dos lados depender de x e y . Ou seja, sem perda de generalidade,
devemos ter
1 d2 g 1 d2 h
2
= −k 2
x e 2
= −ky2 ,
g dx h dy

63
com kx e ky constantes a determinar. As frequências dos modos normais serão
dadas pela equação
ω 2 = v 2 (kx2 + ky2 ).
As equações que determinam as funções g(x) e h(y) são nossas conhecidas,
d2 g d2 h
+ kx2 g = 0 e + ky2 h = 0.
dx2 dy 2
São equações totalmente equivalentes à encontrada para a corda na Eq. (49).
Uma vez que as condições de fronteira também são as mesmas, a solução também
é a mesma:
n1 π
gn1 (x) =Gn1 sin(kx,n1 x), kx,n1 = , n1 = 1, 2, 3, . . .
Lx
n2 π
hn2 (y) =Hn2 sin(ky,n2 y), ky,n2 = , n2 = 1, 2, 3, . . .
Ly
onde Gn1 e Hn2 são constantes. Denindo Gn1 Hn2 ≡ Cn1 n2 , a solução para os
modos normais da membrana é então,
   
n1 π n2 π
z(x, y, t) = Cn1 ,n2 sin x sin y cos(ω12 t),
Lx Ly
com " 2  2 #1/2
n1 π n2 π
ω12 = v + e n1 , n2 = 1, 2, 3, . . .
Lx Ly
E. F. Chladni (1756-1827) desenvolveu um método para visualizar as vibrações
de uma placa metálica em vibração: areia na espalhada pela placa acaba por
se acumular nas linhas nodais, onde a placa não se move. A vibração da placa,
na versão moderna da experiência, pode ser obtida suportando-a num motor
que faz oscilar o ponto de apoio verticalmente com frequência ω , como ilustrado
na gura em baixo, onde se mostram também algumas linhas nodais.


Fim da 12ª aula. 

64
7 Ondas progressivas
As soluções que procurámos até agora para a equação de onda eram do tipo
modo normal. Todos os pontos do meio contínuo oscilam com a mesma frequência.
Mas não é óbvia que algo esteja propagar-se com a velocidade v que gura na
equação de onda. Neste capítulo vamos estudar uma outra solução da equação
de onda: as ondas progressivas, caracterizadas pela velocidade de propagação
v.

7.1 Ondas progressivas em 1D


Consideremos uma corda tensa com um perl como apresentado na gura em
baixo à esquerda. Esse perl está dado pela curva f (x, t) em t = 0, ou seja, é
a curva f (x, 0). Passado um tempo t0 , vamos assumir que o perl se deslocou,
encontrando-se agora na posição vt0 . Ou seja, o perl desloca-se com velocidade
v ao longo da corda. A situação pode ser vericada na prática com facilidade:
Se oscilarmos uma só vez o extremo duma corda tensa, propaga-se na corda
um impulso com um certo perl, analogamente ao que estamos a considerar.
O perl no instante t = t0 está dado pela curva f (x, t0 ), como representado na
gura em baixo à direita.

Vamos assumir que a forma do perl não se alterou durante o seu deslocamento.
Esta aproximação não está muito longe daquilo que acontece na realidade. Se
o perl não se modicou, apenas se deslocou, então verica-se
f (x, t0 ) = f (x − vt0 , 0).

Este resultado indica que deverão existir soluções da equação de onda onde as
variáveis x e t aparecem combinadas na forma x ± vt, sendo o caso com sinal +
o do perl que se desloca no sentido oposto ao do eixo. Temos então de vericar
se uma função do tipo
f (x, t) = f (x ∓ vt)
é solução da equação de onda.
A equação de onda para um sistema 1D é,
∂2f 1 ∂2f
2
= 2 2.
∂x v ∂t

65
Vamos denir a variável X ≡ x ∓ vt. Ou seja, f (x, t) = f (x ∓ vt) = f (X). As
derivadas são:
ˆ Derivada espacial
 
∂2f d2 f
   
∂  df dX  = ∂
 df d df dX
= = =
∂x2 ∂x  dX |{z}
dx  ∂x dX dX dX dx
|{z} dX 2
=1 =1

ˆ Derivada temporal
 
∂2f 2
   
∂  df dX  = ∓v ∂
 df d df dX 2 d f
= = ∓v = (∓v) .
∂t2 ∂t  dX |{z}
dt  ∂t dX dX dX dt
|{z} dX 2
=∓v =∓v

Substituindo na equação de onda, vem


d2 f 1 2
2 d f d2 f v 2 d2 f
2
= 2 (∓v) 2
⇔ 2
= 2 ⇔ 1 = 1.
dX v dX dX v dX 2
Portanto, a função f (x ∓ vt) satisfaz a equação de onda, sendo por isso sua
solução. Estas soluções são designadas por ondas progressivas.

7.1.1 Ondas progressivas sinusoidais


Um tipo importante de perl para ondas progressivas é o perl sinusoidal,
em forma de seno ou cosseno. O teorema de Fourier diz-nos que podemos
escrever qualquer curva (bem comportada) à custa de uma sobreposição de senos
e cossenos. Ou seja, vamos conseguir representar qualquer onda progressiva
fazendo somas de ondas progressivas sinusoidais, daí a sua importância.
Uma onda progressiva sinusoidal pode ser escrita como
 

y(x, t) = A sin (x − vt) ,
λ
propagando-se esta onda no sentido positivo do eixo dos xx. O parâmetro λ é
conhecido por comprimento de onda. É o análogo espacial do período T : quando
x → x + λ o argumento do seno varia de 2π . A quantidade

k=
λ
é designada por número de onda.19 Podemos então escrever a fase da onda
progressiva sinusoidal como kx − kvt, isto é,
y(x, t) = A sin (kx − kvt) .
19 Cuidado: no French é usada a denição k = 1/λ, que é menos usada atualmente.

66
Para x xo sabemos que a onda se repete ao m de um período:
t → t + T ⇒ y(x, t + T ) = y(x, t).

Substituindo na expressão acima para a onda sinusoidal, vem


A sin [kx − kv(t + T )] = A sin (kx − kvt) ,

ou seja

kvT = 2π ⇔ kv = = ω.
T
Acabamos de encontrar uma relação importante:
ω = vk,

que relaciona variação temporal, ω , com variação espacial, k. De facto, se


soubermos ω e k, ou equivalentemente T e λ, podemos determinar a velocidade
de propagação das ondas,
ω 2πλ
 λ
v= = = .
k 2πT

 T
A onda sinusoidal pode então ser escrita como
y(x, t) = A sin (kx − ωt) ,

e uma representação pictórica da onda em dois instantes t e t0 encontra-se na


gura em baixo.


Fim da 13ª aula. 

7.1.2 Sobreposição de ondas


Sejam
f (x ∓ vt) e g(x ∓ vt)
duas ondas progressivas, soluções da equação de onda. Como a equação de onda
é linear, a sobreposição
y(x, t) = f (x ∓ vt) + g(x ∓ vt)

também é solução da equação de onda.

67
Sobreposição de ondas e modos normais
Consideremos duas ondas sinusoidais com igual amplitude e frequência que
se propagam em sentidos opostos:
y1 (x, t) = A sin(kx − ωt)
y2 (x, t) = A sin(kx + ωt).
Usando a relação trigonométrica sin(a + b) = sin a cos b + sin b cos a, vem para a
sobreposição
y ≡ y1 + y2 = 2A sin(kx) cos(ωt).
Impondo a condição de fronteira
y(x = L, t) = 0,
encontramos todos os modos normais da corda:

y(x = L, t) = 0 ⇒ sin(kL) = 0 ⇒ kn = , n = 1, 2, 3, . . .
L
Como ω = vk, temos

ωn = vkn = n , n = 1, 2, 3, . . .
L
que é exatamente a expressão para as frequências dos modos normais da corda
de extremos xos [ver Eq. (51)].
Descobrimos assim que os modos normais de um sistema contínuo 1D não
são mais do que a sobreposição de duas ondas progressivas sinusoidais, de igual
amplitude e frequência, que se propagam em sentidos opostos à velocidade v 
a velocidade que aparece na equação de onda. Em meios contínuos os modos
normais também são conhecidos por ondas estacionárias.

Sobreposição de ondas e interferência em 1D


Consideremos novamente duas ondas sinusoidais de igual amplitude e frequência
que se propagam no mesmo sentido, mas estão desfasadas de δ :
y1 (x, t) = A sin(kx − ωt)
y2 (x, t) = A sin(kx − ωt + δ).
A sobreposição y = y1 +y2 é um exemplo do fenómeno conhecido por interferência.
ˆ δ=0 −→ Interferência construtiva
δ = 0 ⇒ y(x, t) = 2A sin(kx − ωt).
A sobreposição é uma onda sinusoidal reforçada, como o dobro da amplitude.
ˆ δ=π −→ Interferência destrutiva
δ = π ⇒ y(x, t) = 0.
A sobreposição dá origem ao cancelamento da onda.

68
As duas situações estão representadas de forma pictórica em baixo, interferência
construtiva à esquerda e destrutiva à direita.

Sobreposição de ondas e batimentos


Consideremos uma vez mais duas ondas sinusoidais com igual amplitude,
mas agora as ondas têm frequência diferente:
y1 (x, t) = A sin(k1 x − ω1 t)
y2 (x, t) = A sin(k2 x + ω2 t).

No caso da corda e de outros meios, ditos não dispersivos, a velocidade de


propagação não depende da frequência da onda (na corda v = T /µ para
p

qualquer frequência). Por isso temos


ω1 ω2
v= = .
k1 k2
Usando a relação trigonométrica sin(a + b) = sin a cos b + sin b cos a, vem para a
sobreposição
y ≡ y1 + y2 = 2A sin(kx − ωt) cos(∆k x − ∆ω t),

onde denimos as quantidades


k1 + k2 ω1 + ω2
k= ω=
2 2
k1 − k2 ω1 − ω2
∆k = ∆ω = .
2 2
Para t = 0, e desde que ω1 seja próxima de ω2 , a função y(x, 0) tem a forma de
um batimento, como representado na gura em baixo de forma pictórica. Para
t 6= 0, a onda em forma de batimento desloca-se com velocidade v . Se uma onda
sonora deste tipo incidir no nosso tímpano, a oscilação em forma de batimento
das moléculas de ar faz oscilar o nosso tímpano e ouvimos o som característico
de um batimento.

69
7.1.3 Dispersão, velocidade de fase e de grupo
O que é que acontece se, no caso em que a sobreposição originou batimentos
(frequência diferente, mas próximas), as velocidades de propagação forem diferentes?
Consideremos novamente as duas ondas sinusoidais com igual amplitude:
y1 (x, t) = A sin(k1 x − ω1 t)
y2 (x, t) = A sin(k2 x + ω2 t).

No caso dos meios ditos dispersivos, a velocidade de propagação depende da


frequência da onda. Por isso temos
ω1 ω2
v1 = 6= v2 = .
k1 k2
Usando a relação trigonométrica sin(a + b) = sin a cos b + sin b cos a, podemos
continuar a escrever a sobreposição como
y ≡ y1 + y2 = 2A sin(kx − ωt) cos(∆k x − ∆ω t),

onde voltamos a usar as quantidades


k1 + k2 ω1 + ω2
k= ω=
2 2
k1 − k2 ω1 − ω2
∆k = ∆ω = .
2 2
Para t = 0, e desde que ω1 seja próxima de ω2 , a função y(x, 0) tem a forma
de um batimento, como representado na gura em cima de forma pictórica.
Para t 6= 0, a onda em forma de batimento desloca-se. Porém, há agora duas
velocidades:
ˆ Velocidade de fase  velocidade que teria uma onda sinusoidal com frequência
ω e número de onda k ,
ω
vf = .
k
ˆ Velocidade da envolvente,
∆ω
vg = .
∆k

70
Num meio dispersivo existe uma relação entre ω e k que não é linear. A função
ω(k) é chamada de relação de dispersão. Dene-se velocidade de grupo como o
declive da reta tangente a esta curva,

vg = .
dk
Como representado na gura em baixo, num meio dispersivo podemos ter
quer vf < vg quer vf > vg . Na corda, se levarmos em conta a sua rigidez, temos
vf < vg . Para ondas sonoras num sólido ou ondas superciais que se propagam
na água, temos vf > vg .

7.1.4 Reexão e transmissão de ondas


Condição de fronteira de extremo xo
Se um impulso em forma de monte, que se propaga na corda à velocidade
v como representado na gura em baixo, incidir num extremo xo da corda
situado na posição x = L, o que é que acontece? Veremos adiante que as ondas
transportam energia. Logo, como não estamos a incluir efeitos de dissipação, a
energia do impulso não pode simplesmente desaparecer.

Na página da UC encontrarão um vídeo onde se pode ver o que acontece:


se enviarmos um monte, ele reete e volta como vale ; se enviarmos um vale, ele
volta como monte. Mas porquê? A resposta é: condições de fronteira.
Quer o impulso em forma de monte quer em forma de vale são soluções
da equação de onda. Se imaginarmos uma corda de comprimento 2L, onde
simultaneamente fazemos aparecer um monte no extremo esquerdo e um vale

71
no direito a propagarem-se em sentidos opostos, chegarão ambos ao ponto
intermédio x = L no mesmo instante. Admitindo que o vale tem o perl obtido
por inversão do monte, ou seja, fazendo x → −x e y → −y , como se pretende
representar pela gura em baixo, quando o monte passa pelo vale em x = L
obtém-se a sobreposição nula,
y(x = L) = 0.

Esta é precisamente a condição de fronteira na corda com o extremo xo em


x = L. A reexão do impulso em forma de monte dá origem a um vale porque a
sobreposição dos dois em x = L garante que a condição de fronteira é satisfeita.
O mesmo se aplica à reexão do impulso em forma de vale, que volta como
monte.

Condição de fronteira de extremo aberto


E se a condição de fronteira em x = L for a de um extremo aberto? Na
corda, esta condição de fronteira surge se em x = L a corda tiver uma argola de
massa desprezável que pode deslizar sem atrito ao longo de uma haste, como se
representa na gura em baixo.

Assim se garante que a corda se mantém tensa, sendo a tensão T , ao mesmo


tempo que em x = L se move livremente segundo y . Note-se que a corda está
sempre horizontal em x = L, como ilustrado pictoricamente na gura em cima.
Ou seja, a condição de fronteira é

∂y
= 0.
∂x x=L
A razão é simples. Se a corda em x = L não está horizontal, a força que a
corda exerce na argola  par ação-reação da tensão  também não é horizontal.
Ou seja, há uma componente dessa força a atuar na argola segundo y , o que
provocaria uma aceleração innita na argola de massa desprezável.

72
A experiência mostra que se enviarmos um monte a reexão é igualmente
um monte. Se enviarmos um vale, a reexão é um vale. No ponto x = L
onde se encontra o extremo aberto, a chegada do impulso incidente dá origem
a uma oscilação da argola com uma amplitude superior à do próprio impulso,
aparecendo de seguida o impulso reetido. Na página da UC há um vídeo a
demonstrar o efeito.
Uma vez mais, a explicação encontra-se na condição de fronteira que é
necessário satisfazer. Se a corda tivesse um comprimento 2L, e simultaneamente
aparecesse um monte quer no extremo esquerdo quer no direito a propagarem-se
em sentidos opostos, chegariam ambos ao ponto intermédio x = L no mesmo
instante. Admitindo que os montes têm um perl simétrico um do outro, como
representado na gura em baixo, a sobreposição em x = L satisfaz a condição
de fronteira ∂y/∂x = 0. Se a amplitude do impulso incidente for A, como se
ilustra na gura, em x = L a amplitude atinge um valor máximo de 2A.


Fim da 14ª aula. 

Ligação entre duas cordas


Consideremos duas cordas unidas no ponto x = 0, como se representa na
gura em baixo.

A corda da esquerda é caracterizada por uma densidade linear de massa µ1 e


velocidade v1 , e a corda da direita por µ2 e v2 . Todo o sistema se encontra à
mesma tensão T .
As condições de fronteira que a solução da equação de onda terá de satisfazer
são
∂y1 ∂y2
y1 (0) = y2 (0) e = .
∂x
x=0 ∂x
x=0
A primeira reete a continuidade do sistema no ponto de união. A segunda
indica que a curva é suave em x = 0 (continuidade da derivada), pois de outra
forma a tensão exercida pelo lado esquerdo da corda em x = 0 não cancelaria
exatamente a tensão exercida pelo lado direito em x = 0, havendo uma força
não nula a atuar num ponto sem massa.

73
Usando i para onda incidente, r para onda reetida e t para transmitida,
podemos escrever
yi = Ai sin(ω1 t − k1 x) incidente, propaga-se no meio 1 com velocidade v1 = ω1 /k1
e no sentido positivo
yr = Ar sin(ω1 t + k1 x) reetida, propaga-se no meio 1 com velocidade v1 = ω1 /k1
e sentido negativo
yt = At sin(ω2 t − k2 x) transmitida, propaga-se no meio 2 com velocidade v2 = ω2 /k2
e no sentido positivo.
A frequência de oscilação tem de ser a mesma nas duas cordas. Só dessa forma
o ponto de união oscila da mesma forma para as duas cordas, isto é,
ω1 = ω2 , pelo que ω1 = v1 k1 = v2 k2 .
Da primeira condição de fronteira, vem
yi (x = 0, t) + yr (x = 0, t) = yt (x = 0, t)
Ai sin(ω1 t) + Ar sin(ω1 t) = At sin(ω2 t).
Como ω1 = ω2 , a dependência temporal é a mesma em todos os termos, obtendo-
se a seguinte condição para as amplitudes,
Ai + Ar = At . (55)
Da segunda condição de fronteira, vem

∂yi ∂yr ∂yt
+ =
∂x x=0 ∂x x=0 ∂x x=0
−Ai k1 sin(ω1 t) + Ar k1 sin(ω1 t) = −At k2 sin(ω2 t).
Mais uma vez, como ω1 = ω2 , a dependência temporal é a mesma em todos os
termos, obtendo-se a seguinte condição,
−k1 Ai + k1 Ar = −k2 At ⇔ (−Ai + Ar )v2 = −At v1 (56)
Assumindo que a amplitude da onda incidente Ai é conhecida, podemos
determinar Ar e At das Eqs. (55) e (56):
Ar v2 − v1 Ar 2v2
= = .
Ai v2 + v1 Ai v2 + v1
Indicam-se alguns casos particulares a título de exemplo:
ˆ µ2 → ∞ ⇒ v2 → 0
Ar At
= −1, =0
Ai Ai
ˆ µ1 > µ2 ⇒ v2 > v1
Ar At
> 0, >0
Ai Ai
ˆ µ1 = µ2 ⇒ v2 = v1
Ar At
= 0, = 1.
Ai Ai

74
7.1.5 Energia de uma onda sinusoidal
Uma onda progressiva transporta energia. Este transporte de energia é feito
sem que haja transporte de massa. Os painéis solares tiram partido disso: a
energia é produzida no Sol por reações nucleares e é transportada até ao painel
numa onda, neste caso uma onda eletromagnética.
Considere-se uma onda progressiva sinusoidal que se propaga na corda:
y(x, t) = A sin(kx − ωt).
Na imagem em baixo está representada parte da onda num certo instante.
Analisemos o elemento dx da corda, identicado na gura.

À medida que a onda se propaga, este elemento da corda sobe e desce com
velocidade segundo y dada por
∂y
vy ≡ = −Aω cos(kx − ωt) = −Avk cos(kx − ωt), (57)
∂t
onde usámos a relação ω = vk. A sua energia cinética é
 2
1 1 ∂y
2
dEc = (µdx) vy = µ dx. (58)
2 2 ∂t
Este mesmo elemento dx da corda tem também energia potencial. Basta
ver que à medida que o segmento se move o seu comprimento varia. Tal como
numa mola, quando o seu comprimento aumenta a sua energia potencial também
aumenta. Podemos determinar a energia potencial da corda através do trabalho
que a tensão T realiza para fazer aumentar o comprimento do elemento dx para
ds. A situação está ilustrada na gura em baixo.

75
Esse trabalho realizado pela tensão é convertido em energia potencial do segmento,
isto é
dW = dEp = T (ds − dx).
A ampliação do segmento dx na gura em cima permite escrever,
q
2 2
ds = (dx) + (dy) .
Para o instante considerado, dy relaciona-se com dx da forma
∂y
dy = dx,
∂x
vindo para ds a expressão
s  2
∂y
ds = dx 1+ .
∂x
Para pequenos desvios, temos ∂y/∂x  1, permitindo expandir em série de
Taylor a raiz na expressão em cima,
"  2 #
1 ∂y
ds = dx 1 + + ... .
2 ∂x

A variação de comprimento pode assim ser aproximada por


 2
1 ∂y
ds − dx = dx,
2 ∂x
vindo para a energia potencial,
 2
1 ∂y
dEp = T dx.
2 ∂x

Igualdade entre energia cinética e energia potencial


Mostremos agora que a energia potencial contida no segmento dx da corda é
exatamente igual à sua energia cinética, dEc = dEp , com
2 
1 ∂y
dEc = µ dx
2 ∂t
 2
1 ∂y
dEp = T dx.
2 ∂x
Notemos primeiro que qualquer onda progressiva pode ser escrita como y(x, t) =
f (x ∓ vt). Daqui resulta,
∂y df (X)
= (∓v) ≡ ∓vf 0
∂t dX
∂y df (X)
= (1) ≡ f 0 .
∂x dX

76
Substituindo nas expressões vem
1 2
dEc = µv 2 (f 0 ) dx
2
1 2
dEp = T (f 0 ) dx.
2
Como na corda v = T /µ, ca demonstrada a igualdade dEc = dEp .
p

Energia num comprimento de onda


Podemos agora obter a energia contida num comprimento de onda da onda
sinusoidal. Integrando num comprimento de onda a energia cinética elementar
[ver Eqs. (58) e (57)], vem
Z λ
1 λ
Ec = µA2 v 2 k 2 cos2 (kx − ωt)dx = µA2 v 2 k 2 .
2 4
|0 {z }
λ/2

Substituindo k = 2π/λ e v 2 = T /µ, obtém-se


A2 π 2 T
Ec = .
λ
Como a energia cinética em cada elemento da corda é igual à energia potencial,
a energia total transportada num comprimento de onda da corda por uma onda
sinusoidal é 2 2
A π T
E|1λ = 2 .
λ
Um ponto relevante a reter, válido em geral e não só para ondas na corda, é o
resultado de que a energia transportada por ondas sinusoidais é proporcional ao
quadrado da amplitude:
Eonda ∝ A2 .

Energia da onda estacionária


Uma onda estacionária, correspondente ao n-ésimo modo normal duma corda
com extremos xos, pode ser escrita como
yn (x, t) = An sin(kn x) cos(ωn t).
Vimos anteriormente que a onda estacionário não é mais do que a sobreposição
de duas ondas progressivas sinusoidais iguais que se propagam em sentidos
opostos,
An An
yn (x, t) = sin(kn x − ωn t) + sin(kn x + ωn t).
2 2
Usando o resultado acima para a energia da onda sinusoidal progressiva, concluímos
que a energia contida num comprimento de onda da onda estacionária é
An 2

2 π2 T A2n π 2 T
Eest |1λ = 2 × 2 = .
λn λn

77
Há uma diferença importante relativamente ao caso da onda progressiva. Na
onda estacionária a energia está continuamente a ser convertida de energia
cinética para potencial e vice versa. Basta notar que quando o modo normal
apresenta máxima amplitude, todos os pontos da corda têm velocidade nula e
a corda só tem energia potencial. Por outro lado, na passagem por equilíbrio, a
corda encontra-se na horizontal, com ∂y/∂x = 0, pelo que apenas existe energia
cinética na corda nesse instante.

Potência transmitida
A energia que passa por unidade de tempo num ponto da corda pode ser obtida
dividindo a energia contida num comprimento de onda E|1λ pelo tempo que um
comprimento de onda demora a passar, ou seja, um período T = λ/v :
E|1λ 2A2 π 2 T v 1
P̄ = = 2
= µvω 2 A2 .
T λ 2

Fim da 15ª aula. 

7.2 Ondas progressivas em 2D e 3D


7.2.1 2D
A equação de onda em 2D é
∂2ψ ∂2ψ 1 ∂2ψ
2
+ 2
= 2 2.
∂x ∂y v ∂t
Facilmente se verica que a função
ψ(x, y, t) = f (αx + βy − vt)

é solução da equação de onda se α2 + β 2 = 1. É a generalização da solução de


onda progressiva para o caso 2D.

Ondas sinusoidais
Se a função f acima for um seno ou cosseno, estamos na presença de ondas
sinusoidais em 2D. De modo a que o argumento da função sinusoidal seja
adimensional, podemos introduzir o número de onda k,
ψ(x, y, t) = A cos [k(αx + βy − vt)]
= A cos(kx x + ky y − kvt)
= A cos(~k · ~r − ωt).

Introduziu-se na expressão anterior o vetor de onda ~k. Este dene a direção de


propagação da onda sinusoidal. Os pontos denidos por
~k · ~r = const

78
formam frentes de onda: pontos de fase constante num certo instante. Em 2D
as frentes de onda formam linhas retas, perpendiculares ao vetor de onda ~k, que
se propagam com velocidade v , como representado na gura em baixo.

Coordenadas polares
Temos escrito a equação de onda em coordenadas cartesianas, x e y , bem como a
função de onda ψ(x, y, t). Em 2D podemos também usar coordenadas polares,
ψ(r, θ, t). A equação de onda em 2D admite soluções que só dependem da
distância radial r a um ponto, ψ(r, t). A equação de onda toma então a forma,
∂ 2 ψ 1 ∂ψ 1 ∂2ψ
ψ ≡ ψ(r, t) ⇒ 2
+ = 2 2.
∂r r ∂r v ∂t
As soluções
√ desta equação designam-se por funções especiais de Bessel. Decaem
com 1/ r para r → ∞, variando a longas distâncias como
C
ψ(r, t) ' √ cos(kr − ωt). (59)
r
As frentes de onda, denidas por
kr = const,

são circunferências, dando nome a estas ondas: ondas circulares.

7.2.2 3D
A equação de onda em 3D é
∂2ψ ∂2ψ ∂2ψ 1 ∂2ψ
+ + = .
∂x2 ∂y 2 ∂z 2 v 2 ∂t2
Facilmente se verica que a função
ψ(x, y, z, t) = f (αx + βy + γz − vt)

é solução da equação de onda se α2 + β 2 + γ 2 = 1. É a generalização da solução


de onda progressiva para o caso 3D.

79
Ondas sinusoidais ou ondas planas
Se a função f acima for um seno ou cosseno, estamos na presença de ondas
sinusoidais em 3D. De modo a que o argumento da função sinusoidal seja
adimensional, podemos uma vez mais introduzir o número de onda k,
ψ(x, y, z, t) = A cos [k(αx + βy + γz − vt)]
= A cos(~k · ~r − ωt)
~
= ARe[ei(k·~r−ωt) ].

Introduziu-se na expressão anterior o vetor de onda ~k em 3D. Este dene a


direção de propagação da onda sinusoidal. Os pontos denidos por
~k · ~r = const

formam frentes de onda em 3D que são planos perpendiculares ao vetor de onda


~k e que se propagam com velocidade v , como representado na gura em baixo.
Estas ondas também se designam por ondas planas.

Coordenadas cilíndricas e esféricas


Em 3D, além de coordenadas cartesianas, podemos também usar coordenadas
polares cilíndricas (r, θ, z) e coordenadas esféricas (r, θ, φ). Tal como em 2D, a
equação de onda em 3D também admite soluções que só dependem da distância
radial r e do tempo, ψ ≡ ψ(r, t). Em coordenadas cilíndricas as soluções
ψ(r, t) são análogas às ondas circulares em 2D, Eq. (59), com a diferença que a
frentes de onda formam superfícies cilíndricas, dando nome a estas ondas: ondas
cilíndricas. Vejamos o caso das coordenadas esféricas.
A equação de onda em coordenadas esféricas para uma onda que só depende
da distância radial r e do tempo toma então a forma,
∂ 2 ψ 2 ∂ψ 1 ∂2ψ
ψ ≡ ψ(r, t) ⇒ + = .
∂r2 r ∂r v 2 ∂t2

80
A diferença relativamente ao caso 2D é subtil (pré-fator do termo ∂ψ/∂r), mas
suciente para obter soluções exatas para qualquer r (e não apenas no limite
r → ∞) que decaem com 1/r:

C
ψ(r, t) ' cos(kr − ωt).
r
As frentes de onda, denidas por
kr = const,

são superfícies esféricas, dando nome a estas ondas: ondas esféricas.

7.2.3 Intensidade da onda


Dene-se intensidade da onda em 3D como a potência transmitida por unidade
de área:

I= ,
A
entendendo-se que a área A está denida num plano perpendicular à direção de
propagação da onda. Ou seja, I é a energia que por unidade de tempo atravessa
a unidade de área num plano perpendicular à direção de propagação da onda.
Em 2D a área deve ser substituída por um comprimento denido numa linha
reta perpendicular à direção de propagação.

8 Interferência e difração
O fenómeno de interferência associado à sobreposição de ondas sinusoidais foi
já referido no contexto das ondas 1D: ondas em fase (desfasamento δ = 0)
interferem construtivamente, dando origem a uma onda reforçada; ondas de
igual amplitude e frequência, desfasadas de δ = π , interferem destrutivamente
originando o cancelamento da onda. Em 2D e 3D, a situação é mais rica pois
a interferência pode ser construtiva em certos pontos do espaço e destrutiva
noutros.

8.1 Dupla fenda


Consideremos duas fontes de ondas circulares (2D) ou esféricas (3D) S1 e S2
de igual frequência ω . No ponto P , à distância r1 da fonte S1 e r2 da fonte
S2 , como representado na gura em baixo, observa-se a sobreposição das duas
ondas.

81
A onda em P pode ser representada por
ψP = A1 cos(kr1 − ωt) + A2 cos(kr2 − ωt).

A diferença de fase entre as duas ondas no ponto P é


δ = kr2 − ωt − (kr1 − ωt) = k(r2 − r1 ),

não dependendo do tempo. Duas fontes com uma relação de fase independente
do tempo dizem-se coerentes.
Tal como no caso 1D, δ determina se a onda em P é uma onda reforçada
ou diminuída. Isto é, se a amplitude da onda ψP apresenta um máximo ou um
mínimo no ponto P . Dizemos que há
ˆ interferência construtiva quando

δ = 2πn, n∈Z

ˆ interferência destrutiva quando

δ = π(2n + 1), n ∈ Z.

Escrevendo δ = k(r2 − r1 ) nas expressão acima, e recordando que k = 2π/λ,


obtém-se para interferência construtiva

(r2 − r1 ) = 2πn ⇔ r2 − r1 = nλ, (60)
λ
e para interferência destrutiva
2π λ
(r2 − r1 ) = π(2n + 1) ⇔ r2 − r1 = (2n + 1). (61)
λ 2
Ou seja, há interferência construtiva sempre que a diferença de percursos r2 − r1
seja um múltiplo do comprimento de onda, e interferência destrutiva sempre que
a diferença r2 − r1 seja um múltiplo ímpar de meio comprimento de onda.
O conjunto de pontos para os quais r2 − r1 = const dene uma hipérbole.
Para cada valor do inteiro n nas expressões acima temos uma hipérbole diferente.
Os máximos de amplitude formam hipérboles dadas por r2 − r1 = nλ, como
esquematicamente representado na gura em baixo.

82
Entre cada duas hipérboles correspondentes a máximos consecutivos da amplitude
há uma hipérbole correspondente a um mínimo da amplitude. Ao padrão de
máximos e mínimos resultante da interferência de duas ou mais ondas damos o
nome de padrão de interferência.
Fim da 16ª aula. 

Princípio de Huygens e a dupla fenda


Porque é que o padrão de interferência de duas fontes coerentes se designa
também por padrão de interferência da dupla fenda ? A razão é simples: o
padrão de interferência de duas fontes iguais e coerentes entre si é idêntico ao
padrão de interferência que se observa se zermos passar uma onda plana por
duas fendas num anteparo.20
Para percebermos a equivalência entre duas fontes coerentes e duas fendas é
útil evocar o princípio de Huygens. Segundo este princípio, cada ponto de uma
frente de onda é uma fonte de ondas secundárias circulares (em 2D) ou esféricas
(em 3D), que se propagam na região que ainda não foi percorrida por essa frente
de onda. O princípio pode ser vericado com uma experiência simples, como se
demonstra na gura em baixo.

No painel da esquerda, uma fonte na parte inferior da imagem emite ondas


circulares. As ondas são bloqueadas por um anteparo horizontal contendo uma
pequena abertura. Aquilo que se observa na parte superior da imagem, acima
do anteparo, é uma onda circular como se a abertura fosse uma fonte de ondas
circulares. Como se demonstra no painel da direita, ocorre o mesmo se na
20 Equivalentemente, em 2D fazemos incidir uma onda sinusoidal num anteparo com duas
aberturas.

83
parte inferior da imagem, abaixo do anteparo, se propagar uma onda sinusoidal
plana (frentes de onda são linhas retas em 2D) em vez de uma onda circular.
Por isso podemos substituir os pontos de uma frente de onda por fontes de
ondas secundárias circulares (em 2D) ou esféricas (em 3D) independentemente
da frente de onda ser circular/esférica ou plana.
Bloqueemos uma onda sinusoidal plana com um anteparo paralelo à frente de
onda e contendo duas aberturas, como se demonstra na gura em baixo. Para
aberturas pequenas o suciente, podemos considerar que estamos a permitir que
apenas se propaguem as ondas secundárias de dois pontos da mesma frente de
onda. As duas ondas secundárias circulares estão em fase por pertencerem à
mesma frente de onda, e por isso são idênticas às ondas geradas por duas fontes
pontuais coerentes colocadas nas posições onde o anteparo tem as aberturas. O
padrão de interferência da dupla fenda é por isso idêntico ao ao de duas fontes
coerentes, como se demonstra na gura em baixo.

Dependência angular do padrão de interferência


Consideremos duas fendas num anteparo separadas por uma distância d,
como representado na gura em baixo. Faz-se incidir uma onda plana com
frentes de onda paralelas ao anteparo. As fendas são estreitas e funcionam
como se se tratasse de duas fontes coerentes e em fase, S1 e S2 .

84
O ponto P está à distância r1 da fenda 1 e à distância r2 da fenda 2. Vimos
anteriormente que será um ponto de interferência construtiva se r2 − r1 = nλ e
destrutiva se r2 − r1 = λ2 (2n + 1). Se se cumprir a condição
r1 , r2  d,

então, com base na análise geométrica representada na gura acima, podemos


aproximar a diferença do caminho r2 − r1 por
r2 − r1 ≈ d sin θ.

O ângulo θ mede o desvio do ponto P relativamente a um eixo perpendicular


ao anteparo e equidistante às fendas (ou seja, um eixo que divide o anteparo
exatamente em duas partes iguais). Substituindo nas Eqs. (60) e (61) para
interferência construtiva e destrutiva respetivamente, encontramos a dependência
angular para máximos e mínimos do padrão de interferência:
λ
máximos → sin θ = n
d 
1 λ
mínimos → sin θ = n + .
2 d

Amplitude e intensidade do padrão de interferência


Sabemos, da análise anterior, identicar os pontos do padrão de interferência
onde há máximos e mínimos. Mas quanto vale a amplitude nesses pontos?
E quanto vale nos restantes pontos? A função de onda emanada por cada
uma das fendas é conhecida, pelo que também conhecemos a função de onda
correspondente à sobreposição. Podemos assim obter uma expressão para a sua
amplitude e correspondente intensidade.
Como vimos anteriormente, a onda no ponto P pode ser representada por
ψP = A1 cos(kr1 − ωt) + A2 cos(kr2 − ωt).

Como r1 6= r2 , teremos necessariamente A1 6= A2 , pois a amplitude A varia


com r em ondas circulares, cilíndricas ou esféricas. Porém, quando se verica a
condição r2 , r1  d, podemos considerar
A1 ' A2 ≡ A0 .

85
Obtém-se então
ψP ' A0 cos(kr1 − ωt) + A0 cos(kr2 − ωt)
| {z } | {z }
θ1 θ2

= A0 cos(θ − ∆θ) + A0 cos(θ + ∆θ),

com
θ1 + θ2 r1 + r2
θ= =k − ωt = kr̄ − ωt
2 2
e
θ2 − θ1 r2 − r1
∆θ = =k .
2 2
Finalmente, usando cos(a + b) = cos a cos b − sin a sin b, vem
 
r2 − r1
ψP ' 2A0 cos k cos (kr̄ − ωt) .
2

Este resultado mostra-nos que a onda correspondente à sobreposição no ponto


P é equivalente a uma onda circular (em 2D) ou cilíndrica21 (em 3D) com uma
amplitude que varia de ponto para ponto como
   
r2 − r1 πd sin θ
|A(θ)| = 2A0 cos k '
02A cos ,
2 λ

onde se usou k = 2π/λ e r2 − r1 ' d sin θ. Poderão vericar que impondo


|A(θ)| = 1 resulta na condição para pontos de interferência construtiva já
anteriormente obtida. Impondo |A(θ)| = 0 obtém-se a condição para pontos
de interferência destrutiva.
A intensidade I associada ao padrão de interferência obtém-se facilmente da
expressão acima para A(θ). Basta recordar que I é potência por unidade de
área e que a potência é proporcional ao quadrado da amplitude. Ou seja,
 
2 2 πd sin θ
I ∝ |A(θ)| ⇒ I = 4I0 cos ,
λ

onde se identicou I0 ∝ |A0 |2 como a intensidade da onda emanada por uma


das fendas à distância r̄.

8.2 Múltiplas fendas


Consideremos agora o caso de múltiplas fendas. Na gura em baixo representa-
se a situação com três fendas igualmente espaçadas de d (um dos problemas da
série de exercícios).
21 A análise foi feita num plano perpendicular às fendas, obtendo-se uma onda do tipo
ψP ∝ cos (kr̄ − ωt) onde r̄ é a distância média às fendas no plano. Assumindo fendas alinhadas
com o eixo dos zz , concluímos que a onda resultante não depende da cota (posição em z ),
sendo assim uma onda cilíndrica.

86
A onda num ponto P longínquo será a sobreposição das ondas que emanam das
várias fendas. Usando o princípio de Huygens, podemos aproximar essas ondas
emanadas das fendas como: ondas circulares no caso 2D; ondas cilíndricas no
caso 3D com fendas longas na direção perpendicular ao plano da gura; ondas
esféricas no caso 3D em que as fendas são substituídas por pequenos orifícios.
Em qualquer dos casos anteriores, podemos escrever a sobreposição das ondas
no ponto P como:
ψP = ψ1 +ψ2 +ψ3 +· · · = A1 cos(kr1 −ωt)+A2 cos(kr2 −ωt)+A3 cos(kr3 −ωt)+. . .

Se o ponto P se encontra sucientemente longe do plano das fendas, podemos


aproximar as amplitudes por
A1 ≈ A2 ≈ A3 ≡ A0 .

Como o padrão de interferência é determinado pela diferença de fase entre as


várias ondas que chegam ao ponto P , a aproximação usada para as amplitudes
ainda permite extrair o padrão com rigor sucientemente longe das fendas.
Aproximação idêntica foi usada para a dupla fenda. Por outro lado, estando
o ponto P sucientemente longe, os segmentos com comprimentos r1 , r2 , r3 ,. . .
são praticamente paralelos, o que nos permite escrever
ri − ri+1 ' d sin θ.

Com base na gura acima, podemos mesmo escrever para a diferença de caminho
percorrido entre a onda que sai da fenda 1 e a onda que sai da fenda 1 + n a
seguinte expressão:
r1 − r1+n ' nd sin θ.
A onda em P vem então
N
X −1
ψ P ' A0 cos(kr1 − ωt + nδ),
n=0

onde se deniu δ como a diferença de fase entre as ondas que saem de fendas
consecutivas,

δ = k(ri − ri+1 ) ' d sin θ,
λ

87
e N é o número de fendas. Fazendo uso do plano complexo, vem
"N −1 #
ψP = A0 Re
X
i(kr1 −ωt+nδ)
e .
n=0

Podemos agora usar duas estratégias para determinar a amplitude da onda


e por conseguinte a sua intensidade. A primeira passa por reconhecer que o
somatório dentro do parêntesis reto na expressão acima é análogo ao que aparece
no caso da sobreposição de N oscilações sinusoidais com frequência igual, mesma
amplitude, e desfasamento consecutivo δ , que tratamos na secção 2.3. A amplitude
pode então ser determinada por uma análise geométrica com base na gura em
baixo, em tudo análoga à da secção 2.3.

O resultado para a amplitude será




sin
A(δ) = A0 2
δ
 . (62)
sin 2

A segunda estratégia faz uso da série geométrica,

"N −1 # " N −1
#
ψP = A0 Re = A0 Re e
X X
i(kr1 −ωt+nδ) i(kr1 −ωt) inδ
e e
n=0 n=0
−1
" N
#
iδ n
= A0 Re e
X
i(kr1 −ωt)

e
n=0
1 − eiN δ
 
= A0 Re ei(kr1 −ωt) .
1 − eiδ

Escrevendo


1 − eiN δ sin δ


= 2
δ
 ei(N −1) 2 ,
1−e sin 2

88
obtém-se para a amplitude uma expressão idêntica à obtida pelo método geométrico,


sin 2
A(δ) = A0 δ
 .
sin 2

Em resumo, para um sistema de N fendas a onda em P pode escrever-se


como
ψP = A(θ) cos(kr1 − ωt + α),
sendo a amplitude
N πd sin θ

sin λ
A(θ) = A0 πd sin θ
 .
sin λ
Para a intensidade da onda vem,
"
N πd sin θ
 #2
sin λ
I(θ) = I0 πd sin θ
 .
sin λ

De notar que para N = 2 recuperamos o caso da dupla fenda:


2πd sin θ πd sin θ
cos πd sin θ
    
sin λ 2 sin λ λ πd sin θ
A(θ) = A0 πd sin θ
= A0 = 2A0 cos .
sin πd sin θ
 
sin λ λ
λ

Na gura em baixo compara-se precisamente a amplitude da dupla fenda com


a de uma rede de difração com N = 5 fendas.

89
Os máximos são obtidos quando
δ = 2πn ⇔ d sin θ = nλ, n ∈ Z,
ou seja, sempre que os vetores no plano complexo estão todos alinhados. Esta
condição é independente de N , concluindo-se que a condição de interferência
construtiva é a mesma para qualquer sistema de N fendas.
Os mínimos são obtidos quando
2π n
δ= n ⇔ d sin θ = λ, n ∈ Z,
N N
ou seja, sempre que os vetores no plano complexo formam guras fechadas,
como indicado na gura em cima à direita. Entre dois máximos principais
sucessivos há N − 1 mínimos. Entre dois mínimos sucessivos há necessariamente
um máximo, mas de muito menor amplitude (intensidade), e por isso designados
máximos secundários.

8.3 Interferência devido a uma única fenda  difração


Segundo o princípio de Huygens, cada ponto numa frente de onda é um fonte de
ondas secundárias. Uma fenda sucientemente apertada comportar-se-á como
uma fonte pontual. Porém, qualquer fenda real é caracterizada por uma certa
largura b nita, o que por si só pode dar origem a um padrão de interferência.
Vejamos como.
Admitamos que uma frente de onda plana incide na fenda paralelamente ao
plano que a contém. Vamos dividir a fenda de largura b em N pequenos troços.
Em cada troço há uma porção da frente de onda que podemos aproximar por
uma fonte pontual à luz do princípio de Huygens. Ou seja, substituímos a nossa
fenda única por um conjunto de N fontes coerentes separadas por uma distância
d = b/N . O sistema é agora uma rede de difração que já sabemos analisar. A
fenda única é recuperada no limite
N → ∞, d → 0, com N d = b.
A amplitude da onda resultante da rede de difração com N fendas, num
ponto sucientemente afastado do plano que contém a rede, é dada pela Eq. (62),
que aqui reproduzimos,


sin 2
A(δ) = Ã0 δ
 ,
sin 2
sendo que o ângulo N δ , que iremos designar por ϕ, é dado por
2π 2π
ϕ ≡ Nδ = N d sin θ = b sin θ,
λ |{z} λ
b

estando pois bem denido no limite N → ∞. Podemos então reescrever a


amplitude como
ϕ

sin 2 
A(ϕ) = Ã0 ϕ ,
sin 2N

90
e aproximar o denominador por sin ϕ ϕ
quando N → ∞. Obtém-se

2N ' 2N
assim
sin (ϕ/2) sin (ϕ/2)
A(ϕ) = N Ã0 = A0 ,
ϕ/2 ϕ/2
onde se deniu A0 ≡ N Ã0 , que não é mais do que a amplitude da onda na
região frontal à fenda, ou seja, em θ = 0. O mesmo resultado pode ser obtido
geometricamente se reconhecermos que a gura acima da Eq. (62) se torna, no
limite N → ∞, na gura mais à esquerda do conjunto em baixo.

Ou seja, a secção de polígono transforma-se num arco de circunferência de


comprimento s = A0 . Por outro lado, o comprimento de arco s também é
dado por s = Rϕ, enquanto que A continua a ser dado por A = 2R sin(ϕ/2).
Substituindo R = s/ϕ = A0 /ϕ na expressão para A, obtém-se
sin(ϕ/2)
A = 2R sin(ϕ/2) = A0 ,
ϕ/2
que é a expressão que obtivemos em cima.
O resultado nal para a amplitude da fenda única é
πb sin θ

sin λ
A(θ) = A0 πb sin θ
.
λ

Os pontos de interferência destrutiva correspondem a anular o denominador,


mantendo o numerador nito:
ϕ
= nπ, n = ±1, ±2, ±3, . . .
2
Ou seja, há interferência destrutiva sempre que ϕ é um múltiplo par de π , como
se indica na gura em cima, à direita. Geometricamente, tal corresponde a
fechar o arco de circunferência como se representa na gura. Para valores de ϕ
que são múltiplos ímpares de π , temos máximos locais (aproximadamente, pois
este é o valor de ϕ que maximiza o numerador, mas ao dividir pelo denominador
a posição do máximo altera-se ligeiramente). Note-se, contudo, que o valor

91
máximo da amplitude ocorre para ϕ = 0 (isto é θ = 0), sendo que o valor dos
restantes máximos locais decai com 1/ϕ. Na gura em baixo à esquerda está
representada a amplitude e o seu valor absoluto (onde α ≡ ϕ/2). À direita pode
observar-se o padrão de difração devido a uma fenda real na superfície da água.
São evidentes as linhas nodais correspondentes ao primeiro zero do padrão de
difração. Estas ocorrem para o ângulo θm tal que
λ
ϕ = 2π ⇔ sin θm = .
b


Fim da 17ª aula. 

Part III
Fluidos
Vamos iniciar o estudo do terceiro tema desta unidade curricular: uidos. Se
aplicarmos uma força tangencial a um sólido, como exemplicado na gura em
baixo, o sólido sofre uma deformação elástica (assumindo que não há deslizamento
e que o limite de elasticidade, a estudar no nal desta unidade, não é ultrapassado).
Ao deformação elástica dá origem a uma força interna que contraria a força
tangencial aplicada. Quando a força elástica iguala a força externa, atinge-se o
equilíbrio e a deformação para.

92
Pelo contrário, se aplicarmos uma força tangencial a um uido, por mais pequena
que essa força seja, a deformação não para pois dá-se início a um processo de
escoamento como representado na gura em baixo. O uido ui.

9 Hidrostática
Comecemos por analisar uidos em repouso. No uido em repouso não há
forças tangenciais. Se essas aparecerem, ocorre um processo de escoamento e a
velocidade do uido é não nula. Logo,
~v = 0 ⇒ F~tangenciais = 0.

9.1 Pressão
Apesar de não existirem forças tangenciais a atuar em superfícies num uido
em repouso,22 há forças normais. Consideremos um volume V do uido contido
numa superfície S , como se representa na gura em baixo.

Numa pequena área ∆S atua uma força normal, dirigida de fora para dentro do
volume V , exercida pelo uido na parte exterior da superfície S e proporcional à
área ∆S . Se for n̂ a normal à superfície no ponto em que se centra ∆S , podemos
escrever a força como
∆F~ = −p∆S n̂,
22 Pode ser uma superfície interna, com uido de ambos os lados.

93
denindo-se assim a pressão através do seguinte limite

∆F~ dF~
p = lim = .

∆S→0 ∆S dS

A pressão é um escalar (não é um vetor), função de ponto p ≡ p(P ) (pode


depender do ponto P em que é medida), mas independente da superfície usada
para a medir. Como se exemplica na gura em baixo, a pressão p(P ) é a
mesma em qualquer superfície que contenha o ponto P .

A independência na orientação da superfície é uma consequência do uido se


encontrar em equilíbrio. A demonstração pode ser encontrada no Apêndice B.
A unidade do sistema internacional para pressão é o pascal (Pa), sendo
que um pascal é um newton por metro quadrado, Pa = N/m2 . São também
utilizados o bar = 105 Pa, a atmosfera = 1 atm = 1,013×105 Pa e o milı́metro de mercúrio =
1 mmHg = 1,316 × 10−3 atm.

9.2 Equilíbrio num campo de forças


Designam-se por forças de volume as forças que atuam à distância em cada
partícula dum meio contínuo. São forças de longo alcance como a gravidade.
A força resultante sobre um elemento de volume é proporcional ao volume.
No caso do elemento de volume da gura em baixo, podemos escrever para a
componente z da força de volume
dFzvol = fz dSdz,

onde introduzimos a densidade de força f~,


dF~ vol = f~dV.

94
A pressão e as forças tangenciais que referimos acima não são forças de
volume, mas sim forças de superfície. São forças que resultam da interação
entre uma dada porção do meio contínuo, limitada por uma superfície S , com
as porções adjacentes. São forças interatómicas, de curto alcance, transmitidas
através da superfície S . No caso do elemento de volume cilíndrico da gura
acima, por se encontrar em repouso, apenas atua a força supercial associada
à pressão. A componente segundo z resulta da força supercial nas superfícies
que contêm o ponto P e P 0 , e pode ser escrita como
dFzsup = [−p(P ) + p(P 0 )] dS
p(x, y, z) − p(x, y, z + dz)
=− dSdz
dz
∂p
= − dSdz.
∂z
O elemento de volume encontra-se em equilíbrio, pelo que
dF~ vol + dF~ sup = 0.

Para a componente z vem


 
∂p ∂p
fz − dSdz = 0 ⇔ fz − = 0.
∂z ∂z
Alinhando o eixo do cilindro elementar usado em cima com os eixos dos xx e
dos yy , obtém-se as condições de equilíbrio em x e em y :
∂p ∂p
fx − = 0, fy − = 0.
∂x ∂y
Na forma vetorial podemos escrever
f~ − ∇p
~ = 0. (63)

9.3 Fluido incompressível no campo gravitacional


A densidade de massa num meio contínuo é também uma função de ponto,
denida através do seguinte limite
∆m dm
ρ = lim = ,
∆V →0 ∆V dV
sendo ∆m a massa contida no volume ∆V . No campo gravítico, a força de
volume exercida no elemento de massa dm é
dF~ = dm~g .

Em termos da densidade de força, vem


dF~ dm
f~ = = ~g = ρ~g = −ρg k̂.
dV dV

95
Substituindo na Eq. (63) acima para o uido em equilíbrio, vem
∂p ∂p ∂p
fz = −ρg = , = = 0 ⇒ p ≡ p(z).
∂z ∂x ∂y
Como a pressão apenas depende de z , podemos escrever
dp
= −ρg, (64)
dz
e obter p(z) por integração. Porém, tal exigiria conhecer como é que a densidade
de massa ρ varia com a posição.
Um uido no qual a densidade de massa não varie de ponto para ponto é
dito incompressível,
ρ = const ⇒ uido incompressível.

A integração da Eq. (64) acima é simples num uido incompressível, obtendo-se


p(z) = −ρgz + const.

Este resultado permite escrever a lei de variação da pressão com a profundidade


num uido. Fazendo a diferença de pressão entre dois pontos z1 e z2 num uido
eliminamos a constante da equação,
p(z1 ) − p(z2 ) = ρg(z2 − z1 ).

Seja p0 a pressão em z2 e dena-se a profundidade h = z2 − z1 a que z1 se


encontra de z2 , como ilustrado na gura em baixo.

Substituindo na equação acima, obtém-se


p(z1 ) ≡ p = p0 + ρgh,

conhecida como lei de Stevin: a pressão no interior dum uido aumente linearmente
com a profundidade.

9.4 Princípio de Arquimedes


Diz o princípio de Arquimedes que qualquer corpo submerso num uido sofre
uma força igual ao peso do volume de uido deslocado e dirigida de baixo para
cima. Esta força é designada por impulsão.

96
O mesmo Stevin da lei enunciada no nal da última secção avançou, em
1586, com uma explicação para este fenómeno. Consideremos o volume de uido
representado na gura em baixo. Esse volume de uido encontra-se submerso
em uido idêntico e em equilíbrio.

Por se encontrar em equilíbrio, o somatório das forças que nele atuam é nulo,
X X
F~V + F~S = 0.

O somatório das forças de volume é, neste caso, o peso do líquido P~l . Vamos
designar por B
~ o somatório das forças de superfície. É esta a força de impulsão
que Arquimedes descobriu. Substituindo acima, vem
P~l + B
~ =0 ⇔ B
~ = −P~l .

Stevin introduziu a seguinte ideia: se substituirmos o volume de líquido por


um sólido exatamente com a mesma forma, a resultante das forças de superfície
é a mesma, X
F~S = B
~ = −P~l ,

pois esta é a força exercida pelo uido exterior e não foi alterada pela substituição.
O sólido está por isso sujeito a uma força de impulsão dirigida de baixo para
cima e igual ao peso do volume de uido deslocado. Esta ideia de Stevin é
conhecida por princípio da solidicação.

9.5 Aplicações de hidrostática


9.5.1 Princípio de Pascal
Segundo este princípio, o aumento de pressão num ponto do uido em equilíbrio
transmite-se a todos os pontos do uido. A explicação pode ser dada com base
na lei de Stevin.

97
Para os dois pontos 1 e 2 identicados na gura acima, podemos escrever
p1 = p0 + ρgh1 e p2 = p0 + ρgh2 .
A diferença de pressão entre os dois pontos é
p2 − p1 = ρg(h2 − h1 ).

Note-se que depende apenas da diferença de alturas h2 − h1 . Se a pressão p1


variar de ∆p, ou seja, p1 → p1 + ∆p, a pressão p2 terá de variar da mesma
quantidade se o uido permanecer em equilíbrio,
p1 + ∆p ⇒ p2 + ∆p.

Uma vez que h2 − h1 não variou durante o processo, a variação de pressão entre
os dois pontos tem de ser a mesma.
Um exemplo de aplicação deste princípio é a prensa hidráulica (ou macaco
hidráulico). Como se representa na gura em baixo, o aumento de pressão do
lado 1 devido à aplicação da força F1 tem de ser compensado por igual aumento
da pressão no lado 2 aplicando a força F2 .

Ou seja,
F1 F2
∆p1 = ∆p2 ⇒ = ,
A1 A2
o que signica que podemos equilibrar uma força F2 > F1 desde que A1 < A2
de tal forma que
A1
F1 = F2 .
A2

9.5.2 Princípio dos vasos comunicantes


Resulta também da lei de Stevin que que num recipiente com vários ramos que
comunicam, os pontos à mesma cota z apresentam a mesma pressão, desde que
pertençam ao mesmo uido. Esta situação está exemplicada na gura em baixo
à esquerda.

98
Como a superfície do uido se encontra à pressão atmosférica p0 , o uido
sobe exatamente até à mesma altura em todos os ramos (princípio dos vasos
comunicantes).
O caso de dois uidos imiscíveis, densidades ρ1 6= ρ2 , está representado na
gura em cima à direita. Os pontos à profundidade h1 no ramo da esquerda e
h2 no ramo da direita estão à mesma pressão por se encontrarem à mesma cota
e pertencerem ao mesmo uido (densidade ρ1 ). Podemos então escrever,
h1 ρ1
p = p0 + ρ1 gh1 = p0 + ρ2 gh2 ⇒ ρ1 h1 = ρ2 h2 ⇔ = ,
h2 ρ2
tornando evidente que se ρ1 6= ρ2 , então h1 6= h2 .

9.5.3 Medidores de pressão


O princípio de funcionamento dos medidores de pressão pode ser entendido
também com base na lei de Stevin. Damos aqui o exemplo dos manómetros:
instrumentos que permitem medir a pressão relativa.

No exemplo em cima está representado um manómetro de tubo aberto. A


diferença de pressão p − p0 pode ser determinada medindo a altura h do uido
de densidade ρ (conhecida) que se encontra no tubo:
p = p0 + ρgh ⇔ p − p0 = ρgh.

9.5.4 Paradoxo hidrostático


Consideremos três recipientes cheios com um uido idêntico até à altura h, como
ilustrado na gura em baixo. A área da base, A, é a mesma nos três recipientes.

99
Como a altura h é a mesma, a pressão exercida no fundo de cada recipiente
também é. Sendo a área A igual nos três, a força exercida na base também
será. Porém, os recipientes contém um volume diferente de uido porque a sua
forma é distinta (paredes oblíquas). Por isso, para equilibrar cada recipiente
numa balança de pratos temos de usar pesos diferentes. Mas não dissemos que
a força exercida na base pelo uido era a mesma?
É este o paradoxo hidrostático. A sua resolução será discutida nas aulas
teórico-práticas.

Fim da 18ª aula. 

10 Noções de Hidrodinâmica
10.1 Descrição do escoamento dum uido e diferentes regimes
Para descrevermos o escoamento do uido poderíamos tentar seguir cada partícula,
isto é, cada elemento de volume do meio contínuo. Para isso teríamos de indicar
a posição ~r de cada elemento a cada instante t. Essa posição dependeria da
posição ~r0 num certo instante de referência t0 , pelo que em geral seria necessário
especicar a função vetorial
~r = ~r(t, ~r0 , t0 ).

Esta, porém, não é a abordagem habitual num meio uido.


Revela-se muito mais conveniente descrever como varia a velocidade do uido
em cada ponto xo em função do tempo. Ou seja, a cada ponto ~r associamos
um vetor velocidade que varia com o tempo t à medida que diferentes elementos
de volume do uido passam em ~r. A descrição do escoamento do uido passa
assim por especicar a função vetorial
~v = ~v (~r, t).

Em cada instante xo temos um vetor ~v em cada ponto formando um campo


vetorial, como representado na gura em baixo à esquerda.

100
É possível traçar as linhas que em cada ponto são tangentes ao campo vetorial
num dado instante, como representado na gura em cima à direita. Estas linhas
são conhecidas por linhas de campo, ou no caso dos uidos, linhas de corrente.
Há duas características importantes das linhas de corrente:
ˆ Não se cruzam  no ponto de cruzamento seria possível identicar duas
tangentes, logo dois vetores ~v , mas em cada ponto só há um vetor ~v ;
ˆ Maior densidade de linhas numa região implica maior velocidade do uido
nessa região.
Quando o campo de velocidades não varia com o tempo, ou seja, quando a
velocidade não varia com o tempo
~v = ~v (~r),

dizemos que o regime de escoamento é estacionário. Neste regime as linhas de


corrente coincidem com as trajetórias dos elementos de volume do uido. É útil
denir o conceito de tubo de uxo : superfície fechada formada pelas linhas de
corrente que passam na curva fechada C , como esquematicamente se representa
em baixo.

No regime estacionário o tubo de uxo não varia no tempo. Não iremos aqui
analisar o regime não estacionário, em que as linhas de corrente variam a cada
instante.

10.2 Conservação da massa


Consideremos um segmento dum tubo de uxo sucientemente no, como se
representa em baixo.

101
Durante o intervalo ∆t entra no tubo a porção de massa ∆m1 , identicada à
esquerda no tubo, e irá sair a massa ∆m2 , assinalada à direita. No regime
estacionário, além do campo de velocidades também a densidade ρ do uido é
constante. Por isso a massa que entra no tubo tem de ser igual à massa que dele
sai, caso contrário, assumindo que não há massa a ser criada ou a desaparecer
no tubo, a densidade ρ não seria constante. Deve então vericar-se
∆m1 = ∆m2 ,

reetindo a conservação da massa.


A massa ∆m num volume ∆V é, por denição de densidade, dada por
∆m = ρ∆V . O volume ocupado pela massa ∆m1 é A1 v1 ∆t (notar que os
elementos de massa que entram no tubo no intervalo ∆t têm de estar a uma
distância v1 ∆t ou menos da entrada do tubo). O volume ocupado pela massa
∆m2 é A2 v2 ∆t. Substituindo na expressão para a conservação da massa, vem

ρ1 A1 v1 ∆t = ρ2 A2 v2 ∆t ⇔ ρ1 A1 v1 = ρ2 A2 v2 .

A quantidade ρAv é o uxo de massa por unidade de tempo através da área


A. Esta igualdade diz-nos que a massa de uido que por unidade de tempo
atravessa a secção do tubo de corrente é constante.23
No caso do uido incompressível temos ρ1 = ρ2 . A conservação da massa
pode então ser reescrita como
ρA  2 v 2 ⇔ A1 v 1 = A2 v 2 .
 1 v1 = ρA
A quantidade
Q ≡ Av
é designada por caudal: volume de uido que por unidade de tempo atravessa
a secção do tubo de corrente. A conservação da massa em regime estacionário
num uido incompressível implica que o caudal é constante.
23 Aqui se pode denir o conceito de densidade de corrente de massa, ~j = ρ~ v . É a massa
m
que, por unidade de tempo, atravessa uma secção perpendicular a ~v por unidade de área.
Noutros contextos esta densidade de corrente poderá ser de partículas, ~j = n~v , em que n é a
densidade de partículas, ou de carga, ~jq = qn~v, se as partículas tiverem carga q .

102
10.3 Equação de Bernoulli
Na secção anterior usámos o princípio da conservação da massa. Nesta secção
iremos usar o da conservação da energia. Consideremos o tubo de uxo representado
na gura em baixo, que assumiremos sucientemente no.

Vamos analisar o que ao segmento de tubo de uxo representado na imagem no


intervalo de tempo ∆t. Recordar que o uido escoa em regime estacionário e é
incompressível, ρ = const. Para fazer a análise energética vamos usar o teorema
do trabalho-energia: a variação da energia cinética ∆Ec durante o intervalo ∆t
é igual ao trabalho W realizado pelas forças externas,
∆Ec = W.
Energia cinética: A porção de tubo que se encontrava entre as posições identicadas
por 1 e 2 na gura passa, ao m de ∆t, a ocupar a porção entre 10 e 20 .
O perl de velocidades entre 10 e 2 não sofre alteração, pelo que para
a análise da energia cinética basta considerar o aparecimento da porção
entre 2 e 20 e o desaparecimento da porção entre 1 e 10 :
1 1
∆Ec = ∆m2 v22 − ∆m1 v12 .
2 2
Trabalho: Para calcular o trabalho precisamos das forças. No uido atuam
forças de volume, que no presente caso é apenas a força da gravidade, e
forças de superfície. As forças de superfície presentes são as que resultam
da pressão, ou seja, forças normais, e as forças tangenciais que, como
dissemos quando distinguimos um uido dum sólido, estão sempre presentes
quando há velocidade no uido. A aproximação crucial para derivar a
equação de Bernoulli é desprezar as forças tangenciais. Veremos adiante
que estas forças se devem à viscosidade do uido. Desprezando-as estamos
a trabalhar na aproximação do uido perfeito, ou seja, o uido sem qualquer
viscosidade e por isso o uido que não molha. O cálculo do trabalho é agora
mais simples, bastando somar as contribuições da força de pressão Wp e
da gravidade Wg ,
W = Wp + Wg .

103
Notando que as forças de pressão, por serem normais, só realizam trabalho
nas superfícies perpendiculares às linhas de corrente, podemos escrever
Wp = p1 A1 v1 ∆t − p2 A2 v2 ∆t,
| {z }| {z } | {z }| {z }
F1 ∆r1 F2 ∆r2

onde ∆r1,2 são os valores dos deslocamentos e F1,2 os valores das forças.
Relativamente à força gravítica, por ser conservativa, vem Wg = −∆U
pelo que basta calcular a variação da energia potencial gravítica no intervalo
∆t. Como entre 10 e 2 nada se altera, basta considerar o aparecimento da
porção entre 2 e 20 e o desaparecimento da porção entre 1 e 10 :
Wg = −∆U = − (∆m2 gz2 − ∆m1 gz1 ) .

Compilando os resultados anteriores, vem


1 1
∆Ec = W ⇔ ∆m2 v22 − ∆m1 v12 = p1 A1 v1 ∆t−p2 A2 v2 ∆t+∆m1 gz1 −∆m2 gz2 .
2 2
Usando a conservação da massa,
∆m1 = ρA1 v1 ∆t = ∆m2 = ρA2 v2 ∆t,

podemos reescrever
1  2 1  2 p1  − p2 ρA2 v2 ∆t
∆m 2 v2 − ∆m1 v1 = ρA1 v1 ∆t  +
∆m 1 gz1 − 
∆m 2 gz2 .
 
 

2 2 ρ | 
{z } ρ | {z }
 ∆m1  ∆m2
 

Ou seja, multiplicando ambos os lados de equação por ρ,


1 2 1 2 1 1
ρv2 − ρv1 = p1 + ρgz1 − p2 − ρgz2 ⇔ ρv22 + p2 + ρgz2 = ρv12 + p1 + ρgz1 .
2 2 2 2
Como a análise pode ser feita par qualquer dois pontos 1 e 2 do tubo de uxo,
concluímos que em cada ponto do uido perfeito se verica
1 2
ρv + p + ρgz = const.
2
Esta é a famosa equação de Bernoulli. A fórmula de Torricelli, o tubo de Venturi
e o tubo de Pitot são aplicações famosas desta equação que iremos analisar nas
aulas
 teórico-práticas.
Fim da 19ª aula. 

10.4 Viscosidade
Iremos nalmente levar em conta que o uido não é perfeito e que existem
forças tangenciais que têm origem na viscosidade do uido. Para descrevermos
o comportamento hidrodinâmico do uido neste caso, é necessário incluir as

104
forças de viscosidade na equação de movimento do uido. Aplicando a 2ª lei de
Newton a um elemento de volume ∆V do uido, obtém-se
∆F~ = ∆m × ~a.
Dividindo pelo volume ∆V , vem
f~ = ρ~a,
onde a densidade de força é composta por forças de volume e forças de superfície,
f~ = f~vol + f~sup . Para a densidade de forças de volume, neste caso, contribui
apenas a força gravítica,
f~sup = −∇u
~ = −ρg ~ez .

A densidade de forças de superfície inclui a contribuição das forças normais,


devido à pressão [ver Eq. (63)], e das forças tangenciais devido à viscosidade,
f~sup = −∇p
~ + f~visc .

Precisamos de uma expressão para a força de viscosidade em termos de quantidades


conhecidas, ou que se podem medir.

Coeciente de viscosidade
Considere-se a situação ilustrada na gura em baixo.

Um uido está contido entre duas superfícies planas. A superfície inferior


permanece imóvel, enquanto a superior se desloca com velocidade v0 sob ação
de uma força F~ . Há duas observações empíricas que se podem fazer:
1. O uido imediatamente em contacto com a superfície tem exatamente a
velocidade desta. Ou seja, o uido em contacto com a superfície inferior
tem velocidade nula, enquanto o uido em contacto com a superfícies
superior tem velocidade v0 .
2. A força F~ necessária para manter a placa em permanente deslocação com
velocidade v0 é proporcional à área A da superfície e à própria velocidade
v0 , e inversamente proporcional à distância d entre as duas superfícies,
v0
F = ηA ,
d
sendo o coeciente proporcionalidade designado por coeciente de viscosidade.

105
Todos os uidos conhecidos, quer líquidos quer gasosos, satisfazem a observação 1.
Relativamente à observação 2, os uidos que vericam esta relação empírica são
designados por uidos Newtonianos, sendo que a maioria dos uidos comuns,
quer líquidos quer gasosos, são deste tipo.
A equação de movimento que iremos encontrar vai permitir determinar o
perl de velocidades que se estabelece entre as duas superfícies.

Densidade de força de viscosidade


Os resultados empíricos enunciados acima permitem analisar situações mais
complexas. Nesses casos, tal como se representa na gura em baixo, podemos
considerar um elemento de volume ∆V , em forma de paralelepípedo achatado,
de espessura ∆y e área ∆A nas faces perpendiculares ao eixo y .

Por analogia com o resultado empírico anterior, podemos escrever para a força
∆Fx que é exercida na superfície superior do elemento ∆V representado,
∆Fx ∆vx
'η .
∆A ∆y
Esta é a força por unidade de superfície exercida pelo uido que está imediatamente
acima dessa superfície. Vamos designar esta força por unidade de área τx , ou
seja, τx ≡ ∆Fx /∆A. No limite ∆y, ∆A → 0 vem τx = η∂vx /∂y .24
Se τx (y + ∆y) é a força por unidade de área exercida na superfície superior
pelo uido acima desta, então τx (y) é a força por unidade de área exercida na
superfície inferior pelo uido acima desta. Como queremos a força de viscosidade
exercida no elemento ∆V , precisamos da força exercida na superfície inferior
pelo uido abaixo e não acima. Mas pela 3ª lei de Newton, estas formam um par
ação-reação. Ou seja, a força exercida na superfície inferior pelo uido abaixo
é o simétrico de τx (y), isto é, −τx (y). Podemos então escrever a densidade de
24 O Feynman aproveita para denir o tensor simétrico
 
∂vy ∂vx
Sxy = η + ,
∂x ∂y
que tem a vantagem de ser nulo (Sxy = 0) numa rotação uniforme, pois nesse caso todo o
uido roda como um corpo rígido e não há forças de viscosidade.

106
força de viscosidade devido às superfícies do elemento ∆V perpendiculares a y
como
∆Fx (y + ∆y) − ∆Fx (y) ∆Fx (y + ∆y) − ∆Fx (y)
(fvisc )x = =
∆V ∆A∆y
τx (y + ∆y) − τx (y)
=
∆y

∂vx
∂y − ∂v x
∂y
y+∆y y
'η .
∆y
2
No limite ∆A, ∆y → 0 obtém-se (fvisc )x = η ∂∂yv2x .
Repare-se, porém, que apenas contabilizamos duas das seis superfícies do
elemento ∆V para a densidade de força segundo x. As contribuições vindas
das superfícies perpendiculares a z e a x são, respetivamente, η∂ 2 vx /∂z 2 e
η∂ 2 vx /∂x2 . A primeira pode ser derivada de forma inteiramente análoga, substituindo
y → z na análise acima, pois tem origem nas forças tangenciais que ocorrem
nas faces do paralelepípedo perpendiculares a z . A segunda ocorre nas faces
perpendiculares a x, tendo por isso origem em forças normais a estas, e não a
iremos motivar.25 A contribuição total para (fvisc )x é assim
∂ 2 vx ∂ 2 vx ∂ 2 vx
(fvisc )x = η 2
+ η 2 + η 2 = η∇2 vx .
∂x ∂y ∂z
Finalmente, podemos facilmente obter as componentes da densidade de força
segundo y e z , bastando fazer vx → vy e vx → vz . A densidade de força de
viscosidade é então dada por
f~visc = η∇2~v .
Há termos adicionais se ρ 6= const. Ou seja, a expressão acima só é válida
para o uido incompressível. Mais ainda, assumiu-se η = const, que também
é uma aproximação. Por exemplo, falha se a temperatura do uido variar de
ponto para ponto. Contudo, a aproximação de uido incompressível e η = const
permite já analisar muitas situações de interesse.

Equação de movimento
A equação de movimento para o uido viscoso, incompressível e com η = const
é
~ − ∇p
−∇u ~ + η∇2~v = ρ~a.
É conveniente reescrever a equação apenas em termos do campo de velocidades.
Iremos demonstrar em baixo que
~ ~v + ∂~v .
 
~a = ~v · ∇ (65)
∂t
25 O Feynman também não motiva esta contribuição. Uma discussão mais detalhada sobre
a relação entre forças e gradientes de velocidade no uido pode ser encontrada em Schlichting,
H., Boundary-Layer Theory, Eighth Edition, McGraw-Hill, New York, 2000. A meio do
terceiro capítulo percebemos porque é que este termo tem de lá estar.

107
A equação de movimento para o uido viscoso, incompressível com η = const é
habitualmente apresentada como
1~ 
~ ~v + ∂~v = − 1 ∇u

~ − 1 ∇p
~ + η ∇2~v .
~a = f ⇔ ~v · ∇
ρ ∂t ρ ρ ρ
Esta equação é conhecida por equação de Navier-Stokes, e iremos aplicá-la a
três exemplos concretos. Mas antes disso, demonstremos a Eq. (65).

DEMO
Na nossa descrição da dinâmica do uido, optámos por olhar para o campo de
velocidades ~v (~r, t) em cada instante, em vez de seguir os elementos de volume.
Porém, o vetor ~a que entra na equação de movimento é a aceleração do elemento
de volume, o mesmo que está sujeito às forças discutidas acima. Temos pois de
analisar este elemento de volume.
No instante t este elemento ocupa a posição ~r(t) e tem a velocidade dos
elementos que nesse instante passam por ~r, ou seja,
~r(t) −→ ~v (~r, t).
Passado um intervalo de tempo ∆t, este mesmo elemento encontra-se na posição
~r(t + ∆t) com a velocidade que o campo vetorial apresenta nesse ponto nesse
instante,
~r(t + ∆t) = ~r(t) + ∆~r −→ ~v (~r(t + ∆t), t + ∆t) = ~v (~r + ∆~r, t + ∆t).
A aceleração é, por denição,
~v (~r + ∆~r, t + ∆t) − ~v (~r, t)
~a = lim .
∆t→0 ∆t
No limite em que ∆t se torna tão pequeno quanto quisermos, podemos
aproximar
~v (~r + ∆~r, t + ∆t) = ~v (x(t) + ∆x, y(t) + ∆y, z(t) + ∆z, t + ∆t)
∂~v ∂~v ∂~v ∂~v
' ~v (x(t), y(t), z(t), t) + ∆x + ∆y + ∆z + ∆t
∂x ∂y ∂z ∂t
~ ~v + ∂~v ∆t,
 
= ~v + ∆~r · ∇
∂t
onde, por simplicidade, escrevemos ~v (~r, t) ≡ ~v . Por outro lado, no mesmo limite,
d~r
~r(t + ∆t) ' ~r(t) + ∆t = ~r(t) + ~v ∆t,
dt
ou seja,
∆~r = ~r(t + ∆t) − ~r(t) ' ~v ∆t.
Substituindo no resultado acima para ~v (~r + ∆~r, t + ∆t), vem

~ ~v ∆t + ∂~v ∆t.
 
~v (~r + ∆~r, t + ∆t) ' ~v + ~v · ∇
∂t

108
Finalmente, substituindo na aceleração, obtém-se
h  i
~ ~v +
~v · ∇ ∂~
v
∆t
∂t
~ ~v + ∂~v ,
 
~a = lim = ~v · ∇
∆t→0 ∆t ∂t
como queríamos demonstrar.

10.5 Exemplos
Os primeiros dois exemplos que iremos estudar dizem respeito ao escoamento
dum uido entre dois planos paralelos, como se representa na gura em baixo.

O plano inferior encontra-se parado, v = 0, e o superior é mantido em movimento


à velocidade v0 . A separação entre planos é h.
Vamos procurar soluções em regime estacionário, para as quais o uido
apenas tem velocidade segundo x e esta só depende de y . O objetivo é então
determinar a função vx (y), sabendo que
∂~v
= 0 (regime estacionário) e vx ≡ vx (y), vy = vz = 0.
∂t
Como os planos são perpendiculares a y e o plano superior apenas se move
segundo x, a hipótese vx ≡ vx (y) e vy = vz = 0 parece razoável. No caso de
planos innitos, podemos mesmo evocar argumentos de simetria para garantir
que deverá existir uma solução com estas características.
A equação que temos de usar é a equação de movimento para o uido viscoso
que obtivemos acima, ou seja,

~ ~v = − 1 ∇u
~ − 1 ∇p
~ + η ∇2~v ,
 
~v · ∇
ρ ρ ρ
onde levamos já em conta o regime estacionário. Para o lado esquerdo podemos
escrever
 
~ ∂ ∂ ∂ 
~
 ∂vx ∂vy ∂vz
~v · ∇ ≡ vx + vy + vz ⇒ ~v · ∇ ~v = vx , vx , vx ,
∂x |{z} ∂y |{z} ∂z ∂x ∂x ∂x
=0 =0

sendo que o vetor que escrevemos na última igualdade é o vetor nulo:


∂vx (y) ∂vy ∂vz
vx ≡ vx (y) ⇒ = 0, vy = vz = 0 para qq ~r ⇒ = = 0.
∂x ∂x ∂x

109
Em suma, estamos à procura de soluções de movimento do uido em que a
aceleração dos elementos de volume é nula. Equivalentemente, a resultante das
densidades de força aplicadas é nula.
Decompondo a equação de movimento em componentes e usando −∇u ~ =
−ρg ~ey (de acordo com o referencial da gura), vem

1 ∂u 1 ∂p η 2 1 ∂p η ∂ 2 vx
x:0=− − + ∇ vx = − +
ρ ∂x ρ ∂x ρ ρ ∂x ρ ∂y 2
1 ∂u 1 ∂p η 2 1 ∂p
y:0=− − + ∇ vy = −g −
ρ ∂y ρ ∂y ρ |{z} ρ ∂y
=0
1 ∂u 1 ∂p η 2 1 ∂p
z:0=− − + ∇ vz = − .
ρ ∂z ρ ∂z ρ |{z} ρ ∂z
=0

A equação para a componente z diz-nos


∂p
= 0 ⇒ p 6= p(z).
∂z
Ignorando a gravidade,26 a da componente y diz-nos
∂p
≈ 0 ⇒ p 6= p(y).
∂y

Como p ≡ p(x) e vx ≡ vx (y), a equação para a componente x pode escrever-se


1 dp η d2 vx
= .
ρ dx ρ dy 2
O lado esquerdo só depende de x, enquanto o lado direito só depende de y . Para
que a equação seja válida par todo o x e y terá de vericar-se
1 dp η d 2 vx
= const = . (66)
ρ dx ρ dy 2

10.5.1 Planos paralelos na ausência de gradiente de pressão


Este caso corresponde a fazer const = 0 na Eq. (66). Ou seja,
dp d2 vx
=0 ⇒ = 0.
dx dy 2
26 Ignorar a gravidade na variação da pressão em y é uma boa aproximação se a separação
entre planos for sucientemente pequena. Para percebermos o que é sucientemente pequeno
aqui, notemos que num uido como a água (ρ = 103 kg/m3 ), em repouso, a variação de pressão
é de cerca de 104 Pa por cada metro. Isto é cerca de uma ordem de grandeza abaixo da pressão
atmosférica (∼ 105 Pa). Para uma separação entre planos inferior a um metro, a variação de
pressão induzida pela gravidade será tipicamente muito menor do que a pressão a que escoa
o uido.

110
A função que tem segunda derivada nula é
vx = Ay + B,

com Ae B constantes a determinar pelas condições de fronteira.


Como o uido em contacto com os planos tem a velocidade destes, as condições
de fronteira a satisfazer são
vy (y = 0) = 0 e vy (y = h) = v0 .
Da primeira obtém-se B = 0. Da segunda vem A = v0 /h. O perl de velocidade
é assim linear, dado por
v0
vx (y) = y.
h

10.5.2 Planos paralelos parados na presença de um gradiente de


pressão
Neste caso temos um gradiente de pressão constante,
dp
= const 6= 0.
dx
O uido escoa mesmo que quando os dois planos estão parados, ou seja, com
v0 = 0 na gura que abre esta secção.
Assumindo um gradiente de pressão negativo dp/dx = −K , pela Eq. (66)
vem 2 2
dp d vx d vx K
= −K = η 2 ⇔ 2
=− .
dx dy dy η
A função que tem segunda derivada constante e igual a −K/η é
K 2
vx = − y + Ay + B.

As condições de fronteira a satisfazer são neste caso
vy (y = 0) = 0 = vy (y = h).

Da primeira obtém-se B = 0. Da segunda vem A = 2η h.


K
O perl de velocidade
é agora quadrático, dado por
K
vx (y) = y(h − y).

A velocidade máxima ocorre na posição y = h/2, e é dada por


Kh2
vxmax = .

111
10.5.3 Lei de Poiseuille
O último exemplo diz respeito ao escoamento por um tubo cilíndrico de raio R,
de comprimento ∆l e sujeito a uma variação de pressão ∆p, como ilustrado na
gura em baixo.

A aplicação da equação de movimento para o uido viscoso incompressível que


obtivemos acima (equação de Navier-Stokes) é um dos problemas propostos na
série de problemas sobre uidos. Aqui apresentamos apenas o resultado para o
caudal Q do uido que atravessa o tubo,
∆p πρ 4
Q= R .
∆l 8η
Se diminuirmos o raio do tubo para metade, o caudal diminui para 1/8 do seu
valor, quase uma ordem de grandeza. Recordemos aqui que para um uido
perfeito a escoar no tubo à velocidade v o caudal seria Q = vA = vπR2 .

Fim da 20ª aula. 

Part IV
Elasticidade
É habitual estudar-se em Mecânica a dinâmica do corpo rígido : sistema de
partículas com distâncias xas entre si, sucientemente próximas para poderem
ser tratadas como um contínuo de massa, sujeitas a forças externas. Ou seja,
o corpo rígido é aproximado por um contínuo de massa indeformável. Neste
último capítulo vamos relaxar esta condição.

11 Introdução à teoria da elasticidade


Iremos aqui levar em conta que os sólidos, tratados como um contínuo de
massa, podem deformar sob ação de forças externas. Se o sólido volta à forma
original quando as forças externas deixam de ser aplicadas, estamos no regime
elástico. As deformações, em particular no regime elástico, são muito pequenas
comparadas com as dimensões típicas dos sólidos. Se as forças forem sucientemente
elevadas, o sólido pode deformar permanentemente  regime plástico  ou mesmo
entrar em rotura e quebrar. Nesta unidade curricular é o regime elástico que
nos interessa.

112
11.1 Lei de Hooke
Consideremos o sólido em forma de paralelepípedo retangular representado na
gura em baixo, ao qual se aplica uma força F~ que origina uma deformação do
sólido.

Depois de se atingir o novo equilíbrio, com o sólido já deformado sob ação das
forças externas, deve cumprir-se a condição de equilíbrio estático, isto é, a soma
das forças externas tem de ser zero. Se aplicámos na face direita uma força F~ ,
como indicado na gura, então também aplicamos na face esquerda uma força
−F~ , cumprindo-se a condição. Se estas forças dão origem a um aumento de
comprimento do sólido,
l → l + ∆l,
são designadas forças de tração (ou trativas), por oposição a forças de compressão
(ou compressoras).
Verica-se experimentalmente que a variação de comprimento ∆l é proporcional
à força. Ou seja, se duplicarmos a força, duplicamos a variação de comprimento
∆l. A lei empírica
F ∝ ∆l
é conhecida por lei de Hooke. Queremos substituir a proporcionalidade (símbolo
∝) por uma igualdade introduzindo uma constante de proporcionalidade. Porém,
essa constante deve ser uma característica do material que compõe o sólido, não
devendo por isso depender das dimensões do paralelepípedo.
1. Vamos usar dois sólidos idênticos ao da gura acima. Depois de os colar
topo com topo, como representado no esquema em baixo, aplicamos a
mesma força de tração F . Cada metade do sistema aumenta de tamanho
∆l, pois como anteriormente cada metade está sujeita à mesma força de
tração F . Porém, o sistema como um todo aumentou de tamanho 2∆l. Ou
seja, sob a mesma força de tração, o sólido de comprimento 2l aumentou
2∆l.

113
Concluímos que
∆l
F ∝ ,
l
pois desta forma ou duplicarmos l e ∆l a razão mantém-se, pelo que a
força F pode se a mesma.
2. Usemos os mesmos dois sólidos, mas agora colados por uma das faces
laterais, como ilustrado no esquema em baixo. Mantemos as forças de
tração F , como indicado, sendo o comprimento dos sólidos l + ∆l quer
antes de colar quer depois. Porém, o sistema visto como um todo está
sujeito à força de tração 2F , apesar da variação de comprimento continuar
a ser ∆l. O que se alterou foi a área de secção onde é aplicada a força.
A força F atua na área A, enquanto a força 2F atua na área 2A. Ou
seja, duplicando a área e a força, obtém-se a mesma variação relativa de
comprimento ∆l/l.

Concluímos que
∆l
F ∝A ,
l
pois desta forma, ao duplicar a área, temos de duplicar a força para manter
∆l/l.
Finalmente, podemos escrever
∆l
F =YA , Y ≡ módulo de Young,
l
ou, na forma mais usual,
F ∆l
=Y .
A l

114
O lado esquerda da equação acima é uma força por unidade de área e, no
contexto da elasticidade, é designada por tensão ('stress' na literatura em língua
Inglesa). O lado direito envolve a variação relativa do comprimento, ∆l/l, que
é designada por deformação ('strain' na literatura em língua Inglesa). O que a
equação diz é que a tensão é proporcional à deformação, sendo a constante de
proporcionalidade uma constante elástica característica do material  o módulo
de Young.
Representado na gura com que abrimos esta secção, podemos também
encontrar o efeito da força de tração F nas dimensões transversais à da aplicação
da força:
w → w + ∆w e h → h + ∆h.
Empiricamente verica-se que
∆l ∆l
∆w ∝ w e ∆h ∝ h .
l l
Verica-se ainda que uma deformação positiva (∆l/l > 0), resultado da força
de tração F , dá origem a uma contração lateral com ∆w, ∆h < 0. Introduzindo
a constante de proporcionalidade σ , podemos escrever
∆w ∆h ∆l
= = −σ , σ ≡ coeciente de Poisson,
w h l
ou 'Poisson ratio' na literatura Inglesa.
Em meio homogéneos e isotrópicos, estas duas constantes elásticas  módulo
de Young e coeciente de Poisson  determinam completamente as propriedades
elásticas do meio. Poderá ser vantajoso introduzir outras constantes elásticas
nalgumas situações especícas de deformação, como faremos nas secções seguintes.
Mas todas elas admitem ser escritas à custa destas duas constantes.

11.2 Deformações uniformes


Por admitirem uma análise mais simples, vamos estudar três casos em que os
sólidos estão sujeitos a tensões uniformes, dando por isso origem a deformações
uniformes.

11.2.1 Expansão ou compressão


Um exemplo de deformação uniforme ocorre se o sólido expandir ou comprimir
uniformemente. O segundo caso é de fácil realização, bastando submeter o corpo
a uma pressão hidrostática p, por exemplo submergindo-o num uido.
Na gura em baixo está representado um sólido em forma de paralelepípedo,
sujeito à pressão hidrostática p. Nas faces atuam as forças de compressão
indicadas, responsáveis pela deformação do corpo.

115
Queremos determinar as deformações ∆l/l, ∆w/w e ∆h/h. Comecemos por
determinar a deformação ∆l/l na direção 1.
Se apenas estivesse presente a força F1 , diríamos imediatamente que
F1 ∆l1
= −Y ,
A1 l
onde o sinal negativo garante que a força de compressão F1 positiva resulta
numa deformação negativa, com ∆l1 < 0. Porém, estão também presentes F2 e
F3 .
Se apenas estivesse presente F2 , viria para a direção 2
F2 ∆h2 ∆l2 ∆h2 σ F2
= −Y , e na direção 1 transfersa = −σ = .
A2 h l h Y A2
Por outro lado, se apenas estivesse presente F3 , viria para a direção 3
F3 ∆w3 ∆l3 ∆w3 σ F3
= −Y , e na direção 1 transfersa = −σ = .
A3 w l w Y A3
A situação que queremos descrever pode ser P interpretada como sendo a
sobreposição do efeito de cada força isolada, ∆l = 3i=1 ∆li . Obtém-se então
 
∆l X ∆li 1 F1 σ F2 F3
= =− + + , (67)
l i
l Y A 1 Y A2 A3

ou, levando em conta que a pressão é a mesma em todas as faces, ou seja, que
a tensão é uniforme, Fi /Ai = p, obtém-se nalmente
∆l p
= − (1 − 2σ).
l Y
Poderíamos de forma totalmente análoga determinar as deformações totais nas
outras direções. O resultado é idêntico,
∆h ∆w p
= = − (1 − 2σ),
h w Y
pois a tensão é a mesma nas três direções.

116
A variação de volume ∆V /V como efeito da pressão hidrostática também
tem interesse. Para pequenas deformações, podemos aproximar27
∆V ∆l ∆w ∆h
≈ + + .
V l w h
Somando as três contribuições idênticas, vem
∆V p ∆V
= −3 (1 − 2σ) ⇒ p = −K ,
V Y V
com
Y
K= , K ≡ módulo de compressibilidade.
3(1 − 2σ)
O parâmetro elástico K é designado por módulo de elasticidade volumétrico
(bulk modulus na literatura em língua inglesa). O seu inverso é conhecido por
módulo de compressibilidade, 1/K . Note-se que, como K > 0 para qualquer
pressão p, então deverá cumprir-se σ < 1/2.

Fim da 21ª aula. 

11.2.2 Tensão de corte


Até agora, as tensões que aplicámos ao meio elástico tinham origem em forças
perpendiculares ao plano em que eram aplicadas. Vamos analisar o caso em
que a força é aplicada paralelamente ao plano, como por exemplo a força G na
gura em baixo.

A força por unidade de área,


G
≡ g,
A
designa-se por tensão de corte (ou em Inglês, 'shear stress'). De notar que
não há translação do corpo, apenas deformação. Logo, para que a soma das
27 Para pequenas deformações, temos ∆V  V , pelo que podemos expandir a função
V (l, w, h) = lwh em série de Taylor,
∂V ∂V ∂V
V (l, w, h) = V (l0 , w0 , h0 ) + ∆l + ∆w + ∆h + . . .
∂l ∂w ∂h
Designando V (l, w, h) − V (l0 , w0 , h0 ) ≡ ∆V , fazendo a derivadas parciais e dividindo por V ,
obtém-se a expressão indicada no texto.

117
forças seja nula, na base oposta do sólido está a ser exercida uma força −G. A
aplicação destas forças dá origem a uma deformação que pode ser parametrizada
pelo ângulo θ. O objetivo é relacionar g com θ.
Consideremos um cubo com faces de área A. Para garantir que, para além
da força resultante ser nula, também o torque total é zero, aplicamos dois pares
de tensões de corte em quatro das seis faces, como representado na gura em
baixo à esquerda.

Decompondo as forças G em componentes alinhadas com os planos diagonais,


assinalados na gura pelas letras A e B, concluímos que:
ˆ Há um par
√ de forças de tração FA , perpendiculares à secção diagonal A,
de área 2A, dadas por
G
FA = √ × 2;
2
ˆ Há um par
√ de forças de compressão FB , perpendiculares à secção diagonal B,
de área 2A, dadas por
G
FB = √ × 2.
2
Concluímos que as tensões de corte no cubo são equivalentes à presença da
tensão de tração
F G
√A = ,
2A A
aplicada a 45◦ , e de compressão
F G
√B =− ,
2A A

também a 45◦ (90◦ da de tração). Explicitamos na última expressão o sinal


negativo para distinguir tração de compressão.
Podemos agora imaginar que o cubo da gura acima faz anal parte do
paralelepípedo representado na gura em baixo à esquerda. O quadrado contido
no na face retangular do paralelepípedo é o cubo em causa, sendo D a diagonal
da face do cubo.

118
Se sujeitarmos o paralelepípedo a forças de tração FA e de compressão FB em
direções ortogonais, como indicado na gura, surgem no cubo exatamente as
mesmas tensões que identicámos anteriormente. Ou seja, a deformação do
cubo coincide com a deformação que surge devido às tensões de corte. Porém,
agora, é relativamente simples obter as deformações à custa das constantes
elásticas já conhecidas (módulo de Young e coeciente de Poisson).
A variação do comprimento da diagonal D não é mais do que a variação
do comprimento D do paralelepípedo na direção da força de tração FA , como
representado na gura em cima à direita. A deformação ∆D/D tem duas
contribuições: uma devido diretamente à força de tração FA ,
FA ∆D1
=Y ,
AREA D
e outra devido à força de compressão FB ,
∆D2 ∆w σ FB
= −σ =− .
D w Y AREA
√ √ √
Notando que a área é AREA = 2A, que FA = 2G e que FB = − 2G,
obtém-se
∆D ∆D1 ∆D2 1G σG 1+σ G
= + = + = . (68)
D D D Y A Y A A
Y |{z}
g

Temos agora uma relação entre a deformação a deformação do cubo e a tensão de


corte que lhe dá origem. Resta apenas determinar a relação entre a deformação
∆D/D e o ângulo θ.

119
Com base na análise do gura em cima, o ângulo θ está relacionado com a
altura l do cubo e com o desvio δ por
δ
= tan θ ≈ θ,
l
onde usámos o facto das deformações serem pequenas e por isso θ  1. O
parâmetro δ está relacionado com a deformação ∆D: o pequeno triângulo
retângulo com hipotenusa δ , representado na gura acima, é isósceles com
catetos de comprimento ∆D. Logo,
∆D √
δ= = 2∆D.
cos(π/2)

Por outro lado, o comprimento l relaciona-se com a diagonal da face do cubo


por
D
l = D sin(π/2) = √ .
2
Obtém-se então
δ ∆D 1+σ
θ≈ =2 =2 g,
l D Y
onde usámos a Eq. (68).
A relação entre a deformação θ e a tensão de corte g é linear, como esperado
para pequenas deformações no regime elástico. Podemos então escrever,
g = µθ, µ ≡ módulo de rigidez (69)
onde introduzimos uma nova constante elástica que, por se tratar dum meio
homogéneo e isotrópico, se relaciona com o módulo de Young e com o coeciente
de Poisson por
Y
µ= .
2(1 + σ)

120
11.2.3 Barra encastrada
Como último exemplo de deformações uniformes, vamos considerar o caso da
barra impedida de se deformar lateralmente por se encontrar encastrada. Se
aplicar uma força de tração Fx segundo a direção x da barra, como representado
na gura em baixo, deverão aparecer forças transversais Fy e Fz que impeçam a
barra de contrair nas direções y e z . O encastre é responsável por essas forças.

A análise é idêntica à que foi feita na Sec. 11.2.1. As forças Fx , Fy e Fz dão


origem a alterações dos comprimentos lx , ly e lz ,
lx → lx + ∆lx , ly → ly + ∆ly , lz → lz + ∆lz .

As deformações ∆lα /lα obtêm-se aplicando a Eq. (67) a cada direção α = x, y, z :


 
∆lx 1 Fx σ Fy Fz
=− + +
lx Y Ax Y Ay Az
 
∆ly 1 Fy σ Fx Fz
=− + + =0
ly Y Ay Y Ax Az
 
∆lz 1 Fz σ Fx Fy
=− + + = 0,
lz Y Az Y Ax Ay

onde levámos já em conta a condição de barra encastrada, ∆ly = ∆lx = 0.


Usando as duas últimas equações, podemos determinar as tensões Fy,z /Ay,z à
custa da tensão Fx /Ax . Resolvendo o sistema, obtém-se
Fy Fz σ Fx
= = .
Ay Az 1 − σ Ax

Substituindo na primeira equação, vem


σ2
 
∆lx 1 Fx
= 1− .
lx Y 1 − σ Ax
| {z }
<1

Ou seja,
Fx (1 − σ) ∆lx
=Y .
Ax (1 + σ)(1 − 2σ) lx
| {z }
>1

121
Comparando com o caso não encastrado, onde
Fx ∆lx
=Y ,
Ax lx
percebemos que que para aplicar à barra encastrada a mesma deformação temos
de aplicar maior tensão.

11.3 Torção
Este é o primeiro de dois exemplos onde iremos considerar deformações não
uniformes. Neste primeiro exemplo iremos analisar o pêndulo de torção apresentado
na gura em baixo. A vareta de suporte é cilíndrica, com comprimento L
e raio a. Supõe-se que o extremo superior da vareta está xo, enquanto o
extremo inferior está ligado a um disco. Para rodarmos o disco de um ângulo φ
relativamente à posição de equilíbrio, é necessário aplicar um torque proporcional
ao ângulo,
τz = K̃φ.
Esta relação pode ser obtida aplicando a teoria da elasticidade, permitindo
estabelecer a dependência da constante K̃ nas características geométricas da
vareta e constantes elásticas.

No painel (a) da gura acima representa-se a vareta na horizontal. A torção por


um ângulo φ dá origem a uma deformação da vareta. Essa deformação, contudo,
depende da distância ao eixo da vareta cilíndrica  por exemplo, elementos
de volume ao longo do eixo não deformam. Por isso este é um exemplo de
deformação não uniforme.

122
Para facilitar a análise, vamos decompor a vareta em coroas cilíndricas
de raio r e espessura ∆r, como representado no painel (b) da gura acima.
A deformação será parametrizada pelo ângulo θ na gura, ângulo esse que
^depende de r (quanto menor r menor θ); para cada coroa cilíndrica o raio
está xo e portanto a deformação é uniforme.
O elemento de volume sombreado na secção ∆z da coroa translada e deforma
sob ação da força tangencial ∆F representada na gura. Para a análise elástica
importa apenas a deformação. No painel (c) da gura acima está ilustrada
a deformação do elemento de volume: tensões de corte g dão origem a uma
deformação parametrizada pelo ângulo θ, em total analogia com a análise da
Sec. 11.2.2. A tensão de corte é dada por
∆F
g= ,
∆A
onde ∆A = ∆r∆l é a área da face do elemento de volume onde ocorre a força
∆F . Iremos aplicar a relação que encontramos entre g e θ, Eq. (69).
Designando por ∆S o comprimento de arco rφ assinalado no painel (b) da
gura acima,
∆S = rφ,
podemos escrever
∆S rφ
θ ' tan θ = ⇒θ' .
L L
Aplicando a Eq. (69),
∆F rφ µφ
g = µθ ⇔ =µ ⇒ ∆F = r∆r∆l.
∆r∆l L L
A força ∆F dá origem a um torque elementar
µφ 2
∆τ = ∆F r = r ∆r∆l.
L
Somando sobre todos os torques elementares na coroa,
X µφ 2 X µφ
∆τ = r ∆r ∆l = 2π r3 ∆r.
L | {z } L
2πr

Somando a contribuição de todas as coroas, ou seja, integrando sobre o raio,


Z a
X µφ µφ
τz = lim 2π r3 ∆r = 2π r3 dr,
∆r→0 L L 0

123
obtém-se
πa4
τz = µ φ,
2L
ou seja,
πa4
K̃ = µ
2L

Fim da 22ª aula. 

11.4 Flexão de uma barra


Este é o segundo exemplo de deformação não uniforme. Consideremos uma barra
de comprimento L que é etida de forma a fazer aparecer um raio de curvatura
R, como se representa na gura da esquerda em baixo. Estamos interessado no
caso em que as dimensões transversais da barra são muito inferiores ao rio de
curvatura. Ou seja, para uma barra cilíndrica de raio r, iremos analisar apenas
o caso
r  R.

A exão dá origem a uma deformação não uniforme, como se percebe pelo


facto de a parte superior da barra aumentar de comprimento, Lext > L, enquanto
a parte inferior diminui de comprimento, Lint < L. A análise da porção de
comprimento l da barra representada à direita na gura acima, ilustra melhor
o efeito, sendo possível perceber a presença de uma superfície que não deforma:
plano das bras neutras. No eixo y representado na gura zemos coincidir a
origem y = 0 com a posição do plano das bras neutras:
y > 0 ∆l > 0
y = 0 ∆l = 0
y < 0 ∆l < 0.

124
Com base no pequeno triângulo ilustrado na gura, podemos também escrever,
∆l
tan θ ' θ ' .
2y

Com base no triângulo maior, com catetos R e l/2, obtém-se


l
tan θ ' θ ' .
2R
Combinando as duas expressões, vem
∆l y
= . (70)
l R
Como ilustrado na gura, acima do plano das bras neutras ocorrem forças
de tração, daí ∆l > 0. Abaixo deste, estão presentes forças de compressão,
resultando em ∆l < 0. Estas forças dão origem a um momento de força (torque),
relativamente ao plano das bras neutras, designado por momento etor.

Para calcular o momento etor, vamos dividir a secção da barra em pequenas


áreas ∆A, como se representa na gura em cima. Os pontos da área ∆A estão
à mesma distância do plano das bras neutras (isto é exato no limite ∆A → 0),
pelo que a sua contribuição para o momento etor é
∆M (y) = y∆F.

A força ∆F é responsável pela variação de comprimento ∆l, vindo, por denição


de módulo de Young,
∆F ∆l y
=Y =Y ,
∆A l R
onde se usou a Eq. (70). Passando para quantidades innitesimais,
dF y y
∆A → dA ⇒ dM = ydF, =Y ⇒ dF = Y dA,
dA R R
podemos obter o momento etor integrando na área A da secção da barra:
Z Z Z
Y
M= dM = ydF = y 2 dA.
A A R A

125
A quantidade A y 2 dA tem dimensões de momento de inércia e é designada por
R

momento de inércia geométrico :


Z
I= y 2 dA.
A

A equação que determina a exão da barra, relacionando o momento etor com


o raio de curvatura, é
YI
M= .
R
O momento etor pode ser calcula à esquerda ou à direita (a porção de barra
que estivemos a analisar tem duas secções, uma à esquerda outra à direita).
A equação acima, tal como foi derivada, relaciona apenas um deles com a
deformação da barra. Na prática, escolhemos o momento etor com que queremos
fazer a análise (esquerda ou direita) e mantemos essa escolha até ao nal.
Se quisermos sujeitar uma barra de módulo de Young Y ao momento etor
M , um maior momento de inércia geométrico I implica um maior raio de
curvatura R, e logo uma barra que se deforma menos. As barras estruturais
comerciais têm em geral uma secção desenhada para maximizar o momento de
inércia geométrico I .

Barra encastrada sujeita à força W


Como exemplo de ilustração vamos analisar o caso da barra com uma das
extremidades encastradas, sujeita a uma força W aplicada no extremo oposto.
Vamos assumir que a barra tem peso desprezável. Como ilustrado na gura em
baixo, o objetivo é determinar a deeção da barra à distância x, ou seja, z(x).

Vamos usar o momento etor à direita. A equação que permite relacionar


momento etor com deformação é
YI
M= .
R
O momento etor à direita no elemento da barra à distância x do encastre é
exercido pelo resto da barra entre x e L. Evocando os pares ação-reação, na
porção da barra entre x e L é exercido um momento −M no extremo esquerdo
(posição x) relativamente ao plano das bras neutras em x. Como essa porção
de barra está em equilíbrio (não está a rodar em torno de um eixo que passa
pelo plano das bras neutras na posição x), então a soma dos torques tem de
ser zero:
−M + W (L − x) = 0 ⇒ M = W (L − x).

126
Vamos usar o seguinte resultado matemático para o raio de curvatura,
1 d2 z/dx2
= .
R [1 + (dz/dx)2 ]3/2

Apenas nos interessam pequenos desvios relativamente à horizontal (é o caso de


interesse na construção), por isso desprezamos dz/dx relativamente à unidade:
1 d2 z
≈ 2.
R dx
Obtém-se assim a seguinte equação diferencial,
d2 z W
= (L − x),
dx2 YI
que deve ser integrada respeitando as condições de fronteira da barra encastrada:
z(x = 0) = 0

dz
= 0.
dx x=0

A solução é
Lx2 x3
 
W
z(x) = − ,
YI 2 6
sendo a deeção máxima dada por
W L3
z(L) = .
YI 3

Fim da 23ª aula. 

127
Apêndice
A Coordenadas normais e o método matricial
O método matricial permite uma abordagem sistemática à determinação dos
modos normais de oscilação do sistema bem como das suas coordenadas normais.
Vamos usar como exemplo um sistema de dois osciladores unidimensionais acoplados,
mas o método pode ser usado para qualquer número de osciladores e de qualquer
dimensionalidade.
Para um sistema de dois osciladores acoplados unidimensionais (apenas duas
coordenadas xA e xB ), podemos escrever em geral
m1 ẍ1 = −k1 x1 − k12 x2
m2 ẍ2 = −k2 x2 − k21 x1 ,
onde se admite que as massas dos dois osciladores possam ser diferentes, m1 6=
m2 . O caso m1 = m2 aparecerá como caso particular deste.
As equações de movimento podem ser reescritas da seguinte forma,
ω12 x1 + ω12
2
x2 = −ẍ1 ω12 2
    
ω12 x1 ẍ1
⇔ 2 =− ,
ω22 x2 + ω21
2
x1 = −ẍ2 ω21 ω22 x2 ẍ2

onde ωi2 = ki /mi e ωij


2
= kij /mi . Designando por M a matriz introduzida na
última equação. Vimos no texto principal que os modos normais podem ser
obtidos encontrando os valores e vetores próprios de M,
   
C C
M = −ω 2 .
C0 C0
Introduzindo a matriz mudança de base
 
C− C+
U −1
= 0 0 , (71)
C− C+
onde as colunas são os vetores próprios de M, vem
2
 
−1 ω− 0
UMU = 2 .
0 ω+
Podemos agora manipular o sistema de equações de movimento da seguinte
forma,
       
x1 ẍ1 x1 ẍ1
M =− ⇔ UM = −U
x2 ẍ2 x2 ẍ2
   
−1 x1 ẍ1
⇔ UMU U
| {z } x2 = −U
ẍ2
1
 2     
ω− 0 x1 ẍ1
⇔ 2 U = −U .
0 ω+ x2 ẍ2

128
As coordenadas normais podem agora ser facilmente identicadas,
   
q− x1
=U , (72)
q+ x2

pois os sistema de equações


(
2 2
    
ω− 0 q− q̈− q̈− + ω− q− = 0
2 =− ⇔
0 ω+ q+ q̈+ 2
q̈+ + ω+ q+ = 0

descreve dois osciladores desacoplados. Note-se que invertendo a Eq. (72), vem
   
x1 q−
= U −1 ,
x2 q+

que, atendendo à denição de U −1 na Eq. (71), não é mais do que a Eq. (31)
do texto principal. Resta então determinar a matriz U .
Se a matriz M for simétrica, então U −1 = U T , obtendo-se
0
 
T C− C−
U = U −1 = 0 .
C+ C+

Nos casos mais simples M é simétrica, mas nem sempre tal acontece. Por
exemplo, M nunca é simétrica no caso em que m1 6= m2 . Neste caso temos
−1
de usar U = U −1 que, pela inversa de uma matriz, é
−1 1
U = U −1 = AdjU −1 =
det U −1
0
 
1 C+ −C+
= 0 0 0 .
C− C+ − C+ C− −C− C−

As coordenadas normais são,


0
        
q− x1 q− C+ −C+ x1
=U ⇒ ∝ 0 .
q+ x2 q+ −C− C− x2

Como uma coordenada normal multiplicada por uma constante continua a ser
uma coordenada normal, podemos escolher
0
q− = C+ x1 − C+ x2 e q+ = −C−
0
x1 + C− x2 ,

ou, equivalentemente,
0
C+ C0
q− = x1 − x2 e q+ = − x1 − x2 ,
C+ C−

que é exatamente a Eq. (32).

129
B Pressão como função de ponto
Consideremos um volume elementar, delimitado por uma superfície cilíndrica
alinhada com o eixo dos zz , e duas superfícies que contêm os pontos P e P 0 ,
como representado na gura em baixo.

A superfície que contém o ponto P tem área dS e normal −n̂, com n̂ = k̂. A
superfície que contém o ponto P 0 tem área dS 0 e normal n̂0 , com orientação tal
que n̂0 · n̂ = n̂0 · k̂ = cos θ.
Se o volume elementar se encontrar em equilíbrio, a soma das forças que
atuam em todas as superfícies é zero,
X
dF~ = 0.

Esta é uma equação vetorial, que devemos vericar componente a componente.


Em particular, para a componente z temos
X
dFz = 0 ⇔ −p(P 0 , n̂0 )dS 0 n̂0 · k̂ − p(P, −n̂)dS(−n̂ · k̂) = 0.

Facilmente se pode vericar que


dS 0 n̂0 · k̂ = dS 0 cos θ = dS,

pelo que a equação para o equilíbrio de forças ca


−p(P 0 , n̂0 ) + p(P, −n̂) = 0 ⇔ p(P 0 , n̂0 ) = p(P, −n̂).

Tomando o limite em que a altura da superfície cilíndrica tende para zero, ou


seja, o limite em que P → P 0 , e observando que p(P, −n̂) = p(P, n̂), obtém-se
p(P, n̂0 ) = p(P, n̂).

Ou seja, a pressão no interior dum uido só depende da posição P : p ≡ p(P ).

130

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