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RESUMO
Esse artigo surge da observação das obras do autor Jorge Amado, em que ao longo de
sua trajetória de escritor, determinou o movimento de seus personagens em diversas
movimentações de ordem cultural, sempre apresentando um objeto de vislumbre
categoricamente regionalista. Uma das expressões mais marcantes de seus livros, foi a
comida como objeto de sena ou de influência aos personagens de suas tramas,
personagens que diversas vezes trocaram de humor e de atitudes, diante de pratos e
mesas bem postas, com os perfumes culinários recendentes, sobre os humores mais
complexos. Para tanto, fez-se uma investigação na obra Tieta do Agreste, para
exemplificar fatos importantes na obra do autor, como o uso de receitas culinárias em
cada obra, diferenciada pelo costume regionalista, sempre caminhando em paralelo com
a função psicológica dos personagens, concluindo nessa leitura, a disposição proposital
do autor Jorge Amado em aplicar receitas em suas obras, motivando o universo de suas
criações, conferindo autenticidade ao povo brasileiro, sempre representado em
premesses culturais, que se distinguem de outras culturas.
1. INTRODUÇÃO
Tendo como paisagem uma beleza fulgurante que remete o leitor às dunas de Mangue
Seco e traz à lembrança os últimos respiros de uma cidade que já conhecera a prosperidade
em tempos idos e que agrega a beleza de suas praias e a sensualidade nordestina
representada pelos personagens, como Tieta, também conhecida como a cabrita do agreste
que se deixava levar pela beleza e pelos encantos das dunas que se movimentavam com os
ventos e pela naturalidade das cabras que procriavam nas pedras e nas areias, ensinando a
curiosa menina os fazeres e as necessidades do amor, mesmo representados na forma de
animais caprinos, que corriam soltos e que faziam parte do cenário de abundante beleza e
expressividade da natureza.
Eu era uma cabra com vários bodes, montada por esse ou por aquele,
no chão de pedras, em cima do mato, na beira do rio, na areia da
praia. Para mim, prazer de homem, só isso e nada mais: deitar no
chão e ser coberta (AMADO, 1979, p. 122).
Para Tieta, o desejo e a beleza faziam parte da natureza como um todo, e pouco se
importava com o fato de chamarem-na de cabrita, já que essa era a sua realidade correr pelas
dunas e banhar-se num mar que alimentava sua alma com vida, vida essa que logo seria
criticada por muitos e que a faria ser expulsa da cidade pelo seu pai, mas mesmo todo seu
sofrimento não destruiu o seu espírito livre, que anos depois a fez voltar para Santana do
agreste.
E na experiência de dona Eufrosina, que desde cedo à fez pensar nas questões de
pecado e do amor, e dos artifícios que as mulheres podiam aprender para conquistar um
homem, através dos temperos.
Pra ser coberta, outra coisa não sabia. Quando ele veio com os dedos
me tocar, com a boca me beijar o corpo inteiro, a lamina da língua e o
hálito quente, quis impedir, sem entender. Com ele aprendi, na cama
do doutor e Dona Eufrosina, os molhos e os temperos, e soube que
homem não é apenas bode. Com ele virei mulher. Mas penso que até
hoje há em mim uma cabra solta que ninguém domina (AMADO,
1977, p. 123).
__Por que não fica para almoçar? O que dá pra dois, dá pra
três.__Eu? Comer carne em dia de sexta feira? Tu bem sabe que é
pecado. È por isso que vocês não vão para a frente. Não Cumprem a
lei de Deus (AMADO, 1977, p. 24).
Aqui a presença mais do que familiar do feijão coroando a mesa dos personagens,
dando primor a energia e a força física dispersada por Astério para exercer suas funções.
Seus modos em sua casa, diante de sua esposa, sua preferência pelo tempero de Elisa, que
apesar de jovem já traz consigo além de uma beleza jovial, os critérios de uma boa esposa
que inclui o manuseio da culinária e traz a maestria do cuidado pelo seu marido, que deve
estar sempre bem alimentado.
4.2 Água-de-flor
Como toda boa filha do nordeste, Carmosina faz parte de uma categoria muito
comum de mulheres solteiras que se mantém filiadas aos familiares e aos amigos, cuidando e
protegendo e em seus dotes, estão inclusos a culinária mais diversificada, considerada como
um verdadeiro dom divino, que a despeito da diversidade de materiais e frutas exóticas
existentes no nordeste, nem toda mulher possui a sensibilidade para manipular os diversos
temperos aprovados e provados pelos paladares mais exigentes, Carmosina possui esse
diferencial herdado por sua mãe.
Conforme Amado (1977), Tieta usa a comida como analogia de prazer e sexo, quem
primeiro lhe ensinou os pratos finos, os que alimentam a gula, que em vez de saciá-la, foi
Lucas, na cama do finado Dr. Fulgêncio.
Na lembrança de seus episódios de infância, Dr. Lucas passou a ser o único médico
da região, após envelhecimento e morte do seu antecessor, Dr. Lucas tornou-se o último
médico ativo da cidade usando seu conhecimento local de remédio natural, como óleo de
rícino e chá de sabugueiro.
Dr. Fulgêncio andava pela cidade tratando os males do agreste, com a sua morte a
consideração de pessoas importantes como dona Eufrosina, que era a viúva do Dr. Fulgêncio,
focou-se no Dr. Lucas, tratando-o como a um filho e preparando-lhe iguarias que lhe eram
famosas, como a galinha de parida, o escalfado de pitú com ovos e carne de sol com pirão de
leite.
Conforme Amado (1977), na falta de médico, os petiscos, os doces e as frutas, agiam
como remédios para os moradores da pequena cidade. Tieta se refere à comida, fazendo uma
analogia ao provimento sensorial do sexo e aos molhos e sabores da comida, vindo ao
encontro da satisfação e do desejo que se auto alimenta, tendo o objeto de provisão sexual,
como as secreções dos corpos e os perfumes do sexo, tal quais os molhos que temperam e
que confluem nas misturas de temperos que enriquecem a comida.
“Olhando-o, ninguém diria tratar-se de emérito contador de anedotas: careca, barbas loiras,
longas e emaranhadas, cara típica de que comeu merda e não gostou silencioso” (AMADO,
1977, p. 397).
Mas a despeito da ironia do fiscal da obra, Ascânio vai até a pensão de dona
Amorzinho, e encomenda a comida para os trabalhadores e para o fiscal, e logo os visitantes
percebem que na cidade havia mais do que barro e buracos.
O Fiscal comeu tanto que ficou com as faces rubras e viçosas, esticando-se numa rede
e dormindo até o fim da tarde, acordando apenas no limiar do fim dos trabalhos, muito
diferente do estressado profissional, sempre preocupado em cumprir as metas e horários da
empresa.
Numa forma muito direta, o autor Jorge Amado, deixa claro a importância da
alimentação nas relações de seus personagens, e no capítulo que ele apresenta como ¨Das
Preciosas Raridades¨, uma cena interessante da visita do importante advogado baiano,
Doutor Hélio Colombo.
Eminente jurista catedrático da faculdade de direito da universidade federal da Bahia,
chefe do mais importante escritório de advocacia da Bahia, e sendo recebido pelo tabelião,
mostra-se cansado, e não menos decepcionado pela poeira da estrada que o acompanhou até
Mangue Seco. “Sinto que depois desta viagem jamais voltarei a ser eu mesmo. Tenho a alma
envolta em poeira para sempre” (AMADO, 1977, p. 503).
Sacode a camisa de casimira inglesa, enxuga o suor do rosto, olha em volta e
amaldiçoa o pessoal da Brastânio, empresa que o fez se dispor a tal viagem, comparando o
lugar a uma tapera.
A esposa do Dr. Franklin, tabelião de Santana do Agreste, prepara um almoço que a
seu ver, não era digno de tão importante autoridade, mas o Doutor Hélio Colombo, cansado e
faminto, se deleita com seus quitutes que para si não tem nada de trivial.
Usando a escola do seu filho como pretexto para visitar Aracajú, Perpétua aproveita
para visitar o juiz da cidade. Tendo como objetivo, saber sobre a sua pretensa parte na
fortuna de sua irmã, que até então, acreditava estar morta.
Mostrando-se afável à família, Perpétua aparenta preocupação pelo bem estar da
família e seu futuro. Como protetora que se achava, tomara as rédeas da família, afinal,
crianças e um velho, ou mesmo uma irmã mais nova, sem condições de resolver tal questão,
não poderiam tomar a frente de tudo.
(...) Para mim não quero nada, Meritíssimo, mas pelo direito dos
meus filhos, da minha irmã e de meu velho pai brigo até morrer.
Pobre, sozinha e desprendida. O juiz se impressionou e Dona Guta,
empolgada, serviu à corajosa viúva bolo de aipim e licor de pitanga
(AMADO, 1977, p. 78).
Passeando pelas obras do autor brasileiro Jorge Amado, é impossível não notar a sua
paixão pela comida, e como a presença da comida nas obras se torna significativa,
transformando a gastronomia como representação de costumes e religiosidade, e sua
influente força no atos dos personagens.
A preciosidade de receitas antigas, oriunda dos escravos, que colonizaram a Bahia
com seus costumes e crenças, legaram ao povo brasileiro a originalidade das receitas, que
não possuem paralelos em outros países e muitas vezes nem mesmo podem ser traduzidas,
como a palavra vatapá, que não possui semelhantes termos que levem aos povos de outras
línguas identificar sua receita.
Para tanto, Jorge Amado resgatou em seus livros algumas receitas, que talvez
ficassem esquecidas nos recantos da Bahia, ou na lembrança de velhas cozinheiras, que se
escondem nos restaurantes de bares ou cozinhas simples, mas que possui uma riqueza
cultural, trazida pelos africanos e distribuída entre as diversas culturas existentes no Brasil.
Um regalo ao desejo e ao paladar, tais receitas de doces e bolos podem ser copiadas e
feitas, saboreadas e repetidas, através da literatura Amadiana, que não abre mão de dividir os
segredos antigos dos prazeres culinários.
Dentro do contexto literário da obra geral do autor Jorge Amado, a comida aparece
como meio de reformulação de contextos sociais e de modificação das relações entre
personagens e seus critérios de socialização.
Numa perspectiva longitudinal, foi observada na obra amadiana o fenômeno da
incidência de receitas em sua literatura, sendo segundo sua filha Paloma Amado, uma
exigência do próprio autor, como relatou em seu livro ¨As Frutas de Jorge Amado¨, que fazia
questão de aprovar cada receita, ou de tê-las expressas em suas obras, alimentando
personagens e leitores.
Não somente como objeto de cena, mas como elemento modificador do caráter
expresso pelo temperamento de cada personagem, tendo em qualquer gênero escrito em todo
o corpus da obra Amadiana, uma receita de comida ou de bebida, que interagem com seus
protagonistas, fato este que merece uma avaliação de analistas literários, tendo em vista a
importância do tema para o estudo da produção e crítica textual.
A partir das considerações observadas durante a produção desse trabalho, notou-se
que desde a primeira obra escrita pelo autor, até a última, há sempre um ponto que leva o
leitor a conhecer a sensibilidade dos aromas e sabores de uma culinária característica de um
contexto de época ou local.
Assenta-se desta forma, a possibilidade de outros trabalhos analíticos, fundamentados
na curiosidade e na crítica literária, por parte de alunos ou pesquisadores, tendo em vista a
novidade inexplorada do tema, e nesta perspectiva, a culinária e o alimento evidenciam sua
posição como fator de movimento de cultura e influência nos personagens da obra do autor
Jorge Amado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, J. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Martins, 1966.
AMADO, J. Gabriela, cravo e canela. 85. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
NADALINI, A.P. Comida de Santo na Cozinha dos Homens: um estudo da ponte entre
alimentação e religião. 2009. 268f.Tese ( Mestrado em História ) - Curso de Pós-
Graduação,Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
PRANDI, R. A Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 93-4.