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Estar com bebês – Anna Tardos

Tradução: Mariana Discacciati


Revisão da tradução:Raquel Borges

Bebês nos afetam de maneira maravilhosa.


Eles nos encantam. Eles nos tocam muito profundamente. Eu acho que não estou errada em
alegar que ninguém pode passar por um carrinho de bebê de um estranho sem parar e sorrir
para ele. Todo bebê e, claro, nossas próprias crianças, despertam indescritíveis emoções em
nós. Nós nos inclinamos sobre nossos bebês repetidas vezes e sentimos prazer quando os
vemos adormecidos, e procuramos por seus sorrisos quando estão acordados. Nós
gostaríamos acima de tudo de tê-los constantemente em nossos braços.

Tudo acima é verdadeiro. E porém, não exatamente. Muitas vezes acontece que nos
importantes momentos de estar juntos nós não prestamos realmente atenção neles, porque
estamos preocupados com as tarefas relacionadas a eles: vestindo-lhes as camisas,
limpando seus bumbuns, ajustando suas fraldas. Nós tocamo-los, movemo-los, e às vezes
falhamos em notar a expectativa em seus olhares enquanto nos observam. Nós não
pensamos em quão felizes eles ficariam em ‘ajudar’ se tivéssemos uma discussão com eles
nesse meio tempo, e se nós contássemos a eles o que estamos a fazer:

“Agora eu irei tirar sua fralda para ver se há algo nela. Eu irei limpar sua pele e levantar seu
bumbum. Você me permite fazer isso? Agora, irei colocar esse casaco em você. Vê como ele
é bonito? Sua avó o fez para você. Primeiro estou puxando um braço para cima, depois o
outro. Eu preciso te levantar um pouco. Não é muito fácil, mas nós conseguimos”.

Eles ajudariam? Sim. O bebê prestaria atenção naquilo que estivéssemos fazendo, relaxaria
seus braços, e, com a idade de apenas alguns meses, ele levantaria seus braços em nossa
direção quando lhe mostrássemos sua camisa. Uma conversa real pode ser formada dessa
maneira entre o adulto e o bebê. Dessa maneira, os rápidos e pouco cuidadosos movimentos
que frequentemente lançam uma sombra na atividade conjunta durante os momentos
passados juntos podem ser evitados: pernas levantadas muito altas, muito rapidamente
giradas para o lado, o braço do bebê ficando preso na manga, ou as pernas presas nos
macacões com zíper (não muito práticos).

Esta pode ser uma experiência bastante desagradável para o bebê. E também acontece que,
ao invés de um rico e significativo diálogo realizado durante um prazeroso momento
conjunto, o adulto tem que vestir um bebê que chora e protesta. Nesta hora, o adulto
tentaria acalmar o bebê: “Eu estou vendo que você está cansado. Tudo bem, terei pressa e
nós iremos terminar rápido”. Neste meio tempo, os movimentos ficam cada vez mais
rápidos, e frequentemente precipitados, portanto ainda mais desagradáveis para a criança. É
uma pena. Por quê? Porque a atividade de vestir ou trocar, repetida várias vezes no dia,
pode ser também um alegre encontro em conjunto.

Fora do ambiente da família, é especialmente perigoso se a atividade de trocar e vestir o


bebê não é realizada desta maneira alegre. Numa creche ou instituição, o bebê é cuidado
não por sua mãe, pai ou avó que o olham com amoroso orgulho, mas por outra pessoa: uma
profissional, educadora, cuidadora. Uma cuidadora tem de cuidar de vários bebês – um atrás
do outro; e não importa o quanto ela ame crianças, uma vez que foi por isso que ela
escolheu essa carreira, ela não pode olhar para cada bebê com o amor orgulhoso,
entusiasmante e adorador de uma mãe. E eu quero dizer mais: isso sequer pode ser
esperado dela. Não seria realista. E, infelizmente, na realidade seus movimentos muito
facilmente se tornam mecânicos, rápidos, e rotineiros. A ocasião de estar junto
frequentemente acontece sem palavras, de maneira impessoal. Em uma ‘boa situação’, a
criança não protesta, mas aguenta passiva, e talvez faça esse estar juntos um momento
difícil por enrijecer seus músculos. E, portanto, não é um prazer para nenhuma das partes:
nem para o bebê, nem para o adulto.

Como isto pode ser ajudado? Deve se esperar da cuidadora que ela ame cada criança que ela
tem que cuidar como uma mãe? Mas isso é impossível. Sim, isso é impossível. Amor não
pode ser prescrito, especialmente afeições maternas. Mas pode ser ajudado. Existem
algumas regras pequenas e muito simples, e, se a cuidadora as seguir, a atmosfera de estar
juntos se tornará completamente diferente, e será cada vez mais agradável tanto para o
bebê quando para o adulto estar juntos durante os cuidados. Eventualmente, com tempo, o
adulto não terá que pensar sobre regras e segui-las. Se tornará natural que ele se aproxime
do bebê como um parceiro, com interesse pessoal e tato, e sua higiene, limpeza, despir,
vestir e trocar fraldas será em última análise um encontro de dois seres humanos. Um
encontro real, quando a criança não é apenas o objeto de tudo aquilo que acontece com ela,
mas uma participante também. Listadas abaixo estão algumas regras que têm sido
formadas, refinadas e trabalhadas baseadas na experiência de algumas décadas do Instituto
Pikler em Budapeste, com base nos ensinamentos da pediatra húngara Emmi Pikler. No
Instituto, centenas de crianças abandonadas e órfãs foram criadas para se tornarem jovens
adultos com personalidades saudáveis, comprovado por estudos de acompanhamento,
apesar do fato de que tiveram que lidar com a falta do acolhimento do amor familiar em sua
idade mais vulnerável.
• Nunca pegue uma criança inesperadamente em seus braços de forma que seja
surpreendente para ela. Chame-a, procure por seu olhar. Se ela está adormecida e
ainda assim você precisa pegá-la, chame-a, gentilmente acaricie sua face, e espere até que
ela acorde espreguiçando. Uma vez que o contato visual tenha sido estabelecido, diga a ela
que você irá pegá-la. Sim, mesmo com um bebê de apenas alguns dias ou semanas de
idade. Então, somente depois, estenda seus braços até ela.
• Os movimentos nunca devem ser excessivamente precipitados. Permita tempo
suficiente ao bebê com seus gestos para que ele se prepare para o que vai acontecer. Por
exemplo, toque-o suavemente, posicione suas mãos gentilmente sob sua cabeça e corpo, e
então levante-o alguns instantes depois.
• Ajude-o também com palavras para prepará-lo para o que vai acontecer. Isso
também significa que nós nunca ficamos em silêncio juntos, mas falamos com o bebê;
mantemos uma conversa. Converse com ele sobre o que será feito, que tipo de roupas
serão separadas para serem colocadas nele. Sobre que parte do seu corpo será tocada.
Fale com ele, informe-o, não apenas enquanto a ação já está sendo feita, mas também
antes dela começar: “Eu irei puxar o seu braço por cima da manga do casaco. Sim, este
seu braço. Obrigada”. Acredite se quiser, o milagre irá acontecer com a idade de apenas
alguns meses. Sorrindo, o bebê irá, embora incerto, levantar seu braço quando a mão do
adulto tentar alcançá-lo. E que prazer é para o adulto, e que prazer para o bebê!
• O bebê precisa ser ouvido quando o adulto está cuidando dele. Ele precisa ser
respondido. Em um relacionamento criado dessa forma o conteúdo da conversa será cada
vez mais rico, e o bebê conseguirá respostas às suas manifestações. A cuidadora pode
dizer, por exemplo, “Eu vejo que você gosta desse casaco bem quentinho. Sim, estou
vendo, você está com sono agora. Você acabou de bocejar. Eu irei te colocar na sua cama
em breve. Aqui estamos, eu irei te colocar na sua cama. E agora estou te cobrindo. Bons
sonhos!” Um bebê de apenas alguns meses já absorve as palavras direcionadas a ele. E ele
ajuda o adulto cuidador a ficar com ele com sua atenção – seus pensamentos, seu
interesse – ainda que seja a terceira ou oitava criança cujas fraldas ele esteja trocando
naquela manhã.

Estas são regras simples; não há nada de surpreendente nelas. E ainda assim vale a pena
observarmo-nos para ver se é realmente assim que estamos agindo, e se nós usamos as
oportunidades de estar juntos com a criança para criar um diálogo mais significativo com
gestos, olhares, e fala, no qual o bebê também pode sentir que ele é um verdadeiro parceiro
e um participante ativo, e que faz a hora de estar juntos mais alegre para o adulto nos
momentos de cuidado repetidos durante o dia.

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