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Thomas Vicente.
A língua não é o órgão responsável pelo gosto, e sim o cérebro. Um órgão que
culturalmente determina, por meio que se aprende, a transmitir critérios de
valorização. Por isso a comida não é “boa” ou “ruim” por si só, alguém nos ensinou e
reconhecemos como tal. Então, estes critérios são variados de acordo com o espaço
e tempo, o que em uma época algo é julgado positivamente, numa outra, essa
perspectiva pode mudar. Definição do gosto faz parte de um patrimônio cultural das
sociedades humanas, dessa forma há gostos e predileções diversos em distintos
povos e regiões do mundo, e os mesmos mudam no decorrer dos séculos.
Assim, como pode presumir o conhecimento do “gosto” dos alimentos das épocas
diferentes da nossa? Está indagação, na realidade remete duas interpretações
distintas deste termo “gosto”. A primeira seria o “gosto” entendido como sabor, uma
sensação individual da língua e do palato, diante desse ponto de vista, a experiência
histórica da comida está perdida. Segundamente, “gosto” também é saber, uma
avaliação sensorial do que é realmente bom ou ruim, do que agrada ou não. Essa
avaliação, vem do cérebro antes que da língua, sob esse ponto, o gosto não é de
fato uma realidade subjetiva e incomunicável, mas sim coletiva e comunicada. É
uma experiência transmitida deste o nascimento, juntamente com as outras
variações que contribuem para definir estes valores de uma sociedade.
Os dois pontos são distintos, uma não coincide com a outra, mas em larga medida
as condiciona. É possível investigar historicamente, examinando as memórias,
achados arqueológicos e os traços de toda uma sociedade que ficou para trás. O
que os documentos revelam sobre os modos de consumo e os gostos de mil ou
mesmo quinhentos anos atrás? Então, partiremos para uma investigação
retrospectiva sobre a sociedade medieval e renascentista.
Exemplo típico dessa cultura é o gosto doce-salgado que caracteriza grande parte
das preparações medievais, ou o agridoce, que misturava o açúcar aos azedos,
reinterpretando e suavizando (combinação de mel e vinagre, produtos levados a
Europa pelos árabes). Estes gostos não estão desaparecidos, ainda se encontram
nas cozinhas europeias conservadoras, como a alemã e a do Leste. Pensemos nas
compotas de mirtilo, nas peras e maçãs usadas como acompanhamento da carne e
em particular, da caça. Pensemos nos timballi de macarrão (massa podre doce
recheada com massa salgada aromatizada com condimentos doces), pensemos na
pimenta e no açúcar do panpepato (doce feito de farinha, mel, amêndoas, frutas
cristalizadas e especiarias), indo mais longe, pensemos no agridoce da cozinha
chinesa. Isto é a cozinha medieval.
Na Itália e na Europa toda em si, surgiu uma moda nos últimos anos, que é da
cozinha “histórica”, eventualmente representada em edifícios também históricos,
para a diversão e curiosidade dos turistas. Não há como não se perguntar, isso faz
sentido? É possível reconstruir o gosto alimentar de uma época?
"Bom para comer", isto é, o que for conveniente para comer, torna-se
historicamente, segundo Marvin, "bom para pensar", o valor cultural positivo. Mas
todos eles são válidos dentro de certos limites, somente quando falamos das classes
subalternas e de sua fome nunca suficientemente saciada.
Seus hábitos e, em última análise, suas tendências são claramente definidas pela
facilidade de encontrar comida, sua capacidade de armazenar e cozinhar, sua
capacidade de ficar satisfeito e evitar as dores da fome. Isso explica o gosto recente
por massas e batatas.
O objeto do desejo não é mais comida abundante, mas comida escassa, rara; não
é aquela que sacia a fome e a faz desaparecer, mas aquela que estimula e convida
a comer mais. Quanto ao fascínio por comidas raras, talvez o exemplo mais
clamoroso seja o das especiarias que na Idade Média fizeram grande sucesso nas
mesas das classes dominantes, para serem gradualmente abandonadas no decorrer
dos Seiscentos, quando o abastecimento do mercado e consequente declínio dos
preços as tornaram acessíveis a uma gama mais ampla de consumidores. A má
gestão da economia parecia, portanto, ser um motor importante no processo de
formação do gosto das classes altas, pela simples razão de que, como escrevia
Isidoro de Sevilha sobre o feijão, “tudo o que abunda é vil”, ou seja, tudo o que se
tem / dá em grande quantidade vale pouco.
O duque Guido di Spoleto foi rejeitado pela realeza pelo simples fato de comer
pouco, e não estar “apto” a possuir um status por se contentar com refeições
modestas. Com o passar das décadas, a questão da quantidade de comida em
função do poder foi perdendo força e dando espaço a uma nova tese do assunto,
mas com teor de separação de classes sociais.
No século XX, a imagem de ser gordo começa a ser modificada e não apresenta
mais ar de superioridade, trazendo assim novas classes sociais para o fato de comer
muito, se tornando popular nos anos 80 e entre elas tendo um nível de habituação e
ostentação. Trazendo nos dias atuais a difícil missão das empresas alimentícias de
agradar por conta desses padrões culturais históricos da linha tênue de comer muito
e comer pouco ao longo dos anos após muito esforço para quebra de conceitos de
gula à mesa. Foi aplicado em texto o exemplo do rei Taufa’ahau Tupou IV que ao
chegar a obesidade, lançou na cidade um concurso de emagrecimento recriando
assim, o conceito de comer para a realeza.
... e o quê
No fim da idade média a imagem da nobreza e a prática de poder não são mais a
mesma o nobre já não é mais o guerreiro a força já é um atributo mais significativo e
inventa-se a cortesia constrói-se um novo modo de viver e de se comportar em
sociedade.
Outras formas de identidade social medianas pela comida são aquelas que dia
respeitos aos religiosos monges e sacerdotes. O monge exclui carne da dieta, negar
carne significa afastar de si a sedução do poder. A rejeição da carne simboliza uma
reflexão de humildade e assim se alimentado de frutas, hortaliças e cereais.
Na Idade Média, o mercado de Bolonha ou Milão pronunciava por si, não tanto
porque ali se encontrava comida “local”, mas pela capacidade de se definir como um
lugar de trocas inter-territoriais, inter-regionais e internacionais. O mercado de Paris
durante séculos foi organizado da mesma maneira e viveu sob a mesma imagem. O
mesmo vale para os "pratos", ou seja, as especialidades locais. Tal como os
produtos, os pratos estão, talvez desde sempre, ligados à região, aos recursos e às
tradições. Em suma, os pratos e produtos locais, na Idade Média, não tem como
finalidade valorizar as cozinhas de território, assim como na antiguidade e depois no
Renascimento.
O paradoxo da globalização
O que ocorre é que mesmo com a imposição de uma cultura alimentar sobre
outras regiões, é que ao invés de ser absorvido totalmente, esta sofre mudanças
antes de finalmente entrar no gosto popular, o que pode mostrar a coexistência da
cozinha global e regional, que segundo sociólogos pode dar origem a uma cozinha
“co-global”, permitindo que as pessoas possam escolher sim entre várias opções de
pratos que possam existir ao redor do mundo sem o retirar da cultura na qual ele
está inserido ou que deseja estar.