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GÊNERO, SEXUALIDADES E EDUCAÇÃO SEXUAL LIBERTADORAS NAS

ADOLESCÊNCIA

A fase da adolescência é um período bastante peculiar na vida do sujeito. De acordo


com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência corresponde a transição da
infância para a fase adulta, que compreende a faixa etária de dez (10) aos dezenove (19) anos,
sendo uma fase marcada por conflitos existenciais e de identidade (AMARAL et al., 2017).
A série Sex Education, produzida e disponibilizada pela plataforma Netflix, apresenta
o cotidiano pessoal e escolar de diversos adolescentes que cursam o ensino médio. Cada
personagem traz consigo uma gama de anseios próprios dessa fase, muito marcada pela
exploração de si em diversos âmbitos do ser. A jornada dos adolescentes na descoberta do
gênero e da orientação sexual é um tema central da série, e para fins de discussão optamos em
abordar a problemática vivenciada pelo personagem Adam Groff, interpretado pelo ator
Connor Swindells.
O contexto familiar em que Adam está inserido é, por si só, problemático. Visto que
além de conviver com pais conservadores, ele é filho do diretor da escola e vive em meio às
crises conjugais do casamento de seus pais. Assim, a relação que possui com seu pai é de
distanciamento e autoritarismo, na qual não existe espaço para liberdade de expressão,
demonstrações de afeto entre pai e filho, não há troca de olhares, ou frases ternas, causando
impacto na vida de Adam e nas relações com os colegas de escola - os quais são tratados de
forma violenta e intimidadora - sinalizando um possível reflexo na relação que Adam tem
com o seu pai.
No âmbito sexual, Adam apresenta dificuldades de ereção e de orgasmo na relação
que possuía com uma aluna, Aimee, supostamente causadas pela ansiedade de desempenho. O
jovem chega até mesmo a utilizar medicamentos voltados para o tratamento de disfunção
erétil, na tentativa de resolver seu aparente problema sexual. Em conselho com intenção
terapêutica, realizado de forma inadequada por um dos colegas protagonistas da série, Adam
resolve tomar uma atitude drástica, exibindo o seu órgão reprodutor de forma pública no
refeitório, circunstância que o leva a determinada punição por parte da escola.
No desenvolvimento da atividade punitiva junto a um outro aluno, Eric, que sofria
bullying de Adam, ocorre um evento inesperado. E durante um comportamento de
intimidação, Adam surpreende Eric realizando uma prática sexual nele. A relação entre ambos
passa a ser de medo e de atração. O que provoca uma confusão ainda maior na mente de
Adam. O conflito que Adam nutria com Eric acabou por manifestar um sentimento de atração
sexual oculto. Adam então passa a viver o conflito de reconhecer a sua bissexualidade. Algo
que ele apenas vem a assumir no final da segunda temporada, após presenciar Eric em seu
namoro com outro garoto.
Uma questão dentre tantas outras de igual importância, e que são abordadas na série
Sex Education, são as relações de gênero. O modo como o personagem Adam encara essa fase
de sua vida, nos permite refletir sobre essa construção sócio histórica dessas relações. De
acordo com Kahhale (2015), a sexualidade é um processo simbólico e histórico, que expressa
a constituição da identidade do sujeito, como ele vive a questão da intimidade e da relação
com o próprio corpo. Da significação, das normas, da moral e da ética grupal (grupo no qual
se insere e vive no cotidiano). No caso de Adam, a expressão sexual é multideterminada por
vínculos afetivos e todo o contexto que esse universo representa para o mesmo.
A educação sexual dos adolescentes tem de fornecer subsídios e oportunidades de
reflexão voltadas para a área da sexualidade. Podem ocorrer na escola ou em outras
instituições educacionais, como organizações ou programas de educação complementar que
atendem crianças e adolescentes. Os objetivos dessa educação é tentar prover informações
sobre o tema e instituir um espaço de reflexão sobre preconceitos, tabus, crenças e atitudes em
relacionamentos e comportamentos sexuais. Dessa forma, a orientação não se reduziria a
explicar a saúde reprodutiva ou a uma visão estritamente relacionada ao modelo biomédico,
tão contestado em nossa área. Incluiria todos os aspectos intrínsecos à sexualidade. Em
síntese, é isso que a educação sexual vem buscando, o bem-estar sexual dos sujeitos.
Perante a problemática abordada e as várias narrativas que a referida série traz,
notamos que o espaço educacional é o principal meio de comunicação e diálogo frente às
questões relacionadas à sexualidade e gênero entre os jovens. Porém, o que ocorre é que não
há uma abertura para esse diálogo, seja por falta de preparo dos profissionais educadores,
insegurança por parte da escola em tratar de temas considerados tabus por grande parte da
sociedade, e até mesmo uma resistência por parte das famílias dos estudantes adolescentes,
que consideram inadequado trazer assuntos sobre educação sexual para dentro do ambiente
educativo.
A série fortalece a urgência do debate no contexto escolar onde deve-se assumir a
responsabilidade de realizar esse tipo de diálogo, de forma a atender às expectativas dessa
geração de alunos e daqueles que futuramente ingressarão no ambiente escolar. Nessa mesma
perspectiva, a série demonstra a seriedade e a dimensionalidade da formação necessária para
que profissionais possam lidar com a divulgação de conteúdos sexuais, fazendo-a de forma
científica, pedagógica e natural, para não se basear em aspectos superficiais e distorcidos.
Além disso, Machine, Jacinto e Desidério (2020) orientam que os debates sobre o tema sejam
trabalhados com espontaneidade, que sua abordagem seja de fácil entendimento
aos alunos da atualidade e das posteriores gerações, pois o ato de educar sexualmente
adolescentes e jovens é vantajoso e proveitoso para toda a sociedade.
Diante do exposto, é notória a necessidade de intervenções de caráter informativo,
preventivo, promocional e de conscientização sobre a temática sexualidade e gênero para os
profissionais da área educacional, visto que, conforme os estudos de Mantovani et al. (2016
apud SILVA et al., 2021), muitos professores afirmam que não possuem preparo para atuarem
com questões da diversidade na escola, especificamente sobre tal temática.
Ademais, com a preparação dos educadores e a inserção da educação sexual no âmbito
escolar, problemáticas como a que é vivenciada por Adam poderiam ser reduzidas, uma vez
que existiria uma desmistificação de certos tabus acerca da sexualidade - como é o caso de
tudo aquilo que foge da heteronormatividade - e assim, mesmo vivendo em um ambiente
familiar conservador, inúmeros indivíduos que se identificam com as questões trazidas com
esse personagem, poderiam encontrar no ambiente escolar as informações ou até mesmo um
refúgio, que os ajudariam a se encontrar e se aceitar diante de sua orientação sexual. O que é
de suma importância nessa fase de construção e desconstrução ao mesmo tempo, que é a
adolescência.
REFERÊNCIAS

AMARAL, alice mayra santiago; SANTOS, diana ; PAES, helen cristina da silva ; DANTAS,
isabele dos santos ; SANTOS, denise santana silva dos . adolescência, gênero e sexualidade:
uma revisão integrativa. Revista Enfermagem Contemporânea, v. 6, p. 62-67, 2017.

KAHHALE, Edna Maria Peters. Subsídios para reflexão sobre sexualidade na adolescência.
In: BOCK, Ana Mercês Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça Marchina; FURTADO, Odair
(orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: Uma Perspectiva Crítica em Psicologia. 6. ed. São
Paulo: Cortez, 2015. Cap. 10, p. 221-238.

MANCHINE, I.; JACINTO, J. C.; DESIDÉRIO, R. A sexualidade silenciada no


ambiente escolar e as contribuições da série Sex Education. Revista on line de
Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 24, n. esp. 3, p. 1780-1792, nov. 2020. e-
ISSN:1519-9029. DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v24iesp3.14276.

SILVA, L. A. P. F. ; SILVA, M. A. ; MELO, A. C. ; LUCHINI, E. P. M. ; ALMEIDA, C. S. .


Conversando sobre gênero e sexualidade com adolescentes. Interfaces: Revista de Extensão
da UFMG, v. 9, p. 223-235, 2021.

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