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E-BOOK

DA TEORIA À PRÁTICA

Adriana Bonneterre
SUMÁRIO

QUEM É ADRIANA BONNETERRE ---------------------------- 2


INTRODUÇÃO ------------------------------------------- 3
MÓDULO 1 INTRODUÇÃO À ABORDAGEM SISTÊMICA
AULA 1.1 PENSAMENTO SISTÊMICO ------------------------ 4
AULA 1.2 PRINCIPAIS ESCOLAS SISTÊMICAS -------------- 11
AULA 1.3 SISTÊMICA TRANSGERACIONAL ------------------ 20
MÓDULO 2 DESVENDANDO O GENOGRAMA
AULA 2.1 A HISTÓRIA DO GENOGRAMA -------------------- 27
AULA 2.2 A CONSTRUÇÃO DO GENOGRAMA ------------------ 31
AULA 2.3 O GENOGRAMA E SEUS SÍMBOLOS ---------------- 40
MÓDULO 3 GENOGRAMA NA PRÁTICA
AULA 3.1 CASOS APRESENTADOS NA LITERATURA ----------- 48
AULA 3.2 CASO CLÍNICO ------------------------------- 51
AULA 3.3 GENOGRAMA E PRODUÇÃO TEXTUAL --------------- 52
MÓDULOS 4 & 5 PRODUÇÃO ON-LINE e LIVE --------------- 54
REFERÊNCIAS ----------------------------------------- 55
QUEM É ADRIANA BONNETERRE
Psicóloga clínica e professora. Mestre em Saúde da Família pela
Universidade Estácio de Sá, com especialização em Psicologia
Hospitalar e Saúde Mental & Atenção Psicossocial. Participou da
implantação do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) para os alunos do
curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá. Atuou como
coordenadora do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) do curso de
Psicologia da Universidade Estácio de Sá, campus NorteShopping (Rio
de Janeiro). Atualmente participa como consultora do desenvolvimento
de programas e ações de fortalecimento socioemocional e suporte
psicológico no Centro de Promoção e Saúde (Cedaps).
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INTRODUÇÃO

O curso Genograma 360°: da teoria à prática tem como objetivo


apresentar a importância da ferramenta para a prática clínica,
contribuir de forma eficaz para o aprimoramento do diagnóstico e da
avaliação, além de ampliar as possibilidades de intervenção.
Foi desenvolvido em cinco módulos, dos quais três são de conteúdo
teórico e dois de atividades práticas.
No módulo 1, o conteúdo apresentado está relacionado à abordagem
sistêmica, cujo objetivo é auxiliar na compreensão da utilização do
genograma, sua relevância e poder transformador. Iniciamos com os
pressupostos do pensamento sistêmico, seguimos passando pelas
principais escolas sistêmicas e finalizamos com a abordagem sistêmica
transgeracional. Tratamos da abordagem sistêmica porque, sendo o
genograma a principal ferramenta desta abordagem psicológica,
precisamos de seu embasamento teórico como referência no levantamento
de hipóteses, avaliações e intervenções.
No segundo módulo apresentamos a história e o conceito do genograma,
seu contexto e como deve ser aplicado na prática clínica.
No módulo 3, consolidamos o conhecimento através da apresentação de
casos clínicos na literatura. Este momento é importante para o
aprofundamento na aplicação da ferramenta.
No quarto módulo a orientação se dá na prática através de um site
gratuito em que apresento a construção on-line de um genograma.
E, por último, no quinto módulo, teremos encontros semanais através
da plataforma Zoom, por meio de link que será sempre disponibilizado
com antecedência. Este será o momento em que estaremos juntos
trocando experiências sobre o curso, nossas práticas e abrindo espaço
para orientações.
Seja bem-vindo ao curso Genograma 360°: da teoria à prática!

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MÓDULO 1 INTRODUÇÃO À ABORDAGEM SISTÊMICA

AULA 1.1 PENSAMENTO SISTÊMICO

Antes de entrarmos propriamente na introdução à abordagem sistêmica,


é importante recordar os conceitos básicos sobre desenvolvimento
humano, na medida em que ao revisitar as histórias estaremos
acessando as experiências de todos os envolvidos dentro do nosso
sistema familiar. Será como se todos voltassem à sua própria história
para contribuir com informações para o processo de nosso cliente.
Portanto, esse é um caminho que precisa ser bem-estruturado para não
causar mais perdas do que ganhos.

CONCEITUANDO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Desenvolvimento humano é o estudo que avalia as mudanças e


estabilidades que ocorrem com o ser humano ao longo de todo o seu
ciclo vital, envolvendo suas dimensões física, cognitiva e
psicossocial. O ciclo de vida aceito nas sociedades ocidentais se
divide em oito fases: período pré-natal (da concepção ao nascimento);
primeira infância (do nascimento aos 3 anos); segunda infância (de
3 a 6 anos); terceira infância (dos 6 aos 11 anos); adolescência (dos
11 a aproximadamente 20 anos); início da vida adulta (dos 20 aos 40
anos); vida adulta intermediária (de 40 a 65 anos); e vida adulta
tardia (de 65 em diante).
Os estudos sobre o assunto levam em consideração os diferentes
contextos nos quais o sujeito está inserido, assim como os diferentes
tipos de influências sofridas por ele advindas do seu sistema
familiar, do tempo histórico que vive, da cultura em que está
agregado, entre outras. Essas informações serão relevantes pois
servirão para lembrar dos contextos e influências que fazem parte da

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construção do sujeito, no nosso caso, o sujeito sistêmico.


Quando falamos nas diversas influências que sofremos ao longo de todo
o nosso ciclo vital, podemos dizer que estas irão afetar nossas
dimensões física, cognitiva e psicossocial. Dessa forma, será
necessário compreender esse sujeito que estará diante de nós através
do modelo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que
se refere ao indivíduo como um sujeito biopsicossocial espiritual.
Assim, será interessante observar como nosso cliente chegará até nós
com sua demanda, sendo importante perguntar sobre sua condição
física, o seu funcionamento fisiológico, porque muitas vezes há uma
questão hormonal, uma anemia profunda, que podem interferir numa
série de comportamentos.
Com relação às demandas psicológicas, emocionais e relacionais, estas
ficam por conta do profissional de psicologia, espaço no qual o
genograma servirá como uma ferramenta bastante útil para o processo
de ganhos na qualidade de vida e saúde mental do sujeito em
sofrimento.
Outra dimensão importante no processo é a chamada dimensão
espiritual, que significa aquilo que energiza, que dá força para o
sujeito, lembrando que existe a possibilidade de, ao revisitar a sua
história, muitas questões serem revividas, muitos segredos serem
descobertos e ele vir a precisar de uma rede de apoio amplificada.
Sendo assim, a espiritualidade e as suas crenças podem ser um fator
bastante importante nesse momento. Por esse motivo, abra espaço para
esse diálogo se achar conveniente.
Nós também teremos na abordagem sistêmica um ciclo de vida
específico, no qual vários marcos importantes, que na verdade vão
interferir muito no funcionamento tanto individual quanto do sistema
familiar e do casal, surgirão. Por exemplo, a chegada de um filho
num sistema familiar, a saída de um filho de casa, uma gestação de
produção independente, enfim, temos alguns marcos que podem

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repercutir dentro das relações, sendo dessa forma importantes em


nossas avaliações.

Principais transições ecológicas

UNA-SUS – UFSC (2021)

PENSAMENTO SISTÊMICO

Para dar início aos nossos estudos sobre pensamento sistêmico, vamos
começar definindo o conceito geral de sistemas, a compreensão do
papel da primeira e segunda cibernética na construção do pensamento
sistêmico, assim como a comunicação.
O entendimento sistêmico requer uma compreensão dentro de um
contexto, de forma a estabelecer a natureza das relações, em que a
principal característica da organização dos organismos é a natureza
hierárquica.

TEORIA GERAL DOS SISTEMAS OU TEORIA SISTÊMICA

Na década de 1950, Ludwig von Bertalanffy, um biólogo, começa a


estudar os diferentes sistemas. Seu interesse era saber como
funcionavam. Primeiro, pensa diferentes sistemas em diferentes
espaços, descobrindo que existem em todos os lugares. A partir dos
sistemas, dos seus estudos com a biologia, com os seres vivos e com
a natureza, ele começa a perceber que esses sistemas que se
interconectam são interdependentes, isto é, eles também acontecem

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nos sistemas sociais, nos sistemas das organizações, enfim,


Bertalanffy sugere que tudo é sistema.
Em seus estudos estava o interesse em analisar como esses sistemas
se conectam sem perder sua funcionalidade, ou seja, sem que percam
aquilo que é individual; que sejam funcionais e que um precise dos
elementos do outro para se desenvolver, mas sem perder as suas
características, sem se tornarem disfuncionais ou se autodestruírem.
Vejamos os conceitos que compõem a Teoria Geral dos Sistemas:
globalidade – funcionam como um todo coeso, uma parte alterada
modifica o todo;
circularidade – causalidade circular, causa e efeito, do que
produz efeito;
não somatividade – o sistema não é a soma das partes, embora o
indivíduo faça parte da família ele mantém sua individualidade;
homeostase – processo de autorregulação e manutenção da
estabilidade do sistema;
morfogênese – o oposto da homeostase, característica dos
sistemas abertos de absorver aspectos do meio e mudar sua
organização;
equifinalidade – está relacionado ao sistema aberto. O ponto
de partida não determina o resultado. No sistema fechado, o
estado de homeostase é dado pelas condições iniciais.
Cibernética é o estudo dos mecanismos de retroalimentação ou feedback
em sistemas que se autorregulam. A retroalimentação garante a
circulação da informação entre os elementos do sistema, podendo ser
negativa ou positiva:
negativa – quando o sistema mantém a homeostase;
positiva - quando o sistema responde pela mudança sistêmica
(morfogênese).
Essa interação denominamos de sinergia, a falta dela entropia.
Um sistema retroalimentado é um sistema dinâmico, um ciclo de

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retroação, uma saída capaz de alterar a entrada que a gerou, e


consequentemente a si própria, porque é circular (causa e efeito).

FEEDBACK = REALIMENTAÇÃO = RETROAÇÃO

CIBERNÉTICA DE PRIMEIRA ORDEM

São características da primeira cibernética:


retroalimentação negativa e retroação reguladora;
retorno à homeostase - processo morfoestático;
autorregulação e automanutenção do sistema;
input e output;
observador fora do sistema.
Na primeira cibernética surge o conceito de homeostase, ou seja, a
necessidade de o organismo do sistema em manter-se em equilíbrio.
Dessa forma, ele vai buscar várias maneiras de autorregulação e de
automanutenção do sistema com o objetivo de manter a homeostase de
seu funcionamento, mesmo que para isso precise manter o sintoma e a
disfuncionalidade do sujeito. Esse mecanismo é chamado de
retroalimentação negativa.
Na psicologia clínica infantil o mecanismo fica bastante evidente,
a criança é identificada pela família como o problema, pois ela traz
o sintoma, mas na medida em que o processo psicoterápico avança fica
claro que a disfuncionalidade é do sistema. A criança só ocupa o
lugar do sintoma para manter o equilíbrio dessa família. Na medida
em que essa criança começa a melhorar, o que acontece? Ela
desestrutura esse sistema. Nesse momento normalmente os pais ou a
figura de cuidado interrompem a psicoterapia, eles precisam dessa
criança nessas condições de sintoma para que esse sistema continue
no seu processo de homeostase, mesmo que de forma disfuncional, é o
que chamamos de retroalimentação negativa.

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SEGUNDA CIBERNÉTICA E SUAS CARACTERÍSTICAS

São características da segunda cibernética:


retroalimentação positiva e retroalimentação amplificadora de
desvios – se não destruir o sistema, será capaz de promover a
transformação (processo morfogenético);
input, output e feedback;
automudança do sistema.
Na segunda cibernética o sintoma não é a questão; o olhar é ampliado
com o objetivo de compreender o sistema, seu funcionamento. Essa
função amplificadora, se não destruir o sistema e se a estrutura
permitir, acaba por promover a transformação do sistema. Neste caso
é considerado como uma retroalimentação positiva, porque essa
retroalimentação é amplificadora, indo além do sintoma, buscando de
verdade, a mudança desse sistema. Através de quê? Da entrada, do
processamento, da saída e do feedback das informações.
Então, na medida em que tenho a entrada de informações,
processamento, saída e um feedback, eu consigo fazer os ajustes
necessários na comunicação até que o sistema se torne funcional
novamente, assim as trocas de informações vão ocorrendo orientadas
para a solução do problema, as pessoas vão se organizando, buscando
saídas para que o sistema volte a funcionar de forma equilibrada para
todos e não simplesmente com o foco em eliminar o sintoma, mas, sim,
proporcionar bem-estar e equilíbrio que sejam muito mais focados no
coletivo, de uma forma amplificada, não individual.

CIBERNÉTICA DE SEGUNDA ORDEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES

Também chamada de cibernética da cibernética, contribui para o


entendimento do funcionamento do sistema a partir dos conceitos

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apresentados abaixo:
complexidade – ligada ao sistema, causalidade, pensamento
complexo;
instabilidade – relacionada à desordem;
intersubjetividade – observador incluso e autorreferência.

TEORIA DA COMUNICAÇÃO HUMANA

Afirma que a comunicação afeta o comportamento, ocasionando


implicações nas relações interpessoais. A atividade ou inatividade,
palavras ou silêncio, tudo possui valor de mensagem.
Gregory Bateson, junto com o grupo de Palo Alto, descreveu a
comunicação patogênica na família de pacientes com esquizofrenia e
apresentou a hipótese de duplo vínculo, ou seja, uma forma paradoxal
que tem profundas implicações nas relações interpessoais. Por
exemplo, através da linguagem verbal posso transmitir uma informação
de afeto, enquanto que, através da linguagem não verbal, ou seja,
dos gestos, das expressões faciais e corporais, emito outro tipo de
informação, como raiva, desprezo. Essa dicotomia provoca uma
dificuldade de interpretação do que de fato está sendo comunicado.

A comunicação abrange fatores como:


CONTEÚDO FORMA LINGUAGEM

o que dizemos como dizemos verbal e não verbal

A origem da comunicação humana envolve três dimensões:


SINTÁTICA SEMÂNTICA PRAGMÁTICA

aspectos comportamentais da
transmissão da informação significação dos símbolos
comunicação

O PENSAMENTO SISTÊMICO E O CAMPO DA PSICOLOGIA

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TEORIA GERAL DOS SISTEMAS


CIBERNÉTICA
TEORIA DA COMUNICAÇÃO

MUDANÇA DE FOCO DO INTRAPSÍQUICO PARA O INTER-RELACIONAL

Na psicologia, os sistemas são estruturas organizadas


hierarquicamente que precisam ser analisadas em sua totalidade desde
seus aspectos macro, de ordem social, passando por níveis
intermediários, como as culturas das comunidades locais, até atingir
seu nível mais proximal: a família.

AULA 1.2 PRINCIPAIS ESCOLAS SISTÊMICAS

ESCOLA DE PALO ALTO

TEORIA DA COMUNICAÇÃO

CONTRIBUIÇÃO DE DIVERSOS TEÓRICOS

O grupo de Palo Alto era composto por diversos pesquisadores, como


Bateson, Watzlawick, Hall, Goffman e Satir, que ali se instalaram e
produziram muito conteúdo a partir dos estudos com saúde mental,
especificamente com pacientes esquizofrênicos e suas famílias.
As contribuições no campo da comunicação ampliaram o olhar para além
da transmissão de uma informação, chegando à construção de
significado na interação através de palavras, gestos, olhares,
interespaços (espaço de diálogo entre saberes).
Esse grupo mencionava a existência de dois tipos de linguagem: uma
análoga e outra digital. A análoga seria a nossa linguagem verbal e
a digital seriam as nossas expressões corporais, as nossas posturas,
a nossa expressão facial, o nosso tom de voz, os espaços que a gente
dá entre uma fala e outra. Então tudo isso, na verdade, também seria

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uma forma de comunicação que iria muito além do simples ato de falar.
Os autores e suas colaborações:
Gregory Bateson – fundador da Escola de Palo Alto, antropólogo,
cientista social, linguista e semiólogo inglês que elaborou a
teoria do duplo-vínculo;
Paul Watzlawick – um dos fundadores da Mental Research
Institute de Palo Alto, notável estudioso da teoria da
comunicação que contribui de forma significativa para o campo
da terapia familiar e da psicoterapia;
Edward T. Hall – criador da teoria da comunicação proxêmica,
na qual descreve o espaço pessoal de cada indivíduo na sua
interação social (distância íntima: para abraçar; pessoal:
interação amigos próximos; social: interação entre conhecidos;
e pública: falar em público);
Erving Goffman – cientista social, antropólogo e sociólogo que
desenvolveu a ideia de metáfora teatral para a compreensão das
interações sociais;
Virginia Satir – mestre em Serviço Social. Desenvolveu a
teoria dos cinco papéis familiares (acusador, apaziguador,
computador, distraidor e nivelador).

AS CONTRIBUIÇÕES DE GREGORY BATESON

Para Bateson, era impossível não ocorrer comunicação ainda que sem
fala. Acreditava que mesmo em silêncio a pessoa está comunicando
algo.
Outra questão estudada pelo cientista foi a teoria do duplo-vínculo:
para ele, era possível nos comunicarmos de duas formas diferentes ao
mesmo tempo, tornando nossa mensagem incongruente. Por exemplo, a
pessoa pode dizer “eu te amo” e a fisionomia expressar algo
completamente diferente daquilo que está dizendo. Apesar de ter se

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tornado famosa como teoria, também foi muito criticada,


principalmente pelas mães de pacientes esquizofrênicos, já que seus
estudos se desenvolveram a partir da observação dessa comunicação
entre as mães e seus filhos, deixando-as ressentidas por ter a sua
relação construída com seus filhos avaliada dessa maneira.
De fato, a teoria da comunicação tem esse objetivo, o estudo da
comunicação, que vai muito além do modelo simples em que existe um
emissor, uma mensagem, normalmente verbal, e um receptor. Ou seja,
a comunicação é repleta de significados.
Portanto, precisamos estar atentos durante nossa observação clínica,
em algumas situações considerando até a participação de um
coterapeuta, para que o psicoterapeuta possa, no seu trabalho, estar
mediando, prestando atenção no que está sendo dito, sem perder a
informação mas seguro de que há outra pessoa também atenta àquilo
que vem através de outra linguagem.

AS CONTRIBUIÇÕES DE VIRGINIA SATIR

Na Escola de Palo Alto, Virginia Satir contribuiu com diversas


técnicas para o trabalho com famílias, dentre elas o trabalho com
esculturas no próprio corpo.
Nesse processo um membro da família cria as esculturas no corpo dos
outros membros de acordo com as situações, trabalhando percepções e
sentimentos, inclusive do próprio escultor. Fica-se um tempo assim,
e depois é perguntado como cada um se sentiu naquela posição.
A técnica propicia que se comece a perceber o que se sente,
normalmente não temos esse hábito. Muitas vezes quando somos
questionados com relação ao que sentimos, respondemos com o que
estamos fazendo, ou como o outro nos atingiu, mais ou menos assim:
pergunta – “Como você está se sentindo?”; resposta – “Hoje foi tudo
muito corrido, e acabei ficando irritada porque fulano me irritou”.

BONETTERRE, A.
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De acordo com a demanda trazida, vamos trabalhando escultores,


esculpidos, funções e situações vivenciadas no cotidiano do sistema
familiar.
Exemplo de uma ação: pede-se à pessoa colocada como paciente
identificada para esculpir o pai, a mãe, um irmão mais novo, ou um
irmão mais velho e coloca-se ele em situações dentro do contexto em
que muitas vezes ele se sente desamparado ou se sente injustiçado,
enfim. As pessoas se perceberem desse jeito é uma maneira
extremamente rica de se trabalhar, porque todo mundo vai começar a
sentir os desconfortos, muitas vezes ocorridos nas suas interações,
buscando dessa forma, com a identificação, iniciar um processo
empático.
Virginia também fala do direcionamento positivo, movimento de fazer
olhar para dentro de todo aquele caos em que o cliente se encontra
e começar a apresentar possibilidades, caminhos para que a pessoa
possa ir buscando ou vislumbrando soluções. Isso é muito importante
porque seu trabalho é focado em mudanças. Vejam a segunda
cibernética, na qual a autorregulação, o processo de homeostase não
está no sintoma e, sim, na busca por esse reequilíbrio do sistema
como um todo, em que na verdade você vai estar promovendo a mudança.
Outra questão também muito interessante que a autora pontua é a
autorreflexão do terapeuta, para que ele se perceba dentro do
processo e também veja que mudanças e reflexões precisa fazer.
Ao falar para o seu cliente, o terapeuta também está se ouvindo,
então há um processo de ganho mútuo, por isso quando se estabelece
um processo de trabalho dentro da sistêmica o terapeuta também passa
a fazer parte do sistema daquele cliente e o cliente passa a fazer
parte do sistema do terapeuta.
Isso vai alterando, vai acompanhando os processos de mudança dentro
dessa relação que se estabelece, dessa comunicação que começa a ser
definida, que não vai ser só de ordem verbal, mas também de ordem

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não verbal, cujo objetivo é a melhoria das interações dentro dos


diversos sistemas, através da mudança do padrão de comunicação.
Finalizando, a Escola de Palo Alto e seus teóricos nos deixaram como
herança toda essa atenção à linguagem, à importância da comunicação
nos processos de cuidado no restabelecimento das relações familiares,
base fundamental em nosso trabalho como psicoterapeutas sistêmicos.

ESCOLA ESTRUTURAL

SUBSISTEMAS
FRONTEIRAS
ALIANÇA TERAPÊUTICA

CICLO VITAL

O teórico principal da escola estrutural é o psicanalista Salvador


Minuchin, que a partir da sua vasta experiência na clínica buscou a
compreensão do funcionamento do indivíduo dentro do seu sistema
familiar. Inspirado na Teoria Geral de Sistemas, ele traz a ideia
dos subsistemas parental, conjugal e fraternal.
Seu foco é na família nuclear, na família em análise, buscando
compreender seus subsistemas:
parental – ou as funções paternas (aqui incluem os deveres de
cuidado);
conjugal – o companheirismo, as trocas;
fraternal – marcado pelas divisões, concessões.
O psicanalista também refletiu acerca das fronteiras, que são as
regras que definem quem participa e como participa do subsistema,
limites na verdade que vão proteger esses subsistemas. Proteger em
que sentido? Para que eles não se misturem, para que eles possam se
preservar e funcionar de acordo com a sua proposta, com a sua função.
As fronteiras podem ser:

BONETTERRE, A.
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rígidas – relações distanciadas, sem intimidade, regras acima


de tudo e pouco afeto;
nítidas – clareza de limites e funções, assertividade;
difusas - invasão de espaço, comunicação confusa.
Falando um pouco mais sobre as fronteiras, podemos dizer que as
nítidas são aquelas em que fica muito bem-definido o que é um
subsistema e o que é outro subsistema, isto é, existe um diálogo,
existem trocas, mas eu sei exatamente a função de cada um; as rígidas
exigem distanciamento mesmo quando há afeto, como forma de preservar
a individualidade, a autonomia, caso contrário veremos subsistemas
operando de forma disfuncional; e na difusa existe uma mistura, em
que, na verdade, perde-se muito a autonomia, há dependência emocional
e insegurança entre as pessoas envolvidas. Então, estamos falando de
disfuncionalidades dentro das relações no sistema familiar.
Outro conceito definido por Minuchin é a aliança terapêutica, que se
refere à associação feita entre o psicoterapeuta e o paciente
identificado dando lugar e voz a ele dentro do processo. A aliança
de fato ocorre quando a família passa a se comportar na presença do
psicoterapeuta como se estivesse em casa sem se importar com a
presença de um “estranho”.
Então, essas são algumas das contribuições de Minuchin para esse
movimento, no qual inicia-se a saída do olhar individual para o
sintoma, primeira cibernética, e começa o deslocamento para a segunda
cibernética, em que o sintoma não é o foco e, sim, olhar o todo. Como
é dito, eu não olho para a árvore, eu olho para a floresta. Esta é
uma metáfora que explica a segunda cibernética.
Minuchin compreende a relação do sujeito e seu sistema familiar da
seguinte forma: na medida em que ele se transforma, irá transformar
e ser transformado pelo sistema, ocorrendo uma interatividade, ele
vai ser impactado e irá impactar. E, na medida em que esses processos
de transformação acontecem, vão dando continuidade ao sistema, dando

BONETTERRE, A.
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vida a esse sistema. O autor define o sistema familiar como um sistema


sociocultural em processo de transformação.
O segundo ponto de Minuchin é o desenvolvimento da família a partir
das etapas vitais, que são o casamento, a chegada do primeiro filho,
a ida do filho para o colégio, a ida do filho para a faculdade, a
saída do filho de casa, enfim, todas essas etapas vitais que
desorganizam o sistema obrigando o sujeito a se (re)estruturar.
Então, é um indivíduo alterando o sistema a partir da sua etapa vital
e fazendo com que o sistema também o influencie nesse processo. Essas
adaptações, na verdade, farão com que o sistema tenha uma
continuidade, ele vai sobrevivendo, se desenvolvendo a partir desse
processo dinâmico.

ESCOLA ESTRATÉGICA

SISTEMA BREVE

FOCO: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

DEFINIÇÃO DE METAS

A escola estratégica tem seu foco em um sistema breve, com seus


conceitos desenvolvidos através dos estudos de Jay Halley e Cloé
Madanés. O objetivo é a resolução de problemas, não há pretensão de
transformar ou modificar o sistema familiar e, sim, identificar a
demanda e resolver o problema em si.
O psicólogo da escola estratégica terá como prática em um primeiro
momento estabelecer a etapa social do acolhimento, ou seja, momento
de identificação da demanda, do problema, e seguir para a etapa
seguinte, cujo objetivo será fixar metas para construção de
possibilidades de resolução. Essa busca será o levantamento de
alternativas que possam vir a resolver o problema apresentado.
Portanto, é uma psicoterapia diretiva, não há espaço para insights

BONETTERRE, A.
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e reflexões. O problema é identificado e vamos junto com o cliente


em busca de possibilidades reais, alcançáveis para que em um período,
em um curto espaço de tempo seja possível alcançar a solução, atingir
as metas. Se essas ações irão mudar o meu sistema familiar ou não é
uma outra questão, não é esse o foco da escola estratégica. Por esse
motivo é breve e com foco na resolução de problemas.

ESCOLA DA TERAPIA FAMILIAR EXPERIMENTAL

ESPAÇO LÚDICO

PROCESSO PSICOTERÁPICO EM TRÊS FASES

IDEIA DO COTERAPEUTA

Carl Whitaker foi o principal teórico, seu objetivo com o processo


terapêutico era a percepção do sentimento, de conjunto, de
pertencimento dos integrantes para o desenvolvimento e para a
sensação de união. E como ele fazia isso acontecer? Através do lúdico,
por meio do qual as pessoas, os integrantes da família estariam
desenvolvendo a sua flexibilidade através da criatividade.
O espaço terapêutico era um lugar que deveria proporcionar um nível
de estimulação para que a parte mais criativa dos integrantes da
família pudesse exercer toda a sua criatividade e dessa forma se
relacionar, compartilhar e começar a desenvolver o senso, a sensação,
a verdade de união, percebendo-se como um conjunto familiar. Esse
era o objetivo de Whitaker dentro do seu processo de psicoterapia.
Ele foi bastante criticado quando criou as três fases desse processo
psicoterápico: a primeira nomeia como inicial, no qual a família vai
ter um nível de dependência, digamos assim, de demanda do
psicoterapeuta. Nesse momento a família vai demandar muito do
psicoterapeuta. Num segundo momento, que denomina o meio, a fase
média do processo, a família já começa a ter autonomia no

BONETTERRE, A.
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desenvolvimento das práticas e a ter uma certa independência com


relação ao psicoterapeuta. E, por último, a fase final, na qual essa
família já estaria autônoma a ponto de definir o término do processo
terapêutico.
Ele também cria a ideia de um coterapeuta, ou seja, de atuar dentro
desse cenário terapêutico com a participação de um outro
psicoterapeuta. Com que objetivo? Já que trabalharia dentro de um
cenário de muitas experimentações, muito lúdico, com muitos
elementos, enfim, muitas informações iriam aparecer dentro dessas
práticas. Além de ter uma outra pessoa que pudesse observar todas as
informações que iriam surgir a partir das interações seria muito
enriquecedor. Com isso, ele se torna o responsável pela ideia do
coterapeuta dentro do processo familiar, da terapia familiar.

TERAPIA FAMILIAR CENTRADA NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS

RACIONAL
DEFINE METAS

ESTUDA TENTATIVAS ANTERIORES

CENTRADA NO PROBLEMA – “DESENVOLVE O PROBLEMA”

CENTRADA NA “SOLUÇÃO” – DISSOLVE O PROBLEMA

Apesar de lembrar a escola estratégica no que tange ao


estabelecimento de metas, a centrada na solução de problemas, difere
quando traz a reflexão para as alternativas a serem consideradas,
entendendo que mesmo não dando certo existem elementos que podem ser
reaproveitados, que podem ser refletidos e pensados para novas
possibilidades, para serem novamente utilizados dentro de uma outra
perspectiva. Então, essas tentativas anteriores são valorizadas e,
em algumas situações, até reaproveitadas dentro de uma outra
perspectiva. De novo, o problema, a questão vai ser centrada na

BONETTERRE, A.
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resolução do problema e não buscando a raiz, o desenvolvimento do


problema, o foco vai ser sempre na solução de uma forma racional a
partir de definição de metas.

AULA 1.3 SISTÊMICA TRANSGERACIONAL

Vamos iniciar conversando sobre como nos formamos enquanto sujeitos,


neste caso sujeito sistêmico. Nossa construção se dá a partir de um
patrimônio familiar que trazemos e que nos influencia desde nosso
nascimento.
Mas que patrimônio é esse? São os valores das nossas famílias, a
cultura, o momento do nosso nascimento, como nossa família estava
organizada então, quais crenças têm sido repassadas ao longo das
gerações, as tradições, segredos e lealdades que muitas vezes, na
maioria das vezes, são invisíveis. Mesmo sem ter consciência reagimos
a elas, e ficamos paralisados devido à angústia que são capazes de
provocar quando tentamos quebrá-las.
Esse modelo transgeracional se refere a um patrimônio relacional que
vai sendo repassado de geração para geração até que alguém o quebre.
Vai se perpetuando para as gerações futuras e assim, sucessivamente,
até que alguma geração rompa com esse padrão transgeracional. É claro
que existem padrões benéficos, aqui nos referimos aos que comprometem
o bem-viver do sujeito.
É muito interessante que quando se toma consciência de todo esse
movimento, podemos não só quebrar os padrões para os que virão depois
de nós, como também é possível rever os padrões dos nossos pais, se
eles ainda estiverem vivos. Então, essas relações podem ser
ressignificadas. É um processo de transformação mágico e libertador!
Portanto, quando falamos na abordagem sistêmica nos referimos à busca
pela compreensão do funcionamento sistêmico da família como forma de
entender o comportamento do indivíduo.

BONETTERRE, A.
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Assim, sua construção teve a colaboração de vários teóricos dos três


pilares da psicologia na época: a psicanálise, o humanismo e o
behaviorismo. Esse deslocamento de teóricos, clínicos, estudiosos,
enfim, produziu uma riqueza para a construção da abordagem. Murray
Bowen foi um desses grandes colaboradores, aliás, pioneiro da
abordagem.

Murray Bowen, psiquiatra e psicanalista


americano pioneiro da sistêmica

Reprodução internet

Murray Bowen foi pioneiro na abordagem sistêmica familiar. Na década


de 50, teve seus estudos baseados em seu trabalho com saúde mental,
principalmente nas relações familiares de seus pacientes portadores
de esquizofrenia. Essa curiosidade inclusive o levou a elaborar uma
ferramenta para auxiliar sua investigação com relação a essas
interações familiares, nomeada por ele de diagrama familiar,
conhecida atualmente como genograma familiar, objeto deste curso.
Seu trabalho com pacientes esquizofrênicos o fez perceber que quando
estes retornavam para as suas casas, tinham em alguns casos
retrocesso em seu quadro clínico, observando que não bastava
simplesmente cuidar do paciente, porque a família, o sistema familiar
também estava adoecido. A partir dessas constatações, criou alguns
conceitos que são muito importantes para nossa compreensão das
dinâmicas familiares, como: conceito de individuação, de

BONETTERRE, A.
22

diferenciação, de triangulação, de projeção e de transmissão


multigeracional.
Bowen considera o sistema familiar uma unidade emocional, ou seja,
o lugar onde os afetos circulam, e é dessa maneira que o sujeito se
sente motivado a se relacionar. Então, vamos começar pelo primeiro
ponto que diz respeito ao processo de individuação, que ocorre dentro
do sistema familiar quando o indivíduo vai tendo o entendimento de
que ele é uma pessoa com suas próprias necessidades, desejos e
autonomia para estar no mundo. Consegue se perceber seguro e capaz
de se relacionar com ele e com o mundo, relaciona-se com as pessoas
sem se perder de vista, sem perder o entendimento de quem ele é, das
suas características, das suas potencialidades, enfim, do ser quem
ele é. Esse é o processo de individuação que deve vir acontecendo ao
longo do desenvolvimento em que o bebê, a criança, o adolescente, o
jovem vai se percebendo um ser diferente dos outros membros da
família, cada um com sua subjetividade. Lembrando que a criança ao
nascer é uma massa indiferenciada que vai se diferenciando ao longo
do seu desenvolvimento.
A diferenciação possibilita saber quem é você e quem é o outro, estar
mais ou menos diferenciado vai depender da intensidade da pressão
vinda da ansiedade. Quanto menos pressão, mais liberdade para ser.
Quanto mais pressão, maior a dificuldade nas relações, mais
insegurança, baixa autoestima. O sujeito consegue se diferenciar,
porém não se sente capaz de se colocar, de corresponder e atender às
expectativas perante si mesmo, ao outro e ao mundo. Na medida em que
eu tenho menos pressão, ou seja, menos ansiedade nesse meio, mais
diferenciado, mais seguro, mais autônomo, mais capacidade de resposta
eu vou tendo e com isso eu me relaciono melhor.
Outro conceito construído por Bowen foi o da triangulação, no qual
uma terceira pessoa se faz presente para diminuir a pressão entre
uma díade: pai e mãe em conflito; filho assume a posição para diminuir

BONETTERRE, A.
23

a pressão entre o casal, assumindo uma postura que não cabe a ele,
chamada de parentalização, função para a qual não tem condição
cognitiva, emocional e tampouco cronológica para executar. Essa
função vai gerar uma condição intensa de ansiedade e frustração,
prejudicando seu desenvolvimento. Nessa triangulação, dois fazem uma
aliança e um ficaria mais distanciado, e isso poderia ser um jogo
que vai se movimentando.
Outra questão também são as projeções – de novo –, os pais, na
verdade, em processo de projeção das suas expectativas em relação
aos seus filhos. Então eu projeto – vejam bem todos esses conceitos
eles vão criando e produzindo um nível de ansiedade muito grande –,
essa ansiedade é como se fosse, na verdade, um regulador (quanto mais
tenso, quanto mais tensão eu tenho no meio, mais disfuncional as
relações vão estar sendo, vão estar se dando). E quanto menos pressão
eu tenho, mais funcionalidade eu vou ter nesse meio.
Desse modo, é importante que a gente observe isso. A projeção sobre
esse indivíduo também vai ser muito difícil porque vai gerar uma
expectativa de correspondência que muitas vezes não vai ficar no
plano da consciência, vai ficar no plano da inconsciência, e ele vai
assumir uma lealdade de corresponder, de estar ali dando uma resposta
esperada. Então eu me torno ali prisioneiro dessa projeção, daquilo
que é esperado de mim (é possível ver esse fato nas escolhas
profissionais).
Há nesse cenário grande dimensão multigeracional, ou seja, tudo isso
sendo repassado através de gerações e quando Bowen fala a respeito
está falando “repassado” de que maneira? Por meio dos padrões
repetitivos que vão sendo transmitidos através das gerações. Por
isso, quando a gente faz o genograma, quando a gente constrói o nosso
genograma, ou o genograma dos nossos clientes, enfim, a gente vai
trabalhar com, no mínimo três gerações. Para que a gente possa
entender de uma forma muito clara como esses padrões se repetem.

BONETTERRE, A.
24

Maurizio Andolfi,
neuropsiquiatra infantil

Reprodução internet

Andolfi também trabalha com a ideia da transgeracionalidade, mas traz


a importância da influência dessa evolução histórica do sistema
familiar, dizendo que dentro de um casamento não há um homem e uma
mulher, mas dois sistemas familiares. Por quê? Porque esse casal traz
todo um sistema familiar que o antecede. O autor vai trabalhar com
a questão de que para entender o casal é preciso ter a compreensão
desses sistemas que o acompanha.
Para começar a pensar nessa pirâmide que vai sendo construída, temos
um casal que na verdade se amplia, pois de cada um sai um par de
pais, e assim sucessivamente, compondo uma grande ramificação, sendo
possível observar toda a evolução histórica das gerações, vendo a
dimensão de todas as tensões, de todas as crenças, de onde vêm às
vezes informações que a gente sequer tem noção, porque isso vem de
muito longe.
Por isso o olhar sistêmico é ampliado, pois precisa compreender todo
esse patrimônio relacional, ele tem uma evolução, uma história, um
longo percurso que nos leva a uma ancestralidade que de alguma forma
chega até nós e nos constrói como sujeitos sistêmicos. E a gente tem

BONETTERRE, A.
25

que estar avaliando, a gente não pode perder isso de vista, isso faz
parte da nossa construção e da avaliação do nosso trabalho.

Iván Böszörményi-Nagy,
psiquiatra húngaro-americano

Reprodução internet

Nagy é um psiquiatra húngaro-americano que trouxe grandes


contribuições para a abordagem sistêmica, como as lealdades da
parentalização e a ideia de débitos e créditos. Quando fala das
lealdades invisíveis, traz a noção de que é a partir dessas gerações
que ações vão sendo estabelecidas dentro do nosso sistema familiar,
como se o indivíduo fosse estabelecendo dentro do seu padrão
relacional uma lealdade aos membros da família. Como é que isso pode
acontecer? A partir, por exemplo, do estabelecimento de deficit e
créditos.
Digamos que eu tenha na minha relação com o meu avô (ou com a minha
mãe, com o meu pai, enfim) uma relação em que eu entendo que eu
recebo muito deles. Na medida em que eu recebo muito, passo a ter
uma dívida, ou seja, eu fico em débito com eles, fico devendo a eles.
Portanto, nessa relação de débitos e créditos, eles então passam a
ter créditos, eu me torno leal a eles, passo a ter uma série de
obrigações, de dar continuidade a coisas que são importantes de
acordo com sua perspectiva. Então eu me torno, na verdade, leal a
determinados padrões que são padrões importantes para eles.

BONETTERRE, A.
26

Um exemplo. Às vezes há situações em que é verbalizado por um


determinado indivíduo que seu nascimento não foi planejado e que só
nasceu porque seu avô morreu e sua avó pediu que não fosse abortada.
Naquele momento em que ela não era desejada, de alguma maneira lhe
foi dada a oportunidade de nascer. Em outras palavras, essa criança
nasce devendo a alguém, passando a ser leal a seu credor e a tudo
que aquela pessoa acredita e é, sendo provável passar sua existência
tentando pagar essa dívida. Só que essa lealdade não vai ser uma
lealdade clara, não vai ser uma lealdade explícita; ela vai ser
implícita, e ela vai ficar ali, internalizada, de uma maneira
inconsciente. Mas que vai estar movimentando e produzindo
comportamentos que a prendem a uma determinada situação, a uma
repetição de padrões, como não assumir relacionamentos sérios, não
aceitar propostas de emprego, não ser bem-sucedida, tudo que ela
inconscientemente acredita ser deslealdade.
Com isso chegamos ao final do nosso módulo 1, no qual aprendemos
sobre o desenvolvimento humano, o pensamento sistêmico e as
principais escolas sistêmicas.

BONETTERRE, A.
27

MÓDULO 2 DESVENDANDO O GENOGRAMA

AULA 2.1 HISTÓRIA DO GENOGRAMA

Murray Bowen, psiquiatra e psicanalista pioneiro na abordagem


sistêmica, na década de 50 cria o diagrama familiar com o objetivo
de aprofundar seus estudos e atendimentos aos pacientes portadores
de esquizofrenia e suas famílias.
Sua curiosidade surge na medida em que observa um agravamento de
sintomas quando seus pacientes saíam do hospital para manter contato
com seu sistema familiar, o que o levou a pensar na hipótese de que
esse sistema também havia adoecido e, portanto, não bastava só tratar
o paciente, era preciso cuidar de todo o sistema familiar.
Bowen constatou que o funcionamento do sistema tinha uma série de
repetições de padrão que garantia sua homeostase, contribuindo para
a manutenção do sintoma. Ele começou a entender que também havia ao
longo da história familiar uma série de situações que vinham se
repetindo ao longo de gerações e que era preciso estudar isso. Dessa
forma viu que não adiantava entender ou olhar só para o indivíduo
adoecido, que era fundamental também olhar para essa família.
É interessante porque nesse tempo o olhar da psicologia estava
voltado para o indivíduo, a terapia familiar estava iniciando e os
teóricos da época estavam começando a sair do olhar individualista
para entender e ver a importância dos sistemas familiares; entender
que o indivíduo não poderia mais ser visto só como um ser isolado,
mas, sim, que ele precisava ser contextualizado dentro dos sistemas
dos quais fazia parte.
Então Bowen, através dos seus estudos com pacientes esquizofrênicos,
começa a observar a questão da ancestralidade, de todo esse movimento
multigeracional que iria comprometer a vida presente do sujeito e
suas relações dentro do seu sistema atual. Dessa maneira, cria o

BONETTERRE, A.
28

diagrama familiar que mais tarde foi rebatizado de genograma


familiar. Por isso foi considerado não só o pioneiro da abordagem
sistêmica como também o criador do genograma.

As informações abaixo irão clarificar as diferenças entre as


representações gráficas mais comuns e seus objetivos.

ORGANOGRAMA representação gráfica da estrutura formal de uma organização

GENOGRAMA/GENETOGRAMA representação gráfica de um sistema familiar

ECOMAPA representação gráfica da rede de apoio do sujeito no seu ecossistema

O organograma é a sistematização gráfica voltada para a estrutura


formal de uma organização. Diz respeito às relações de poder e como
estão estruturadas hierarquicamente.
O genograma, batizado por Bowen como diagrama familiar, é a
representação gráfica do sistema familiar. Dá forma à história de
nosso cliente, apresentando suas lealdades e repetições de padrões.
Muitas vezes o cliente se surpreende com algo que parecia tão óbvio,
que estava diante dele e não conseguia ver; é completamente expresso,
percebido ali nessa representação gráfica. O genograma traz
informações de dentro desse núcleo, de dentro do sistema familiar,
das estruturas, relações e da dinâmica. É importante compreender que
esse sistema familiar é um organismo vivo, que está o tempo inteiro
em interação, em crescimento, em desenvolvimento.
O ecomapa é a representação gráfica da rede de apoio que o sujeito
está inserido, ou seja, ele sai do sistema familiar e vai para as
relações externas desse sujeito, com a sua comunidade, com toda a
rede de apoio que esse sujeito tem estabelecido ou pode vir a
estabelecer. Então tem-se no meio do ecomapa o genograma, ou seja,
a representação do sistema familiar desse indivíduo, fora todas as

BONETTERRE, A.
29

redes de apoio das quais ele faz parte.

Exemplo de ecomapa

McGoldrick, Gerson & Petry (2012)

Eu posso ter o meu sistema familiar no centro e o ecomapa ser a


instituição religiosa da qual eu faço parte, o meu trabalho, se eu
estou fazendo algum tipo de tratamento médico, a clínica da família,
por exemplo, a minha rede de amigos, a minha comunidade. Enfim, eu
vou ali tendo toda essa rede de apoio, que são as instituições ou as
pessoas com quem eu posso contar nas adversidades, ou seja, que vão
estar disponíveis para virem ao meu auxílio caso seja necessário.
Portanto, em nosso trabalho podemos ter a necessidade de realizar um
mapeamento para traçar um programa singular e, para isso ser
possível, saber qual é a rede de apoio que esse sujeito tem, a fim
de realizar um planejamento singular terapêutico e saber se de fato
ele terá condições de realizar o tratamento proposto.

CONTEXTOS

PSICOLOGIA CLÍNICA

SAÚDE COLETIVA

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

BONETTERRE, A.
30

PESQUISA QUALITATIVA

O genograma é a principal ferramenta da abordagem sistêmica,


utilizada no contexto clínico. Muitas vezes dentro do processo
psicoterápico o profissional se confronta com alguns nós, ou seja,
o processo está fluindo e de repente para, ou ficamos diante de
alguns impasses. Esse pode ser um momento interessante para a
utilização do genograma.
Outro contexto muito utilizado é na saúde coletiva, não só o genograma
como o ecomapa também. O mapeamento, por exemplo, do padrão de
repetição das questões ligadas à saúde do indivíduo como forma de
prevenção e promoção da saúde. Então, se eu sei que dentro da sua
estrutura familiar, dentro da sua genética, existe um padrão de
repetição relacionado ao processo de adoecimento, eu posso promover
a saúde.
Eu não preciso que esse sujeito adoeça, eu posso fazer ações que
previnam e que promovam a saúde desse sujeito, através de uma
reeducação alimentar, de ações, de intervenções realmente voltadas
para a promoção ou para a prevenção, sabendo que na prevenção eu vou
fornecer, na verdade, insumos, ou seja, recursos para que ele, enfim,
cuide da sua saúde, e na promoção, além desses insumos, eu também
promovo, eu também ofereço informação que possa transformar a sua
maneira de olhar para o seu comportamento, de forma que possa ser
transformado. Na medida em que eu tenho esse processo de educação
internalizado pelo sujeito, eu estou falando da promoção, ou seja,
ele não vai simplesmente utilizar aquilo porque dizem que é bom, e
sim porque aquilo passa a fazer parte da nova visão dele com relação
à sua saúde, enfim, ao seu bem-estar.
Então é dessa maneira que a gente procura trabalhar dentro da saúde
coletiva com o genograma, apresentando muitas vezes, não só falando:
“Olha é bom você fazer isso, isso é bom para o seu cuidado.”, mas

BONETTERRE, A.
31

“Olha, dentro da sua estrutura familiar você vem tendo uma série de
consequências em função desses maus hábitos, então vamos trabalhar
isso aqui? Vamos prevenir e vamos promover a sua saúde para que você
não tenha esse mesmo desfecho, para que você possa quebrar esse
padrão repetido através das suas gerações?”. Isso é muito importante.
Na psicologia comunitária a gente também pode trabalhar junto com
jovens, adolescentes, construindo genogramas para que eles possam
compreender de uma forma mais objetiva a repetição de padrões, como
por exemplo, a gravidez na adolescência, a associação ao tráfico,
uma série de padrões que estão sendo repetidos dentro da comunidade
e que podem ser quebrados e podem ser revistos.
E também é muito importante a gente ressaltar que o genograma não
aponta só para os padrões repetidos negativos. Vale ressaltar que
dentro dessa construção a gente pode visualizar padrões familiares
positivos, que venham a nos ajudar a reforçar escolhas que sejam
extremamente saudáveis e produtivas para a vida daquele sujeito,
fortalecendo as ações para a transformação e a internalização de
novos padrões de qualidade de vida, que já acontecem na sua família,
na sua história familiar.
Por fim, o genograma também pode ser utilizado na pesquisa
qualitativa através de estudos de caso, para traçar situações de
padrões de repetição. Apresentamos assim contextos nos quais o
genograma pode ser aplicado e através de seus resultados produzir
enormes contribuições tanto para o individual como para o coletivo.

AULA 2.2 CONSTRUÇÃO DO GENOGRAMA

Importante ressaltar que o genograma é uma ferramenta que propicia


um recontar, um revisitar da nossa história, portanto as entrevistas
serão o nosso roteiro para essa viagem, sendo um recurso muito rico
de coleta de dados, que para ser bem-aproveitado é importante ter um

BONETTERRE, A.
32

roteiro bem-construído.
Quando falamos dessa entrevista, vamos ter dois momentos: a
entrevista em que nós, psicoterapeutas, vamos estar fazendo ao nosso
cliente, e num segundo momento quando o nosso cliente estará fazendo
entrevistas, ou seja, coletando dados junto ao seu sistema familiar.

Objetivo: coleta de dados

Como já mencionado, a entrevista é um instrumento para coleta de


dados. Nesse processo, nós temos algumas preocupações: primeiro,
esclarecer dúvidas com relação a este momento; depois identificar a
demanda. Quando falo de identificação da família, claro que eu posso
ter uma entrevista com o indivíduo, com um casal ou com o grupo
familiar.

Identificação da família e sua demanda

A primeira parte da entrevista é dedicada à identificação: nomes,


endereço, telefone, todos esses dados para que se possa ter contato
posterior com o cliente, além da definição da demanda inicial.
Sabemos que dentro da abordagem sistêmica não vamos ficar presos a
essa questão da demanda específica ou do sintoma específico, o nosso
olhar é sempre um olhar ampliado. Mas o ponto de partida tem que ser
aquilo que o cliente nos traz inicialmente.

Conhecendo a estrutura da família

Depois nós vamos ter como objetivo nessa coleta conhecer a estrutura
dessa família. Se é uma família tradicional, se ela é homoparental,
se é homoafetiva, se tem recasamento(s), se tem abortos. Enfim, como
essa família se estrutura com base em no mínimo três gerações.

BONETTERRE, A.
33

Estrutura da família

Arquivo pessoal (2020)

Compreendendo o funcionamento da família

E também compreender o funcionamento da família e sua dinâmica, nesse


caso como as pessoas se relacionam entre si. Se existe, por exemplo,
apelido entre irmãos, entre as pessoas, se as relações são
respeitosas, ou se existem relações conflituosas. Como é a qualidade
relacional dentro desse sistema familiar.

Relacionamentos familiares

Arquivo pessoal (2020)

BONETTERRE, A.
34

Então as entrevistas vão ter muito esse objetivo, de coletar dados,


para que a gente possa na verdade mapear que família é essa, como
ela se estrutura e como funciona. É claro que muitas vezes isso não
vai ser possível numa única entrevista, muito provavelmente a gente
vai ter que fazer várias entrevistas.

MUITA ATENÇÃO! DEVE-SE TER CUIDADO COM A NOSSA FALA AO


REALIZAR AS PERGUNTAS.

ESCUTA EMPÁTICA

VINCULAÇÃO
COMUNICAÇÃO VERBAL E ASPECTOS PARALINGUÍSTICOS

COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL

CÓDIGOS FAMILIARES

Estrutura familiar

Arquivo pessoal (2020)

O QUE DEVEMOS SABER NA HORA DE REALIZAR AS PERGUNTAS COM


RELAÇÃO AO SISTEMA FAMILIAR?

Novamente, o ponto de partida será a demanda trazida pelo cliente.


Exemplos com relação às questões:
éticas e morais – infringiram a lei na sua família? Como

BONETTERRE, A.
35

reagiram?
sexuais - qual a cultura familiar com relação ao sexo?
O número de entrevistas será de acordo com a necessidade para início
do processo de construção.
Quando o atendimento é com família e casal o período é mais bem-
definido porque os atendimentos têm início, meio e fim, porém no
atendimento individual tem-se mais tempo para as identificações,
então, é possível estabelecer um outro ritmo de coleta.
Vamos a um exemplo, uma questão de adicção dentro do sistema familiar:
o cliente traz a questão de não estarem sabendo lidar com a adicção
de um filho, de um irmão dentro do sistema familiar.
Então muitas vezes, além das perguntas básicas de identificação
dessas estruturas, de como é a família – se tem recasamento(s), se
é uma família monoparental, enfim, perguntas relacionadas às
estruturas – as ampliamos, digamos assim: quantos irmãos, quem se
casou com quem, se houve separações, divórcios, abortos, enfim, essas
perguntas mais estruturais.
Para os valores familiares diante de questões relacionadas à lei, se
é uma família que segue uma forma bastante rígida, as questões
relacionadas à ética e à moral são perguntas elaboradas de acordo
com a demanda e não questões generalistas. Quando, por exemplo, as
questões são relacionadas ao sexo, você recebe uma adolescente que
está muito preocupada, ou preocupado, com a sua primeira relação
sexual, podemos perguntar como é a cultura familiar.
De novo, mantenho as perguntas básicas, estruturais e agrego a
pertinente à demanda, como o posicionamento familiar com relação à
primeira relação sexual. Muitas vezes é uma família que tem uma
religiosidade que não cabe sexo antes do casamento. Nesse caso são
informações relevantes que irão afetar a condução do nosso trabalho.
Quanto ao número de entrevistas, vai depender muito da demanda e da
nossa necessidade de já ter dados suficientes para iniciar o

BONETTERRE, A.
36

processo. Sempre compreendendo que à medida que o processo de


construção do genograma avança novas necessidades vão aparecendo e
isso é muito natural. O que eu preciso é ter um número de dados
suficiente para que eu possa dar início ao processo de análise e
intervenção.
Dados suficientes significa que já consigo organizar a estruturação
da família, de seu funcionamento básico e a demanda está
identificada. Feito isso, podemos dar início às perguntas mais
específicas.
A escuta deve estar sempre disponível, pois, ao recontar, revisitar
a história, novas perguntas vão surgindo e precisamos estar abertos
para a construção de novos roteiros já que o genograma é um processo
e quanto mais se explora novas possibilidades podem surgir.
Outro fator importante é que muitas vezes quando começamos a avançar
nos sistemas dos antepassados o cliente não tem as informações e terá
que pesquisar junto aos familiares. Aqui começa a segunda etapa: a
entrevista dele com seu sistema familiar, com as pessoas que detêm
a informação.
Há pessoas que os pais já não estão mais vivos, então terão de
pesquisar junto a outros membros da família que possam contar essa
história. Às vezes há outras que grande parte da sua família já é
falecida, então vai haver grandes lacunas; essa ausência de
informação é um dado com o qual também vamos precisar lidar.
Teremos de ser acolhedores, ter um escuta empática para ter atenção
com aquilo que vamos perguntar e como vamos perguntar. Porque
estaremos mexendo com a história de vida dessa pessoa, vamos revirar
sua trajetória de vida e de sua família, das suas gerações, da sua
ancestralidade, podendo revelar segredos, provocar lutos. Não temos
ideia do que podemos, junto com nosso cliente, acessar. Na maioria
das vezes são fatos reveladores que podem causar surpresas
maravilhosas, mas também podem trazer muita dor. Então precisamos

BONETTERRE, A.
37

ter muito cuidado com a nossa fala, ter muita atenção à comunicação
não só verbal, mas também à comunicação não verbal para com a pessoa
diante de nós.

ECOMAPA E SUAS PERGUNTAS

O ponto de partida será a demanda trazida pela família/casal ou


indivíduo que esteja em atendimento, ou a ser atendido, para a
construção de sua rede de apoio a partir de seu genograma.

EXEMPLO: UM CASO NA CLÍNICA DA FAMÍLIA

Quando falamos em ecomapa, “eco” já nos dá uma pista: eco de sistema,


eco do nosso habitat, onde nós estamos inseridos. Portanto, nosso
olhar será para fora, ao contrário do genograma, que privilegia as
questões familiares.
No ecomapa o olhar é para fora, as perguntas são direcionadas para
a rede de apoio do indivíduo, quais são suas conexões com seu
ecossistema.
Por exemplo, vamos imaginar que chegue uma pessoa na clínica da
família com palpitações, com braço dormente, com falta de ar, e o
médico generalista da clínica da família precisa que essa pessoa faça
exames clínicos não específicos. É solicitado o mapeamento de sua
rede de apoio, inicialmente vamos compreender seu sistema familiar.
E depois começar a saber da sua rede, para que possa se encaminhar
para exames complementares. Mas se ela mora no interior, numa clínica
da família do interior, talvez ela tenha que fazer esse exame em uma
outra cidade, ela vai precisar de deslocamento, de meio de transporte
para isso. Ela tem quem a leve? Ela vai passar por uma série de
situações de ansiedade em função dessa novidade em sua vida, teria
uma rede de apoio psicológica? Ela tem, por exemplo, alguma crença?

BONETTERRE, A.
38

Enfim esse mapeamento irá ser útil para o planejamento singular


terapêutico, dentro das possibilidades do sujeito e do sistema.

ATENÇÃO!

Deve-se ter cuidado com a nossa fala com relação a:


escuta empática;
vinculação;
comunicação verbal e aspectos paralinguísticos;
comunicação não verbal;
códigos familiares.
Dentro de todo o processo sempre é muito bom lembrar a relevância da
escuta e da observação, diante de tudo que nós falamos até agora.
Nada disso vai ser possível se a gente não partir de uma escuta
empática, de se disponibilizar de fato para estar ali ouvindo aquela
pessoa. Mas essa escuta, essa disponibilidade precisa ser autêntica.
Eu não posso estar ali fingindo, ou forjando uma disponibilidade, ou
um prazer de estar ali ouvindo aquela pessoa. Ela precisa sentir
genuinamente a minha presença ali diante dela. Isso é escutar com
empatia.
É quando, muitas vezes, você ao perguntar faz alguma pontuação sobre
alguma coisa que ela já falou lá atrás. Ela vai pensar: “Nossa! Ela
está prestando atenção no que eu estou falando. Ela repetiu uma coisa
que eu já falei há um tempão atrás.”. Ou seja, a partir dessa escuta
empática dar convicção de que a pessoa de fato está disponível para
ouvi-la, e não simplesmente esperando que ela pare para que você
possa falar. Ela começa a criar uma vinculação, se sente à vontade
para falar da sua história. É como se ela abrisse as portas da sua
história e te convidasse a entrar. Isso não é possível se você não
tiver essa escuta empática, se de fato você não se disponibilizar
para estar com ela e se de fato essa vinculação não for feita. Esses

BONETTERRE, A.
39

são pontos importantíssimos; hoje nós sabemos que existe uma


dificuldade muito grande dessa disponibilidade, as pessoas de modo
geral estão muito carentes de serem ouvidas genuinamente. Então esse
é um ponto extremamente relevante.
Quando se está nesse processo de entrevistas não basta simplesmente
fazer as perguntas, a gente precisa observar como as respostas virão.
Então, como é que vai ser a comunicação? Como é que essa pessoa vai
me comunicar verbalmente aquilo que eu perguntei? Como é que vão ser
os aspectos paralinguísticos? Como é que vai ser esse tom de voz?
Essa voz, essa resposta virá em que tom? Em determinado momento ela
vai acelerar o seu tom de voz, ela vai falar mais baixo, ela vai
falar mais alto, ela vai falar agressivamente, ela vai gaguejar? Ela
vai dar um tempo maior na sua comunicação? Como é que vai ser feita
essa comunicação a partir das perguntas que eu vou estar fazendo?
Deve-se também ficar muito atento à comunicação não verbal. O nosso
corpo fala, muitas vezes eu estou comunicando verbalmente uma coisa
e o meu corpo está comunicando outra. Então essa congruência do que
falo e do que expresso em termos corporais e faciais vai ser
extremamente importante na nossa observação.
Quando a gente está fazendo, por exemplo, terapia de família, como
é que os códigos familiares circulam nesse momento? Porque estão, de
certa forma, todos expostos ali, falando, respondendo às perguntas.
Muitas vezes, quando a gente vai atender uma família grande, é muito
importante a presença de um coterapeuta, porque na medida em que vou
falando, fazendo as perguntas e interagindo tenho ali alguém ao meu
lado que vai estar observando toda essa comunicação, todo esse manejo
verbal e não verbal, agregando muita no momento do levantamento das
hipóteses diagnósticas, como também no processo de intervenção.
O que também não impede que dentro de um atendimento familiar eu
possa chamar para ser meu coterapeuta, digamos assim, o paciente não

BONETTERRE, A.
40

identificado, entendendo que isso pode ser já um processo de intervenção. Mas não num primeiro
momento, só um pouco mais adiante, na medida em que você já tem um certo conhecimento, uma
compreensão da estrutura e do funcionamento da família.

AULA 2.3 GENOGRAMA E SEUS SÍMBOLOS

Símbolos do genograma

Paciente identificado masculino


Pessoa índice masculino

Paciente identificado feminino


Pessoa índice feminino
n: 1990
Homem (a idade deverá ser colocada no centro da figura)
31
Data de nascimento (deverá ser colocada no lado esquerdo da figura)

n: 1990 Mulher (a idade no centro da figura)


31 Data de nascimento deverá ser colocada no lado esquerdo da figura

ou ? Sexo indefinido, utilizado para gestação

Adoção interna (dentro do sistema familiar)

Adoção externa (fora do sistema familiar)

m: 2000 m: 2000
Morte
A data do falecimento deverá ser colocada ao lado direito da figura

BONETTERRE, A.
41

Uso abusivo de álcool e/ou outras drogas

Em recuperação do uso abusivo de álcool e/ou outras drogas


_

Transtorno mental

Animal de estimação

Linhas contínuas, indicam ligação – podem ser usadas para simbolizar casamento, viver no mesmo espaço, relações de apego, vínculo, sólidas,
ligações sanguíneas
Linhas pontilhadas indicam distanciamento (podem ser usadas para simbolizar adoções, relações distanciadas, moradias próximas, ligação de
namoro, morar junto sem oficializar casamento), como também desconexões, pouca interação do ponto de vista afetivo entre seus membros,
ligações não sanguíneas
Linhas com barras representam relações rompidas, não há contato entre os membros da família, ainda que exista e mantenham ligação
emocional entre si

Setas são utilizadas para representar fluxo de energia e/ou recursos (vamos ver sua presença na construção de rede de apoio)

Esta seta pode ser utilizada também para indicar uma relação harmoniosa, na qual os membros da família alimentam sentimentos positivos entre
si – há diferenciação entre eles e compartilham de uma maturidade emocional

Esta seta é utilizada para representar relações vulneráveis – não há um conflito explícito, porém, em determinadas situações de transição ou de
tensão, existe grande possibilidade de surgir conflito

Indicado para representação de uma relação triangulada (tríade), que envolve três membros – o membro triangulado terá a função de regular a
tensão existente entre os outros dois membros

BONETTERRE, A.
42

Coalizão, situação na qual dois membros da família se unem contra um terceiro

Estas linhas indicam muita ligação, representam uma relação muito estreita; neste caso há predominância da fusão e dependência emocional
entre seus membros

MMMMMMMMMMM
Linha que indica conflitos frequentes, com estreita dependência emocional, provocando dificuldade na diferenciação entre seus membros
MMMMMMMMMMM

Linha com tensão, hostilidade, indica relacionamento conflituoso no sistema familiar – desqualificações, desavenças são a base da comunicação,
MMMMMMMMMMMM
podendo chegar à violência física

Imigração – duas ondinhas significam que existe movimento de saída de familiares de uma país para o outro

Essas duas linhas paralelas representam relações que se estruturam em lealdades invisíveis, que a princípio podem produzir interações
positivas, mas também dificultar o processo de diferenciação entre os membros

Linha indicativa para abuso

Linha indicativa de abuso sexual

Indicativo de uma relação de controle

Relação de manipulação

BONETTERRE, A.
43

Indicam relação de uma raiva intensa

Relações reestabelecidas

Quando não usar linhas? Quando não houver nenhum tipo de conexão

Casamento (c: data do casamento)


c: 2015

s: 2015 Separação conjugal (s: data da separação)

d: 2015
Divórcio (d: data do divórcio)

Morando junto (j: data que começaram a morar juntos)


j: 2015

c: 1989 s: 1989 d: 1991 Dentro da estruturação podemos ter um casal que tem o processo de separação e depois o divórcio, então podemos definir as datas dentro dos
cortes na linha contínua

BONETTERRE, A.
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Filho biológico (traçado contínuo) – masculino feminino

A representação da estrutura pode ser feita das duas maneiras

Filho adotivo: masculino figura feminino figura

A representação da estrutura pode ser feita das duas maneiras

Representação do aborto espontâneo

BONETTERRE, A.
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Representação do aborto induzido

Gêmeos idênticos: se for masculino um em cada ponto do triângulo ou o A

Sendo feminino, um em cada ponta do triângulo

Podem ser usadas as duas configurações o triângulo ou o A

Gêmeos – masculino à esquerda e feminino à direita

Natimorto: representação do masculino e do feminino, porém as figuras devem estar em um tamanho reduzido

Um exemplo

BONETTERRE, A.
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Os filhos devem ser posicionados do mais velho para o mais novo, começando pela esquerda
Se for o paciente identificado ou pessoa índice também pode ser representado em altura e tamanho diferente dos irmãos, se tiver

Filho adotivo (com ligação pontilhada) Filho de criação sem linha de ligação

Filha adotiva (com ligação pontilhada) Filha de criação (sem linha de ligação)

Relação extraconjugal (linha pontilhada)

Linha contínua indica que os membros da família moram juntos

Linha pontilhada indica que moram próximos

Arquivo pessoal (2020)

BONETTERRE, A.
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Siglas do genograma

hábitos bucais nocivos HBN deficiência física DEFFIS

hipertensão arterial HA deficiência auditiva DEFAUD

diabetes DIA deficiência visual DEFVIS

hanseníase HAN deficiência mental DEFMENT

tuberculose TB deficiência múltipla DEFMULT

hiv HIV gestante de alto risco GAR

aids AIDS idoso frágil IDFRAG

uso de substâncias lícitas ou ilícitas/drogas DROG recém-nascido RN

alcoolismo ALC prematuro RNPT

transtorno mental TME baixo peso RNBP

câncer CA anemia ANE

doença/acidente de trabalho DAT ostomia OST

desnutrição DESN tabagismo TAB

obesidade OBES história de câncer bucal HCAB

atraso no desenvolvimento neuropsicomotor ATDNPM atividade de doença bucal ADB

asma ASM fluorose moderado a severa FL

hipotireoidismo HIPOT
UFMG (2021)

BONETTERRE, A.
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MÓDULO 3 GENOGRAMA NA PRÁTICA

AULA 3.1 CASOS APRESENTADOS NA LITERATURA

DORES ESTOMACAIS

GENOGRAMA – OBJETIVO DE SUA UTILIZAÇÃO

INTERVENÇÕES EM MEDICINA DE FAMÍLIA

Ty Anderson

McGoldrick, Gerson & Petry (2012)

DEMANDA PARA O ENCAMINHAMENTO

A família procurou atendimento pela mãe concluir que não havia


controle com relação ao comportamento da filha do meio, chamada
Bárbara.

GENOGRAMA – OBJETIVO DE SUA UTILIZAÇÃO

Compreensão da linguagem estabelecida entre os membros da família.

BONETTERRE, A.
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Família Montessinos-Nolan

McGoldrick, Gerson & Petry (2012)

DEMANDA PARA O ENCAMINHAMENTO

Planejamento singular terapêutico para uma menina de 7 anos de idade.

GENOGRAMA – OBJETIVO DE SUA UTILIZAÇÃO

Mapeamento de rede de apoio.

BONETTERRE, A.
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Representação gráfica do genograma

Nascimento (2003)

Representação gráfica do ecomapa

Nascimento, Rocha & Hayes (2005)

BONETTERRE, A.
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AULA 3.2 CASO CLÍNICO

DEMANDA PARA O ENCAMINHAMENTO

Susan relata uma dificuldade muito grande de pertencimento, sente-


se solta, desgarrada. Não sente saudade de nada e de ninguém.

GENOGRAMA – OBJETIVO DE SUA UTILIZAÇÃO

Mapeamento da qualidade das relações de Susan: ao estruturar o


genograma, percebeu-se que sua relação com a finitude começou cedo,
teve perdas desde sempre, suas histórias com os personagens foram
mais contadas do que vivenciadas, já nasceu em uma estrutura de
muitas perdas, de enlutamento.
As figuras de maior apego também foram perdidas. Podemos levantar
como hipótese a superficialidade das relações como forma de proteção
(Susan abandona antes da perda), assim estabelece o controle, não
sendo surpreendida.

Genograma: representação gráfica

Arquivo pessoal (2020)

BONETTERRE, A.
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INTERVENÇÕES REALIZADAS NO CASO CLÍNICO

A partir da identificação dos padrões repetitivos ou lealdades


invisíveis, as informações passam a fazer parte dos conteúdos do
nível da consciência, portanto possíveis de serem trabalhados e
ressignificados para a tomada de novas decisões e escolhas. Para isso
podemos fazer uso de diferentes técnicas de acordo com a abordagem
norteadora da prática psicológica.
Nesse caso estimular a aproximação de grupos, de fazer parte de
atividades coletivas que despertem o propósito e sentido.

AULA 3.3 GENOGRAMA E PRODUÇÃO TEXTUAL

Toda a organização/nomeação será construída em conjunto com o


cliente, não há certo e errado, tampouco engessamento de estrutura.
O importante é perceber, no ato da organização, como a atividade é
realizada, sentida e percebida.

INTRODUÇÃO DA HISTÓRIA

Minha história começa com o encontro ou desencontro dos meus pais…


Família de origem
Alfredo – pai
Maria Francesca – mãe
Mário – irmão
João – irmão
Família nuclear
Bel – filha
Personagens maternos
Avó Ivone
Avô Francesco

BONETTERRE, A.
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Sarita – mulher avô


Mãe Maria Francesca
Padrasto Sobral
Personagens paternos
Avó Odete
Avô Olavo
Tia Selma
Tia Sueli
Sônia – namorada do pai
Outros personagens
Sara – cunhada, mulher do João
Breno – sobrinho, filho do João
Rodrigo – ex-marido
Flávio – ex-marido

BONETTERRE, A.
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MÓDULOS 4 PRODUÇÃO ON-LINE

O módulo 4 será o momento para a construção de um genograma através


do instrumento “Álbum e Família”. Vou mostrar como fazer apresentando
os elementos estruturais e os elementos relacionais.
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/genograma/

MÓDULOS 5 LIVE

O quinto módulo será no formato de live semanal. Esse será o momento


de estarmos juntos para tirarmos todas as dúvidas que você tiver,
depois de ter assistido as aulas gravadas e feito os seus genogramas.
A live é exclusiva par os alunos do curso, você receberá o link do
aplicativo Zoom para participar.

BONETTERRE, A.
55

REFERÊNCIAS

ANDOLFI, M. A terapia familiar multigeracional: instrumentos e


recursos do terapeuta. Tradução: Juliana Seger Sanvicente. Belo
Horizonte: Artesã, 2018.

BOSZORMENYI-NAGY, I.; SPARK, G. M. Lealtades invisibles:


reciprocidad en terapia familiar intergeneracional. Buenos Aires:
Amorrortu, 2017.

KRÜGER, L. L.; WERLANG, B. S. G. O genograma como recurso no espaço


conversacional terapêutico. Avaliação Psicológica, Porto Alegre, v.
7, n. 3, p. 415-26, dez. 2008.

MCGOLDRICK, M.; GERSON, R.; PETRY, S. Genogramas: avaliação e


intervenção familiar. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

NASCIMENTO, L. C. Crianças com câncer: a vida das famílias em


constante reconstrução. Tese (Doutorado em Enfermagem) –
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2003.

NASCIMENTO, L. C.; ROCHA, S. M. M.; HAYES, V. E. Contribuições do


genograma e do ecomapa para o estudo de famílias em enfermagem
pediátrica. Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis, v. 14, n.
2, p. 280-6, abr./jun. 2005.

OSORIO, L. C.; VALLE, M. E. P. do (Orgs.). Manual de terapia


familiar. v. 1. Porto Alegre: Artmed, 2009.

UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA


CATARINA. Violência por parceiro íntimo no contexto familiar.
Série: Violência e Saúde. Autoria do módulo: Carmen Leontina Ojeda
Ocampo Moré e Scheila Krenkel.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Faculdade de Medicina. Núcleo


de Educação em Saúde Coletiva. Álbum de Família: genograma.

WENDT, N. C.; CREPALDI, M. A. A utilização do genograma como


instrumento de coleta de dados na pesquisa qualitativa. Psicologia:
Reflexão e Crítica, v. 21, n. 2, p. 302-10.

BONETTERRE, A.

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