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Antônio Vieira
Será porventura o estilo, que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão
empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afectado, um estilo tão
encontrado a toda a arte, e a toda a natureza? Boa razão é também esta.
O estilo há de ser muito fácil, e muito natural. Por isso Cristo comparou o
pregar ao semear. Comparou Cristo o pregar ao semear, porque o semear
é uma arte, que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo
é arte: na Música tudo se faz por compasso: na Arquitetura tudo se faz
por regra: na Aritmética tudo se faz por conta: na Geometria tudo se faz
por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte: caia onde cair.
Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. Caía o trigo nos
espinhos, e nascia. Caía o trigo nas pedras, e nascia. Caía o trigo na terra
boa, e nascia. Ia o trigo caindo, e ia nascendo.
[...]
Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do
mais antigo Pregador, que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo
Pregador, que houve no mundo, foi o Céu. Suposto que o céu é pregador,
deve de ter sermões e deve de ter palavras. [...] E quais são estes
sermões, e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas: os
sermões são a composição, a ordem, a harmonia, e o curso delas. Vede,
como diz o estilo de pregar do céu, com o estilo que Cristo ensinou na
terra? Um e outro é semear: a terra semeada de trigo: o Céu semeado
de estrelas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem
ladrilha, ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas. Todas as estrelas
estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que
faça lavor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os
pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte há
de estar branco, da outra há de estar negro: se de uma parte dizem luz,
da outra hão de dizer sombra: se de uma parte dizem, desceu, da outra
hão de dizer, subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas
palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu
contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das
palavras. As estrelas são muito distintas, e muito claras. Assim há de ser
o estilo da pregação, muito distinto, e muito claro. E nem por isso temais
que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas e muito claras,
e altíssimas. O estilo pode ser muito claro, e muito alto: tão claro, que o
entendam os que não sabem, e tão alto, que tenham muito que entender
os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura,
e o mareante para sua navegação, e o matemático para as suas
observações, e para os seus juízos. De maneira, que o rústico e o
mareante, que não sabem ler, nem escrever, entendem as estrelas, e o
matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a entender
quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: estrelas, que todos as veem, e
muito poucos as medem.
[...]