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Lições de Mecânica
∗
J. M. B. Lopes dos Santos
D
6
C
4
B
2
A
x
2 4 6 8
1
R2espaço dos pares de números reais (x, y), e o espaço da Física Newtoniana a
R3conjunto de sequências de três números reais (x, y, z).
Se um corpo se desloca de A para B, podemos representar o deslocamento pelo par
ordenado de pontos AB, que especicamos através de um unindo
A a B , em que a ordem dos pontos é xada por uma seta que aponta de A para B.
segmento orientado
segmento orientado CD tiver o mesmo comprimento, direção e sentido que AB. Para
mesmo
mesmo vector. Podemos até identicar o vector com o dos segmentos equi-
polentes a AB. A notação convencional para vector, em manuscritos, usa uma seta
conjunto
por cima de um símbolo que o represente, por exemplo ~a. Mas em texto impresso
é mais frequente usar negrito (bold) para representar um vector, a. Desta deni-
ção decorre imediatamente que um vector pode ser representado por um segmento
orientado com qualquer origem. Por vezes usa-se a designação para
salientar que quaisquer dois segmentos equipolentes representam o mesmo vector.
vector livre
a = (a , a ) = (x − x , y − y )
x y B A B A (1)
2
Podíamos, igualmente, usar os pontos D e C , ou de qualquer outro par de pontos
que dena um segmento orientado equipolente a AB, porque
Já que as
segmentos orientados
B−A
(igual a D − C )
diferença entre os dois pontos,
(2)
.
a = AB~ =B−A=D−C
Mas a linguagem que usamos sugere que o ponto A existe independentemente do sistema
de eixos. Do mesmo modo um vector ou deslocamento existe independentemente do
sistema de eixos e terá componentes distintas em sistemas de eixos com orientação, ou
escalas, distintas
a 7→ (a , a , a ) sistema S
sistema S
x y z
0 0 0 0
a 7→ (a , a , a )
x y z
3
R R
b b b
a+b a+b
Q Q
b
a a
P P
(a) (b)
Figura 2: Para somar o vector b ao vector a podemos usar o método de (a): represen-
tar b por um segmento colocado na extremidade de a; ou (b): a regra do
paralelogramo.
Representemos a por um segmento orientado com início num ponto qualquer P (ver
Fig. 2a) . Sendo Q o ponto nal do segmento, e recordando a denição de vector como
diferença de dois pontos (Eq. 2) temos,
a = Q − P. (3)
Se representarmos o segundo vector, b, por um segmento com início em Q, e extremidade
em R temos:
b = R − Q. (4)
Parece óbvio que o vector soma de a com b deve ser
a + b = Q − P + R − Q = R − P. (5)
Ou seja, a + b é representado pelo segmento orientado que une o primeiro ponto de a,
P , com a extremidade de b, R. . 1
paralelogramo denido por a e b. É fácil ver que estas duas maneiras de somar vectores
são equivalentes: o lado do paralelogramo oposto a b, QR, é um segmento orientado
que também representa b. Mas o que realmente importa notar é que a soma de dois
vectores representa a de dois deslocamentos. Se zermos um deslocamento
representado por a de um deslocamento representado por b o deslocamento
composição
resultante é representado por a+b. As duas representações da soma são possíveis porque
seguido
a+b=b+a
4
y
yR R
a+b
yQ Q
b
a
yP
P
xP xR xQ x
Figura 3: As componentes do vector soma a+b são as somas das componentes respectivas
de a e b.
2.1.1 Componentes da soma de vectores
Para calcularmos as componentes do vector soma temos que projectar os vectores num
sistema de eixos (Fig 3). As componentes de a, (a , a , a ), são x y z
ax = xQ − xP
ay = yQ − yP (6)
az = zQ − zP (7)
e as de b
bx = xR − xQ
by = yR − yQ (8)
bz = zR − zQ (9)
(note-se que na gura b < 0 pois x < x ).
As componentes do vector soma, c = a + b, são
x R Q
cx = xR − xP = (xQ − xP ) + (xR − xQ ) = ax + bx
cy = yR − yP = (yQ − yP ) + (yR − yQ ) = ay + by
cz = zR − zP = (zQ − zP ) + (zR − zQ ) = az + bz ,
o único resultado que faz sentido para a notação que estamos a usar.
1
Mais correcto seria dizer: ... que une o primeiro ponto do segmento orientado que representa a à
extremidade do segmento orientado que representa b.
5
2.2 Produto por um escalar
A denição de soma implica que o vector 2a tem a mesma direcção e sentido que a
e o dobro do comprimento. As componentes de 2a são (a + a , a + a , a + a ) =
(2a , 2a , 2a ). Isto parece trivial, mas não podemos esquecer que o sinal + da soma de
x x y y z z
entidades diferentes, são vectores. Por isso ao identicar a + a com 2a estamos a intuir
a mesma operação
Esta denição não é a mais elegante na medida em que não dene o produto por um es-
calar de modo independente das coordenadas. Teríamos em rigor que mostrar que noutro
sistema de eixos S em que a 7→ (a , a , a ) as coordenadas (ra , ra , ra ) representam o
0 0 0 0 0 0 0
de coordenadas entre sistemas de eixos diferentes serem lineares; seguimos este caminho
x y z
Note-se a diferença entre o escalar 0 e o vector nulo 0, que em qualquer sistema de eixos
tem as componentes (0, 0, 0). É universal a designação de (−1)a := −a. É evidente destas
denições que se a representa um deslocamento, −a representa o deslocamento inverso,
já que a sequência dos dois é o deslocamento nulo. Os respectivos segmentos orientados
diferem apenas de sentido.
6
Estas denições poderão parecer evidentes. Sem pensar seríamos levados a assumi-las,
porque são exactamente aquilo que esperamos da adição e multiplicação de números reais;
mas na realidade trata-se de operações, não entre números reais, mas entre números reais
e vectores.
Por outro lado estas operações permitem-nos denir uma maneira de escrever um
vector na suas componentes. Com as denições
ˆ 7→ (1, 0, 0)
ˆ 7→ (0, 1, 0)
k̂ 7→ (0, 0, 1)
se a 7→ (a , a , a )
x y z
Se mudarmos de eixos, os vectores de componentes (1, 0, 0), (0, 1, 0) e (0, 0, 1) não serão
os mesmos: podemos por exemplo escolher uma direção distinta para o eixo Ox pelo 0
neste novo sistema de eixos ˆ 7→(1,0,0) e ˆ 6= ˆ; mas continua a ser verdade que
0
0
por a. Pode ser calculado a partir das suas componentes usando o teorema de
módulo norma
Pitágoras.
(10)
q
kak = a + a + a . 2 2 2
x y z
ângulo entre dois vectores é o ângulo no intervalo [0, π] entre dois segmentos orientados
que o representem.
Produto escalar de dois vectores designado por a·b é um escalar denido por
a · b = ab cos θa,b
7
y
yQ Q
ay
a
yP
P ax
xP xQ xR x
(x − x ) + (y − y ) .
Q P
2
Q P
2
c) (ra) · b = r(a·b)
d) (b + c) · a = b·a + c · a
1 1
â := a= a
kak a
resulta
b cos θa,b = b·â
Para a soma de dois vectores b + c a componente nesse mesmo eixo denido por â será
a soma das respectivas componentes, ou seja
(b + c) · â =kb + ck cos θa,b+c = b cos θa,b + c cos θa,c = b·â + c·â
Isto é,
(b+c) · â = b · â + c·â
Daqui e de c) decorre imediatamente d).
Usando as relações entre os versores dos eixos coordenados que decorrem destas de-
nições,
8
norma 1)
ˆ · ˆ = ˆ · ˆ = k̂ · k̂ = 1 (
ˆ · ˆ = ˆ · k̂ = ˆ · k̂ = 0
(ortogonais, θ = π/2,cos θ=0)
e a propriedade d) podemos obter a expressão do produto escalar em termos das compo-
nentes dos vetores:
a · b = axˆ + ayˆ + az k̂ · bxˆ + byˆ + bz k̂
= ax bxˆ · ˆ + (ax by + ay bx )ˆ · ˆ + (ax bz + az bx )ˆ · k̂
+ ay byˆ · ˆ + (ay bz + az by )ˆ · k̂
+ az bz k̂ · k̂
= ax bx + ay by + az bz
9
Produto vetorial
Lições de Mecânica
1 Denições
O produto vetorial é uma operação entre dois vectores que resulta num terceiro vetor.
Vamos discutir duas denições possíveis.
módulo
|c| := c = ab sin θa,b (1)
em que θa,b é o ângulo entre os vectores a e b. O ângulo entre dois vectores está
sempre no intervalo θ ∈ [0, π], pelo que sin θa,b ≥ 0.
sentido Determinado pela regra da mão direita. Se os dedos da mão direita indicarem
o sentido de rotação de a para b o polegar indica o sentido de c.
1
(a) Rotação de a para bno sentido contra- (b) Rotação de a para b no sentido horário
horário
1.1.1 Propriedades
anti-comutatividade
a×b = −b×a (2)
2
Uma terceira relação é mais difícil de demonstrar a partir da denição acima; por isso
vamos registá-la sem prova:
(a + b) × c = a × c + b×c (5a)
Aplicando a denição de produto vetorial aos versores dos eixos coordenados, facilmente
obtemos as relações :
1
ˆ × ˆ = k̂ (6a)
ˆ × k̂ = ˆ (6b)
k̂ × ˆ = ˆ (6c)
Escolhendo as direçõesnpara ˆ
eˆ
o , existem dois sentidos possíveis para o terceiro versor k̂.
Um deles faz com que ˆ, ˆ, k̂ formem um triedro direito e o outro um triedro esquerdo.
estas relações são válidas para um triedro direito. Note-se, contudo, que se escolhermos
um triedro esquerdo, estas relações ainda serão válidas se denirmos o sentido do produto
vetorial pela regra da mão esquerda.
1.1.2 Componentes
3
Figura 2: Diagrama para a escrita das componentes do produto vetorial
Esta expressão parece complexa, mas a sua estrutura é simples de apreender. A com-
ponente x de c é uma soma de produtos das componente y e z de a e b. Será
cx = ay bz − az by
2 Denição 2
Se considerarmos a dedução da Eq. 9, vemos que ela depende apenas da anti-comutatividade
a × b = −b × a
da linearidade
ˆ × ˆ = k̂ (10)
ˆ × k̂ = ˆ (11)
k̂ × ˆ = ˆ (12)
4
Figura 3: Escolhendo ˆ
segundo a e ˆ no plano de a e b (com ângulo com b inferior a π/2),
obtemos a denição convencional do produto vetorial a partir da denição em
termos das suas coordenadas.
Suponhamos que tomamos estas relações como a denição do produto vetorial. Podemos
vericar que o módulo, direção e sentido de a × b, assim denido, coincidem com o da
denição convencional.
Tomemos dois vetores arbitrários a e b. Escolhamos o vetor ˆ na direção de a e o vector
ˆ no plano de a e b. Então
a = aˆ
b = b cos θˆ + b sin θˆ
O produto será
a×b = aˆ × (b cos θˆ + b sin θˆ) = ab sin θk̂
O vector c=a×b é efectivamente normal ao plano a e b, tem módulo ab sin θ e tem o
sentido denido pela regra da mão direita.
3 Resumo
O produto vetorial de dois vetores em a e b em R3 (dimensão d = 3) é um vetor de
componentes
cx = ay bz − az by
cy = az bx − ax bz
cz = ax by − ay bx
O produto vetorial tem uma interpretação geométrica em termos do paralelogramo (ele-
mento de área) denido pelos vetores a e b: tem módulo igual à respectiva área, e direção
perpendicular ao plano do mesmo. O sentido associa uma orientação (sentido de rota-
ção) ao paralelogramo. Se a rotação de a para b é contra-horáriaoposta à rotação dos
ponteiros de um relógio de face paralela ao plano do paralelogramo, c aponta para
cima da face do relógio; em caso de rotação horária aponta para baixo.
5
Figura 4: Áreas orientadas e o sentido dos vetores que as representam
as componentes de a e b são
0
a = a0xˆ0 + a0yˆ0 + a0z k̂ (13)
0
b = b0xˆ + b0yˆ + b0z k̂ , (14)
teremos ainda
0
c = a0y b0z − a0z b0y ˆ0 + a0z b0x − a0x b0z ˆ0 + a0x b0y − a0y b0x k̂
(15)
0
a0y b0z − a0z b0y ˆ0 + a0z b0x − a0x b0z ˆ0 + a0x b0y − a0y b0x k̂ =
Esta igualdade não foi provada. Se soubermos as coordenadas num sistema de eixos
6
e podemos questionar se a igualdade da Eq. 16 é vericada. A resposta é armativa, mas
discussão desta questão levar-nos-ia um pouco longe demais nesta altura. Mas ca o aviso
que as nossas denições só são consistentes porque esta transformação das componentes
de c é verdadeira. Para outras dimensões, d 6= 3, uma denição de produto vetorial é
possível, mas o resultado não é um vetor.
7
Lições de Mecânica: Análise
Dimensional
J. M. B. Lopes dos Santos*
September 7, 2021
1 Dimensões
1.1 Introdução
O processo de medição mais simples é a contagem. Não é frequente pensarmos
numa contagem como uma medição. Mas na realidade trata-se de um proced-
imento através do qual associamos um número a uma entidade que em muitos
casos podemos classificar como um grandeza fı́sica. Claro que só podemos
contar conjuntos. . . contáveis, também designados por numeráveis.
Este procedimento não é suficiente para medir, por exemplo, uma distância.
Senão vejamos. Para medir uma distância entre dois pontos, tomamos um
objecto rı́gido, uma régua, colocamo-la ao longo de uma linha que una os dois
pontos e contamos o número de vezes que a régua cabe entre eles. Só muito
excepcionalmente o comprimento será expresso como um número inteiro de
réguas e vemo-nos obrigados a subdividi-la. Somos, pois, levados a conceber
uma distância como expressa por uma expansão decimal (se as subdivisões
sucessivas forem em dez partes). Uma expansão decimal que, pelo menos
*
e-mail: jlsantos@fc.up.pt
1
potencialmente, pode ser infinita. Daı́ que representemos comprimentos por
números reais. Não iremos discutir até que ponto é que a estrutura matemática
dos números reais é realmente tornada necessária pela nossa experiência do
mundo fı́sico. Alguns cientistas têm mesmo especulado que a representação
do tempo e espaço pelo contı́nuo de números reais estaria na base de algumas
dificuldades profundas da fı́sica contemporânea. Mas o aparato matemático
construı́do com base nesta estrutura é de tal modo poderoso e eficiente que
não será fácil destroná-lo.
O que nos interessa aqui salientar é um aspecto que o procedimento de
medida destas grandezas contı́nuas, referido acima, torna bem claro. É que
para associar um número real a uma grandeza deste tipo temos que escolher
um padrão, uma unidade. No caso em discussão uma determinada régua.
O ponto fundamental é que o padrão é puramente convencional. Embora
tenha que ser especificado, para que o valor de uma grandeza possa ser ex-
presso por um número real, ele pode ser mudado sem qualquer prejuı́zo para
a descrição dos fenómenos. Numa tal mudança, os valores numéricos que rep-
resentam as grandezas transformam-se. Torna-se pois claro que uma relação
entre os valores de duas grandezas fı́sicas só terá significado se for preservada
(invariante) em qualquer mudança de unidades. De outro modo não exprime
uma relação entre grandezas mas sim uma coincidência de valores resultante
de uma escolha particular de unidades.
Esta invariância das relações envolvendo valores de grandezas fı́sicas debaixo
de uma determinada transformação desses valores é um exemplo de uma sime-
tria. Na definição clássica de Herman Weyl, um objecto é simétrico se ficar
invariante debaixo de uma dada transformação. Neste caso o “objecto” é a
relação entre as grandezas; a “transformação” é a alteração dos valores das
grandezas numa mudança de unidades. A existência desta simetria implica
certas restrições à forma das equações da fı́sica. Suponhamos, poe exemplo,
que sabemos que uma grandeza C depende de duas grandezas A e B
2
1.2 Conceito de Dimensão
Como se transforma o valor de uma grandeza fı́sica numa mudança de unidades?
Trata-se do mal amado problema de conversão de unidades, que vamos retomar
aqui formulado de um modo um pouco mais abstracto do que o habitual.
Seja, por exemplo, l o valor real que representa um comprimento com a
unidade metro. Se passarmos para uma outra unidade (cm) que novo número
real l0 representa o mesmo comprimento? Como bem sabemos
m → cm = 10−2 m (2)
implica que
l → l0 = 102 l (3)
O número real, l0 , que exprime um dado comprimento em centı́metros é 100
vezes o número, l, que o exprime em metros.
De um modo geral, designando por u o padrão (unidade) de uma dada
grandeza, numa mudança para um novo padrão u0 dado por
u
u → u0 = (4)
Λ
os valores dessa grandeza transformam-se como
l → l0 = Λl (5)
3
Isso pode-se ver com facilidade reescrevendo a Eq.(6 na forma
C(r) = b−2 C(br); (8)
se esta equação é válida para qualquer b, é válida, em particular, para b = 1/r
e, por isso,
C(r) = C(1)r2 (9)
em que C(1) ≡ α é uma constante independente de r. Toda a gente sabe que
esta constante é igual a π. Ou será? Na realidade o seu valor é π, apenas
como resultado da escolha da unidade de área. Isto é da figura geométrica que
escolhemos como unidade de área.
Para compreendermos esta afirmação é útil, por um momento, contemplar
outras escolhas, diferente da habitual (alı́nea b) )
a) A unidade de área é a área de um cı́rculo de raio igual a uma unidade de
comprimento;
b) a unidade de área é a área de um quadrado de lado igual a uma unidade
de comprimento;
c) a unidade de área é a área de uma moeda de 1¿.
No caso a) a constante α vale claramente 1, pois estamos a definir que um
cı́rculo raio r = 1 (em qualquer unidade de comprimento) tem área 1; logo
C(1) = 1.
No caso b), a definição habitual vale π. Com efeito o argumento que nos
conduziu à Eq. 7, aplicado à área de um quadrado de lado r, Q(r), leva-nos a
afirmar que
Q(r) = βr2 (10)
O que a geometria (ou a experiência) nos diz é que α/β = π. É apenas isto
o que estamos a afirmar quando dizemos que a área de um cı́rculo é πr2 . A
escolha a) equivale a fazer α = 1, logo β = 1/π. A escolha b) corresponde
a ter β = 1, logo α = π. Mas, e isto é o mais importante, o padrão de
área está ligado ao de comprimento. Se a unidade de comprimento muda
uL → u0L = uL /Λ a de área muda de um modo determinado pelas relações
das Eqs- 7 e 10, uA → u0A = uA /Λ2 . Repare-se que esta dependência da
transformação de áreas na de comprimentos só existe porque o padrão de área
foi escolhido de um modo dependente do de comprimento. No caso da escolha
c) acima referida, isso não acontece. Nessa situação, o valor que exprime a
área (o número de vezes que lá cabe uma moeda de 1¿) é o mesmo quer os
comprimentos sejam medidos em metros ou em centı́metros.
Nos casos das definições a) e b) a unidade de área é derivada da de compri-
mento. A relação entre as transformações dos valores de área e comprimento
l → l0 = Λl (11)
0 2
a→a =Λ a (12)
4
é habitualmente expressa dizendo que uma área tem dimensão 2 (ou expoente
dimensional 2) no comprimento. É usual a notação
[área] = L2 (13)
C(r) = kc r2 (14)
Exercı́cio 1.
A constante kc vale 0,740 cm−2 . Como é se chega a este valor?
Este exemplo, ainda que trivial, tem o mérito de pôr em evidência alguns
pontos relativamente a unidades:
5
tempo, ou massa e comprimento. Nesses sistema tempo e comprimento têm as
mesmas dimensões. Os fı́sicos de partı́culas usam correntemente um sistema
com uma unidade fundamental. Como vimos atrás, é a própria rede de leis e
relações entre grandezas que constituem uma teoria, que determina as possi-
bilidades de relacionamento de padrões e consequente redução do número de
unidades fundamentais. Em Relatividade, e em Mecânica Quântica existem
leis e relações entre grandezas que não existem em Mecânica Clássica. É isso
que permite a redução do número de unidades fundamentais.
Mas, para já, fiquemos na Mecânica Clássica. Vejamos através de alguns
exemplos como obtemos as dimensões de cada grandeza nas unidades funda-
mentais:
velocidade: uma qualquer componente de velocidade é definida por uma
equação
∆x
v = lim (15)
∆t→0 ∆t
Numa mudança de unidades de comprimentos e tempos L → Λ1 L, T →
Λ2 T (daqui em diante passaremos sempre a indicar as transformações
dos valores das grandezas) como varia v? Claramente
∆x Λ1 ∆x
→ (16)
∆t Λ2 ∆t
e portanto
v → v 0 = Λ1 Λ−1
2 v (17)
Isto é, v tem dimensão 1 no comprimento e −1 no tempo. Na notação
habitual
[velocidade] = LT −1 (18)
Exercı́cio 2.
Do secundário deves recordar-te da relação que Planck e Einstein escreveram entre
a energia E de um fotão e a sua frequênciam ν
E = hν
6
Quais são as dimensões da constante de Planck? E as suas unidades no SI?
Não terá escapado ao leitor atento que todas as grandezas que referimos
acima são definidas como produtos de potências (positivas ou negativas) de
grandezas fundamentais. Isso é uma condição necessária para que a mudança
de unidades corresponda a uma transformação de escala dos valores de qual-
quer grandeza (multiplicação dos respectivos valores por um factor de escala
comum) e possamos definir os respectivos expoentes dimensionais.
Para grandezas como comprimento, massa e tempo, que se medem por com-
paração directa com padrões, não se vê como pudesse ser de outra maneira.
Mas a generalidade das grandezas fı́sicas não se pode medir por comparação
directa. Não existe um padrão de velocidades que se possa sobrepor a uma
dada velocidade para ver quantas vezes lá cabe. Poder-se-ia pôr a questão de
saber se não seria possı́vel definir grandezas fı́sicas, úteis, que tivessem uma
lei de transformação mais complicada. No entanto, certos requisitos gerais
(linearidade, composição de transformações de escala), cuja discussão seria
um pouco avançada demais para este curso, reduzem as possibilidades aquelas
que nós considerámos.
L → Λ1 L (20)
T → Λ2 T (21)
M → Λ3 M (22)
Para que a relação seja preservada no novo sistema de unidades deveremos ter
A0 = B 0 (25)
7
isto é
Λα1 1 Λα2 2 Λα3 3 = Λβ1 1 Λβ2 2 Λβ3 3 ⇒ Λα1 1 −β1 Λα2 2 −β2 Λα3 3 −β3 = 1 (26)
Como os factores de escala são arbitrários, a igualdade só se verificará, para
qualquer escolha das unidades fundamentais, se
α1 = β 1 ; α2 = β2 ; α3 = β3 (27)
Em conclusão, é condição necessária e suficiente para que uma equação seja
invariante numa mudança de unidades que todos os seus termos tenham as
mesmas dimensões nas unidades fundamentais—Princı́pio de Homogeneidade
Dimensional.
Este requisito, invariância debaixo de uma determinada transformação é, ba-
sicamente, um princı́pio de simetria. Uma tal exigência coloca certa restrições
às relações possı́veis entre determinadas grandezas. A Análise dimensional
baseia-se na existência destas restrições.
2 Estimativas Dimensionais
2.1 O Pêndulo l
Consideremos a questão de determinar o perı́odo de oscilação de um pêndulo
gravı́tico. θ0
Do nosso conhecimento das leis da fı́sica poderı́amos intuir que que os m
seguintes parâmetros poderão ser importantes:
g, a aceleração da gravidade; Figura 1:
Pêndulo
m, a massa do pêndulo; Gravı́tico.
l, o comprimento do fio;
θ0 , o valor do ângulo inicial.
Teremos então, de um modo inteiramente geral, uma relação,
T = f (g, l, m, θ0 ) (28)
em que f designa uma função desconhecida. Como vamos ver o princı́pio
de homogeneidade dimensional vai permitir determinar completamente a de-
pendência de f nos primeiros três parâmetros. Escrevamos, para referência,
as equações de dimensões destas grandezas:
[g] = LT −2 (29a)
[l] = L (29b)
[m] = M (29c)
[θ0 ] = 1 (29d)
[T ] = T (29e)
8
Note-se que o ângulo θ é medido em radianos. Como tal é a razão de dois
comprimentos é adimensional (dimensões L0 T 0 M 0 = 1), isto é, tem um valor
independente das unidades escolhidas.
Vejamos o que acontece a estas grandezas numa mudança de unidades de
massa, M → Λ3 M . Todas são invariantes excepto m. No novo sistema de
unidades a relação da eq.(1.31) deve ser mantida, isto é,
T 0 = f (g 0 , l0 , m0 , θ00 ) (30)
T = f (g, l, θ0 ) (32)
l → Λ1 l (33a)
g → Λ1 g (33b)
T →T (33c)
θ0 → θ 0 (33d)
de onde decorre,
f (Λ1 g, Λ1 l, θ0 ) = f (g, l, θ0 ) (34)
Escolhendo Λ1 = l−1 obtemos
g
f (g, l, θ0 ) = f ( , 1, θ0 ) (35)
l
9
O perı́odo é função da razão g/l e de θ0 . Finalmente numa mudança de unidade
de tempo
l→l (36a)
g → Λ−2
2 g (36b)
θ0 → θ 0 (36c)
T → Λ2 T, (36d)
o que dá
g
T 0 = Λ2 T = f (Λ−2
2 , θ0 ), (37)
l
isto é,
g −2 g
f ( , θ0 ) = Λ−1
2 f (Λ2 , θ0 ) (38)
l l
Usando a mesma técnica que anteriormente, escolhendo Λ2 de modo a que
Λ−2
2 g/l = 1, concluı́mos que
s
g l
T = f ( , θ0 ) = f (1, θ0 ). (39)
l g
Em resumo, a análise dimensional, determina toda a dependência em l e g,
s
l
T = f (θ0 ). (40)
g
10
em que a função h é adimensional, isto é tem um valor invariante em qual-
quer mudança de unidades. Mas então é claro que ela só pode depender
de parâmetros adimensionais, igualmente invariantes. Uma inspecção das
equações de dimensões mostra que com g, l, m, θ0 a única combinação adi-
mensional possı́vel é o próprio θ0 . Basta reparar, por exemplo, que só m tem
dimensão de massa não nula. Logo não pode formar com g e l um parâmetro
adimensional. Por outro lado não é possı́vel anular a dimensão temporal entre
g e l. Logo concluı́mos directamente que h só depende de θ0 , e T tem a forma
da Eq. 40.
Antes de abandonar este exemplo, convém reflectir um pouco sobre o que
fizemos. Ao fim ao cabo acabamos de deduzir uma lei fı́sica, a Eq.(40), sem
fazer uma única experiência. Será que podemos de facto recostar-nos num sofá
e, usando as nossas células cinzentas, descobrir como se comporta o mundo?
Na verdade, a ausência de um conteúdo empı́rico no nosso raciocı́nio é apenas
aparente. A nossa suposição inicial sobre as variáveis de que pode depender
o perı́odo do pêndulo resume observações muito importantes. O perı́odo do
pêndulo poderia, à partida, depender de muito mais variáveis como, o tipo
de material que o constitui, o local onde oscila (latitude e/ou longitude), o
diâmetro do fio de suspensão etc, etc. Não deixa no entanto de ser interessante
que tendo assim limitado o número de parâmetros, foi depois possı́vel chegar
tão longe com base no princı́pio de homogeneidade dimensional.
Exercı́cio 3.
É mais usual definir a constante da mola supondo uma das extremidades fixas e
aplicando a força F na outra. A constante da mola é dada pela razão entre F e a
variação de comprimento da mola. Esta definição é equivalente à do texto? Porquê?
Suponhamos agora que, em vez da mola temos uma barra sólida. Se a força
não ultrapassar o limite de elasticidade da barra temos de novo a relação da Figura 3: Cada
metade da
Eq.(43) entre a variação de comprimento da barra e a força. Como depende barra está
k do material e da geometria da barra? Se duplicarmos o seu comprimento k sujeita às
mesmas forças
varia? E se variarmos a secção? que a barra
Para responder a estas perguntas, imaginemos a barra constituı́da por duas completa.
partes do mesmo comprimento colocadas topo a topo. Cada metade da barra
está sujeita às mesmas forças que a barra completa. É óbvio que a barra A,
estando em equilı́brio tem uma resultante das forças aplicadas nula. Isto é
11
a barra B exerce sobre A uma força F0 = −F. Aplicando a lei de Hooke,
Eq.(43), à metade A da barra e designando por k1 a respectiva constante de
força
F
∆lA = (44)
k1
As forças nas extremidades de B são também e F e −F e a barra B é idêntica
a A. Logo
F
∆lB = (45)
k1
Ora, a barra completa tem uma variação de comprimento que é a soma das
variações de cada metade.
1 1 2
∆l = ∆lA + ∆lB = F ( + )=F (46)
k1 k1 k1
A lei de Hooke aplicada à barra completa dá então
F k1
k := =
∆l 2
k1
k= (47)
2
Por outras palavras, a constante k de uma barra de comprimento l é metade
da constante k1 de uma barra de comprimento l/2. Não é difı́cil concluir que
k é inversamente proporcional ao comprimento da barra.
Em relação às dimensões transversais podemos raciocinar de modo semel-
hante. Imaginamos a barra dividida longitudinalmente em duas. As forças
aplicadas a cada uma nas extremidades, a cada metade, tem agora módulo
F/2, pois F é a soma destas duas forças. Como é óbvio, cada uma das duas
partes sofre o mesmo elongamento que a barra completa. Assim a constante
de cada metade da barra é
F
k2 ∆l = (48)
2
e neste caso k = F/∆l = 2k2 : a constante k é proporcional à área da secção
da barra. Em resumo, para uma barra de área A e comprimento l
F A
k= =E (49)
∆l l
em que E deve ser independente das dimensões da barra, caracterı́stico do
material de que é feita. É conhecido como módulo de Young. Assim temos
para a relação entre o elongamento da barra e a força de estiramento
F ∆l
=E (50)
A l
As dimensões de E são exactamente as de uma pressão. No SI a respectiva
unidade é o Pa (Pascal). Valores tı́picos para sólidos andam na gama das
12
dezenas a centenas de GPa (1 GPa = 109 Pa, consultar Young modulus na
Wikipedia).
Agora que sabemos caracterizar as forças elásticas que se exercem num
sólido, vejamos o que podemos aprender sobre a propagação do som nos mes-
mos. Como o som implica a propagação de uma deformação elástica, parece
claro que a sua velocidade vai depender do módulo de Young 1 . Este de-
termina as forças que cada parte do sólido exerce sobre as vizinhas. Mas se
pensarmos nas leis de Newton, sabemos que o movimento é determinado, não
apenas pelas forças que actuam sobre os corpos, mas também pelas respectivas
massas. Por outro lado é um dado adquirido que a velocidade de propagação
do som é uma caracterı́stica de cada material e não depende da geometria dos
corpos onde se propaga. Assim sendo, deve depender, não da massa do corpo,
mas da massa volúmica do material que o constitui. Sem mais informações
arrisquemos
vsom = f (E, ρ) (51)
Olhemos para as dimensões
M LT −2
F
[E] = [Pressão] = = = M L−1 T −2 (52)
A L2
ρ =M L−3 (53)
Ora
E
= L2 T −2 , (54)
ρ
as dimensões do quadrado de uma velocidade. Logo
s
E
vsom = h(E, ρ) (55)
ρ
1
Estamos a pensar em ondas sonoras em que a deformação da barra é de variações de
comprimento no sentido de propagação: ondas longitudinais. Estas são as que se podem
transmitir ao ar, criando alternância de compressão e expansão, isto é som.
13
A velocidade do som no alumı́nio é, 5100 m s−1 . Uma análise mais completa
mostra que α = 1.
A experiência mostra que as constantes adimensionais, como α, em regra,
não afetam a ordem de grandeza das quantidades onde aparecem. Nesses casos
a análise dimensional permite-nos estimar a ordem de grandeza da quantidade
analisada. Neste exemplo dirı́amos, sem mais informação, que a velocidade do
som neste material deve ser da ordem de alguns quilómetros por segundo.
Exercı́cio 4.
Tenta generalizar este problema da propagação do som numa barra para o seguinte
sistema. Tens uma cadeia linear de molas ligadas, todas idênticas, com a mesma
constante, a mesma massa e o mesmo comprimento. Usa análise dimensional para
tentar estimar a velocidade de propagação de uma vibração longitudinal (deformações
segundo o eixo das molas).
[R] = L, (raio)
−3
[ρ] = M L (massa volúmica )
−1
[U ] = LT (velocidade)
−2
[F ] = M LT (força)
ρU R = M LT −2 = [F ]
2 2
(58)
ou seja,
F = ρU 2 R2 h(ρ, U, R) (59)
A função h deve ser adimensional. Como não é possı́vel, com os seus argumen-
tos, formar um parâmetro adimensional, h deve reduzir-se a uma constante:
F = kρU 2 R2 (60)
14
e toda a dependência de F nos parâmetros do problema fica determinada.
Nesta altura podemos tentar impressionar um experimentalista com esta
lei fı́sica deduzida por raciocı́nio puro! Ele poderia argumentar, com justeza,
que o nosso ponto de partida (a selecção dos parâmetros de que cremos que F
possa depender) resulta de uma experiência prévia, tem pois um forte conteúdo
empı́rico. Mas, mais provavelmente, limitar-se-á a apontar que o nosso re-
sultado está errado pois, é bem conhecido experimentalmente que, a baixas
velocidades, a força é proporcional a U , não a U 2 . Trata-se da força de atrito
de Stokes. Como é possı́vel?
Com efeito, a nossa suposição de partida é demasiado restritiva, pois ignora
uma caracterı́stica do fluido, a viscosidade. Para explicar o que é teremos que
fazer um longo parêntesis.
15
superior pode estar em equilı́brio, sem forças externas, em qualquer posição.
Em equilı́brio, num lı́quido, não há tensões de corte. Mas por experiência
sabemos que enquanto a placa e o lı́quido estão em movimento surgem de
facto tensões de corte que se lhe opõem—as forças de viscosidade.
Para uma classe vasta de lı́quidos (não todos) verifica-se que para uma
velocidade da placa superior U e uma camada de espessura l de lı́quido, a
força por unidade de área que é necessário exercer externamente sobre a placa
para a manter em velocidade uniforme vale
F U
=η (62)
A l
O coeficiente η é a viscosidade. Note-se que, como a placa se desloca a uma
velocidade uniforme, a resultante das forças que nela actuam é nula. Logo
esta expressão determina também o valor da força que o lı́quido exerce sobre
a placa. À primeira vista esta definição pareceria indicar que a viscosidade é
uma propriedade da interface lı́quido—sólido, mais do que do lı́quido em si. Figura 6: para
mover a placa a
De facto não é assim. O que na realidade se verifica na situação considerada velocidade
uniforme é
é que a velocidade no seio do lı́quido varia de um valor nulo na placa inferior necessário manter
até U , na superior, de um modo linear. Isto é uma força
aplicada. O
deslizamento de
y camadas de
vx (y) = U (63) lı́quido origina
l tensões de corte.
16
Levemos em conta a informação do nosso amigo experimentalista, F ∝ U .
Temos
F = U f (ρ, R, η) (67)
As dimensões da função f são fáceis de determinar
F
[f ] = = M T −1 (68)
U
F = ηU R × h(ρ, R, η) (69)
α+γ =0
−3α + β − γ = 0
γ=0
F = ks ηU R (71)
F = ηU R × h(ρ, η, R, U ) (73)
17
A análise dimensional conduz então ao resultado
F = ηU R × h(R) (75)
3 Leituras Recomendadas
Classical and Modern Physics, K. Ford, Vol I Cap. 2. Uma boa obra, na
tradição americana de curso introdutório com cobertura global de todas
as áreas da Fı́sica. Tem alguns anos e tem sido suplantado por obras
mais recentes, com apresentações gráficas excepcionais, mas nem sempre
com lucidez comparável.
18
Figure 7: escoamentos de um fluido em torno de uma esfera para vários valores
do número de Reynolds [5]
19
References
[1] Introdução à Fı́sica da Matéria, J. Bessa de Sousa.
[4] Science Data Book , R. M. Tennent (ed) Oliver & Boyd, Edinburgh, 1979
20
Problemas de Fermi
Lições de Mecânica
*
J. M. B. Lopes dos Santos
Enrico Fermi foi um físico excepcional, que, entre muito outros feitos, se
notabilizou pela capacidade de estimar grandezas com escassez quase total
de informação. Os problemas abordados com a técnica de Fermi caram
conhecidos por Problemas de Fermi.
1 Problemas de Fermi
Enrico Fermi (1901-1954) foi um físico italiano excepcional, prémio Nobel da Física em
1938, orientador de doutoramento de uma lista de físicos notáveis (que inclui três prémios
Nobel), e construtor do primeiro reactor nuclear. Fermi foi o último físico capaz de
trabalho de qualidade Nobel, quer em Física Experimental, quer em Física Teórica.
Ficou também famoso pela sua capacidade de fazer estimativas com base em quase
nenhuma informação. No primeiro teste nuclear, Trinity test em 1945, Fermi terá deixado
cair uma folha de papel, e, com base no seu deslocamento com a onda de choque da
explosão, estimou a energia da explosão em toneladas de TNT, tendo errado apenas por
um factor de 2.
Antes de ler estas notas é essencial ver o vídeo A clever way to estimate enormous
numbers de Michael Mitchell[2], que explica o modo como Femi estimou o número de
2 Notação cientíca
Em Física e Engenharia a notação cientíca é essencial para exprimir grandezas cujos
valores podem ter enormes variações. Assim, por exemplo, a Massa do Sol é
1
e a do protão
mp = 1, 67 × 10−27 kg (2)
Sem recurso à notação cientíca, como poderíamos escrever a massa do Sol em kg,
mp = 0.000000000000000000000000000167 kg (4)
sabemos que os zeros à esquerda são realmente zero (não são algarismos signicativos),
mas operar com esta notação continua a ser um pesadelo.
Na notação cientíca, a informação é dada por um número a ∈ [1, 10[, a mantissa, e
pelo expoente, n inteiro, da potência de 10.
X = a × 10n (5)
O expoente é a ordem de grandeza (base 10)2 . No exemplo que demos, entre a massa
do Sol e a do protão, temos já 57 ordens de grandeza de diferença. Note-se que uma
variação de ±1 na ordem de grandeza signica a multiplicação (divisão) por um factor
de 10. Isto dá uma ideia da enorme gama de massas com que lidamos em Física. E não
esgotámos a escala. Por exemplo o electrão tem uma massa de
e a nossa galáxia
MV L ∼ 1012 M ∼ 1042 kg, (7)
uma variação de 72 ordens de grandeza! A consideração de outras grandezas (comprimen-
tos, intervalos de tempo, resistência eléctrica, etc.) mostra que a existência de fenómenos
com escalas com variações de várias ordens de grandeza é comum.
A base do método de Fermi é a estimativa do expoente, que designámos por ordem
de grandeza. Pode parecer pouco, mas dadas as enormes gamas de variação possíveis,
conhecer o expoente é um grande avanço em relação a nada saber. Por outro lado, a
simplicidade do método permite usá-lo frequentemente como vericação de cálculos mais
detalhados.
No que segue exemplicamos uma série de estimativas em problemas de Fermi:
1
Se tivermos conança no último 9 a contar da esquerda, o dígito seguinte deveria estar entre 0 e 4.
Sobre os restantes 25 nada sabemos.
2
Numa primeira abordagem; no nal deste documento renamos esta denição
2
1. Quantos carros ligeiros novos se vendem em Portugal por ano?
5. Quantos habitantes tem um país com 100 000 nascimentos por ano?
3 Exemplos
3.1 Quantos carros ligeiros novos se vendem em Portugal por ano?
P ∼ 107 . (8)
C ∼ 3 × 106 carros.
Um carro dura mais que 1 ano e menos que 100. Por isso a vida média de um carro pode
ser estimada como
V ∼ 10 anos (10)
Isto quer dizer que em 10 anos a população de automóveis é substituída, ou seja, em 10
anos vendem-se 3 × 106 carros:
3
3.2 Quantas árvores há em Portugal Continental?
P ∼ 5 × 105 . (15)
Se cada pessoa visitar uma farmácia uma vez em cada duas semanas, o número de visitas
diárias será
P
V ∼ ∼ 3 × 104 . (16)
14
Se cada farmácia puder atender 100 pessoas por dia
3 × 104
número de farmácias ∼ ∼ 3 × 102 . (17)
100
O número listado de farmácias no Porto é de 113.
Quando este exemplo foi discutido numa aula, um estudante respondeu imediatamente.
Instado a comentar como chegara tão depressa a este número, respondeu, bem no espírito
de Fermi:
Achei que 10 era pouco e 1000 era demais. Por isso propus 100.
Este estudante revelou uma compreensão muito boa do que é uma estimativa de ordem
de grandeza. Neste caso particular, a sua vivência da cidade permitiu uma estimativa
directa da ordem de grandeza do número de farmácias, que se revelou, neste caso, bastante
precisa. De um modo geral teremos de passar pelo processo de estimação de factores
intermédios, como nos exemplos vistos até agora.
4
4 Mais exemplos
Chegado aqui sugere-se ao leitor que interrompa a leitura e tente fazer as estimativas
relativas às questões 4 a 6 da secção 1. Depois pode confrontar com as soluções aqui
apresentadas.
Um paralelo de estrada tem uma massa de cerca de 5 kg. Se a sua dimensão linear for
10 cm a sua densidade é
M 5 −3
ρ= ∼ 3
3 = 5 × 10 kg m (19)
V (0.1)
Tomemos para dimensão linear de 1 grão cerca de 0,5 mm, o que dá um volume
e uma massa
mg ∼ ρVg ∼ 6 × 10−10 × 5 × 103 ∼ 3 × 10−6 kg. (21)
Obtemos uma estimativa de mg ∼ 3 mg.
4.2 Quantos habitantes tem um país com 100 000 nascimentos por ano?
Portugal tem uma expectativa média de vida de 80 anos, cerca de 100 000 nascimentos
por ano e uma população de 10 milhões.
Um médico trabalha cerca de 40 horas por dia. Um ano tem 52 semanas, menos 4
semanas férias e duas de feriados; ou seja, o médico trabalha cerca de 46 semanas. O
número de horas de consulta por ano é
Se cada habitante zer n consultas em média por ano, o número de consultas do concelho
será
Cc ∼ n × 5 × 104 (25)
5
O número de médicos será
n × 5 × 104
número de médicos ∼ ∼ 10 × n. (26)
4 × 103
Segundo os dados do SNS existem 1416 médicos de família para os 10 milhões de habi-
tantes. Por cada 50 mil habitantes
1416
médicos SNS ∼ × 5 × 104 ∼ 7 × n (27)
107
Isto sugere que n ∼ 1,
X1 ∼ 3 × 102 , (29)
X2 ∼ 5 × 10 . 3
(30)
Uma vez que temos igual conança nas duas estimativas, somos tentados a fazer uma
média entre as duas. A questão é: que média? A aritmética
X1 + X2
X∼ , (31)
2
ou a geométrica p
X∼ X1 X2 ? (32)
6
0
9x10
n −6 −5 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 5 6
−6 −5 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 5 6
x 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10
n 3,16
n+1
0 1
y = log (x)
10
x
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
X = a × 10n (33)
em que a ∈ [1, 10[ é a mantissa e n o expoente. Queremos construir uma régua em que as
divisões, igualmente espaçadas correspondem aos valores de n. A régua tem uma divisão
central, n = 0, X = 1, à direita, n = 1, 2, . . . correspondentes aos valores X = 10, 100, . . .
e à esquerda n = −1, −2, . . . ,ou X = 10−1 , 10−2 , . . . . Ao contrário de uma escala linear,
em que variações ∆X = X2 − X1 iguais são comprimentos iguais, aqui, razões X2 /X1
iguais são comprimentos iguais. Chama-se a esta escala uma escala logarítmica, pois se
Y1 = log10 (X1 ) e Y2 = log10 (X2 )
X2
Y2 − Y1 = log10 (34)
X1
Ora
log10 (X) = n + log10 (a) (35)
e como a ∈ [1, 10[, log(a) ∈ [0, 1[. Entre duas marcações inteiras na régua variamos a
mantissa.
Parece então razoável denir a ordem de grandeza como sendo n para usar sempre
um inteiro, quando os valores de log10 (X) estão mais próximos de n do que de outro
7
valor inteiro. Isso acontece para
1 1
n− ≤ log10 (X) < n + (36)
2 2
o que dá,
1
10n− 2 ≤ X < 10n+1/2 (37)
1 √
√ × 10n ≤ X < 10 × 10n (38)
10
ou
1 √
√ ≤ a < 10 (39)
10
√
Uma vez que 10 ≈ 3, 2
0, 32 . a > 3, 2 (40)
A ordem de grandeza será n na gama de valores de X
Referências
[1] T. W. Crowther, H. B. Glick, K. R. Covey, C. Bettigole, D. S. Maynard, S. M.
Thomas, J. R. Smith, G. Hintler, M. C. Duguid, G. Amatulli, M.-N. Tuanmu, W. Jetz,
C. Salas, C. Stam, D. Piotto, R. Tavani, S. Green, G. Bruce, S. J. Williams, S. K.
Wiser, M. O. Huber, G. M. Hengeveld, G.-J. Nabuurs, E. Tikhonova, P. Borchardt,
C.-F. Li, L. W. Powrie, M. Fischer, A. Hemp, J. Homeier, P. Cho, A. C. Vibrans, P. M.
Umunay, S. L. Piao, C. W. Rowe, M. S. Ashton, P. R. Crane, and M. A. Bradford.
Mapping tree density at a global scale. Nature, 525(7568):201205, September 2015.
8
Leis de Newton
Lições de Mecânica
*
J. M. B. Lopes dos Santos
29 de Setembro de 2021
Primeira Lei
Na ausência de forças exteriores, um corpo em repouso mantém-se em
repouso, e um corpo em movimento mantém o seu estado de movimento,
com velocidade constante em direcção, sentido e módulo.
*
jlsantos@fc.up.pt
1
Segunda Lei
Um corpo actuado por uma força externa, F, tem uma aceleração, a, na
mesma direcção e sentido da força, de módulo proporcional ao módulo
da força. A constante de proporcionalidade é a massa do corpo (uma
grandeza sempre positiva). Isto é,
F = ma (1)
Terceira Lei
Para toda a acção (força) de um corpo A sobre um corpo B, existe uma
reacção (força) de B sobre A oposta (mesmo módulo, mesma direcção e
sentido contrário).
Um corpo não altera o seu estado de movimento a não ser que seja actuado inércia
2
Figura 1: Urbain Le Verrier (1881-1877) e John C. Adams (1819-1892) previram teo-
ricamente a existência do planeta Neptuno, a partir dos desvios da órbita de
Urano relativamente às previsões da teoria Newtoniana. O astrónomo Ge-
orge Airy, do Observatório de Greenwhich, ignorou as previsões de Adams.
Le Galle, em Berlim, seguiu as indicações de Le Verrier e foi o primeiro a
observar Neptuno ao telescópio. [?].
3
Isaac Newton
4
nidamente (primeira lei); quem já enfrentou um matulão com o dobro do tamanho
tem diculdade em acreditar que a força que pode exercer sobre nós não é maior que
a que podemos exercer sobre ele (terceira lei).
A verdade é que a experiência imediata dos nossos sentidos é muito limitada.
Vivemos amarrados pelo peso à superfície da Terra, não sobrevivemos fora de um
meio gasoso e os nossos sentidos estão limitados a janelas temporais e espaciais muito
estreitas: se olharmos para um relógio, não detectamos o movimento do ponteiro da
horas (ou mesmo dos minutos) e qualquer objecto de dimensões inferiores a cerca de
0, 1 mm é invisível à vista desarmada. Contudo, mesmo neste contexto limitado, uma
observação cuidadosa e uma reexão crítica sobre o conjunto da nossa experiência
quotidiana só encontra uma explicação consistente e coerente no âmbito da mecânica
Newtoniana.
5
Deste modo não é difícil comparar massas de corpos da mesma substância. Mas
como comparar a massa de uma esfera de ferro com outra de alumínio? O mesmo
volume é a mesma quantidade de matéria?
A resposta a esta pergunta vamos encontrá-la na terceira lei de Newton. Se a força
de A em B é oposta da força de B sobre A, de acordo com a terceira lei, e a aceleração
é a força sobre a massa, numa situação em que estes dois corpos não interagem com
terceiros, as suas acelerações serão opostas s e as suas massas forem iguais! De um
modo geral, para dois corpos em interação mútua e livres da inuência de terceiros,
podemos dizer
|aA | |FA | /mA mB
= =
|aB | |FB | /mB mA
O primeiro membro pode ser medido com réguas e relógios e daí podemos tirar, em
princípio, a razão das massas de dois corpos medindo a razão das suas acelerações.
Mas não será isto usar as leis para as provar? Não estaremos a denir massa de
modo a que a segunda e terceira leis se veriquem? Para responder a esta pergunta
suponhamos que usávamos este procedimento para mostrar que mA = mB e mB =
mC pondo A e B em interação mútua e depois fazendo o mesmo com B e C. Agora
podemos fazer uma previsão. Pondo A e C em interação as suas acelerações devem
ser opostas. Repare-se que não tinha de ser assim. Com isto pretende-se armar
que A e C terem acelerações opostas não é uma consequência lógica de os pares
A e B e B e C , em interação mútuas, terem acelerações opostas. Por exemplo,
(exemplo tolo, bem sei) podia acontecer que A e C fossem opacos e B transparente
e a aceleração mútua dependesse de os corpos terem propriedades óticas iguais (A e
C) ou distintas (A e B e B e C ). São as leis de Newton, e não um silogismo, que
permitem prever das experiências com A e B e B e C, o resultado da experiência
com A e C e introduzir, consistentemente, esta maneira de medir massa.
Este exemplo mostra a natureza da validação empírica das leis da Física. As leis
implicam determinadas consequências. Mas da observação das consequências não
podemos deduzir as leis. Leis distintas poderiam dar origem às mesmas consequências
em experiências que já zemos e consequências diferentes para situações que ainda
não experimentámos. As leis não se provam. Mas, à medida que conrmamos as suas
previsões, numa gama cada vez mais vasta de fenómenos, aumenta a nossa conança
nessas leis. Ao ponto em que, como acontece com as Leis de Newton, sabemos que
mesmo que essas leis sejam suplantadas (e foram!), as novas leis terão que reproduzir
os seus resultados, ou seja, reduzir-se a elas, nas gamas de fenómenos em que já as
validámos.
Podemos então usar as Leis de Newton para denir massa, um conceito que aparece
pela primeira vez na formulação dessas leis. A Natureza encarregar-se-ia de no-lo
mostrar, se por acaso essa denição não fosse consistente as observações empíricas.
Em conclusão, dados dois corpos em interação mútua a razão das suas acelerações
é a razão inversa das suas massas,
|aA | mB
=
|aB | mA
6
Escolhendo um corpo como tendo a unidade de massa, podemos, em princípio pelo
menos, determinar a massa de qualquer corpo. A massa assim denida é conhecida
pelo nome de massa inercial 1 .
Na teoria Newtoniana as interacções são denidas pelas forças a que dão origem.
2. Forças são vectores, isto é, têm direcção sentido e módulo e somam-se como
vectores.
1
Note-se que esta denição não envolve a interação gravítica de todo!
2
Nem todos os efeitos de um conjunto de forças são equivalentes ao da força resultante. Neste
exemplo, a resultante é nula mas a mola deforma-se por acção das forças aplicadas. Se não
houver forças aplicadas à mola, ela mantém o seu comprimento de equilíbrio.
7
Figura 3: Qual dos referenciais, S ou S0 é inercial?
a soma vectorial das forças que actuam num corpo chama-se resultante. A
força a que se refere a segunda lei é a resultante das forças que actuam no
corpo.
Imaginemos um asteróide atirado por alguma colisão para o espaço interestelar, longe
de qualquer astro ou corpo que possa inuenciar o seu movimento, isto é livre de
interações, de forças exercidas por outros corpos. A primeira lei diz-nos que a sua ve-
locidade deve ser constante. Mas para quem? Para medir uma velocidade precisamos
de um referencial e há muitos referenciais em que esse corpo está acelerado.
Suponhamos que o nosso asteróide está parado em relação à nave S . Uma segunda
nave, S 0 nave move-se em relação a S com aceleração a. Claramente o nosso asteróide,
tal
0
como S , tem uma aceleração −a em relação a S . Em que referencial se verica
a primeira lei?
8
Na perspectiva Newtoniana, todas as forças são devidas a interações entre corpos.
Isto é se há uma força há um corpo culpado de a exercer. Se conhecêssemos todas
as leis que governam essas interações (um grande se!) poderíamos em princípio
concordar que um determinado corpo está livre de qualquer inuência externa. Então
só observaríamos a primeira lei numa classe restrita de referenciais, precisamente
aqueles em que o referido corpo tivesse movimento uniforme. Na Física Newtoniana
esses referenciais são designados por inerciais.
Na realidade, não é nada fácil estabelecer que um dado corpo está livre de for-
ças. Por essa razão não é nada fácil determinar entre dois referenciais mutuamente
acelerados, qual é o inercial. Mas esta discussão tem de ser adiada até termos uma
melhor compreensão das Leis de Newton. Para agora camos apenas com a noção
que existe uma classe de referenciais em que as leis de Newton são válidas: aqueles
em que um corpo livre de forças tem movimento uniforme.
9
Órbitas Circulares e Oscilador Harmónico
Aplicação das Leis de Newton
*
J. M. B. Lopes dos Santos
5 de Outubro de 2021
1
Figura 1: Uma ilustração dos Principia de Newton
sua trajectória se encurvar de um modo semelhante à dos projécteis que "acabam por
cair". Esta maneira de ver, unica conceptualmente o movimento de um projéctil e uma
órbita de uma sonda ou planeta.
2
P ∆x Q
∆h
R
R + ∆h
Figura 2: Se o Planeta se deslocasse sem a atracção do Sol, estaria em Q e uma distância R + ∆h do Sol. Caiu
∆h em direção ao Sol.
x(∆t) ≈ vP ∆t (5a)
1vP2
y(∆t) = − ∆t2 . (5b)
2 R
Estas são as equações de movimento de um projéctil com aceleração ay = vP2 /R. Todos
os planetas caiem para o Sol. A Lua cai para a Terra!
Se aplicarmos isto ao movimento no campo da Terra em vez do Sol concluímos que
um projéctil à superfície da Terra cai com aceleração g e um satélite em órbita de raio
R (como a Lua) cai com aceleração vL2 /RL , em que vL é a velocidade linear da Lua e
RL o raio da sua órbita em torno da Terra. A aceleração da Lua pode ser calculada com
facilidade dos dados da sua órbita,
2πRL
vL = (6)
TL
e
vL2 RL
= 4π 2 2 = 2.73 × 10−3 m s−2 (7)
RL TL
Porque razão é muito mais pequena que g ≈ 10 m s−2 ?
Para entender este resultado, Newton socorreu-se da sua Lei da Gravitação Univer-
sal. As forças que a Terra exerce sobre um grave à sua superfície e sobre a Lua são,
3
respectivamente1 ,
MT m
Fg = G = mg (8a)
RT2
MT ML
FL = G 2 = ML gL ; (8b)
RL
Por isso
gRT2 = GMT = gL RL
2
(10)
De facto,
2
gRT2 = 9.8 × 6.37 × 106 = 3.98 × 1014 m3 s−2 (11a)
2
gL RL = 2.73 × 10 −3 8 2 14
× (3.24 × 10 ) = 4.05 × 10 m s 3 −2
(11b)
A igualdade (aproximada) entre este dois valores simboliza a unicação do movimento
dos astros com o movimento dos graves na Terra, um dos maiores feitos de Newton.
Para terminar, tiramos a condição geral para uma órbita circular sob ação do campo
gravítico. Se a órbita é circular, a força gravítica tem a direção radial a aceleração
tangencial é nula. Na direção radial, a segunda lei de Newton tem a forma
FG = man (12a)
Mm v2
−G = −m . (12b)
R2 R
A velocidade da órbita circular de raio R será
M
vc2 = G (13)
R
E então, se o planeta em P tiver uma velocidade com a mesma direção, mas de módulo
diferente de vc : qual será a sua órbita?
Vejamos: O corpo está no mesmo ponto; a força gravítica é a mesma. Tem a direção
radial F = FG êr e
Mm
FG = −G 2 (14)
R
Por outro lado a aceleração é perpendicular à velocidade, por isso é puramente normal
(sem componente tangencial) an = vP2 /R. Por isso chegamos sempre à Eq. 13. Será que a
1
Primeiro Newton teve de mostrar que a força gravítica de uma esfera de massa é a mesma que a mesma
4
v P >v c
1
v P =v c
P 3 2
v P <v c
velocidade não pode ser diferente de vc ? Esta conclusão não pode estar certa, uma vez que
sabemos que as leis da Física não xam velocidades. Podemos iniciar o movimento em
P com a velocidade que quisermos. O que está então errado no argumento apresentado?
O que está errado é a expressão da aceleração normal. Chamamos a atenção na
derivação das fórmulas de Frenet que a aceleração normal é
vP2
an = (15)
R
mas em que R é o raio de curvatura da trajectória no ponto P , não a distância à origem.
Só coincidem se estivermos a lidar com uma trajectória circular. A expressão correcta
da segunda lei será então
Mm vP2
−G = −m . (16)
R2 Rc
em que R é a distância aos Sol e Rc o raio de curvatura em P . Assim como o primeiro
membro está xo se variar vP varia o raio de curvatura da trajectória: quanto menor for
vP menor será Rc , maior será a curvatura κ := Rc−1 .
1 Mm
κ := =G 2 2 (17)
Rc vp R
As diferentes órbitas terão o aspecto da gura 3: as órbitas 1 e 3 serão órbitas elípticas
e a órbita 2 circular. Note-se se vP for sucientemente grande, a órbita pode ser aberta
deixando de ser periódica.
5
k1 m x
tica, até ao curso mais avançado de Teoria Quântica de Campo, o oscilador harmónico
simples nunca está longe.
O que há de tão especial num sistema de uma massa ligado a uma mola?
Suponhamos que linha a tracejado da Fig. 4, representa a posição em que a mola não
exerce força sobre a massa m e que medimos o delocamento horizontal do corpo relativa-
mente a essa posição (x = 0, na linha tracejado); que a massa da mola é desprezável (o
seu papel reduz-se a exercer uma força no corpo); que o corpo desliza sobre a mesa sem
atrito, ao longo de uma linha (eixo Ox); que a força exercida pela mola é proporcional à
sua variação de comprimento relativamente à posição em que a força é nula.
São muitas suposições, mas todas necessárias para denir o modelo da oscilação har-
mónica simples sem dissipação. Com estas simplicações qual é a equação de movimento
do corpo?
Um vez que tratamos apenas do movimento ao longo do eixo Ox, a segunda lei de
Newton toma a forma
max = Fx (18)
em que F = Fxˆ é a força exercida pela mola. Se x(t), a coordenada de posição do corpo,
for positiva a mola é distendida e Fx < 0. Se x < 0 a força tem o sentido de ˆ , ou seja
Fx > 0. Como Fx é proporcional ao deslocamento do corpo em relação à linha tracejada,
d2 x
m = −kx(t) (20)
dt2
ou
d2 x k
=− x(t) (21)
dt2 m
Esta é a equação de movimento do oscilador harmónico simples, e a sua importância em
Física é tremenda! Por que é que os físicos são tão obsessivos relação a um sistema tão
especial?
A razão é que esta equação surge em quase todos os contextos em que existem con-
gurações de equilíbrio estável e pequenas oscilações em torno dessas congurações. Sem
pretender esgotar todas essas situações vejamos um contexto um pouco mais geral do
6
Figura 5: Força restauradora. Para que o corpo acelere em direção ao equilíbrio, o declive da força no ponto de
equilíbrio deve ser negativo.
que a massa e mola que conduz à mesma equação. Imaginemos uma estrutura (pode
ser um edifício, uma molécula, o líquido num recipiente) que tem uma conguração de
equilíbrio estável, e seja x uma coordenada que caracteriza o desvio da estrutura da sua
conguração de equilíbrio, que podemos tomar como correspondendo a x = 0. Ser estável
signica que se x > 0 , o sistema deve acelerar em direção a x = 0 no sentido negativo
do eixo Ox; se x < 0, deve acelerar também em direção a x = 0 , ou seja no sentido
positivo de Ox. Se assim não fosse o equilíbrio seria instável porque a força não tenderia
a levar o sistema em direção à situação de equilíbrio. Por isso a força deve ter a forma
da Fig. (5).
Fx (x) > 0 se x < 0 (22a)
Fx (0) = 0 (equilíbrio) (22b)
Fx (x) < 0 se x > 0 (22c)
Se a equação de movimento tiver a mesma estrutura da 2ª lei de Newton (algo que não
se resume apenas à Mecânica) teremos
d2 x
m = Fx (x) (23)
dt2
Se o desvio em relação ao equilíbrio for pequeno, a função Fx (x) pode ser aproximada
pela equação da tangente ao gráco de Fx na origem2 . Dada a expressão da força, a
tangente é uma recta que passa na origem com declive negativo, ou seja
Fx (x) ≈ −kx (24)
2
Estamos de novo na aproximação de Euler: Fx (x) ≈ Fx (0) + Fx0 (0)x; o primeiro termo é nulo, pois
0
x=0 é a posição de equilíbrio, e Fx (0) ≡ −k < 0, para o equilíbrio ser estável.
7
e, para pequenas oscilações a equação de movimento é a do oscilador harmónico:
d2 x k
2
≈ − x(t). (25)
dt m
Por esta razão uma grande variedade de sistemas, que nada têm a ver com o sistema
massa+mola são descritos pela mesma equação de movimento.
Quais são então os movimentos descritos pela Eq. 21? Vamos encontrá-las de dois modos
distintos.
Voltemos por um momento ao movimento circular uniforme e escrevamos a segunda lei
de Newton projectada nos eixos cartesianos. A força é centrípeta e de módulo constante
v2
a=− êr = −ω 2 r cos θˆ − ω 2 r sin θˆ (26)
r
As coordenadas cartesianas da partícula são
x(t) = r cos θ (27a)
y(t) = r sin θ (27b)
isto é
a = −ω 2 x(t)ˆ − ω 2 y(t)ˆ (28)
Em coordenadas cartesianas,
d2 x
ax := = −ω 2 x(t)
dt2
d2 y
ay = 2 = −ω 2 y(t)
dt
Mas estas equações são as equações de movimento do oscilador harmónico simples!
Quando uma partícula tem um movimento circular uniforme, a sua projecção num diâme-
tro é um movimento cuja aceleração satisfaz a equação do oscilador harmónico simples.
Ou seja, a projecção de um movimento circular no eixo Ox é uma solução da equação do
oscilador harmónico. No movimento circular
θ(t) = ωt + θ0 (30)
e a coordenada x(t)
x(t) = r cos (ωt + θ0 ) (31)
Podemos vericar explicitamente, derivando duas vezes, que este movimento é solução
da equação 21
dx
= −rω sin (ωt + θ0 )
dt
d2 x
= −rω 2 cos (ωt + θ0 ) = −ω 2 x(t)
dt2
8
função Curvatura d2 x/dt2
x(t) > 0 -
x(t) = 0 ponto inexão
x(t) < 0 +
Tabela 1: Relação entre função e sua curvatura, quando a função é solução da equação de movimento
harmónico.
Figura 6: Se a curvatura (segunda derivada) tem o sinal oposto ao da função, quando x(t) > 0 curvatura é
negativa e o valor da função acaba por se aproximar de novo de zero. Ao passar o zero a curvatura torna-se
positiva e o resultado é uma oscilação em torno da origem.
desde que
k
ω2 = . (33)
m
Note-se que as constantes r e θ0 não são determinadas pela equação de movimento.
Por isso, não obtivemos uma solução, mas sim uma família de soluções. Mais à frente
veremos como as podemos determinar.
Voltando atrás, vejamos uma segunda maneira de encontrar as soluções do movimento
harmónico. A equação de movimento diz-nos que a solução é um função cuja segunda
derivada é proporcional à própria função com um constante de proporcionalidade nega-
tiva:
d2 x k
2
= − x(t). (34)
dt m
9
função.
d2 f
f (t) = cos(t) ⇒ = − cos(t) (35a)
dt2
d2 g
g(t) = sin(t) ⇒ 2 = − sin(t) (35b)
dt
. Para que a constante de proporcionalidade diferente de -1
d2 f
f (t) = cos(ωt) ⇒ = −ω 2 cos(ωt) = −ω 2 f (t) (36a)
dt2
d2 g
g(t) = sin(ωt) ⇒ 2 = −ω 2 sin(ωt) = −ω 2 g(t) (36b)
dt
Claramente que f (t) quer g(t) são soluções da Eq. 21 desde que ω 2 = k/m. Qual delas
devemos escolher?
Se atentarmos na equação de movimento vemos que ela é linear. Como
d2 d2 f d2 g
(Af (t) + Bg(t)) = A + B (37)
dt2 dt2 dt2
para A e B constantes, ca claro que, se f (t) e g(t) são soluções, h(t) = Af (t) + Bg(t)
também é um movimento possível. Por outras palavras,
x(t) = A cos(ωt) + B sin(ωt) (38)
é uma família de soluções para a Eq. 21, quaisquer que sejam A e B .
Pensemos um pouco no modo como podemos iniciar uma oscilação tomando como
exemplo o caso da massa e mola. Começamos por deslocar o corpo para um valor de
x = x0 , fora do equilíbrio. Depois, ou largamos o corpo (velocidade nesse instante nula)
ou damos-lhe um impulso, em direção ao equilíbrio, ou no sentido oposto (v = v0 ). A
seguir o movimento é determinado pela equação de movimento. Por outras palavras, é
possível ter uma movimento harmónico com quaisquer valores de x e v num dado instante.
Tomando o instante em que largamos o oscilador como t = 0, temos
x(0) = x0 (39a)
v(0) = v0 (39b)
Atentando à forma da solução (Eq. (38))
x(t) = A cos(ωt) + B sin(ωt) (40a)
dx
v(t) = = −ωA sin(ωt) + ωB cos(ωt) (40b)
dt
e pondo t = 0 temos
x(0) = A (41a)
v(0) = ωB, (41b)
10
x
xmax
t/ s
-T T
xmin
iniciais, em t = 0,
A = x0 (42a)
ωB = v0 . (42b)
O movimento ca então univocamente determinado pela equação de movimento (se-
gunda lei e lei de força) e pelas condições iniciais:
v0
x(t) = x0 cos(ωt) + sin(ωt). (43)
ω
É fácil mostrar que a primeira solução que encontramos na Eq. (31) se pode reduzir a
esta forma
x(t) = r cos (ωt + θ0 ) = r cos θ0 cos (ωt) − r sin θ0 sin (ωt) (44)
ou
x0 = r cos θ0 (45a)
v0 = −ωr sin θ0 (45b)
Em conclusão: a solução do movimento é uma oscilação sinusoidal cuja amplitude e fase
são determinadas pelas condições iniciais (Fig. (7))
r
v2
r= x20 + 02 (46a)
ω
v0
tan θ0 = − . (46b)
ωx0
A frequência ω (e o período T = 2π/ω) ao contrário da fase ou amplitude, não dependem
das condições iniciais, são características do oscilador. Tendo em conta que a força
restauradora Fx = −kx a seguinte mnemónica ajuda a recordar a expressão de ω .
k
ω2= =força restauradora por unidade de deslocamento e massa. (47)
m
11
Para terminar esta lição é útil reectir um pouco sobre este facto que as equações
mostram, que Galileu percebeu, mas que não deixa de ser supreendente: O período de
uma oscilação não depende da amplitude. Uma oscilação de grande amplitude (desde
que harmónica) demora o mesmo tempo que uma pequena. Porquê?
A primeira pista vem da análise dimensional. A equação de movimento tem um único
parâmetro
k
= [F ] L−1 M −1 = M LT −2 L−1 M −1 = T −2
m
Se iniciarmos o oscilador com uma amplitude inicial x0 e velocidade inicial nula, o período
só pode ser função de k/m e x0 . Mas como [x0 ] = L−1 e [k/m] = T −2 a resposta não
pode depender de x0 , e temos de ter
r
m
T ∼ .
k
A segunda pista decorre da seguinte observação. Quanto maior for a amplitude maior é
a velocidade no ponto de equilíbrio. Por simples análise dimensional de novo
vmax ∼ ωx0
Isto signica que a velocidade típica da oscilação é proporcional à amplitude. Por isso o
tempo que demora a percorrer uma distância da ordem da amplitude é
vmax t ∼ x0
ou r
x0 1 m
t∼ ∼ ∼ .
vmax ω k
Nas oscilações de maior amplitude o corpo tem uma velocidade maior de tal modo que
o período não varia.
12
Momento Linear
Grandeza conservada
*
J. M. B. Lopes dos Santos
6 de Outubro de 2021
1 Introdução
Nestas notas prosseguimos o estudo de grandezas conservadas, isto é de propriedades
físicas cujo valor se mantém constante nos movimentos governados pelas leis de Newton.
A energia é uma grandeza escalar, e no estudo da sua conservação pudemos considerar o
caso de uma única partícula. O momento linear é uma grandeza vetorial e só faz sentido
considerar a sua conservação no contexto de interações entre partículas. Para uma única
partícula a conservação de momento linear nada acrescenta à primeira lei de Newton.
*
jlsantos@fc.up.pt
1
2 Sistema de duas partículas
O sistema a considerar tem duas partículas em interação mútua, mas livres de interação
com outros corpos. A segunda Lei de Newton, aplicada a cada partícula, dá
dv1
m1 = F12 (1)
dt
dv2
m2 = F21 (2)
dt
em que Fij é a notação para a força que a partícula j exerce sobre a i. Ora, pela terceira
lei de Newton,
F12 = −F21 ; (3)
dv1 dv2
m1 + m2 = F12 + F21 = 0 (4)
dt dt
ou
d
[m1 v1 (t) + m2 v2 (t)] = 0 (5)
dt
A velocidade de cada uma partículas varia, mas a grandeza
é constante, porque
d
P(t) = 0 (7)
dt
Assim, se uma das partícula tiver uma variação do seu momento, ∆p1 , a segunda
terá de ter uma variação simétrica ∆p2 = −∆p1 , pois ∆P = 0. E o que são as forças
de interação? São o uxo desta grandeza, momento linear, entre as duas partículas, ou
seja, a quantidade de momento transferida por unidade de tempo. Nesta perspetiva, a
terceira Lei de Newton surge com muita naturalidade. Se eu transro 100¿ da conta A
para a conta B , ca claro que transferi -100¿ de B para A. Do mesmo modo, o momento
que passa da partícula A para a B por unidade de tempo (F de A sobre B ) tem de ser
simétrico do momento transferido de B para A (F de B sobre A). O momento não se
cria nem se destrói: passa entre partículas por via da respetiva interação. Acontece,
precisamente, que o princípio de conservação de momento linear tem uma centralidade
em Relatividade ou em Mecânica Quântica, que o conceito de força não tem. Por isso
podemos dizer que a Terceira Lei é a maneira de exprimir este conceito fundamental da
Física na linguagem da Mecânica Newtoniana, embora possa parecer, à primeira vista,
que deduzimos a conservação de momento da terceira Lei.
2
3 Sistema de Partículas
Newton tinha perfeita consciência que um corpo não é uma partícula material. A pro-
verbial maçã que lhe terá (ou não!) caído na cabeça, trinca-se. Não se trinca uma
partícula. Mas até agora temos aplicado as Leis de Newton apenas a partículas. Con-
tudo, o nosso tempo não será perdido se usarmos o modelo de Newton para um corpo
extenso: considerá-lo como um sistema de partículas. Não se trata de dizer que Newton
era conhecedor da estrutura atómica. Apenas que a maneira de pensar num corpo com
extensão é modelizá-lo como se fosse um conjunto de partículas, com interações mútuas
e em interação com partículas de outros corpos, sendo que cada partícula se move de
acordo com as três leis de Newton.
Seja ri (t) o vetor de posição da partícula i do nosso sistema, com i = 1, 2, . . . N , e Fi
a resultante de todas as forças que atuam nela. Entre estas forças podemos distinguir:
Forças internas, que são forças exercidas pelas outras partículas do sistema que
estamos a considerar;
Forças externas, que são forças exercidas por partículas que não fazem parte do
sistema considerado.
É fácil ver que o primeiro termo do segundo membro é nulo. As forças presentes na soma
podem agrupar-se em pares ação-reação, Fij e Fji = −Fij (o primeiro termo contribui
para a aceleração da partícula i e o segundo para a da partícula j) e a soma anula-se.
Em conclusão, usando o facto de as massas não dependerem do tempo,
d X (ext)
(m1 v1 + m2 v1 + · · · + mN vN ) = Fi = R(ext) (11)
dt
i
3
Este resultado leva-nos a denir o momento total do sistema
N
X
P := m1 v1 + m2 v1 + · · · + mN vN = mi vi (12)
i=1
e a concluir
dP
= R(ext) (13)
dt
Como dissemos acima, Newton não descobriu a segunda lei observando partículas, mas
sim corpos extensos. Ora a Eq. 13 tem exatamente a forma da segunda Lei se denirmos
a velocidade do corpo constituído pelas N partículas, como
N
1 X
vcm = mi vi , (14)
M
i=1
N
X
M= mi , (15)
i=1
pelo que,
d dvcm
M vcm = M = R(ext) (16)
dt dt
Tal como arma a segunda lei, no segundo membro surge apenas a resultante de forças
exteriores, ou seja forças exercidas por outros corpos. A velocidade do corpo (Eq. 14) é
designada também por velocidade do Centro de Massa (CM) do sistema de partículas.
Repare-se no argumento que nos conduziu aqui:
N
P 1 X
vcm = = mi vi (17)
M M
i=1
dv
M = R(ext) (18)
dt
4
A segunda perspetiva, a que podemos chamar microscópica, considera o corpo como um
sistema de partículas que se movem de acordo com as Leis de Newton. Nesta perspetiva,
a velocidade macroscópica é a velocidade do CM
1 X
vcm = mi vi , (19)
M
i
A forma macroscópica da segunda lei, Eq. 18, surge como consequência da segunda e
terceira leis de Newton aplicadas a partículas. Uma observação curiosa é que Newton
não poderia ter descoberto a primeira e segunda lei na ausência da terceira, uma vez que
ele só pode intuir as suas leis da observação de corpos extensos.
Vemos agora que o tempo passado a estudar movimento de partículas não foi perdido.
No movimento mais complexo de qualquer corpo, há um ponto que tem exatamente o
mesmo movimento que o de uma partícula sujeita à soma das forças externas que atuam
no corpo: esse ponto é o centro de massa. A sua velocidade é denida pela Eq. 17. A
sua posição é facilmente obtida. Uma vez que
dri
vi = (22)
dt
e
d
mi vi = (mi ri ) (23)
dt
temos !
drcm 1 X d d 1 X
= vcm = (mi ri ) = m i ri (24)
dt M dt dt M
i i
e podemos denir
1
1 X
rcm = mi ri (25)
M
i
rcm é uma média das posições das partículas, pesada pelas respetivas massas. Tem a
propriedade fundamental de ter exatamente o mesmo movimento que uma partícula, de
massa igual à massa total do corpo, sujeita à totalidade das forças externas que atuam
no corpo.
Em suma, as principais lições desta análise:
1
Somando um vector constante a rcm obtemos um ponto que, como é óbvio, tem a mesma velocidade
que o centro de massa. Mas não há qualquer vantagem em nos afastarmos da denição da Eq. 25.
5
O momento linear de um corpo é a soma dos momentos mi vi das partículas que o
compõem;
N
X
P= mi vi . (26)
i=1
Se a resultante das forças externas que atuam no corpo for nula, o momento P é
independente do tempo, sejam quais forem as forças internas.
P
vcm = (27)
M
pois sendo P e M constantes, o movimento do centro de massa é uniforme, vcm é
constante.
dP d
= M vcm = M acm = R(ext)
dt dt
6
Energia e Trabalho
*
J. M. B. Lopes dos Santos
6 de Outubro de 2021
1 Campos de Forças
Nesta nota iniciamos o estudo de grandezas conservadas começando pelo caso da ener-
gia. Embora as equações de movimento contenham toda a informação necessária para
os determinar, a existência de grandezas, funções do estado das partículas, isto é das
suas posições e/ou velocidades, que não variam no tempo, qualquer que sejam as in-
terações, permite obter resultados muito úteis, mesmo sem determinar completamente
o movimento. Mas, mais importante, estas grandezas conservadasenergia, momento
linear e momento angular, desempenham um papel central na formulação das teorias
da Relatividade (Restrita e Geral) e da Mecânica Quântica, enquanto, por exemplo, o
conceito de força, como modo privilegiado de exprimir interações, quase desaparece.
Para introduzir os conceitos de trabalho e energia, vamos considerar o caso relativa-
mente simples de movimentos em uma dimensão na presença de um campo de forças.
Já vimos vários exemplos de leis de força.
mM
F = −G êr (1)
r2
o versor êr = r/r em que r é o vetor de posição do corpo, tomando como origem o
planeta ou estrela que o atrai;
*
jlsantos@fc.up.pt
1
O peso (atração gravítica na superfície da Terra)
P = −mg k̂ (2)
A força de resistência do ar
F = −γv 2 v̂ (5)
As três primeiras constituem um campo de forças, as duas últimas não. O que caracteriza
um campo de forças é que a posição da partícula determina univocamente a força que se
exerce sobre ela. As forças de atrito e de resistência do ar dependem da velocidade como
tal pode acontecer a partícula sofre forças distintas na mesma posição . No início deste
1
capítulo vamos referir-nos apenas a partículas em movimento rectilíneo (1D) em campos
de forças. Genericamente tomaremos a direção do movimento como sendo o eixo dos x.
Assim a força será, F = F (x)ˆ. Nos três casos acima indicados teremos:
mM
F (x) = −G (x > 0) (6)
x2
(por clareza, neste caso usaremos x em vez de r eˆ
em vez de êr );
1
A força de atrito cinético não depende do módulo da velocidade, mas depende do seu sentido e
direção.
2
As equações de movimento 1D, num campo de forças, podem ser obtidas da seguinte
condição: existe uma grandeza que depende da posição e velocidade, E(v, x) da forma
1
E(x(t), v(t)) = mv(t)2 + U (x(t)) (9)
2
que não varia no tempo.
d
E (v(t), x(t)) = 0. (10)
dt
Ora (regra de derivação da função composta)
ma = F (x) (15)
concluímos
dU
F (x) = − (16)
dx
Em conclusão, se
1
E(x, v) = mv 2 + U (x) (17)
2
for constante, o movimento é o de uma partícula de massa m sujeita a uma força F (x) =
−dU/dx.
O reverso também é verdadeiro. Para obter a conservação de E(x, v) a partir da
segunda lei multiplicamos a segunda lei nos dois membros por v para obter a Eq. 13
dv
mv = F (x)v (18)
dt
O primeiro membro é uma derivada temporal
d 1 dv
mv 2 = mv (19)
dt 2 dt
3
O segundo também é; se C(x) for uma primitiva de F (x), isto é, se F (x) for a derivada
de uma função C(x)
dC(x)
F (x) = (20)
dx
e
dC(x) dx d
F (x)v = = C (x(t)) (21)
dx dt dt
e então
d 1
mv 2 − C(x) = 0 (22)
dt 2
Esta lei é escrita na forma
d 1
mv 2 + U (x) = 0 (23)
dt 2
em que U (x) := −C(x), ou
dU
F (x) = − (24)
dx
Assim obtivemos da segunda lei
1
mv(t)2 + U (x(t)) = const. (25)
2
4
A expressão da energia cinética e as leis de Newton
dv
m = F (x), (26)
dt
determinam a sua forma.
Se E (x(t), v(t)) é constante
d
E (x(t), v(t)) = 0. (27)
dt
Isso implica
∂E dx ∂E dv
+ = 0, (28)
∂x dt ∂v dt
ou
1 ∂E ∂E
a=− (29)
v ∂v ∂x
Para que isto se reduza à forma segunda lei de Newton, devemos ter
1 ∂E
=m (30)
v ∂v
Como a massa newtoniana é uma constante, concluímos que
1
E = mv 2 + const (31)
2
Mas na verdade a única condição para a constante aditiva é que não dependa de v. Se
depender apenas de x, U (x), a Eq. 30 continua válida:
1
E = mv 2 + U (x), (32)
2
Então a Eq. 29 toma a forma da segunda lei de Newton
dU
ma = − (33)
dx
em que a força é
dU
F (x) = − (34)
dx
5
2.1 Formas de Energia Potencial
A grandeza conservada
1
E(x, v) = mv 2 + U (x) (35)
2
é a energia mecânica: o primeiro termo é a energia cinética e o segundo a energia poten-
cial. Estas designações sugerem que a energia cinética é energia que se manifesta e U (x)
é apenas o potencial de se transformar em energia cinética. Na verdade, esta é apenas
a forma de um integral de movimento. Ou seja, uma função das coordenadas e veloci-
dades, cujo valor se conserva no tempo, apesar de quer x, quer v variarem. A energia
não tem outra realidade senão esta. Não é uma substância transportada pelas partículas.
É apenas uma grandeza que se pode determinar a partir do estado de movimento das
partículas. A quem estiver interessado na pergunta o que é realmente a energia, que tem
um papel tão central nas nossas vidas?, recomenda-se a leitura do capítulo 4 do primeiro
volume das Feynman Lectures on Physics. É uma excelente introdução ao conceito físico
de energia.
Mas voltemos aos nossos exemplos para determinar em cada caso a energia potencial.
Partindo da lei de força, conhecemos a derivada em ordem a x da energia potencial. Ou
seja, U (x) é qualquer primitiva de −F (x). Só pode ser determinada a menos de uma
constante aditiva.
Força harmónica:
dU
F (x) = −kx = − (36)
dx
Obtemos
1
U (x) = kx2 + const (37)
2
O ponto x=0 é o ponto de equilíbrio e o valor da constante é a energia potencial
que atribuímos (arbitrariamente) a essa posição. A escolha mais comum é U (0) = 0,
1
Uel (x) = kx2 (38)
2
Peso
F (x) := −mg (39)
Força gravítica
mM
F (r) = −G (42)
r2
6
Então
dU mM
=G 2 (43)
dr r
e como
d 1 1
=− 2 (44)
dr r r
temos
mM
UG (r) = −G + const (45)
r
A escolha habitual é tomar esta constante igual a zero.
mM
UG (r) = −G (46)
r
O valor zero da energia potencial corresponde a uma distância ao corpo que cria
a campo gravítico, r → ∞. Como a força é atrativa, quando r aumenta a energia
cinética diminui; logo a energia potencial deve aumentar. Como é negativa, o seu
valor aproxima-se de zero.
Como exemplo de aplicação destes conceitos, vamos ver o que é preciso para escapar à
atração gravítica da Terra. Na obra de Júlio Verne, Viagem à Lua, o autor coloca os
astronautas dentro de uma bala oca, que é disparada (na Florida!) por um super canhão.
Ignorando a resistência do ar, que velocidade teria de ter a bala para não voltar a cair
na Terra?
Usando a nossa expressão para UG (r) podemos calcular a energia da bala quando sai
do canhão:
1 1 GM m
Ei = mv 2 + UG (RT ) = mv 2 − (47)
2 2 RT
em que RT é o raio da Terra. Como a energia se conserva, a uma distância r do centro
da Terra,
1 GM m
mv 2 (r) − = Ei . (48)
2 r
Indicamos a dependência explícita da velocidade em r , porque esta equação torna clara
que a velocidade vais depender apenas de r , pois todos os outros fatores são constantes
(não dependem de t). O termo de energia cinética é positivo e o de energia potencial
é negativo; se Ei > 0, o termo de energia cinética não pode ser nulo; a bala não para
nunca e continua indenidamente a afastar-se da Terra. Se Ei < 0, existe um valor de r
para o qual a energia cinética tem de se anular, nomeadamente
GM m GM m
rc = = (49)
−Ei |Ei |
A essa distância a bala para e inicia a viagem de regresso. A condição para que escape
à atração da Terra é, pois
Ei > 0, (50)
7
Ec
Ec
Figura 1: Diagrama de energia do campo gravítico da Terra. Uma partícula de energia negativa (linha
amarela)não pode mover-se para além do ponto onde a energia potencial iguala a energia total; para r maior que
esse valor a energia cinética seria negativa. Uma partícula de energia positiva (linha verde) pode existir a
qualquer distância da Terra.
ou
2GM
v2 > = 2gRT (51)
RT
se recordamos que a aceleração da gravidade à superfície da Terra é
GM
g= . (52)
RT2
2gRT ≈ 11 km s−1
p
v > ve = (53)
Esta velocidade é designada por velocidade de escape e, como vemos, não depende da
massa do corpo em movimento. O canhão de Júlio Verne teria de disparar a bala pelo
menos com esta velocidade.
Este argumento está esquematizado no diagrama de energia da Fig. 1 A linha azul é a
energia potencial gravítica. As linhas horizontais representam as energias de mecânicas
de duas partículas; são horizontais porque a energia é constante. A diferença entre a
energia total e a energia potencial é a energia cinética, representada pelas setas verticais,
e é necessariamente positiva; uma partícula não pode existir onde a sua energia mecânica
seja inferior à potencial, pois isso implicaria uma energia cinética negativa. Se a energia
for negativa existe um valor de r onde a energia mecânica é igual à potencial e a partícula
não pode mover-se para além dessa distância. Se a energia for positiva (linha verde) a
partícula continua a afastar-se da terra indenidamente, pois max (UG ) = 0.
8
3 Teorema da energia cinética
Passamos agora a uma generalização destas noções para movimentos mais gerais, não
apenas 1D.
Na secção anterior vimos que (Eq.(11) )
dv d 1
mv = mv 2 (54)
dt dt 2
Isto também se aplica num contexto mais geral ao produto escalar do vetor velocidade
pelo da aceleração
2
dv 1 d d 1
mv · = m [v(t) · v(t)] = mv 2 (t) ,
dt 2 dt dt 2
uma vez que v 2 := v · v .
Multiplicando os dois membros da segunda lei escalarmente por v
dv (t)
m · v (t) = F (t) · v (t) (55)
dt
podemos concluir da segunda lei que
d 1
mv 2 (t) = F(t) · v(t) (56)
dt 2
O produto F(t) · v(t) é a taxa de variação (derivada temporal) da energia cinética. A
força F(t) transfere uma energia por unidade de tempo para a partícula F (t) · v(t) .
Se, à maneira dos físicos, pensarmos num intervalo de tempo [t, t + ∆t] com ∆t muito
pequeno (∆t → 0) , podemos escrever
ˆ tf ˆ tf
dEc (t)
dt = Ec (tf ) − Ec (ti ) = F(t) · v(t)dt (59)
ti dt ti
2
Aqui usamos o resultado para a derivada do produto escalar d [a(t) · b(t)] /dt = [da(t)/dt] · b(t) +
a(t) · db(t)/dt. Facilmente te convences deste resultado se exprimires os produtos escalares nas
9
Figura 2: A partícula percorre a curva C e a força varia de ponto para ponto na curva. Num deslocamento
innitesimal 0 trabalho
´ é F · ∆r = F(t) · v(t)∆t. O trabalho na curva C é a soma de todos os trabalhos
innitesimais, Wif = c F(r) · dr
Seguidamente vamos claricar a relação entre trabalho de uma força e energia potencial.
Vamos supor que a partícula está apenas sujeita a um campo de forças F(r).
10
O teorema da energia cinética arma
ˆ
∆Ec = Wif = F(r) · dr (64)
c
Será que existe um princípio de conservação de energia mecânica, tal como em 1D? A
ser assim teria a forma
∆Ec + ∆U = 0 (65)
Vamos agora ver que qualquer campo de forças radial, não apenas o campo gravítico,
é conservativo.
No integral
ˆ ˆ tf ˆ tf
F(r) · dr = F (r(t)) · v(t)dt = f (r(t)) êr · v(t)dt (70)
C ti ti
a única componente da velocidade que contribui para o produto escalar é a componente
radial. Escrevendo
dr
v(t) = êr + v⊥ (71)
dt
11
em que v⊥ é ortogonal à direção radial, vem
ˆ tf ˆ tf ˆ rf
dr
F (r(t)) · v(t)dt = f (r) dt = f (r)dr (72)
ti ti dt ri
Como vemos, qualquer que seja o caminho entre ri → rf , acabamos reduzidos ao mesmo
integral. O potencial pode ser denido como
ˆ rf
U (rf ) = − f (r)dr (73)
r0
" ˆ rf
# "ˆ
r0
# ˆ ∞
U (rf ) = lim − f (r)dr = lim f (r)dr := f (r)dr (74)
r0 →∞ r0 r0 →∞ rf rf
Mm
U (r) = −G . (76)
r
Porquê esta curiosa escolha de limr→∞ U (r) = 0? Para começar, notemos que, em
geral f (r) → 0, quando a distância ao corpo que cria o campo r → ∞. Quando o corpo
se move entre dois pontos com r sucientemente grande para que possamos desprezar
f (r), o trabalho realizado pelo campo é nulo eU não varia. Isto é outra maneira de
dizer que temos de ter f (r) → 0r → ∞ para que o integral da Eq. 74 possa
quando
ser convergente. Por outro lado, com esta escolha, U (r) tem um signicado físico muito
direto. Imaginemos o corpo, parado, a uma distância r da estrela ou planeta que cria o
campo. Pretendemos, como agentes externos capazes de originar qualquer força, afastar
o corpo até r → ∞. A mínima força que temos de exercer é simétrica do campo gravítico
Mm
Fext = G êr (77)
r2
Neste processo o trabalho que realizamos sobre o nosso sistema, corpo+astro, é por isso
simétrico do trabalho (negativo) realizado pelo campo, ou seja é igual a −U (r). Por
outras palavras −U (r) é o trabalho externo necessário para separar o corpo e o astro de
uma distância r até para uma distância innita. Vemos então que para forças atrativas o
potencial U (r) é negativo, porque para realizar este processo a força externa realiza um
trabalho positivo.
12
4 Movimento em Calhas
Um exemplo importante de aplicação do princípio de conservação de energia corresponde
ao movimento sujeito apenas à ação do peso e de forças de ligação, como, por exemplo,
num plano inclinado ou numa calha de forma mais geral.
A segunda lei de Newton permite-nos escrever
em que Fl inclui todas as forças de ligação, sejam atrito ou reacção normal. Se aplicarmos
o teorema de energia cinética.
ˆ ˆ
Ec (tf ) − Ec (ti ) = (−mg k̂) · dr + Fl (t) · dr (79)
c c
em que C é a trajetória descrita entre ti e tf . O trabalho realizado pela campo gravítico
pode ser calculado
ˆ
Wg = −mg dz = −mg (zf − zi ) = − [U (zf ) − U (zi )] (80)
c
em que a energia potencial gravítica é
Deste modo podemos passar o trabalho do campo conservativo para o primeiro membro e
ˆ
∆ (Ec + U ) = Fl (t) · dr (82)
c
A variação de energia mecânica total é agora apenas o trabalho das forças de ligação.
O trabalho da força gravítica está no termo da variação da energia potencial. Esta
conclusão como vemos é geral. O trabalho de campos de forças conservativos pode ser
incluído na denição da energia mecânica, através do termo de energia potencial. Então
só o trabalho de outras forças pode contribuir para variar a energia mecânica, cinética
mais potencial gravítica, da partícula.
Quando o deslocamento está restrito a uma superfície, e as forças são apenas de reação
normal temosFl (t) perpendicular ao deslocamento dr e o trabalho das forças de ligação
é nulo. Nesse caso temos conservação da energia mecânica
∆ (Ec + U ) = 0. (83)
porque as forças de atrito cinético são opostas à velocidade relativa das superfícies em
contacto e Fa (t) · v(t) < 0. Nesse caso
13
Descrição de Movimento
Lições de Mecânica
1 Descrição do Movimento
Há quem pense que o progresso da ciência consiste em alcançar cada vez mais respostas
seguras para as perguntas que a Humanidade espontaneamente se coloca. Na verdade,
o progresso resultou, frequentemente, de alterar as perguntas que se fazem. No nasci-
mento da ciência moderna, com Galileu, no século XVII, encontramos um exemplo disso
mesmo. A preocupação com as causas do movimento de Aristóteles e dos seus inúmeros
seguidores, é por Galileu substituı́da pelo interesse na descrição do movimento. E foi
por esta via que a a matemática passou a ser o idioma da Fı́sica.
Como podemos então descrever o movimento de um corpo? Para simplificar, va-
mos ignorar a sua extensão finita—as suas diferentes partes têm posições diferentes—, e
imaginar que podemos especificar a sua posição como se de um ponto se tratasse. Sim-
plificando ainda mais suponhamos que o nosso corpo se desloca numa linha, marcada na
Fig. 1. Como é que alguém me pode indicar a posição atual do corpo nessa linha?
Se pensarmos um pouco vemos que os pontos de uma linha não têm nome. Não são
entidades únicas e irrepetı́veis como nós: são todos iguais! Por isso para localizar os
pontos de uma linha precisamos de duas coisas:
*
jlsantos@fc.up.pt
1
???
−1 0 1 2
Uma vez fixadas estas condições, só precisamos de réguas para medir distâncias, e relógios
para medir tempos para podermos atribuir a cada corpo em movimento uma coordenada
x em cada instante t
t 7→ x x, t ∈ R (1)
O movimento passa a ser então definido por uma função x(t). O objectivo destas
considerações é mostrar que esta especificação do movimento está associada à escolha de
um referencial, e à escolha de escalas de medida para tempos e distâncias. O referencial
pode ser determinado pela escolha de dois corpos, A e B tomados como fixos um em
relação ao outro, que definem a a linha do movimento (recta AB), a origem (por exemplo
A) e o sentido das coordenadas positivas (de A para B).
Esta descrição do movimento por uma função x(t) presta-se a uma representação
gráfica como para qualquer função: um exemplo é apresentado na Fig. 3.
Um exercı́cio útil consiste em pousar um lápis numa folha de papel e tentar mover a
ponta do lápis de modo a reproduzir o movimento representado. Se no final não tiver
obtido o desenho de uma só linha, terá falhado o exercı́cio, porque a representação gráfica
não pode ser confundida com uma trajectória! O movimento representado na Fig. 3 é
2
Figura 3: Gráfico da coordenada de uma movimento. O eixo das abcissas e de tempo.
O gráfico não representa uma trajectória!
1.1 Deslocamento
Movimento é alteração de posição. Daı́ que um conceito fundamental seja o de deslo-
camento que não é mais que a variação de posição. A variação de uma grandeza, x, é
definida sempre como a diferença entre os seus valores, o final menos o inicial, e designada
pelo sı́mbolo ∆
∆x = x(tf ) − x(ti ) (2)
Duas notas importantes:
3
Figura 4: Soma de vectores 1D
Carro A
∆xA x(40) − x(0)
vm = = = 32.5 m s−1 ; (4)
∆tA 40
Carro B
∆xB x(60) − x(0)
vm = = = 35 m s−1 ; (5)
∆tB 60
e concluirı́amos que B foi mais rápido. Pensemos um pouco nesta operação. Os carros
tiveram deslocamentos diferentes em tempos diferentes. Ao dividir o deslocamento pelo
intervalo de tempo, ou seja pelo número de segundos, estamos a determinar o desloca-
mento que cada carro teria feito num segundo se o seu movimento mantivesse as suas
4
x/m
2000
1000
0 40 60 t/s
20
5
x
10
2
P2
P1
t
-6 -4 -2 2 4 6
Figura 6: Dois movimentos com a mesma velocidade média no intervalo [t1 = 0, t2 = 4].
é a situação geral. Conhecer as posições em apenas dois instantes nada nos diz sobre o
que se passou entre eles. Assim no gráfico da Fig. 6 temos dois movimentos (gráficos
azul e magenta) com a mesma velocidade média no intervalo [t1 = 0, t2 = 4]; a definição
de velocidade média dá
x (P2 ) − x (P1 )
vm =
t (P2 ) − t (P1 )
e as coordenadas (t, x) em P1 e P2 são as mesmas para os dois gráficos. A recta que
passa em P1 e P2 —secante ao gráfico a azul— representa um movimento uniforme com a
mesma velocidade média que a do corpo A, cujo gráfico x(t)é a curva azul, nesse intervalo.
Por outras palavras, a secante de uma curva do gráfico de x(t), nos dois pontos (t1 , x1 ),
(t2 , x2 ) representa um movimento uniforme com a mesma velocidade média no intervalo
[t1 , t2 ].
6
x x x
10 10 10
8 8 8
6 6 6
4 4 4
2 2 2
t t t
-6 -4 -2 2 4 6 -6 -4 -2 2 4 6 -6 -4 -2 2 4 6
-2 -2 -2
x x
10 10
8 8
6 6
4 4
2 2
t t
-6 -4 -2 2 4 6 -6 -4 -2 2 4 6
-2 -2
7
Figura 8: Gráfico de x(t) e dois gráficos de velocidade. Qual deles é o de velocidade do
movimento descrito por x(t)?
8
De facto é o gráfico do meio que representa a velocidade deste movimento. Se tentar-
mos imaginar a tangente à curva de x(t), enquanto variamos a coordenada de tempo,
vemos que a tangente começa horizontal (declive e velocidade nulos). A curvatura inicial
de x(t) é positiva, ou seja, à medida que t cresce a tangente roda no sentido anti-horário
e o declive e velocidade aumentam. Mas em t = 3 a tangente é de novo horizontal e a
velocidade é nula, o que não se verifica no gráfico de baixo. No intervalo entre t = 1 s
e t = 2 s o gráfico da velocidade é constante, o que implica que a função x(t) tem um
gráfico nesse intervalo que é um segmento de recta. Para t & 2 a curvatura de x(t) é
negativa, isto é, a tangente roda no sentido horário, e o seu declive (velocidade) diminui,
tornando-se negativa a partir de t = 3 s.
∆x xf − xi
vm = = (9)
∆t tf − ti
xf = xi + vm ∆t = xi + vm (tf − ti ) (10)
x (t + ∆t) − x(t) dx
v(t) = lim = (12)
∆t→0 ∆t dt
Como o último membro está escrito como uma fração, seria tentador escrever
dx = v(t)dt. (13)
Mas é evidente que dx/dt não é uma fração. Quer o numerador ∆x := x (t + ∆t) − x(t),
que o denominador são nulos no limite ∆t → 0, por isso o limite da razão não é a razão
dos limites. Mas os fı́sicos escrevem muitas vezes a expressão da Eq. 13: que querem
dizer?
9
ε∆ x
df
∆x
dx
∆x
lim = 0 (15)
∆t→0
Então
x (t + ∆t) − x(t)
= v(t) + (16)
∆t
ou
x (t + ∆t) − x (t) = v(t)∆t + ∆t (17)
Se pudéssemos ignorar o último termo, terı́amos
que corresponde precisamente a supor que o movimento é uniforme no intervalo [t, t + ∆t]
com velocidade v(t). Ora se v(t) 6= 0,
∆t 0
lim = lim = = 0. (19)
∆t→0 v(t)∆t ∆t→0 v(t) v(t)
Por outras palavras, os dois últimos termos da Eq. 17 tendem ambos para 0 quando
∆t → 0, mas o último, ∆t é um infinitésimo de ordem superior, no sentido em a
sua razão com o segundo termo, v(t)∆t, também vai a zero. Em resumo, para ∆t
10
suficientemente pequeno o termo ∆t é desprezável comparado com o segundo termo e
podemos aproximar
x(t + ∆t) − x(t) ≈ v(t)∆t (20)
ou
x(t + ∆t) ≈ x(t) + v(t)∆t (21)
É evidente que, quando ∆t → 0, v(t)∆t → 0 e x(t + ∆t) − x(t) → 0. Mas se o que
queremos é calcular a variação ∆x, a aproximação por v(t)∆t torna-se cada vez melhor
à medida que ∆t → 0. É isto que queremos dizer ao afirmar que aproximação vale para
∆t suficientemente pequeno. A maneira como os fı́sicos traduzem esta ideia é através da
substituição do sı́mbolos ∆x ou ∆t, de uma variação finita, por dx e dt para variações
infinitesimais. O significado da Eq. 13 é na realidade a Eq. 20. Para um valor de ∆t
finito a Eq. 21—fórmula de Euler—, é uma aproximação.
Vamos ver como este conceito é útil para analisar o problema de determinar x(t) se
conhecermos v(t).
Exercı́cio 1.
Uma maneira de consolidar a compreensão da fórmula de Euler é aplicá-la num exemplo
concreto, Toma x(t) = sin(ωt),ω = 1 rad s−1 e investiga o deslocamento para intervalos à volta
de t = 1. (a) Toma ∆t = 0.5, 0.1, 0.05, 0.01 e calcula o deslocamento ∆x(t + ∆t) − x(t) usando a
expressão exata e a fórmula de Euler. Calcula o erro relativo da aproximação. (b) Repete para
valores negativos de ∆t
11
É claro que só um deles pode satisfazer a condição
x(t0 ) = x0 . (26)
e as quantidades do segundo membro são conhecidas. Mas por outro lado esta fórmula
só vale no limite em que ∆t → 0. Dividamos então o intervalo [t0 , t] num grande número,
N 1, de pequenos intervalos
t − t0
∆t = (28)
N
tal que
t = t0 + N ∆t (29)
e apliquemos a fórmula de Euler sucessivamente
Agora usamos o facto de esta fórmula aproximada se tornar exata no limite em que o
intervalo ∆t → 0 ou seja N → ∞. O limite desta soma é o integral da função v(t) no
intervalo [t0 , t]
N
X −1 Z t
x(t) − x(t0 ) = lim v(t0 + i∆t)∆t := v(t0 )dt0 . (32)
N →∞ t0
i=0
Um representação gráfica deste conceito está ilustrado na Fig. 10. O gráfico representa
a velocidade e o intervalo entre t0 tf foi dividido em 5 intervalos com ∆t = (tf − t0 ) /5
com tn = t0 + ∆t e n = 0, 1, . . . 4. A soma
4
X
v(t0 + n∆t)∆t (33)
n=0
12
Figura 10: Cálculo do deslocamento entre t0 e tf a partir da velocidade usando a apro-
ximação de Euler e 5 intervalos.
4 Aceleração
Um vez compreendida a relação entre x(t) e v(t), o conceito de aceleração nada trás
de essencialmente novo. Como vimos, a velocidade resume a variação de x(t). Podemos
então, definir a aceleração como caracterizando a variação de velocidade instantânea,
v(t).
Assim a aceleração média , no intervalo [t1 , t2 ] é
v (t2 ) − v (t1 ) ∆v
am = = (36)
t2 − t1 ∆t
1
Esta “área” é o produto de uma velocidade por um tempo. Por isso as suas unidades são as de um
comprimento
13
e a aceleração instantânea
v (t2 ) − v (t1 ) dv
a(t1 ) = lim := (37)
t2 →t1 t2 − t1 dt
Numa representação gráfica de v(t), a aceleração instantânea é dada pelo declive.
Mas numa representação gráfica de x(t), a aceleração é determinada pelo modo como
varia o declive, isto é, como varia v(t). Se o declive aumenta com t, a tangente roda
no sentido anti-horário, a aceleração é positiva; se o declive diminui com t, a tangente
roda no sentido horário, a aceleração é negativa. Não é difı́cil ver que no primeiro caso
a curvatura de x(t) é positiva e no segundo negativa. Os zeros de aceleração são os
extremos de v(t). No gráfico de x(t) são pontos onde o sentido de rotação da tangente
se inverte, ou seja, pontos de inflexão.
A notação habitual para a aceleração é sugerida pela relação
d2 x
dv(t) d dx
a(t) = = = 2 (38)
dt dt dt dt
[a] = LT −2 . (39)
14
Colisões
Lições de Mecânica
*
J. M. B. Lopes dos Santos
5 de Novembro de 2021
1 Colisões
Quando pensamos em colisões (se não estivermos a considerar acidentes de automóveis)
é possível que nos venha à cabeça o exemplo do bilhar. As bolas deslocam-se livremente
exceto quando entram em contacto com outra bola ou com a borda da mesa. E esta ideia
de contacto está muito fortemente associada à palavra colisão.
Em Física, o conceito de colisão é um pouco mais abrangente, até porque a ideia de
contacto é essencialmente macroscópica. Mas há um aspeto dos eventos que chamamos
colisão que está bem ilustrado pelo choque de duas bolas de bilhar. No processo existe
um antes, um durante e um depois. Isto é, o processo de colisão começa num tempo
*
jlsantos@fc.up.pt
1
Figura 1: Colisão (antes)
(ext)
∆pi ≈ Fi ∆t (1)
será, frequentemente, muito menor que a variação devida à colisão com as outras partí-
culas, e a aproximação de considerar o momento total conservado na colisão continua a
ser válida. Seja como for, vamos tomar o momento linear total como conservado, o que
será exato se, durante a colisão, só houver interações entre os corpos colidem.
1.1 Colisão 1D
O nosso primeiro exemplo é uma colisão entre duas partículas, de igual massa. No antes
a partícula 2 está parada e supomos que as velocidades nais das duas partículas tem
a mesma direção que a inicial da partícula 1. É o que esperamos de um colisão frontal
entre duas esferas, a que chamaremos colisão a uma dimensão (1D). O nosso objetivo é
determinar o estado nal das duas partículas a partir do conhecimento do estado inicial:
quais são as velocidades nais das duas partículas?
Antes,
v1 = v1 êx ; v2 = 0; (2)
1
Podes recordar-te de situações em que os corpos cam junto após a colisão. Nesse caso o corpo que
se move livre de forças após a colisão é o conjunto dos dois.
2
Note-se como estamos a usar a fórmula de Euler, para calcular a variação de momento, no intervalo
de tempo da interação.
2
depois
v10 = v10 êx ; v2 = v20 êx . (3)
ou
v10 + v20 = v1
Mesmo neste caso muito simples o estado nal ca indeterminado. Isso não surpreende:
tendo assumido movimento apenas numa dimensão, temos duas incógnitas v10 e v20 e
apenas uma equação, a de conservação momento na direção de movimento, Ox.
X
P= mi vi = M vcm 6= 0.
i
Sabemos que este valor nunca muda, nem durante a interação, nem após a mesma.
Como em mecânica newtoniana a massa total das partículas não se altera, durante todo
o processo de colisão vcm é constante. Isso permite-nos analisar a colisão num referencial
que está em movimento uniforme relativamente ao original com velocidade uS 0 = vcm , ou
seja o referencial do centro de massa. Se no referencial original, chamemos-lhe referencial
da laboratório LAB, a velocidade do CM é vcm , aos mudarmos para um referencial que
se move em LAB com esta velocidade, é claro que neste novo referencial o CM está em
repouso. Por outras palavras, o referencial do CM é aquele em que o momento total das
partículas em colisão é nulo:
Quando discutimos as leis de Newton, vimos que dois referenciais com movimento re-
lativo uniforme são equivalentes no que diz respeito às leis de movimento. Mas grandezas
como posições ou velocidades não têm o mesmo valor nos dois referenciais. Se dois refe-
renciais, S S ', tiverem a mesma orientação de eixos, e a origem O0 de S 0 se mover em S
e
com velocidade us0 s , os vetores de posição de um mesmo ponto, P , nos dois referenciais
estão relacionadas por (ver Fig. 2)
3
S’
r’P (t )
r P (t )
r o’o
o’
que se lê como
ou, em palavras,
Ao aplicar estas transformações é frequente alguma confusão com sinais, pelo que vale
a pena escrever explicitamente a mesma equação noutra forma:
u = v − vcm (11)
o que mais uma vez torna evidente que ucm = 0, por denição.
4
ANTES
DEPOIS
A colisão linear entre duas partículas da mesma massa, no referencial do CM, é muito
simples, por que, quer antes, quer depois, as velocidades das partículas são simétricas
uma da outra, uma vez que o momento total é nulo
u2 = −u1 (12)
0
u02 = −u1 (13)
1
Ec = m u21 + u22 = mu21
(16)
2
e depois
1 h 2 2 i
Ec0 = m u01 + u02 = e2 mu21 (17)
2
Em conclusão, no referencial do CM,
Ec0 = e2 Ec (18)
Sobre e nada podemos dizer sem conhecer pormenores da interação. Esta constante
adimensional é designada por coeciente de restituição conduz à seguinte classicação
das colisões:
5
Figura 4: Colisão linear nos referenciais de Laboratório e Centro de Massa
Voltemos agora à colisão com que começamos a discussão (Fig. 1). Está descrita no
referencial LAB uma vez que o momento total não é nulo. A velocidade do CM é
1 v
vcm = (mv + 0) =
2m 2
No referencial do CM
v
u1 = v − vcm =
2
v
u2 = 0 − vcm =−
2
Depois de uma colisão com coeciente de restituição e
v
u01 = −eu1 = −e
2
0 v
u2 = eu1 = e .
2
Regressando ao referencial LAB
v v v
v10 = u01 + vcm = −e + = (1 − e)
2 2 2
0 0 v v v
v2 = u2 + vcm = e + = (1 + e)
2 2 2
Em conclusão, a velocidades nais são
v
v10 = (1 − e)
2
0 v
v2 = (1 + e)
2
6
No caso de um colisão elástica (e = 1) a primeira partícula para e a segunda ca com
a velocidade da primeira; é óbvio que esta troca de velocidades entre duas partículas
da mesma massa conserva momento e energia cinética. Para uma colisão totalmente
inelástica (e = 0) as duas partículas cam juntas. Repare-se que,mesmo para e=0 a
energia cinética nal, no referencial LAB não é nula.
1 v 2 v2 Ec
Ec0 = 2 × m =m =
2 2 4 2
m1
vcm = v (19)
m1 + m2
m2
u1 = v − vcm = v (20)
m1 + m2
m1
u2 = − v (21)
m1 + m2
u0 1 = −eu1 (22)
0
u 2 = −eu2 (23)
m1
v10 = v20 = v (26)
m1 + m2
7
Antes
cm
1 2
Depois
1
φ
cm
Note-se que se variação do módulo de |u1 | for de um factor e (qualquer que ele seja),
o módulo de u2 tem de variar do mesmo factor, para que o momento linear permaneça
nulo. De novo, no referencial do CM a energia cinética nal altera-se de um factor e2
(Eq. 18). O ângulo φ não pode ser determinado pelas leis de conservação e depende dos
pormenores da interação, podendo variar no intervalo φ ∈ [0, π]. As colisões frontais
correspondem a φ = 0, ou φ = π, quando a direção do movimento não se altera (colisão
1D).
Para vermos o aspeto da colisão no referencial LAB, temos de somar a vcm a todas as
velocidades no referencial do CM. A Fig. 6 ilustra a relação entre o ângulo de desvio no
referencial do CM e o ângulo entre as velocidades nais no referencial LAB.
8
v cm
u1 1
φ v1
θ
u2
v2
2 v cm
0
u1 = −e |u1 | , (29)
0
u2 = −e |u2 | (30)
u21 = u2 − u1 (31)
A mesma conclusão se pode tirar para a velocidade relativa após a colisão, pois a velo-
cidade continuam a ter sentidos opostos, embora possivelmente noutra direção
0 0 0
u21 = u 1 + u 2
o que implica
0
u21 = −e |u21 | (32)
ou seja
|u021 | u0
e= = 21 (33)
|u21 | u21
9
O que é útil neste resultado é que a velocidade relativa das suas partículas é a mesma
em qualquer referencial. Em particular como
v1 = u1 + vcm (34)
v2 = u2 + vcm (35)
u21 = v2 − v1
e
|v20 − v10 |
e= (36)
|v2 − v1 |
ou seja o coeciente de restituição é a razão entre o módulo das velocidade relativas
das partículas depois e antes da colisão. Esta razão pode ser calculada em qualquer
referencial: o seu valor não depende do referencial.
a) Porque é que a energia cinética total não se conserva? Ter um coeciente de restituição
e 6= 1 não viola o princípio de conservação de energia?
b) Por que razão é que mesmo para um colisão dita totalmente inelástica, continua a
haver energia cinética no referencial do LAB? Não é possível uma colisão ser ainda
mais inelástica?
Estes resultados cam mais fáceis de compreender se estudarmos como varia a energia
cinética quando mudamos de referencial.
A energia total de um sistema de partículas é
1X
Ec = mi vi2 (37)
2
i
vi = ui + vcm (38)
1X
Ec = mi (ui + vcm ) · (ui + vcm )
2
i
1X
= mi (ui · ui + vcm · ui + ui · vcm + vcm · vcm )
2
i
1X X 1 2 X
= mi u2i + vcm · mi ui + vcm mi (39)
2 2
i i i
10
O primeiro termo é a energia cinética total
P no referencial do CM, (Ec )cm . O segundo
termo é nulo, pois i mi ui é o momento linear total no referencial do CM, que, como
vimos, é nulo (Eq. 5); o terceiro é a energia cinética de translação do corpo, isto é a
energia cinética de uma partícula de massa igual à massa do corpo e velocidade igual à
do seu CM. É aquilo que conhecemos por energia cinética do corpo, metade do produto da
sua massa pela quadrado da sua velocidade. Recordemos a discussão sobre a perspectiva
macroscópica.
Em conclusão,
1 2 1X
Ec = M vcm + mi u2i
2 2
i
1 2
= M vcm + (Ec )cm (40)
2
Ao contrário do que acontece com o momento, em que o momento do corpo M vcm
é a soma dos momentos de cada partícula, a energia cinética do corpo,
2 /2 (na
M vcm
perspectiva macroscópica) não é a a soma das energias cinéticas das suas partículas.
Juntando outras possíveis contribuições para a energia, por exemplo, energia potencial
de interação entre as partículas constituintes do corpo, podemos escrever
1 2
E = M vcm + (Ec )cm + U (41)
2
Então a energia cinética de um corpo, massa vezes velocidade (vcm ) ao quadrado sobre 2
não é a energia do corpo. Ao contrário, o momento macroscópico do corpo, massa vezes
a sua velocidade, é o seu momento total. Assim quando dois ou mais corpos colidem, a
conservação de momento linear total implica que a soma dos momentos de cada corpo é
constante. Contudo, ainda que a energia total seja conservada, tal como o momento, a
soma das energias cinéticas dos dois corpos não é a energia total do sistema. Aquilo que
chamamos energia cinética de um corpo (que não esqueçamos é um sistema de partículas)
é metade do produto da sua massa total pelo quadrado da sua velocidade, ou seja, éo
primeiro termo da Eq. 41. Por isso não há razão para que a soma das energias cinéticas
de dois corpos se conserve quando colidem. Uma colisão inelástica entre dois corpos, de
massas totais M1 e M2 , não é uma colisão que viole a conservação de energia. A energia
total é
1 1
E1 + E2 = M1 v12 + E1 + U1 + M2 v22 + E2 + U2 (42)
2 2
e conserva-se. Na colisão entre os dois corpos, v1 e v2 (que são as velocidades dos CM dos
sistemas que constituem cada corpo) alteram-se; só a velocidade do CM do sistema dos
dois corpos se conserva. Se a colisão inelástica, há transferências entre termos de energia
cinética de translação de cada corpoM1 v1 /2 e
2 M2 v22 /2 e as outras contribuições para
a energia total, E1 , E2 , U1 e U2 .
Olhemos de novo, à luz destas considerações, para a colisão entre dois corpos. Tenha-
mos em mente a seguinte distinção:
11
é o momento total do sistema e vale mv, mas a energia do corpo é a soma do
2
que chamamos energia cinética, mv /2 com os restantes termos da Eq. 41 a que
chamaremos energia interna, E
int
1
E = mv 2 + E int (43)
2
O sistema de dois corpos é ele próprio um sistema de partículas. O momento total
deste sistema (maior) é efetivamente
Quando os corpos não estão em interação a energia total também é a soma das energias
de cada corpo
1 1
E = m1 v12 + E1int + m2 v22 + E2int (45)
2 2
Mas, como vimos, se vcm for a velocidade do CM do sistema dos dois corpos
1 1 1
m1 v12 + m2 v22 = (m1 + m2 )vcm
2
+ (Ec )cm , (46)
2 2 2
em que (Ec )cm é a energia cinética dos dois corpos, no referencial do centro de massa do
sistema dos dois corpos. Por isso a energia total do sistema tem também a forma
1 2
E = (m1 + m2 )vcm + (Ec )cm + E1int + E2int (47)
2
Podemos nalmente ver o que é que acontece numa colisão inelástica:
O termo
2 /2 também é conservado
(m1 + m2 )vcm porque o nem o momento total
(m1 + m2 )vcm nem a massa total variam.
A soma dos três termos (Ec )cm + E1int + E2int é, então, também constante, mas
nenhuma lei impede (Ec )cm de se alterar o que de facto acontece em colisões ine-
lásticas.
Se a energia (Ec )cm variar, (Ec0 )cm = e2 (Ec )cm , essa variação será simétrica da dos termos
de energia interna dos corpos.
Finalmente note-se que sempre que e < 1 há uma diminuição de energia cinética. Parte ou
a totalidade da energia cinética no referencial do CM é transferida para energia interna,
Mas não é impossível haver um aumento de (Ec )cm , isto é e > 1. Para dar um exemplo
bélico, quando uma granada, parada, explode, a energia cinética inicial do corpo é nula
e no nal os fragmentos têm energia cinética signicativa. Neste caso, e2 > 1 e a energia
cinética aumenta porque a energia interna (de natureza química neste caso) diminuiu na
1 − e2 < 0, ∆ E1int + E2int < 0).
explosão (como
12
Movimento de um sólido rígido
O conceito de velocidade angular vectorial
*
J. M. B. Lopes dos Santos
20 de Novembro de 2021
1
Figura 1: Rotação em torno de eixo xo.
2
O
v cm ∆ t
∆θ ∆θ
CM CM
(a) (b)
Figura 2: O mesmo deslocamento representado como rotação pura em torno de O (a) ou translação do CM
seguido de rotação em torno do CM (b).
vi ∆t = (ω × ri ) ∆t (12)
em que r0i = ri − rcm é o vetor de posição com origem no centro de massa. Como se vê
na gura, o ângulo e o eixo de rotação são iguais ou seja a velocidade angular é a mesma
nestas duas descrições.
3
2 Rotação Geral de um Sólido
Na secção anterior armámos que o movimento mais geral de um sólido com um ponto xo
é uma rotação em torno de um eixo. Aqui vamos apresentar uma prova dessa armação.
Podemos pensar no movimento de um corpo com um ponto xo do seguinte modo.
O ponto xo e mais três pontos em direções ortogonais denem um sistema de eixos
ortogonal. No movimento os pontos de vetor de posição êi , i = x, y, z (ou seja os pontos
sobre os eixos à distância de uma unidade da origem) movem-se como êi → êi (t); a
origem mantém-se xa. Para que as distâncias entre estes quatro pontos não se alterem,
o sistema de eixos denido por êx (t), êy (t), êz (t) continua ortogonal, e estes três vectores
mantêm o comprimento unitário. Basta pensar que o sólido são três varas juntas numa
extremidade e perpendiculares entre si. Se o sólido é rígido, as três varas permanecem
perpendiculares e com comprimentos invariantes.
Então o movimento de qualquer ponto do sólido é simplesmente
obtemos
dêi (t)
2 · êi (t) = 0. (17)
dt
O vector dêx (t)/dt só tem componentes segundo y e e z pois é ortogonal a êx (t) (produto
escalar nulo) e podemos escrever
dêx (t)
= αêy (t) − βêz (t) = [αêz (t) + βêy (t)] × êx (18)
dt
Os coecientes α e β podem depender do tempo, mas, para não carregar a notação,
deixamos isso implícito.
Temos equações semelhantes para os outros versores
dêy (t)
= γêz (t) − δêx (t) = [γêx (t) + δêz (t)] × êy (t) (19)
dt
dêz (t)
= ηêx (t) − ρêy (t) = [ηêy (t) + ρêx (t)] × êz (t) (20)
dt
4
Por outro lado, podemos derivar as relações
êx (t) · êy (t) = 0 (21a)
êx (t) · êz (t) = 0 (21b)
êy (t) · êz (t) = 0, (21c)
pelo que
dêx (t) dêy (t)
· êy (t) + êx (t) · =0 (22a)
dt dt
dêx (t) dêz (t)
· êz (t) + êx (t) · =0 (22b)
dt dt
dêy (t) dêz (t)
· êz (t) + êy (t) · = 0; (22c)
dt dt
Usando as Eqs. 18 a 20 obtemos
α−δ =0 (23a)
−β + η = 0 (23b)
γ−ρ=0 (23c)
e
dêx (t)
= [αêz (t) + βêy (t)] × êx (t) (24a)
dt
dêy (t)
= [γêx (t) + αêz (t)] × êy (t) (24b)
dt
dêz (t)
= [βêy (t) + γêx (t)] × êz (t). (24c)
dt
. Nesta forma, no segundo membro a constante que multiplica cada versor (α, β ou γ)é
a mesma, nas três equações. Usando o facto de o produto vectorial de um vector por ele
próprio ser nulo, podemos escrever estas expressões de um modo mais simples
dêi (t)
= ω(t) × êi i = x, y, z (25)
dt
em ω(t) := γêx (t) + βêy (t) + αêz (t) é o vector velocidade angular instantânea de rotação.
Mas então
dr dêx (t) dêy (t) dêz (t)
= x(0) + y(0) + z(0)
dt dt dt dt
= ω(t) × [x(0)êx (t) + y(0)êy (t) + z(0)êz (t)]
= ω(t) × r(t) (26)
Esta é a expressão da velocidade de um ponto do sólido num movimento em que há um
ponto xo. Note-se que para um ponto com vector de posição paralelo a ω a velocidade
é nula: a direção de ω é a do eixo instantâneo de rotação.
5
Momento Angular
Grandeza conservada
*
J. M. B. Lopes dos Santos
20 de Novembro de 2021
Mm
F (r) = −G êr , (1)
r2
tomado a origem como o centro do corpo de massa mais elevada. Um campo de forças
central mais geral tem a forma
F (r) = f (r) êr (2)
r = rêr . (4)
*
jlsantos@fc.up.pt
1
(Não confundir a Eq. 3, com aceleração centrípeta; não estamos restritos a órbitas circu-
lares).
O paralelismo entre r e a implica que
r × ma = r×F = 0 (5)
pois vectores com a mesma direção têm produto vetorial nulo. Por isso
dv
r×m =0 (6)
dt
O primeiro membro pode ser escrito como uma derivada :
1
d dr dv
(r × mv) = × mv + r × m (7)
dt dt dt
dv
= v × mv + r × m (8)
dt
dv
=r×m (9)
dt
Para qualquer força central, então, obtemos uma lei de conservação para uma grandeza
vectorial,
d
(r × mv) = 0. (10)
dt
O produto ` := r × mv = r × p designa-se por momento angular. O momento angular
é conservado no caso de movimento num campo de forças central. É importante referir
que a denição de ` requer a especicação de uma origem, pois envolve o vector r. Se
denirmos o momento angular com uma origem que não seja o centro de campo de forças
ele deixa de ser constante.
d
r1 × ma1 = `1 = r1 × F12 (13)
dt
d
r2 × ma2 = `2 = r2 × F21 = − (r2 × F12 ) , (14)
dt
1
As componentes do produto vectorial são somas de produtos de componentes. Aplicando a regra de
derivação de uma produto a cada termos, obtém-se imediatamente que d [a(t) × b(t)] /dt = da(t)/dt×
b(t) + a(t) × db(t)/dt.
2
Figura 1: Forças de interação entre partículas; (a) atractiva; (b) repulsiva; (c) permitida pela terceira lei mas
incompatível com a conservação e momento angular.
vemos que o momento angular da cada partícula varia. Mas somando as duas equações
d
(`1 + `2 ) = (r1 − r2 ) × F12 (15)
dt
O vector (r1 − r2 ) é o vector que liga as posições da partícula 2 e 1; é o vector de posição
de 1 relativamente a 2. Se a força de interação entre as duas partículas for colinear com
este vector, ou seja seja uma força atractiva ou repulsiva
lei da Física com âmbito muito mais geral do que o da Mecânica Newtoniana; neste
contexto toma a forma desta condição sobre as forças de interação. Daqui em diante
suporemos sempre que as forças de interação são deste tipo, ou seja, colineares com o
vector de posição relativa das partículas (atrativas ou repulsivas).
3
1.2. Sistema de N partículas
X d d X dL
`i = `i = (21)
dt dt dt
i i
e
dL X X
= ri × Fij + ri × Fext
i (22)
dt
i,j(i6=j) i
Tal como no caso de duas partículas, levando em conta que Fij = −Fji , vemos que
na dupla soma sobre as partículas do sistema podemos agrupar pares de termos que se
cancelam desde que as forças sejam ou atractivas ou repulsivas (colineares com a linha
que une as partículas em interação) .
dL X
= ri × Fext
i =N (24)
dt
i
dP X
=R= Fext
i (26)
dt
i
dL X
=N= ri × Fext
i (27)
dt
i
4
a) um grandeza vectorial conservada no sentido em só pode variar por acção de interações
externas;
b) Quer P quer L são a soma dos momentos lineares (pi ) e momentos angulares (`i ) de
cada partícula do sistema;
c) as interações externas exprimem-se por dois vetore: a resultante das forças externas
no caso de momento linear,
X
R= Fext
i , (28)
i
e o torque externo no caso do momento angular,
X
N= ri × Fext
i . (29)
i
2. Exemplos
Para que não que a ideia que o momento angular só existe em sistemas em rotação,
consideremos uma partícula em movimento rectilíneo uniforme:
= r0 × mvû (33)
5
v (t )
r (t )
r (t )
v (t )
r
r
O
olhar a partícula 1, terá de rodar para a sua direita, no sentido horário. É como se a
partícula 1 rodasse em relação a si no sentido horário: o momento angular aponta da
cabeça para os pés. No caso da partícula 2, a aparente rotação da partícula é no sentido
anti-horário e o momento angular aponta dos pés para a cabeça. Se a linha do movimento
da partícula passar pela sua posição o momento angular é nulo.
Para um movimento uniforme o torque da força é nulo, porque a força é nula. Se o
movimento for rectlíneo e não uniforme
ds
r(t) = s (t) û + r0 , v(t) = , (38)
dt
dv(t)
F(t) = m û (39)
dt
6
obtemos
`(t) = r0⊥ × (mv(t)û) (40)
e
d`(t) dv(t)
= r0⊥ × m û = r0⊥ × F (41)
dt dt
O segundo membro é o torque da força
N = r × F = r0⊥ × F (42)
Tal como é possível, mas pouco sensato, descrever um movimento circular com uma ori-
gem que não corresponde ao centro da trajectória, também é possível, mas sem vantagens,
usar na denição do momento angular uma origem diferente do centro da trajectória. As-
sim, para evitar complicações sem qualquer interesse, vejamos qual é o momento angular
de uma partícula em movimento circular usando coordenadas polares com origem o centro
da trajetória:
dθ(t)
v(t) = r êθ = rω(t)êθ (43)
dt
r(t) = rêr . (44)
Facilmente concluímos que êr × êθ = k̂ := êz em que z é a coordenada normal ao plano
Oxy .
` (t) = mr2 ω(t)êz (45)
d` (t) dω(t)
= mr2 êz (46)
dt dt
d2 θ(t)
= mr2 êz (47)
dt2
Para um movimento circular variado (r constante, v variável), a aceleração pode ser dada
em coordenadas polares
2
d2 θ(t)
dθ
a = −r êr + r êθ (48)
dt dt2
e a força
2
d2 θ(t)
dθ
F = −mr êr + mr êθ (49)
dt dt2
A força tem uma componente paralela ao vector de posição, a força centrípeta, que não
7
Figura 4: Torque no movimento circular.
d2 θ(t)
N = r × Fθ = r × mr êθ (50)
dt2
d2 θ(t)
= r × mr (êr × êθ ) (51)
dt2
d2 θ(t) d` (t)
= mr2 2
êz = (52)
dt dt
Como se vê nestes exemplos, no movimento de uma partícula usar momento linear e forças
ou momento angular e torque é uma questão de conveniência. A equação de movimento
do momento angular e a segunda lei para uma partícula são equivalentes. Mas no caso de
um sistema de partículas, como por exemplo um sólido, já não é assim. Embora continue
a ser verdade que estes princípios se tenham deduzido das leis de Newton aplicadas
individualmente a cada partícula do sistema, não há maneira nenhuma de obter
dL
=N (53)
dt
a partir de
dP
=R (54)
dt
Nem sequer é possível determinar N apenas a partir do conhecimento de R, uma vez que
na denição de N a contribuição de cada força depende da posição da partícula a que
está aplicada
X
N= ri × Fext
i (55)
i
uma informação totalmente ausente na determinação de R
X
R= Fext
i (56)
i
Por esta razão as duas Eqs. 53 e 54 são realmente independentes. Um novo exemplo
pode ajudar a compreender esta ideia.
8
F1
F1 F2 F1
CM CM CM
Figura 5: Três situações para mostrar que a resultante (R) e o torque (N) externos são grandezas
independentes: (a) R 6= 0,N =0;(b) R = 0,N 6= 0; (c) R 6=0 e N 6= 0.
2.3. Haltere
A Fig.(5) ilustra três situações possíveis para um sólido muito simples: duas esferas
ligada por uma vara rígida de massa muito menor do que a das esferas. As forças F1
e F2 estão aplicadas a cada uma das esferas, mas não podemos calcular as respetivas
acelerações independentemente, porque a vara rígida mantém a distância entre as esferas
xa. Por exemplo, no caso (b) as esferas não podem ter acelerações nas direções das
respetivas forças externas, pois isso implicaria um aumento das distância entre elas. Por
outras palavras a vara exerce forças nas esferas que na realidade são forças de ligação.
Mas como são forças internas ao sólido, não afetam nem o momento linear total nem
o momento angular total. Vamos usar centro de massa como ponto de referência para
cálculo do momento angular e do torque.
No caso (a), a resultante R é diferente de zero mas o torque é nulo: as forças são
iguais mas os vetores de posição em relação ao CM são simétricos (r2 = −r1 ).
R = F1 + F2 = 2F1 (57)
N = r1 × F1 + r2 × F2 = r1 × F1 + (−r1 ) × F1 = 0 (58)
dP dvCM
=M 2F1 (59)
dt dt
dL d d
= m r1 × v1 + r2 × v2 = m [r1 × (v1 − v2 )] = 0 (60)
dt dt dt
R = F1 + F2 = F1 + (−F1 ) = 0 (61)
9
Figura 6: Escolha de eixos para um sólido em rotação
dP dvCM
=M =0 (63)
dt dt
dL d
= m [r1 × (v1 − v2 )] = 2r1 × F1 (64)
dt dt
No caso (c) temos resultante não nula e torque não nulo, pois F1 > F2 ,
R = F1 + F2 = F1 6= 0 (65)
3.1. Anel
Para discutir a relação entre momento angular e velocidade angular, vamos usar a geo-
metria da gura 6. Tomamos a origem sempre no eixo de rotação e usamos coordenadas
10
polares no plano normal ao eixo, (r, θ), complementadas com a coordenada z para a
direção do eixo de rotação.
Comecemos por exemplos simples: um anel de raio R e massa M que roda em torno de
um eixo que passa no seu centro e é perpendicular ao plano do anel. Vimos na descrição
do movimento dos sólidos que a velocidade de cada ponto do anel tem a forma
vi = ω × ri (67)
em que o vector velocidade angular ω tem a direção do eixo de rotação e o sentido dado
pela regra da mão direita. Como
dθ dθ
ω= k̂ = êz (68)
dt dt
e
r = Rêr (69)
O momento angular
I = M R2 . (74)
L = Iω. (76)
Note-se a correspondência
P ←→ L (77)
vcm ←→ ω (78)
M ←→ I (79)
11
3.2. Disco
ri = ri êr (81)
3.3. Sólidos
A relação mais geral entre a velocidade angular e o momento angular nem sempre se
reduz à forma simples
L = Iω (86)
Leω nem sequer têm necessariamente a mesma direção. De um modo geral com a nossa
escolha de eixos,
ω = ωêz (87)
No cálculo da velocidade o termo de ri paralelo a êz não contribui pois êz × êz = 0. O
momento angular da partícula i
`i = mi rik êz + ri⊥ êr × (ωri⊥ êθ )
2
= mi rik ri⊥ ω (êz × êθ ) + mi ri⊥ ω (êr × êθ )
2
= −mi rik ri⊥ ωêr + mi ri⊥ ωêz (90)
12
perpendicular a eixo de rotação. O segundo termo dá-nos a componente do momento
angular paralela a ω
Lz = Iω (91)
em que
X
2
I= mi ri⊥ , (92)
i
sendo
2
ri⊥ a distância de cada partícula ao eixo de rotação. Não vamos nunca considerar
casos em que tenhamos de levar em conta a componente de L normal a ω. No caso
importante de sólidos de revolução a rodar em torno do eixo de simetria, essa componente
é sempre zero. A razão é simples. Como existe simetria de rotação em torno do eixo,
todas as direções perpendiculares são equivalentes. Daí que nenhuma possa ser escolhida
como a direção do momento angular normal ao eixo. A primeiro termo do segundo
membro da Eq. 90 soma zero:
X
mi rik ri⊥ êr = 0. (93)
i
Com esta ressalva, nos exemplos que vamos estudar teremos a seguinte relação entre
os vetores momento angular, L, e velocidade angular, ω , L = Iω , e podemos escrever as
equações de movimento para um sólido na forma
dP dvCM
=M =R (94)
dt dt
dL dω
=I =N (95)
dt dt
Em conclusão: o movimento geral de um sólido rígido é caracterizado por dois vetores,
vCM e ω a velocidade angular; as suas variações no tempo dependem apenas de intera-
ções com o exterior, totalmente caracterizadas por dois vetores, a resultante e o torque
externos.
13
Figura 7: Um giroscópio: o disco de contorno amarelo pode ser colocado em rápida rotação em torno do seu
eixo. Quando isso acontece o eixo equlibra-se com grande facilidade e se deslocado da vertical roda em torno da
direção vertical.
A equação de movimento permite estudar a variação de L e vai mostrar que este precessa
em torno da vertical.
A segunda aproximação tem a ver com as condições iniciais. Nas demonstrações habi-
tuais da precessão começa-se por xar a posição do eixo (velocidade de precessão nula);
quando o eixo é libertado, inicia a precessão. Um análise mais cuidada mostra que, se
partir do repouso, o eixo cai inicialmente na direção esperada intuitivamente: no plano
denido pelo eixo de rotação e pela vertical; mas imediatamente recupera, começa pre-
cessar e o ângulo ϕ com a vertical oscila entre dois valores limite. Nas condições da
demonstração, em que a velocidade angular ω é muito superior à velocidade angular de
precessão, essa oscilação (nutação) tem uma amplitude muito pequena.
Nestas condições vamos ver o que a equação de movimento,
dL
= N, (97)
dt
nos diz sobre a maneira como L e o eixo de rotação variam.
14
Supomos que a extremidade do eixo pousada na superfície é o ponto xo do sólido.
Fica conveniente usar esse ponto para calcular, quer o momento angular, quer o torque
externo. A razão é que forças de reacão e ou atrito da superfície dão torque nulo pois
estão a aplicadas no ponto que estamos a usar como origem,
r×Fsup = 0 r = 0. (98)
em que Fsup é a força exercida pela superfície no eixo do giroscópio. O resultado é que
o único torque é o do peso do giroscópio
X
N= ri × (mi g) (99)
i
N = Rcm × P (100)
em que P é o peso do giroscópio. Esta é uma situação (rara) em que podemos exprimir
o torque à custa da resultante das forças externas. Suponhamos então que o eixo está
vertical. Como o CM está sobre o eixo de revolução do giroscópio, Rcm = Rcm êz e o
torque é nulo. Nesse caso o momento angular é constante
dL
=0 (101)
dt
Porque o giroscópio está a rodar em torno de um eixo de simetria
L = Iω (102)
e
dω
I =0 (103)
dt
A velocidade angular mantém-se constante.
Contudo, se o eixo não estiver vertical, o torque externo, acima calculado, Rcm × P,
deixa de ser nulo. Atentando na gura 8, e usando as coordenadas com versores êr , êθ e
êz , com êz na direção vertical e êr na direção da projeção da posição do centro de massa
do pião no plano Oxy , vemos que
P = −M gêz (104)
15
Figura 8: Precessão do giroscópio. O eixo de rotação roda em torno da vertical, mantendo um ângulo ϕ xo
com a mesma.
N = Rcm × P = R⊥ êr + Rk êz × (−M gêz )
= −M gR⊥ (êr × êz ) = M gR⊥ êθ (107)
dL
= M gR⊥ (êz × êr ) (108)
dt
A primeira coisa a notar nesta equação é que dL/dt é perpendicular a L pois é perpen-
dicular que a êz que a êr . Isso implica que
d dL
(L · L) = 2L · =0 (109)
dt dt
ou seja o módulo de L é constante. A variação do momento tem a direção de N
Se projectarmos os vectores no plano Oxy (vista de cima), vemos que o momento angular,
um vector de módulo constante, vai-se deslocar num circunferência de raio L⊥ = L sin ϕ
, em que ϕ é o ângulo do eixo de rotação com a vertical. O ângulo que L roda num
intervalo ∆t é
∆L N
∆θ = = ∆t (∆t → 0) (111)
L⊥ L⊥
16
(a) Vectores do movimento do giroscópio no plano (b) Vectores do movimento do giroscópio
Oxy ; Lz > 0 projectados no plano Oxy . Lz < 0
Para um corpo cujo centro de massa tem velocidade vcm e com velocidade angular de
rotação ω, a velocidade de uma partícula com vector de posição ri relativamente ao
centro de massa, é
vi = vcm + ω × ri (115)
Quando nos referimos a partículas neste contexto, não estamos na realidade a falar dos
átomos ou moléculas que compõem o corpo. As partículas em Mecânica Newtoniana
são volumes sucientemente pequenos para que possamos atribuir-lhe uma posição e
uma velocidade local, mas mesmo assim macroscópicos, contendo um enorme número
de átomos. Por exemplo, se estamos a estudar o movimento de uma esfera de 10 cm
de diâmetro, um volume de 10−3 mm de diâmetro tem uma posição na esfera, ri , bem
17
denida (com uma incerteza na posição da ordem de 10−5 vezes menor que o diâmetro
da esfera), mas mesmo assim tem um diâmetro da ordem de 104 Å, podendo conter cerca
de 10
12 átomos. Todas as grandezas na Eq. 115 são macroscópicas. Podemos aceder-lhes
(at) (at)
vi = vcm + ω × ri + ui (116)
(at)
X
M vcm = mi vi (118)
i
e
P = M vcm (120)
O segundo termo
X
L(rot) = mi [ri × (ω × ri )] (123)
i
foi o que calculamos na secção 3. Ao contrário do que acontece com o momento linear,
não há qualquer garantia que o último termo seja nulo
h i
(at)
X
L(at) = mi ri × ui (124)
i
18
Por vezes não é. Uma esfera de ferro magnetizada, mesmo em repouso, com ω = 0, tem
um momento angular macroscópico. Para alterar a orientação do eixo que une os pólos
magnéticos, é necessário um torque externo.
(at) Mas em muitas situações, L(at) = 0 ou
pelo menos L L(rot) e a lei de conservação de momento angular (válida para o
momento angular total) é aplicável apenas ao termo associado velocidade macroscópica
de rotação.
Mas no caso da energia cinética, a situação é totalmente diferente. Usando a Eq. 116
1X
(at) 2
Ec = mi vcm + ω × ri + ui
2
i
1X
(at)
(at)
= mi vcm + ω × ri + ui · vcm + ω × ri + ui
2
i
1X 2
X
(at)
= mi vcm + vcm · m i ω × r i + ui
2
i i
1X X (at)
+ mi (ω × ri ) · (ω × ri ) + mi (ω × ri ) · ui
2
i i
1X
(at)
2
+ mi ui (125)
2
i
Esta é uma expressão complicada, com muitos termos, mas felizmente há vários que se
anulam e os restantes interpretam-se com facilidade.
O termo
1X 2 1 2
mi vcm = M vcm (126)
2 2
i
é a energia cinética de translação. Os outros termos que envolvem vcm são nulos; ui =
(at)
ω ×ri +ui é a velocidade de partícula i no referencial do centro de massa e a velocidade
do centro de massa no seu referencial é nula
X
(at)
X
mi ω × ri + ui = mi ui = M ucm = 0. (127)
i i
(at) (at)
X X
mi (ω × ri ) · ui = mi ri × ui ·ω
i i
(at)
=L ·ω (129)
19
Se também desprezarmos este termo, tomando L(at) = 0, como referido acima, obtemos
um resultado muito simples
que
1
Ec(trans) = M vcm
2
(131)
2
1X
Ec(rot) = mi (ω × ri ) · (ω × ri ) (132)
2
i
1X
(at) 2
Ec(at) = mi ui (133)
2
i
1X
(at) 2
E = Ec(trans) + Ec(rot) + mi ui + V (at) (134)
2
i
Os dois últimos termos designam-se por energia interna e o seu estudo é assunto da
Termodinâmica e Física Estatística. Em resumo
1 2 1X
E = M vcm + mi (ω × ri ) · (ω × ri ) + U (135)
2 2
i
ω = ωêz (136)
20
Grandeza Translação Rotação
velocidade v ω
momento conservado P L
força/torque R N
dP dL
Eq. Movimento
dt = R dt = N
massa/momento inércia m I
momento e velocidade P = mv L = Iω
Energia mv 2 /2 Iω 2 /2
Tabela 1: Paralelismo das denições e leis para movimento de translação e rotação
(ω × ri )· (ω × ri ) = ω 2 ri⊥
2
(139)
1X
Ec(rot) = mi (ω × ri ) · (ω × ri )
2
i
!
1 X
= mi ri⊥ ω 2
2
2
i
1
= Iω 2 (140)
2
Este expressão é geral mas tem de ser usada com cuidado se a direção do vector ω variar
no sólido. Nesse caso varia também o eixo êz , variam as distâncias de cada partícula
ao eixo,
2
ri⊥ porque este já não é o mesmo: o momento de inércia I depende do eixo
2
considerado . Nas situações em que o eixo de rotação do sólido não varia, I é constante.
Para terminar, podemos completar o paralelismo existente entre as equações relativas
à translação e à rotação, resumido na Tabela 1.
A. Momentos de inércia
O momento de inércia de um disco pode ser calculado imaginando que a massa entre r
e ∆r , no limite ∆r → 0 é um anel de raio ri
∆I = ∆mr2 (141)
e a massa
2πri ∆r + π∆r2
ri ∆r
∆m = M =M 2 2+ 2 ∆r (143)
πR2 R R
2
Exemplo: o momento de inércia de uma barra de comprimento l relativamente a um eixo perpendicular
à barra que passe no seu centro é I = ml2 /12; mas se o eixo passar numa extremidade I = ml2 /3. A
partículas da barra estão mais longe (em média) do eixo no segundo caso e por isso I é maior.
21
No limite em que ∆r/R 1 podemos escrever
ri
∆m = 2M ∆r (144)
R2
e a soma sobre todos os anéis ca
X X ri 2M X 3
I= ri2 ∆m = ri2 2M 2
∆r = 2 ri ∆r
R R
i i i
Podemos agora tomar o limite ∆r → 0, ao mesmo tempo que o número de anéis tende
para innito, e o resultado é o integral
R
1 R4
Z
2M 1
I= 2 r3 dr = 2M 2
= M R2 (145)
R 0 R 4 2
Para sólidos com geometria simples é possível calcular os momentos de inércia de modo
semelhante:
1
I = M R2 (146)
2
Esfera de massa M, raio R, rotação em torno de qualquer eixo pelo seu centro:
2
I = M R2 (147)
5
1
I= M L2 (149)
12
22
Rolamento
Lições de Mecânica
27 de Novembro de 2021
1 Estático ou cinético?
Quem já tentou caminhar sobre o gelo sabe como é difı́cil deslocar-se. A razão é simples.
A superfı́cie do gelo funde sob a pressão dos nossos pés e, na realidade, estamos a tentar
caminhar sobre uma camada fina (filme) de lı́quido, quase sem atrito. O resultado é
que não conseguimos do chão uma força de atrito, com componente horizontal, que nos
acelere numa dada direção paralela à superfı́cie. Onde estamos, ficamos!
Com sapatos bem aderentes (sola de borracha, por exemplo), sobre uma superfı́cie
de madeira, terra, cimento ou tijoleira, não temos qualquer dificuldade. É claramente a
força de atrito que nos permite variar a velocidade no plano da superficie, em módulo
e/ou em direção.
Mas se pensarmos bem, vemos que o pé não escorrega, em geral, sobre o solo. Ao
caminhar normalmente, pousamos primeiro o calcanhar, depois a planta e, antes de
retirar o pé do chão, a ponta. Mas desde que pousamos o calcanhar (ou outra parte do
pé) até ao momento em que sai do chão, não se desloca; ou seja o atrito é estático, pois
não há movimento relativo das duas superfı́cies. Basta caminhar com alguma atenção e
verificamos que nenhuma parte do sapato escorrega sobre o solo.
Quando um corpo, como uma roda, um disco, ou uma esfera (um sólido de revolução)
se desloca sobre uma superfı́cie sólida pode fazê-lo também sem escorregar. Isso acontece
*
jlsantos@fc.up.pt
1
Figura 1: Pés a caminhar, https://www.clipartbay.com/clipart/49115
Figura 2: Quatro posições do rolamento de um disco numa superfı́cie horizontal. Os pontos marcam as posições
sucessivas, em intervalos de tempo constantes, de um ponto da periferia do disco. Note-se a que velocidade desse
ponto na direção paralela a superfı́cie é nula quando ele toca o solo.
2 Rolamento
Passemos a uma compreensão mais quantitativa do conceito de rolamento. Se O for um
ponto no eixo de rotação com velocidade vO , rP o vetor de posição de um ponto do
sólido relativamente a O, e ω o vetor velocidade angular, a velocidade de P é
vP = vO + ω × r P . (1)
2
y
ω
z
x
vo
rP
Figura 3: Cilindro (ou esfera) em rolamento
ω = −ωêz (2)
vO = vêx (3)
rp = −rêy (4)
A rotação dá uma contribuição para a velocidade de P que é na direção negativa do eixo
Ox. Como vemos, a condição para o cilindro não escorregue é
ω = ωêz (7)
3
Em conclusão, o rolamento é definido pela Eq. 6 e, se esta se verificar, o sólido em
movimento não escorrega sobre a superficie e o atrito é estático. Ora, no caso de atrito
estático, apenas podemos dizer que o valor da força é Fa < Fmax = µN ou seja, para a
componente x da força de atrito,
− µN < Fx < µN (9)
A questão é, então, quanto vale esta força?
4
Como tanto m como I/r2 são positivos e não podemos ter dv/dt ao mesmo tempo
positivo e negativo, só existe uma solução para estas equações: Fa = 0 e
Fa = 0 (20)
dv
=0 (21)
dt
dω
=0 (22)
dt
A força de atrito é nula e as velocidades de translação e rotação são constantes. A roda
não pára!
Fe = Fe êx
T = Te êz
Os valores de Fe e Te podem ou não estar relacionados. Por exemplo, uma força aplicada
ao eixo de rotação dará um torque nulo. Mas se for aplicada acima do eixo dará um
torque com Te < 0 (que contribuirá para aumentar ω. Mas se for aplicada abaixo do
eixo dará Te > 0. O eixo de transmissão de um carro poderá aplicar à roda um torque
e uma força independentes um do outro. Um motor que faz girar um eixo a que está
presa a roda, aplica um torque à mesma.
Seja como for, as equações são facéis de escrever
dv
m = Fa + Fe (23)
dt
dω
−I = rFa + Te (24)
dt
De novo, se a condição de rolamento se verificar,
dv
m = Fa + Fe (25)
dt
I dv Te
− 2 = Fa + (26)
r dt r
Subtraindo as duas equações membro a membro, eliminamos a força de atrito e
I dv Te
m+ 2 = Fe − (27)
r dt r
5
y
x
T
z
R Fa
R
Fa
Figura 4: Esquema de um carro, visto de cima, com duas rodas motrizes. Sobre cada roda motriz temo a força
de atrito com o solo, o torque transmitido pelo eixo e a reação do resto do carro sobre as rodas R.
ou
dv 1 Te
= Fe − (28)
dt m (1 + I/mr2 ) r
e
dv 1 Te
Fa = m − Fe = Fe − − Fe
dt (1 + I/mr2 ) r
1 I Te
=− Fe + (29)
(1 + I/mr2 ) mr2 r
Conhecendo a força externa e o torque, podemos calcular quer a força de atrito, quer a
aceleração do CM do corpo.
6
de rolamento, estas rodas tem de variar a sua velocidade angular e o torque para o fazer
deve vir das forças de atrito. Mas esse pormenor fica como exercı́cio.
Olhemos para as rodas de trás e fixemos a nossa atenção nas forças com componente
horizontal. Em cada uma das rodas motrizes teremos:
A força de atrito, exercida pelo solo, F = Fa êx ;
7
e mc dv (mr + mc /2) Tm
Fa = mr + =− (40)
2 dt mr + mc /2 + I/r2 r
Como a massa total do carro é M = mc + 2mr , podemos multiplicar a primeira equação
por 2,
2I dv 2Tm
M+ 2 =− (41)
r dt r
e
M Tm
Fa = − (42)
M + 2I/r2 r
Estas equações mostram que a aceleração do carro é proporcional ao binário do motor
B = 2Tm e que a força de atrito é também determinada por esse binário. Para o
carro acelerar na direção Ox, o valor de Tm será, naturalmente, negativo, conforme
representado no figura. Note-se que, substituindo a Eq.42 na Eq.41, obtém-se
dv
2Fa = M (43)
dt
que é, nada mais nada menos, a segunda lei de Newton: a resultante das forças externas
(2Fa ) é igual à massa vezes a aceleração do CM. Mas nessa forma é pouco útil pois não
permite saber qual é a força de atrito. A análise completa mostra que essa força e a
aceleração do carro são, como esperado, determinadas pelo binário do motor.
A condição de rolamento só pode existir se a força de atrito estático, aqui calculada,
não superar o seu valor máximo,
µM g
Fa < . (44)
4
Uma vez que há 4 rodas assentes no chão, a reação normal do chão em cada roda é
1/4 do peso total do carro. Se este limite for violado pela expressão obtida na Eq. 42,
passará a haver escorregamento e o atrito será do tipo cinético.
8
Força centrífuga e de Coriolis
Referenciais em rotação mútua
∗
J. M. B. Lopes dos Santos
24 de Novembro de 2018
∗
jlsantos@fc.up.pt
1
y’ y
^
ey
^e’ ^e’ x’
y x
ωt
^
ex x
Estas equações suscitam a seguinte questão: quais são os versores que são dependentes
do tempo?
Nas Eqs. (1) parece claro que são os versores de S0; mas na Eq. (2) são os de S.
Curiosamente, as duas respostas estão correctas, mas em referenciais diferentes. Por
ê0x , ê0y , ê0z S0
denição, em S {êx , êy , êz } são xos e dependem do tempo. Em temos o
inverso. Isso obriga-nos a distinguir desde já o cálculo de variações e derivadas temporais
nos dois referenciais. Por exemplo, a variação temporal do versor ê0x .
d 0
ê = −ω sin (ωt) êx + ω cos (ωt) êy (3a)
dt x S
d 0
ê =0 (3b)
dt x S 0
em que usamos a notação
d 0
ê
dt x S(S 0 )
signicar que estamos a medir variações no referencial S(S 0 ).
Este ponto é de certo modo óbvio, mas importante no que se segue. Note-se que não
estamos apenas a exprimir o mesmo vector em dois sistemas de eixos diferentes. Podemos
projectar o vector do primeiro membro em qualquer dos sistemas de eixos. Em S
d 0
ê = −ω sin (ωt) êx + ω cos (ωt) êy (4a)
dt x S
d 0
ê = 0êx + 0êy (4b)
dt x 0 S
2
e em S0, usando ê0y = − sin (ωt) êx + cos (ωt) êy ,
d 0
ê = ωê0y (5a)
dt x S
d 0
ê = 0ê0x + 0ê0y (5b)
dt x 0 S
Esta diferença vai-nos dar a lei de transformação da velocidade de uma partícula entre
os dois referenciais.
Suponhamos um ponto P com o respectivo vector de posição expresso em qualquer
dos sistemas de eixos.
A velocidade da partícula em S é
dx dy dz
vP |S = êx + êy + êz ; (9)
dt dt dt
e em S0
dx0 0 dy 0 0 dz 0 0
vP |S 0 = êx + êy + ê (10)
dt dt dt z
Para relacionarmos as duas velocidades, notemos que também é verdade que
dx0 0 dy 0 0 dz 0 0
vP |S = êx + êy + ê
dt dt dt z
dê0 dê0y dê0
+ x0 x + y 0 + z0 z . (11)
dt dt dt
Os termos da primeira linha são vP | S 0 . Para a segunda linha, usando as Eqs. (2) e (4),
obtemos
dê0x
= ωê0y
dt
dê0y
= −ωê0 x
dt
dê0z
=0
dt
3
Não por acaso, existe uma maneira simples de resumir estas três equações:
dê0x
= ω ê0z × ê0x = ω × ê0x
dt
dê0y
= ω ê0z × ê0y = ω × ê0y
dt
dê0z
= ω ê0z × ê0z = ω × ê0z = 0
dt
Estas equações já foram obtidas no texto Velocidade Angular secção 2, quando discu-
timos a rotação de um sólido, com qualquer velocidade angular ω. Vimos que para um
sistema de eixos xo no sólido (Eq. 30)
dê0i (t)
= ω(t) × ê0i i = x, y, z (12)
dt
Com este resultado, o segundo termo da Eq. (11) ca
= vP |S 0 + ω × rP (13)
vP |S = vP |S 0 + ω × rP (14)
vP |S = vP |S 0 + VS 0 :S (15)
0
que VS 0 :S é a velocidade do referencial S no referencial S , isto é, a velocidade em S de
0
qualquer ponto em repouso em S . A Eq. 14, tem exactamente a mesma forma, excepto
que cada ponto em repouso em S0 tem uma velocidade diferente em S, dada por ω×r
(Fig 2).
Se revisitarmos este argumento, vemos que ele se aplica a qualquer vector, não apenas
ao vector de posição. Isto é, se
temos
d d
A = A + ω × A (17)
dt S dt S 0
Por vezes, como A porque pode ser qualquer vector, escreve-se esta equação como uma
relação entre os operadores de derivação,
d (. . . ) d
= + ω × (. . . ) . (18)
dt S dt S 0
4
y’ y ωxr
P
u
v x’
ωt
v = v|S (19)
u = v|S 0 (20)
5
Para obter a aceleração em S0, usamos a Eq. 17, aplicada aos dois termos
d d
u = u + ω × u,
dt S dt S 0
e
d d
(ω × r) = (ω × r) + ω × (ω × r)
dt S dt S0
Para uma velocidade angular constante (único caso que vamos considerar)
d d
(ω × r) = ω × r = ω × u
dt S0 dt S 0
e assim
a|S = a|S 0 + 2(ω × u) + ω × (ω × r) (24)
Para passar da Eq. (24) para (25) apenas trocamos o papel dos referenciais e substituímos
ω por −ω .
É útil escrever o segundo membro à custa da velocidade em S0
ou
a|S 0 = a|S − 2ω × u − ω × (ω × r) (26)
6
3 Forças inerciais
Qual dos referenciais, S ou S0 é inercial? De acordo com a perspectiva Newtoniana,
apenas um deles. Mas se os observadores de S (Alice) e o de S0 (Bob) frequentaram o
mesmo curso de Mecânica e não suspeitam se o próprio referencial é não inercial, serão
naturamente levados a aplicar a segunda Lei de Newton. Então a Alice, observador de
S escreverá que a força que actua num corpo com aceleração a|S é
F = m a|S . (28)
1
Bob, observador de S0 vai escrever para o mesmo corpo,
F0 = m a|S 0 (29)
F0 = F − 2m(ω × u) − mω × (ω × r) (30)
Portanto pode muito bem acontecer que seja em S que existem estas forças e não em S0.
A única coisa segura que podemos dizer é:
F0 −F = −2m(ω × u) − mω × (ω × r)
= −2m(ω × v) + mω × (ω × r)
são duas forças universais que actuem em todos os corpos e são proporcionais
à massa de cada corpo (dependendo da sua posição e velocidade). Estas
forças designam-se por forças inerciais.
4 Exemplos
Vamos agora ganhar alguma intuição sobre estas duas forças inerciais considerando que
o eixo de rotação mútuo dos referenciais é êz = êz e que a velocidade de S0 em S é ωêz .
1
Se admitirmos que m é invariante
7
4.1 Corpo em repouso em S0
Neste caso
v|S 0 = u = 0
e
v|S = ω × r = ωr (êz × êr ) = ωrêθ
Nenhuma surpresa! O corpo tem um movimento circular uniforme em S. Como para
qualquer movimento circular,
F = −mω 2 rêr
Mas em S0 o corpo está em repouso. Logo temos de ter
F0 = 0.
Ora
F0 = F − mω × (ω × r)
= −mω 2 rêr + mω 2 rêr = 0
A força −mω × (ω × r) é radial, dirigida para fora e é conhecida como força centrífuga.
v =u+ω×r=0
u = −ω × r
e
F = m a|S = 0
Então
F0 = F − 2m [ω × (−ω × r)] − mω × (ω × r)
= F + m [ω × (ω × r)] = −mω 2 rêr
= −mω 2 rêr
8
ω
F cor
ω = ωêz (33)
r = rêr (34)
Uma partícula em S0 tem em cada ponto, uma força adicional, de direção radial (dirigida
para fora) a que chamamos força centrífuga.
Além deste campo de forças centrífugo (a força só depende da posição da partícula)
existe uma outra força inercial que depende da velocidade da partícula. É sempre per-
pendicular à mesma
9
Capı́tulo 12
Relatividade
Sherlock Holmes
199
200 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
Princı́pio de Relatividade
t 0= 0.0
t 1= 0.33
t 2= 0.67
t 3= 0.10
db dc
∆t = ∆T. (12.2)
204 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
corrente
Se o corpo se move com a mesma velocidade que o referencial, u
~ =U
~v = ~u ou V ~ , a sua velocidade no outro referencial deve ser
nula. 2 km
R’
R
r
r1
r0
O’
Dicionário de cinemática
Grandeza R R0
R
antes
m −v m
depois
v’ = 0
antes R’
v M1 M2
2v
depois
v V’
Referenciais inerciais
No caso de dois referenciais em movimento relativo uniforme, ~u O0 (t) =
constante, ~aO0 = 0, a aceleração é um invariante:
~ = ~a(t)
A(t) (~uO0 (t) = constante)
1
Isso vê-se facilmente, pondo em evidência uma das massas nas duas equa-
ções.
12.2. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE 211
f~ em R → F~ = f~ em R0 ;
à La Einstein
212 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
f~ = m~a em R
F~ = mA ~ em R0 ,
f~ em R → F~ = f~ − m~aO0 em R0 ;
E’
cT /2 cT /2
L L
E
uT
D
L u
(a) (b)
de Pitágoras vale:
2 2
cT⊥ uT⊥
= + L2 .
2 2
Resolvendo em ordem a T⊥ , vem
2L 1
T⊥ = p .
c 1 − u2 /c2
Como vemos, se u 6= 0, Tk 6= T⊥ .
Tomando como exemplo o valor de u = 30 km s−1 , a velocidade
orbital de Terra, temos um efeito deveras pequeno:
Tk − T ⊥
= 1 − 1 − u2 /c2 ≈ 0,5 × 10−8 !
p
Tk
Contudo, a observação da interferência entre os dois feixes permite
medir esta diferença sem problemas. A experiência foi realizada
cuidadosamente; a possibilidade de os dois braços não terem o
mesmo comprimento foi levada em conta, rodando o dispositivo
de 90o e trocando as duas direcções. A experiência foi realizada
em várias alturas do ano de modo a variar a direcção da velocidade
orbital da Terra. Michelson e Morley nunca detectaram qualquer
diferença entre os tempos Tk e T⊥ .
O referencial privilegiado em que as leis de Maxwell seriam válidas
é referido na literatura como o referencial do Éter. O Éter seria
uma misteriosa substância, presente em todo o Universo, no qual
se propagariam as ondas electromagnéticas, à semelhança do que
acontece com onda mecânicas, como o som, que se propagam num
meio material. Só um referencial em repouso em relação ao Éter
mediria uma velocidade da luz idêntica em todas as direcções.
Nesse sentido, a experiência de Michelson e Morley não detectou
qualquer movimento da Terra em relação ao Éter.
Princı́pio de Relatividade
• do referencial do solo, S;
• do referencial do Coiote, C;
Tempo
VI
VI
VI
VI
V
V
V
V
IV
IV
IV
IV
III
III
III
III
II
II
II
II
I
I
I
0
0
0
Tabela 12.1: O que marca o relógio de cada poste quando passa por ele
cada um dos personagens.
Referencial do Solo, S
Referencial do Coiote, C
Tempo
VIII
VI
VII
IX
VIII
VII
VI
V
VII
VI
V
IV
VI
III
IV
V
IV
II
III
IV
III
I
II
2T0
3T0
III
T0
II
0
I
0.0
∆T = 0: simultâneos em C;
∆t = 1 : um mais tarde que o outro em S.
Assim:
Sincronização de relógios
0 I II
0 I II
(a)
cT/2 L L cT’/2
0 I II
0 I II
0 I II
??
(b)
c 2L
cT = T + L ⇒ T = .
2 c
c 2L
cT 0 = L − T 0 ⇒ T 0 = .
2 3c
5
Esta maneira exige que se conheça o valor da velocidade da luz no refe-
rencial em causa. Mas esta pode ser medida com um único relógio medindo o
tempo de ida e volta a um espelho a uma distância conhecida.
226 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
Ou seja,
6
T0 é um tempo (de relógio em movimento) por unidade de tempo (de
relógio em repouso); por isso é uma grandeza sem dimensões.
12.4. O ESPAÇO E TEMPO EM RELATIVIDADE RESTRITA227
Ou seja,
∆tIII = T0 ∆T (12.10)
em que ∆tIII é o tempo marcado pelo relógio III em movimento no
referencial do Coiote, e ∆T o tempo que decorreu entre os mesmos
eventos no referencial do Coiote. Mas a Afirmação 2 significa:
Portanto,
1,5 = T0 × (2T0 )
ou seja,
3
T02 = ,
4
e √
3
T0 = ≈ 0,866.
2
0 I II III IV V VI
T=0,0
I II III IV V VI VII
T= 3
2
O filme completo
Mas afinal, não quer isso dizer que a contracção dos espaços é
uma ilusão? Um corpo só parece encurtar porque é visto de outro
referencial. No referencial próprio em que está em repouso tem o
seu verdadeiro comprimento?
Esta conclusão é atraente, mas errada. A contracção é real; acon-
tece. Medir um comprimento de um objecto em movimento não
causa qualquer dificuldade. Em todos os referenciais em que se
move ele é mais curto que no seu referencial próprio.
12.4. O ESPAÇO E TEMPO EM RELATIVIDADE RESTRITA231
Coiote
A B C
l
L= q . (12.13)
v2
1− c2
p p √
No caso de v = c/2, o factor 1 − v 2 /c2 = 3/4 = 3/2, con-
forme vimos acima.
• a conservação de massa;
• a conservação de energia.
Zmp + (A − Z)mn .
Eb (A, Z)
Zmp + (A − Z)mn = M (A, Z) +
c2
Por outras palavras, ao formar o núcleo a partir das partı́cu-
las que o constituem, o sistema liberta uma energia E b (A, Z)
e a sua massa total diminui de Eb (A, Z)/c2 .
e− + e + = γ + γ
me c2 = 0,51 MeV.
mp c2 = 9,3 × 103 MeV.
E = M 0 c2 + E 0 ,
M0 c2 + E 0 E0
M= = M 0 + ≈ M0 .
c2 c2
I II III
I II III
I II III
Ainda que ∆t possa ser 106 anos, o tempo próprio pode ser um ano,
se a velocidade for suficientemente próxima de c. Claro, entretanto
passaram um milhão de anos da Terra. E só teremos notı́cias da
nave dois milhões de anos mais tarde.
Aliás não deixa de ser curioso que a limitação da velocidade luz,
300 mil quilómetros por segundo, preocupe tanta gente, quando
no presente, conseguimos, no máximo, alguns quilómetros por se-
gundo nos nossos veı́culos mais rápidos!
12.7 Conclusões
• o Princı́pio da Relatividade;
Na subida
Vx = vx − u ⇒ 25 = vx + 5 ⇒ vx = 20 km h−1 ;
Vy = 0.
Na descida:
Vx = 0 − u = −u = 5;
Vy = vy
Como
Vx2 + Vy2 = V 2 = (25)2 .
vy2 + u2 = V 2 ⇒ vy2 = V 2 − u2 ⇒ vy = 24,5 km h−1 .
O tempo de ida e volta
4
T⊥ = = 0, 163 h = 9,8 min.
24,5
12.2. ET V 2 :
e
V 1x = −V2x /2
obtemos:
2 2
(V 01x ) = (V 1x )
2 2
(V 02x ) = (V 2x ) .
As soluções são
0 0
V1x = V1x ; V2x = V2x ,
244 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
ou
0 0
V1x = −V1x ; V2x = −V2x .
A 5m B C
marcações na estrada. O Cadillac estacionado tem a traseira coin-
cidente com A e a frente com B, sempre. Há um instante em a
traseira do Cadillac do Coiote passa em A. No referencial C, 4,33 m
nesse momento, a frente está em C à frente de B e o seu carro é c/2
12.6. ET V 6 :
(a)
∆m = m(4 He2+ ) − 4mp − 2me =
= 4,003 − 4 × 1, 008 − 2 × 0,0005 ≈ −0,03 u.m.a
2
∆E = −0,03 × 1,661 × 10−27 × 3 × 108 = −0,4 × 10−11 J. A B C
O Sol radia 1,4 × 1017 kg por ano, mas isso é uma fracção
mı́nima da sua massa total
−∆m
= 0,7 × 10−13 .
M
3, 9 × 1026
× 4mp = 66 × 1026+11−27 = 6,6 × 1011 kg.
0,4 × 10−11
Duração do combustı́vel do Sol em anos:
1,3 × 1030 1
T = × = 0,6 × 1011 anos.
6,6 × 1011 3,15 × 107
p p
12.7. ET V 7 : 1 − v 2 /c2 = 1 − 0,9942 = 0,11;
p
∆t = t1/2 / 1 − v 2 /c2 ≈ 14,2 µs;
l = v∆t = 0,994 × c × 14,2 × 10−6 = 4,23 × 103 m = 4,23 km.
246 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
2 1 1
∆t = T0 ∆T ⇒ ∆T = √ × = √ = 0,144 s.
3 8 4 3
v2 v p
1− = 10−12 ⇒ = 1 − 10−12
c2 c
≈ 0,9999999999995.
12.8.2 Questões
12.8.3 Problemas
12.2. Um nadador tem que atravessar um rio de distância entre Figura 12.18: Como
margens de 200 m. A velocidade que consegue em águas pa- minimizar o tempo de
radas é de 1 m s−1 . O rio tem uma corrente com velocidade travessia?
u = 0,5 m s−1 .
1000 m
equações paramétricas (distâncias em metros e tempo
300
em segundos):
(
x(t) = 27,8 t
comboio
y(t) = 577
Figura 12.19: Passará a
tempo? (
x(t) = 33,7 t
carro .
y(t) = 19,4 t
viagem. θ
corrente
x
u
12.8.4 Desafios
12.1. Um barco tem um velocidade máxima, relativamente às água Figura 12.20: Qual é
do rio, igual a vM . Sabemos que, se as águas do rio tiverem velocidade máxima do
uma velocidade ~u, paralela às margens do mesmo, a veloci- barco, V , no referencial
dade máxima do barco em relação à Terra deixa de ser igual da Terra, quando V~ faz
um ângulo θ com a
em todas as direcções.
margem?
(a) Usando a transformação de Galileu, deduzir a expressão
da velocidade máxima do barco, em função do ângulo
θ da sua direcção de deslocamento com a margem, no
referencial da Terra.
250 CAPÍTULO 12. RELATIVIDADE
Apêndice A
Transformação do espaço
e tempo para v qualquer
251
252APÊNDICE A. TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO E TEMPO PARA V QUALQU
Tabela A.1: O que marca o relógio de cada poste quando passa por ele
cada um dos personagens; a velocidade do Coiote é v e ele demora um
segundo a percorrer a distância entre postes sucessivos no referencial S.
D = vT0 .
Logo
v2
c v c v c
∆t = 1 + − 1 + = − = 1− 2 ;
v c v c v c
c
∆T = (m − 1)T0 = T0
v
Mas ∆t é tempo medido por um relógio em movimento com ve-
locidade −v no referencial C. Pelo Princı́pio de Relatividade deve
valer:
∆t = T0 ∆T
ou seja,
v2
c c 2
1− 2 = T
v c v 0
o que dá r
v2
T0 = 1−
c2
Para v = c/2 voltamos a obter:
√
3
T0 = .
2
x = nv.
∆t = n − t em S;
∆T = nT0 − T em C.
n − t = T0 (nT0 − T )
1
t + nT02 − n .
T =
T0
p
Usando as expressões T0 = 1 − v 2 /c2 e n = x/v, obtemos
x v2
1 1 xv
T =p t− = t − .
v c2 c2
p
1 − v 2 /c2 1 − v 2 /c2
Finalmente,
1
X = p (x − vt)
1 − v 2 /c2
1 xv
T = p t− 2
1 − v 2 /c2 c
255
Forças de Ligação
Aplicação das Leis de Newton
*
J. M. B. Lopes dos Santos
6 de Outubro de 2021
1 Leis de Força
As leis de movimento de Newton caracterizam as inuências mútuas dos corpos nos
respectivos movimentos pelo conceito de força: um corpo A interage com B inuencia
o movimento de B , exercendo sobre B uma força. A terceira lei de Newton estabelece
uma condição geral que qualquer interação satisfaz: a força de A sobre B é simétrica
da força de B sobre A. Mas para além desta condição geral, as três leis de movimento
nada dizem sobre as interações e as leis que as regem. Sem essas leis o programa de
Newton ca incompleto na medida em que, dado um conjunto de corpos, não sabemos
determinar as forças que aparecem no primeiro membro da segunda lei, F = ma, e como
tal não sabemos qual é a aceleração de cada corpo e não podemos determinar o respectivo
movimento.
O próprio Newton preencheu parcialmente esta lacuna ao especicar as lei que governa
uma interação universal que existe entre dois quaisquer corpos, a Gravitação. Essa lei
especica que entre dois corpos em posições rA e rB exercem um no outro uma força na
direção da linha que os une (a direção do vector de posição relativo, rA − rB ), atractiva,
e de módulo
1
mA mB
FAB = G (1)
|rA − rB |2
Se esta fosse a única interação entre corpos, o programa de Newton caria completo.
Conhecendo as posições dos corpos num dado instante, poderíamos calcular as respectivas
acelerações e movimentos.
*
jlsantos@fc.up.pt
1
Ao exprimir a lei nesta forma estamos a assumir que a distância entre A e B é muito maior que as
suas dimensões; ou seja os dois corpos podem ser considerados como partículas.
1
Mas é evidente que as interações entre corpos não são apenas gravíticas. Quando
pousamos um dicionário sobre uma mesa, este ca em repouso. De acordo com a primeira
lei, a resultante das forças que actuam no livro é nula. A menos que consideremos a mesa
como um dispositivo anti-gravidade que anula a atração que a Terra exerce sobre o livro,
este continua sujeito ao peso, P. Como a resultante da forças sobre o livro é nula (segunda
lei), temos de concluir que a mesa (que outro corpo poderia ser?) exerce uma segunda
força sobre o livro, oposta ao peso, −P. Ou seja, uma modesta mesa, que pode ter uma
massa da ordem do quilograma, exerce sobre o livro uma força com a mesma intensidade
que a atração gravítica de toda a Terra, com uma massa de MT ∼ 6 × 1024 kg! É claro
que esta força não é de origem gravítica!
Com efeito, a interação gravítica, na nossa experiência comum, revela-se apenas em
dois contextos: a atração que a Terra exerce sobre os corpos, que como nós, habitam
a sua vizinhança e a atração entre os corpos celestes. Todas as outras forças do nosso
quotidiano puxões e empurrões, força de uma mola, a de um martelo sobre um prego,
do tabuleiro de uma ponte sobre um pilar, de um pneu sobre a estrada, do vento sobre
uma árvore, etc. tem a sua origem última na interação entre cargas eléctricas de que a
matéria é feitainteração electromagnética.
Conhecemos com muito pormenor as leis que governam as interações electromagnéti-
cas; podemos aplicá-las para prever propriedades de átomos ou moléculas com enorme
precisão. Mas quando lidamos com corpos macroscópicos, compostos por números incon-
2
táveis de átomos , não conseguimos aplicar essas leis para calcular as forças. Nesse caso
recorremos a expressões que resumem ainda que de modo aproximado observações
empíricas, ou obtemos as forças a partir dos movimentos observados.
Voltemos ao caso do livro. Como vimos atrás, sabemos exactamente qual é a força
que a mesa exerce sobre o livro, porque o livro não se move. Ou seja, a mesa impõe uma
restrição ao movimento do livro e daí deduzimos o valor da interação entre os dois. Estas
forças são conhecidas como forças de ligação. Talvez valha a pena referir uma concepção
pré-newtoniana comum acerca desta situação.
A mesa não exerce força sobre livro. Como dois corpos sólidos não podem
ocupar o mesmo volume, o peso do livro não o acelera quando este entra em
contacto com a mesa.
O problema desta concepção é que a primeira Lei de Newton não admite excepções.
Aceleração nula implica resultante nula. A ideia corpos sólidos não podem ocupar o
mesmo volume não se sobrepõe, nem contraria a primeira lei. Antes pelo contrário, as
forças de interação entre sólidos tem como consequência este facto e isso permite-nos,
nalgumas situações saber o respectivo valor. De seguida veremos alguns exemplos de
forças de ligação, isto é forças que garantem certas restrições aos movimentos dos corpos.
2
Não são incontáveis por serem innitos; mas são muitos (mesmo muitos!) e o seu número muda de
instante para instante.
2
Figura 1: O cabo está sujeito a duas forças com componente horizontal; uma exercida pelo reboque (F1 ) e outra
pelo carro (−F2 ); (b) diagrama de corpo livre para os três corpos em interacção; (c) diagrama de corpo livre
para o sistema carro+cabo.
3
Com componente horizontal, claro. O peso neste contexto não é relevante.
3
internas deste sistema, não são forças exercidas por outros corpos. A sua resultante é
nula (terceira lei). Assim,
F1 = (mcarro + mcabo ) a; (3)
como
F2 = mcarro a, (4)
a força exercida pelo reboque será maior que a força exercida pelo cabo na outra extre-
midade.
O diagrama da Figura 1(b) mostra um força sobre o reboque com sentido oposto ao
da sua aceleração. Na verdade, não estão representadas todas as forças sobre o reboque,
apenas as que resulta das interações com o cabo e carro. Para o reboque ter aceleração
a, terá de existir uma força F3 , de tal modo que
F3 + (−F1 ) = mreb a.
É importante notar que usamos a mesma aceleração para o carro e o cabo e reboque.
Isso é precisamente a restrição que o cabo de comprimento xo impõe; enquanto
o comprimento do cabo se mantiver, os deslocamentos e consequentemente as
velocidades e acelerações, do carro e do reboque são iguais.
Só usámos as leis de Newton para obter as forças. Não tivemos de invocar qualquer
propriedade de transmissão de forças pelo cabo.
Como conciliar esta análise com a ideia comum que as forças nas extremidades de cabos
e os tem sempre o mesmo módulo? Se a massa do cabo for muito menor que a do carro,
mcabo mcarro ,
mcarro a mcabo a
e
F1 mcabo a,
o que implica, pela Eq.2,
F2 ≈ F1
Esta aproximação só é valida quando a massa dos cabos/os é muito menor que a dos
corpos que ligam. Esta é a origem do modelo de cabos e os sem massa; não existem os
ou cabos sem massa, mas apenas cabos/os de massa muito menor do que a dos corpos
que ligam.
No preciso momento em que escrevo estas notas o meu portátil está pousado numa mesa.
O peso do portátil, por si só, imprimir-lhe-ia um movimento vertical descendente. Isso
4
F
Figura 2: Mesmo em situações estáticas (acelerações nulas) a reação normal de uma mesa sobre um corpo não é
sempre igual ao peso do mesmo. Mas é sempre determinada pela condição de que a aceleração nula tem de
corresponder força resultante nula. Na gura a reação normal da mesa é igual ao peso no carro do meio, é maior
no da esquerda e menor no da direita.
não acontece, contudo, porque a mesa está no caminho. De acordo com a primeira lei,
a mesa impede o movimento do portátil porque exerce sobre ele uma força simétrica do
peso do portátil, de tal modo que a resultante das forças sobre o portátil é nula. Esta
é claramente um força de ligação, cujo valor é determinado pela restrição ao movimento
do portátil. Note-se que a força exercida sobre a mesa não é o par acção-reacção do
peso do corpo. A terceira lei é clara: a reação a uma força exercida por B em A é uma
força exercida em B
A). Um par acção-reacção nunca é um par de forças exercidas
(por
num mesmo corpo. O peso P é uma força exercida pela Terra, a sua reacção é uma força
exercida sobre a Terra. A força exercida sobre a mesa pelo portátil, F não é o seu peso:
é uma força de natureza electromagnética. A reação da mesa a esta força, pela terceira
lei de Newton, é −F. Por isso a resultante das forças sobre o portátil é
R = P + (−F)
3.2 Atrito
Empurrar um carro travado é quase como empurrar uma parede. Se o carro não se move,
deve ser, certamente, em virtude das forças exercidas pelos calços dos travões nas rodas.
5
111111111111111111
000000000000000000
11111111111
00000000000
00000000000
11111111111
00000000000
11111111111
Figura 3: A área de efectivo contacto entre os materiais de dois corpos é muito menor do o que que parece à
nossa escala.
Atenção, não é! Pelo princípio de acçãoreacção as rodas exercem no calços uma força
oposta à que os calços exercem nas rodas: estas forças cancelam-se mutuamente e não
podem cancelar a força externa com que empurramos o carro. O que impede o carro de
se movimentar são forças exercidas pelo pavimento nos pneus. Estas forças não são a
reacção normal do pavimento. A força com que empurramos o carro é paralela à estrada
e só pode ser anulada por uma força com a mesma direcção e sentido oposto. A reacção
normal é perpendicular à superfície da estrada.
Entre superfícies sólidas surgem, então, forças que se opõem ao deslizamento relativo
de uma sobre a outra. São um facto da vida e chamam-se forças de atrito4 .
Um mundo sem atrito seria verdadeiramente estranho. Se espirrássemos à mesa, o
copo, o prato e o resto da louça saiam a voar sobre a mesa. A falta de atrito entre a
cadeira onde nos sentamos e o chão faria com que deslizássemos no sentido oposto. Os
talheres escorregar-nos-iam nas mãos como enguias. Se tocássemos numa cadeira ela
poderia deslizar pela sala fora até à parede. O motor de um carro poderia funcionar e
pôr as rodas em movimento; mas estas rodariam sobre o pavimento como sobre gelo e o
carro não andaria. E se andasse, como travá-lo?
Apesar de ser tão comum e familiar, o atrito entre superfícies é um fenómeno extre-
mamente complexo, cuja natureza microscópica não está completamente compreendida.
No caso do carro travado, referido acima, quanto vale a força de atrito exercida pelo
pavimento nos pneus?
Se empurrarmos o carro com uma força de 10 N a força de atrito vale 10 N; se a força
aplicada for 100 N a força de atrito vale 100 N; se for de 1000 N a força de atrito vale,
igualmente, 1000 N. Com efeito, se um carro travado se pusesse em movimento com uma
força externa de 1000 N (aproximadamente o peso de 100 kg), ou os travões, ou o piso dos
pneus, não estariam em condições.
Esta situação é semelhante à da força de reacção normal. Aquilo que chamamos super-
fícies lisas são, à escala microscópica, superfícies altamente irregulares com saliências
4
Os travões impedem as rodas de rodar nos seus eixos. Com o carro destravado os pneus podem rodar
e o carro desloca-se sem que a superfície do pneu escorregue na estrada!
6
v =0
F F
(a) (b)
Figura 4: Lei de Amonton-Coulomb: (a) se a força externa, for inferior em módulo a µN , o módulo da força de
atrito é igual ao da força externa; (b) se F > µN o corpo entra em movimento.
Fa ≤ Fmax = µN (5)
5
Há uma excepção. Certos cristais separam-se naturalmente segundo determinados planos atómicos. As
superfícies resultantes, superfícies de clivagem, podem ser muito regulares mesmo à escala atómica.
7
Podemos agora perceber por que é tão difícil deslocar um carro travado. Se o peso do
carro for de 15 000 N (m ∼ 1500 kg) e usando o valor de µ = 0,5, só será possível deslocar
o carro aplicado uma força superior a
µN = µmg = 7 500 N.
(aproximadamente o peso de 750 kg).
Atrito estático: teoria de Bowden e Tabor
A ideia de que a área de contacto efectivo entre duas superfícies, A , é muito menor
que a área macroscópica foi desenvolvida por Bowden, Tabor e colaboradores na
c
por esta teoria, µ = s/P , pode ser calculado para superfícies metálicas e é sistema-
ticamente mais baixo do que é observado.
A investigação dos mecanismos microscópicos do atrito continua muito activa .
6
Quando um carro em movimento trava, bloqueando as rodas , os pneus escorregam
(derrapam) sobre a estrada e esta exerce uma força de sentido oposto à velocidade do
carro, pelo que esta diminui. A borracha que é arrancada aos pneus nas travagens é uma
boa evidência da existência desta força.
Mais uma vez a força de atrito é tanto maior quanto maior for a reacção normal de
uma superfície sobre a outra:
Fa = µc N. (8)
6
Para os conhecedores: é um carro sem ABS. Quando as rodas rolam sobre a estrada, em vez de
escorregar, a análise do fenómeno de atrito é mais subtil e ca para mais tarde.
8
Contudo:
Este é o valor da força de atrito quando a velocidade relativa das superfícies não é
zero. No caso estático (superfícies em repouso relativo), uma lei semelhante dá o
valor máximo da força de atrito.
O coeciente µc , coeciente de atrito cinético, não é igual ao coeciente de
atrito estático µ: em geral, é menor.
7
Uma consequência importante desta lei tem a ver com a segurança rodoviária.
Se consultarmos um manual de código, vericamos que as distâncias de segurança
recomendadas, distâncias necessárias para imobilizar um veículo, dependem apenas da
velocidade inicial: a mesma tabela serve para veículos de qualquer peso.
Para um carro de massa m numa estrada horizontal, a reacção normal da estrada, ~,
N
tem módulo N = mg . A aceleração devida à força de atrito é
Fa µc mg
a= = = µc g.
m m
Esta aceleração não depende da massa (ou peso) do veículo, apenas do coeciente de
atrito entre os pneus e o pavimento. Dois veículos de pesos diferentes, terão a mesma
aceleração numa derrapagem; se as velocidades iniciais forem idênticas, carão imóveis
depois de percorrida a mesma distância.
7
Imagina que estás a estender um mola. A força que exerces vai crescendo à medida que o comprimento
da mola aumanta. Mas se atingires o limite de elasticidade e a mola car denitivamente deformada
(deformação plástica), sentirás uma diminuição da força necessária para continuares a estendê-la.
Os mecanismos responsáveis pelas deformações elástica e plástica são diferentes. Possívelmente, algo
semelhante se passa no com o atrito. Os mecanismos do caso de atrito estático e cinético são diferentes
e por isso os coecientes respetivos podem também ser diferentes.
9
Movimento em Três Dimensões
Lições de Mecânica
*
J. M. B. Lopes dos Santos
29 de Setembro de 2021
1 Trajectória
t 7→ r(t) ∈ E3 (1)
dene uma recta se t ∈ ]−∞, ∞[, ou segmento de recta se t ∈ ]ti , tf [ , já que, para
quaisquer dois instantes t1 , t2 ,
*
jlsantos@fc.up.pt
1
b) Dado um vector v e uma função f (t)
p q
r (t) · r(t) = r2 cos2 (ωt) + sin2 (ωt) = r
(6)
Esta denição de um subconjunto de E3 por uma aplicação t 7→ r(t), que surge muito
naturalmente no contexto da descrição de um movimento, é designada em Matemática
por denição paramétrica de uma curva. Uma mesma curva (trajectória) pode ser per-
corrida de modos muito distintos. Por exemplo, se no caso b) escolhermos f (t) = t3 , a
trajectória é a mesma do caso a) (a mesma recta) mas os movimentos são distintos: no
primeiro caso é uniforme e no segundo variado (com aceleração variável).
1.
Na Eq.(4), identica a trajectóriareta real, semi-reta segmento de reta, para os seguintes
Exercício
4. f (t) = t + t
2 3
Pode ser geometricamente representado por um segmento orientado do ponto inicial para
o nal, ou por qualquer outro equipolente a este (Fig. 1). As suas componentes num
2
Figura 1: Quando um ponto se desloca no espaço, as suas projecções nos eixos coorde-
nados têm um movimento 1D.
isto é,
∆r = ∆xˆ + ∆yˆ + ∆z k̂. (9)
∆x
lim = vx (t1 ) (10a)
∆t→0 ∆t
∆y
lim = vy (t1 ) (10b)
∆t→0 ∆t
∆z
lim = vz (t1 ) (10c)
∆t→0 ∆t
denem as velocidades das projeções da posição nos eixos coordenados e são, em geral,
nitos. O vector velocidade instantânea é então denido por
∆r
lim = v (t1 ) = vx (t1 )ˆ + vy (t1 )ˆ + vz (t1 ) k̂ (11)
∆t→0 ∆t
A direcção deste vector é a da recta limite de uma secante à trajectória quando os pontos
de intersecção tendem um para o outro. Parece natural tomar a direcção de v(t) como
1
Neste texto usamos a notação (ˆ, ˆ, k̂) para os versores dos eixos coordenados, (êx , êy , êz ).
3
denindo a direcção da tangente à trajectória em r(t). E de facto é assim que se dene a
direção da tangente a uma curva denida parametricamente por uma aplicação t 7→ r(t).2
1
v̂(t) = v(t) (12)
|v(t)|
e parece claro que é uma propriedade da curva descrita no movimento; não depende do
modo como a trajectória é percorrida, desde que o sentido não seja alterado. O vector
velocidade pode então ter a forma
2.
Considera a curva plana (trajectória) denida parametricamente por
Exercício
Contrói um vetor tangente a esta curva no ponto de coordenadas (x, y) = (2, 2) e determina o
ângulo que faz com o eixo Ox.
2
Este vector só pode ser denido se |v(t)| 6= 0. Se, para um movimento, a velocidade se anular num
dado ponto, isso não signica que a tangente à trajectória esteja indenida nesse ponto. Um outro
movimento com a mesma trajectória (uma mudança da equação paramétrica de curva) pode permitir
denir o versor tangente.
4
Curvas e Parametrizações .
2 Comprimento de arco.
É, obviamente, uma aproximação com erro por defeito: o perímetro do círculo é superior
5
Figura 2: Como medir o perímetro de um círculo?
L8 = 8`2 (21)
está mais próximo do perímetro do que L4 . Com efeito L8 > L4 , visto que a soma dos
comprimentos de dois lados do octógono é superior ao de um lado do quadrado; mas,
por outro lado, L8 é ainda menor que o perímetro do círculo. Aumentando o número de
lados do polígono inscrito devemos convergir para o verdadeiro comprimento do círculo.
Vejamos que assim é.
O comprimento de uma corda que sub-tende um ângulo θ é , como se vê na Fig. 3,
θ
d = 2r sin (22)
2
6
Figura 4: Como calcular o comprimento de uma curva genérica.
Para um polígono regular inscrito de n lados, cada lado sub-tende um ângulo 2π/n e o
perímetro é π π
Ln = 2nr sin = 2r × n sin (23)
n n
denindo x = π/n, vem
sin(x)
Ln = 2πr × (24)
x
Quando n → ∞, x → 0. Usando
sin(x)
lim =1 (25)
x→0 x
vem
P = lim Ln = 2πr (26)
n→∞
um resultado bem familiar.
Vejamos com podemos usar esta ideia para uma curva mais geral. Suponhamos uma
curva percorrida por uma partícula entre dois instantes [t0 , t]. A nossa primeira aproxi-
mação ao comprimento será simplesmente o módulo do vector deslocamento entre t0 e
t.
S2 = |r(t) − r (t0 )| (27)
7
podemos denir o comprimento de arco entre r(t0 ) e r(t) como o limite desta expressão
quando n → ∞. Mas, nesse caso, o deslocamento em cada intervalo innitesimal é
e
n−1
X
s (t, t0 ) = lim |v(tn )| ∆t (30)
n→∞
n=0
Z t
s (t, t0 ) = v(t0 )dt0 (31)
t0
Este integral dene o comprimento de um arco descrito por uma partícula de velocidade
v(t).
Uma trajectória pode ser percorrida em dois sentidos. Por exemplo, num lançamento
vertical a partícula sobe, para e volta a descer. Se t0 = 0 for o momento de lançamento
e tf o instante de regresso à posição inicial, o que é que obtemos para o comprimento de
arco?
Não é difícil ver que obtemos duas vezes a altura atingida. Com efeito v(t) = v0 − gt e
Z tf
s (tf , 0) = |v0 − gt| dt
0
Z tf /2 Z tf
= (v0 − gt) dt + (gt − v0 ) dt (32)
0 tf /2
em que
tf 2v0
v0 − g = 0 ⇒ tf = . (33)
2 g
Obtemos
2 " 2 #
tf 1 tf tf 1 tf
s (tf , 0) = v0 − g − v0 + g t2f −
2 2 2 2 2 2
1
= gt2f = 2h. (34)
4
Embora o conjunto de pontos percorridos pela partícula seja apenas um segmento de
comprimento h o arco é esse segmento uma vez para cima e outra para baixo e o seu
comprimento é 2h.
Numa segundo nota reparemos que
Z t2
x(t2 ) − x(t1 ) = vx (t)dt (35)
t1
implica que
dx
vx (t) = (36)
dt
8
Figura 5: Se a trajectória é percorrida em dois sentidos, entre t0 e t a Eq. 31 dá um
comprimento de arco que é a distância total percorrida pela partícula, 2h.
Z t
s (t, t0 ) = v(t0 )dt0 (37)
t0
que
d
v(t) = s (t, t0 ) (38)
dt
É este o sentido da armação que o módulo da velocidade é a distância percorrida por
unidade de tempo e
ds
v (t) = v̂ (t) (39)
dt
Com o conhecimento que temos do conceito de derivada não surpreende que possamos
denir a aceleração
dv(t)
a (t) = (40)
dt
ou, explicitamente,
1
a (t) = lim [v (t + ∆t) − v(t)] (41)
∆t→0 ∆t
Todas as operações do segundo membro são conhecidas como operações em vectores:
v (t + ∆t) − v(t) é a soma de dois vectores (v (t + ∆t) e −v(t)) e o produto por 1/∆t
é o produto por um escalar. A aceleração, tal como a velocidade, é um vector cujas
componentes cartesianas são
9
Figura 6: Se a velocidade só variar em módulo, ∆v e, consequentemente a(t), são para-
lelas a v(t).
1. Só em módulo;
2. Só em direção;
3. Em módulo e em direção.
No primeiro caso, é claro que a aceleração terá a direção da velocidade: se v(t) e v(t+∆t)
tem a mesma direção, a variação de velocidade ∆v = v(t + ∆t) − v(t) tem a direção
deste dois vectores (Fig. 6) Como
dv(t)
a(t) = v̂ (t) (44)
dt
O caso 2 corresponde a uma variação apenas na direção: ou seja, v(t) não varia, mas
a direção, dada por v̂(t), altera-se. Um vector de módulo constante varia deslocando a
sua extremidade sobre uma esfera. No limite em ∆t → 0 a direção de ∆v̂ está no plano
tangente à esfera, ou seja normal a v̂.
3.
O argumento geométrico dado acima, de que a derivada de um vector de módulo constante é
Exercício
normal (ortogonal ) a esse vector, pode ser conrmado do modo seguinte. Se a norma de u (t) é
constante, a sua norma quadrada também é
2
ku(t)k = const.
Então 2
u(t) · u(t) = ku(t)k
tem derivada temporal nula. Mostra que isso é suciente para concluir que u e du/dt são
ortogonais.
Por isso, no caso 2, a aceleração é perpendicular à velocidade. Assim
d
a(t) = v v̂(t) (45)
dt
10
Figura 7: Se a velocidade só variar em direção a sua extremidade desloca-se sobre um
círculo (2D) ou uma esfera (3D). Em qualquer caso, no limite em que ∆t → 0,
a direção de ∆v é perpendicular a v.
dv̂ dv̂
a (t) = v = v2
dt ds
= κv 2 n̂ (50)
Quer v̂, quer s, quer n̂ são características geométricas da trajectória. Por isso κ, a taxa de
variação da tangente por unidade de comprimento do arco, é também uma característica
da trajectória, designada por curvatura.
11
Figura 8: A curvatura κ em s1 é o limite ∆θ/∆s quando ∆s → 0.
Em geral a curvatura varia de ponto para ponto. Quanto maior o ângulo que roda a
tangente à trajectória, v̂, por unidade de distância percorrida maior é a curvatura. Se o
ângulo que v̂ roda entre s e s + ∆s for ∆θ, temos
dv(t) dv̂
a (t) = v̂ (t) + v(t)
dt dt
dv(t) 2
v (t)
= v̂(t) + n̂(t) (54)
dt R(t)
12
A B
C
O
R
Figura 10: Como varia a raio de curvatura de uma elipse, ao longo da mesma?
4.
Na curva da Fig.(10) (uma elipse) podemos identicar cada ponto pelo ângulo θ ∈ [0, 2π[.
Exercício
13
O Raio de Curvatura .
Será que a denição geométrica do texto coincide com a que tiramos das fórmulas de Frenet? Podemos
ligar as duas denições usando a nossa representação da curva como trajectória de um movimento r(t).
Tomemos como origem o ponto B da curva (t = 0), e suponhamos que A é a posição em −∆t e C em
∆t > 0. O centro do círculo é rO . A equidistância a A B e C (rB = 0) exprime-se como
14
^j
^i
r y
ou
15
θ
As coordenadas (r, ϕ) designam-se por coordenadas polares e são muito mais conveni-
entes que as coordenadas cartesianas em muitos movimentos, não apenas no movimento
circular. A simplicação essencial, nesse caso, é que apenas uma das coordenadas polares,
ϕ(t), varia no tempo, uma vez que r(t), a distância à origem, é constante.
5.
Um trajectória parabólica é descrita pelas equações
Exercício
x(t) = v0 t
1
y(t) = h − gt2
2
Obtém expressões para a descrição deste movimento em coordenadas polares (r(t), ϕ(t)).
A conveniência de usar coordenadas não cartesianas não é uma novidade. Quando
queremos indicar a nossa posição na (superfície da) Terra, usamos dois ângulos, a latitude
e a longitude. Para uma latitude xa, a longitude é uma coordenada semelhante à
coordenada polar, indicando a posição num círculo paralelo.
Se queremos descrever um movimento em coordenadas polares, temos que exprimir,
não apenas a posição, mas também a velocidade e aceleração, nestas coordenadas. O
vector de posição escreve-se em coordenadas polares de modo muito económico
em que
êr (ϕ) = cos ϕˆ + sin ϕˆ (74)
é o versor da direção radial. Note-se como o próprio versor êr varia no tempo uma vez
que depende da coordenada ϕ.
16
Figura 13: Linhas coordenadas (com uma coordenada constante, nos sistemas de coor-
denadas cartesianas (azul) e polares (vermelho). Os respectivos versores (ˆ
, ˆ
,
a verde) e (êr , êϕ a magenta) são tangentes às linhas coordenadas.
17
variam de ponto para ponto, pois dependem de ϕ:
d
êϕ := − sin ϕˆ + cos ϕˆ = êr . (77b)
dϕ
Descrever um movimento em coordenadas polares é exprimir a posição, a velocidade e a
aceleração, pelas suas projecções nas direções destes versores, êr e êϕ . É crucial recordar
que os próprios versores variam se variar a coordenada ϕ.
Para terminar esta introdução a coordenadas polares vamos entao escrever as expres-
sões da velocidade e aceleração; não apenas em termos das coordenadas (r, ϕ), mas tam-
bém projectadas segundo os versores êr e êϕ . Veremos que essas expressões são muito
convenientes em movimentos com rotação. Para esse efeito começamos com o vector de
posição que, por denição, só tem componente segundo êr :
Ao calcular a velocidade não podemos esquecer que o versor êr varia no tempo, pois
depende de ϕ(t). Assim,
dr dr d
v= = êr + r êr (79)
dt dt dt
Usando a regra de derivação da função composta ,
4
d d dϕ dϕ
êr = êr × = êϕ (80)
dt dϕ dt dt
ou
dr dϕ
v (t) = êr + r êϕ (81)
dt dt
Interpretemos este resultado. A velocidade aparece-nos num dado ponto decomposta
segundo duas direções:
e a direção tangente ao círculo centrado na origem que passa nesse ponto, êϕ .
d dr d dϕ
a(t) = êr + r êϕ . (82)
dt dt dt dt
4
df (g(x)) /dx = f 0 (g(x)) × g 0 (x)
18
r + ∆ r, +∆
r∆ ∆r
O cálculo destas derivadas vai gerar vários nos termos, mas no nal poderemos entendê-
los com facilidade.
d2 r
d dr dr dêr
êr = êr +
dt dt dt2 dt dt
2
d r dr dϕ dêr
= 2 êr + (83)
dt dt dt dϕ
2
d r dr dϕ
2
êr + êϕ (84)
dt dt dt
O segundo termo é mais complexo
d2 ϕ
d dϕ dr dϕ dϕ d
r êϕ = êϕ + r 2 êϕ + r êϕ (85)
dt dt dt dt dt dt dt
Para calcular a última expressão, usamos o mesmo procedimento que usámos para derivar
êr
d dϕ d dϕ
êϕ = êϕ = (−êr ) (86)
dt dt dϕ dt
O último passo obtém-se das denições dos versores êr e êϕ . Juntando termos, obtemos
a expressão completa da aceleração:
" 2 #
d2 r d2 ϕ
dϕ dr dϕ
a(t) = −r êr + r 2 + 2 êϕ . (87)
dt2 dt dt dt dt
Vejamos agora a razão do aparecimento destes termos, considerando alguns casos par-
ticulares. No caso em que ϕ = const, ca apenas
d2 r
a(t) = êr para ϕ = const (88)
dt2
19
que é o esperado para um movimento que é rectilíneo na direcção de êr . Por outro lado,
se r = const, a trajectória é circular. Obtemos
" 2 #
d2 ϕ
dϕ
a(t) = −r êr + r 2 êϕ para r = const, (89)
dt dt
2 2
r2 dϕ/dt vϕ2
dϕ
an = r = = , (90)
dt r r
um resultado conhecido. Mas note-se que este movimento não tem necessariamente
velocidade constante em módulo e por isso tem em geral uma aceleração tangencial (na
direção de êϕ ) não nula. Ora como
dϕ
v=r êϕ (91)
dt
temos
dϕ
v = r (92)
dt
e por essa razão (
dv dϕ
d2 ϕ dt dt >0
r 2 = dϕ (93)
dt − dv
dt dt <0
Note-se que o versor da velocidade é v̂ = êϕ se a trajectória é percorrida no sentido
anti-horário (dϕ/dt > 0), e v̂ = −êϕ se percorrida no sentido horário (dϕ/dt < 0). Por
outras palavras
dv
at = v̂ (94)
dt
a fórmula de Frenet para a aceleração tangencial.
A expressão mais geral, válida para qualquer movimento é a da Eq. 87; o termo mais
difícil de relacionar com os casos que já conhecemos é precisamente aquele que só ocorre
se variarem r e ϕ,isto é,
dr dϕ
2 êϕ . (95)
dt dt
Seja como for, convém não esquecer que a expressão da Eq.(87) aplica-se a qualquer
tipo de movimento. Pode parecer desnecessariamente complicada, em comparação com
a expressão equivalente em coordenadas cartesianas,
d2 x d2 y
a(t) = ˆ
+ ˆ, (96)
dt2 dt2
mas, na verdade, existem inúmeros casos de movimentos em que a análise é muito mais
conveniente em coordenadas polares. À frente veremos exemplos.
20
Antes de terminar convém chamar a atenção para uma confusão comum. A coordenada
r não é o raio de curvatura, excepto no caso de uma trajectória circular; é a distância
à origem. As direções dos versores, não são as direções normal e tangente à trajectória
excepto no caso do movimento circular. Assim, os dois termos da Eq. 87 não devem ser
identicados com as acelerações normal e tangencial.
21
Mudanças de Unidades
Lições de Mecânica
*
J. M. B. Lopes dos Santos
Não é possível atribuir um valor numérico a uma grandeza contínua, sem denir um
padrão: um objecto ou um valor dessa grandeza que tomamos como sendo a unidade.
Por exemplo, seja l altura de uma mesa e u o comprimento de uma régua. Comparar
comprimentos por justaposição é uma operação simples e podemos simplesmente ver
quantas réguas idênticas precisamos para obter o comprimento igual a l
l =x×u (1)
Nesta equação x é um número (real em geral, podemos ter que subdividir a régua) e
l e u designam propriedades dos objetos. Usando u como padrão, podemos associar a
qualquer comprimento um número real x que é o valor da grandeza com esta escolha de
padrão. Exprimimos esta dependência de x na escolha de padrão indicando
l = xm (2)
*
jlsantos@fc.up.pt
1
em que Λ é o comprimento de u0 com o padrão u. Então,
x
l =x×u= × u0 ,
Λ
ou seja na nova unidade o valor associado a qualquer comprimento vem multiplicado por
Λ−1 .
x
l= (4)
Λ
Suponhamos que queremos mudar de m para cm. Se u for um comprimento de um metro
0
e u de 1 cm tem-se, é claro
u0 = 10−2 u (5)
ou Λ = 10−2 . Logo
l = x m = x (102 cm) = (102 x) cm (7)
m
l = xm = x cm = x × 102 cm (8)
cm
A razão (m/cm) é a razão entre os dois comprimentos dos padrões. Note-se como nesta
maneira de escrever usamos uma só designação (l) para a grandeza em si (invariante),
enquanto que o seu valor muda de x para 102 x.
2 Unidades compostas
Muitas grandeza físicas têm unidades mais complexas; por exemplo uma velocidade tem
unidade SI m s−1 . Que signica isto?
Felizmente não é necessário denir padrões independentes para todas as grandezas.
As leis físicas e as denições permitem-nos reduzir o número de unidades independentes.
A escolha destas nada tem de fundamental, e são apenas razões de conveniência, que
vão variando como o desenvolvimento da ciência, que determinam a escolha de padrões
independentes. Em Mecânica, todos os sistemas de unidades são baseados nas mesmas
três unidades fundamentais, das grandezas comprimento, tempo, e massa. São grandezas
susceptíveis de comparação directa muito simples usando réguas, relógios e balanças.
2
Ora uma velocidade é denida como uma razão comprimento/tempo
∆l
v= (9)
∆t
A escolha de unidades de comprimento e de tempo determina os valores de ∆l e ∆t e
por isso não há necessidade de denir um padrão independente para velocidade. Assim
se
∆l = x m (10)
∆t = y s (11)
xm xm x
v= = = m s−1 (12)
ys y s y
Agora é fácil ver o que acontece se mudarmos unidade de comprimento ou tempo ou
ambas.
x(m/km) km x km m h x x
v= = = × 10−3 × 3600 km h−1 = 3.6 × km h−1 (13)
y(s/h)h y h km s y y
Ou seja a mesma velocidade, v, em km h−1 é expressa por um valor que é 3.6 vezes o seu
valor em m s
−1 .
Exercício 1.
Determina o valor da aceleração da gravidade usando km para unidade de comprimentos e h
(hora) como unidade de tempo.
3 Transformação de expressões.
x=t (14)
Esta equação faz um físico (ou física) encolher-se todo: um comprimento não pode
igualar-se a um tempo. Porquê? Pela simples razão que numa mudança de unidades
o valores do comprimento e tempo não se transformam da mesma maneira. Por exemplo,
se mudarmos de segundos para horas o valor da grandeza tempo vem multiplicada por
10−3 e a da grandeza comprimento não varia. A igualdade não tem signicado, porque
não é independente do sistema de unidades. Já se escrevermos
x = vt (15)
v = V m s−1 (16)
t=Ts (17)
3
vt = V T m s−1 s =V T m (18)
x → x0 = 10−3 x (20)
0
t → t = t/(3600) (21)
Em unidades SI v tinha o valor 1 m s−1 (cava escondida), em km h−1 tem o valor 3.6.
Exercício 2.
Determina a relação entre x (comprimento) e t (tempo), com x em km e t em minutos, e
x = t + t2 (unidades SI)
A razão entre os valores de duas grandezas física do mesmo tipo (dois comprimentos, duas
velocidades, duas acelerações) não depende do sistema de unidades. Se uma velocidade é
o dobro de outra, é-o em qualquer sistema de unidades. Isto implica que numa mudança
de unidades ambos os valores têm de vir multiplicados pelo mesmo factor. Se A e B são
os valores de duas grandezas do mesmo tipo e A' e B0 os seus valores noutro sistema de
unidades,
A → A0 = ΛA (24)
0
B → B = ΛB (25)
4
para que
A A0
= 0 (26)
B B
Ou seja, numa mudança de unidades a transformação de qualquer grandeza é sempre a
multiplicação de todos os seus valores por um fator de escala comum.
Consideremos, por exemplo, uma mudança de unidade de tempo em que os valores que
exprimem tempos se transformam como
t → t0 = ΛT t (27)
√
(ex: se s → min,ΛT = 1/60). t ou t2 são grandezas cujos valores se transformam como
√ p √ 1/2 √
t→ t0 =
ΛT t = ΛT t (28)
2 02 2
2 2 2
t → t = ΛT t = ΛT t (29)
1/2
No primeiro caso o fator de escala é ΛT e no segundo Λ2T .
Para qualquer função f que seja uma potência ou produto de potências, é fácil concluir
que numa mudança de unidades
Com efeito, se
f (A, B, C, . . . ) = Aa B b C c . . . (31)
sob uma mudança de unidades, cada grandeza altera-se de acordo com as suas dimensões,
e
Λf = ΛaA ΛbB ΛcC . . . (33)
f (A, B, . . . ) = Aa B b · · · + X x Y y . . . (34)
para que f se transforme por um factor de escala, as dimensões de cada termo têm de
ser iguais
Λf = ΛaA ΛbB · · · = ΛxX ΛyY (35)
No caso de uma função que não seja potência ou produto de potências, como por
exemplo a função seno, numa mudança de unidades
5
para um a xo e qualquer valor de t. Não existe nenhum valor de a para o qual esta
equação se verique para todo o t. Por isso o seno de um tempo não é uma grandeza
física aceitável porque a sua transformação debaixo de mudança de unidades não é sim-
plesmente uma multiplicação por um factor de escala. A razão
sin(t1 ) sin(ΛT t1 )
6= (38)
sin(t2 ) sin(ΛT t2 )
não aparece nunca numa equação (estragaria a transformação debaixo de uma mudança
de unidades); mas
t1
sin , (40)
t2
ou
sin (2πf t) ,
em que f é uma frequência, são termos legítimos, pois são invariantes, porque os ar-
gumentos das função seno são também invariantes: adimensionais. Assim se l for um
comprimento
l sin (2πf t) (41)
Numa expressão com signicado físico, com forma independente das unidades
das grandezas que nela intervêm, os argumentos de qualquer função que não
seja uma potência ou produto de potências, ou soma de produtos de potências,
são adimensionais. Os termos de qualquer soma têm as mesmas dimensões,
ou seja, transformam-se com um fator de escala comum.
Exercício 3.
A expressão do deslocamento de uma partícula é