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Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense –

Campus Cabo Frio

Aladino Filho, Emellyn Lohana,

Isadora Martins, Marluce Corrêa,

Nathália Lacerda, Nathalya Cristina e

Thomas Vicente.

Comida como Cultura – O prazer (e o dever) da escolha.

O gosto é um produto cultural

A língua não é o órgão responsável pelo gosto, e sim o cérebro. Um órgão que
culturalmente determina, por meio que se aprende, a transmitir critérios de
valorização. Por isso a comida não é “boa” ou “ruim” por si só, alguém nos ensinou e
reconhecemos como tal. Então, estes critérios são variados de acordo com o espaço
e tempo, o que em uma época algo é julgado positivamente, numa outra, essa
perspectiva pode mudar. Definição do gosto faz parte de um patrimônio cultural das
sociedades humanas, dessa forma há gostos e predileções diversos em distintos
povos e regiões do mundo, e os mesmos mudam no decorrer dos séculos.

Assim, como pode presumir o conhecimento do “gosto” dos alimentos das épocas
diferentes da nossa? Está indagação, na realidade remete duas interpretações
distintas deste termo “gosto”. A primeira seria o “gosto” entendido como sabor, uma
sensação individual da língua e do palato, diante desse ponto de vista, a experiência
histórica da comida está perdida. Segundamente, “gosto” também é saber, uma
avaliação sensorial do que é realmente bom ou ruim, do que agrada ou não. Essa
avaliação, vem do cérebro antes que da língua, sob esse ponto, o gosto não é de
fato uma realidade subjetiva e incomunicável, mas sim coletiva e comunicada. É
uma experiência transmitida deste o nascimento, juntamente com as outras
variações que contribuem para definir estes valores de uma sociedade.

Os dois pontos são distintos, uma não coincide com a outra, mas em larga medida
as condiciona. É possível investigar historicamente, examinando as memórias,
achados arqueológicos e os traços de toda uma sociedade que ficou para trás. O
que os documentos revelam sobre os modos de consumo e os gostos de mil ou
mesmo quinhentos anos atrás? Então, partiremos para uma investigação
retrospectiva sobre a sociedade medieval e renascentista.

Em direção à Idade Média, é claro que a ideia de cozinha e o sistema de sabores


que atualmente para nós parece “naturalmente” preferível, é diferente demais
daqueles que por muito tempo os homens julgavam de bons. Na Europa, sua
cozinha atual tem um carácter predominantemente analítico, portanto, tende a
diferenciar os sabores, – doce, salgado, amargo, azedo, picante, etc. – reservando a
eles um espaço autônomo, seja em pratos individuais ou na ordem da refeição. Essa
prática, se vincula com a ideia de que a cozinha deve respeitar, o sabor natural de
cada alimento, sabores que são diferentes e particulares, justamente para serem
mantidos distintos um dos outros. São regras simples que não constituem em
arquétipo universal de cozinha, que sempre existiu: são frutos de uma pequena
revolução acontecida na França entre os séculos XVII e XVIII. Nicolas de Bonnefos
em Lattera ai maestri di casa (casa dos mordomos), escreve: “A sopa de couve deve
ter sabor de couve, o alho-poró de alho-poró, o nabo, de nabo”, isto em meados do
século XVII.

Exemplo típico dessa cultura é o gosto doce-salgado que caracteriza grande parte
das preparações medievais, ou o agridoce, que misturava o açúcar aos azedos,
reinterpretando e suavizando (combinação de mel e vinagre, produtos levados a
Europa pelos árabes). Estes gostos não estão desaparecidos, ainda se encontram
nas cozinhas europeias conservadoras, como a alemã e a do Leste. Pensemos nas
compotas de mirtilo, nas peras e maçãs usadas como acompanhamento da carne e
em particular, da caça. Pensemos nos timballi de macarrão (massa podre doce
recheada com massa salgada aromatizada com condimentos doces), pensemos na
pimenta e no açúcar do panpepato (doce feito de farinha, mel, amêndoas, frutas
cristalizadas e especiarias), indo mais longe, pensemos no agridoce da cozinha
chinesa. Isto é a cozinha medieval.

O gosto renascentista, é ainda mais voltado no tempo, os gostos romanos antigos


tinham de fato elaborado um modelo de cozinha baseado principalmente na ideia de
artifício e na mistura dos sabores. Suas refeições correspondiam a uma lógica
sintética: manter junto. Isso também correspondia as regras da ciência dietética que
era considerado “equilibrado” a comida que contivesse em si todas as qualidades
nutricionais. O prato perfeito era aquele em que todos os sabores estivessem
simultaneamente presentes, justamente para esse fim, o cozinheiro era levado a
intervir sobre os produtos, alterando suas características de modo mais ou menos
radical.
Uma outra característica de base da gastronomia pré-moderna, que mantém
distante de nós, é a extrema economia no uso das gorduras. A cozinha de meio
milênio atrás era uma cozinha sobretudo magra, que usava ingredientes ácidos
(como vinho, vinagre e sucos cítricos) para os preparos dos molhos que
acompanhavam as carnes e peixes. Os molhos gordos, feitos à base de óleo e
manteiga – como a maionese, bechamel, entre outros típicos –, são invenções
modernas, não anteriores ao século XVII, que modificou o gosto e aspectos das
comidas.

As técnicas de cozimento seguiam também esta tendência a sobrepor e misturar


os sabores, mais que os distinguir e decompô-los. Escaldar, assar, fritar, aquecer,
grelhar eram obviamente modos distintos de cozinhar, mas também, em muitos
casos, momentos diversos do mesmo processo de cozimento. Entrecruzando as
técnicas, obtinham-se sabores particulares e consistências peculiares do alimento.

Enfim, a nossa relação com a comida foi radicalmente modificada a partir do


século XIX, em todo caso, nos cabe a escolher individualmente o próprio prazer e a
própria necessidade.

Divagação: o jogo da “cozinha histórica”

Na Itália e na Europa toda em si, surgiu uma moda nos últimos anos, que é da
cozinha “histórica”, eventualmente representada em edifícios também históricos,
para a diversão e curiosidade dos turistas. Não há como não se perguntar, isso faz
sentido? É possível reconstruir o gosto alimentar de uma época?

O problema-chave é identificar o limite entre compreensão e adaptação,


reconstrução e recriação, estudo filológico dos textos e trabalho prático na cozinha.
Apenas a sensibilidade e a experiência de quem trabalha com isso podem situá-lo
adequadamente, se a cultura gastronômica dos séculos passados pode ser
estudada e reconstruída com certa credibilidade, a passagem ao plano prático da
experiência (as sensações individuais dos sabores) parece totalmente fantasioso.
Os insumos mudaram, os produtos de hoje não são os mesmos de mil anos atrás,
mesmo que levam o mesmo nome e, o mais importante, mudou o sujeito. Os
consumidores não são mais os mesmos, a educação sensorial é imensamente
diferente. É tecnicamente impossível.

Do ponto de vista da emoção subjetiva, não é dito que a fidelidade filológica ao


texto seja o melhor modo para reconstruir a sensação de um tempo. É possível
acontecer até mesmo ao contrário, que o nível máximo de adaptação resulte, no fim,
muito mais fiel que a fidelidade formal. Um exemplo disso é o pilão com o socador, é
algo relativamente bem diferente do mixer eletrônico, as consistências que se obtém
com ambos também são distintas. Mas em relação a experiência, é o mixer o
instrumento que serve para triturar bem, assim como era o pilão na Idade Média.

Mesmo com as consistências, objetivamente distantes, poderiam coincidir do


ponto de vista subjetivo, em todo caso, nunca saberemos. E o que vale para as
técnicas, vale com toda certeza para os sabores. Na Idade Média as comidas
extremamente temperadas para os homens daquele tempo, de fato não eram, O
mesmo vale com o contado com a comida, comer com as mãos como era na época
medieval, não faz mais parte do nosso cotidiano (a não ser quando se tem
necessidade por questões culturais e religiosos). O que se era normal antigamente,
não se é mais.

Em todo caso, é necessário se contentar com aproximações, com uma


curiosidade destinada a permanecer epidérmica, mesmo que seja intelectualmente
atenta e preparada. Reconstruir receitas “autênticas” deste período seria uma
fantasia, em muitos casos não seria possível, dado que os receituários medievais
normalmente omitiam as especificações de quantidade por exemplo. A cozinha
antes de tudo é arte, a arte da invenção e também do espirito mais autêntico da
tradição histórica à qual gostaríamos de atribuir nossos experimentos. Sendo assim,
um bom cozinheiro deveria seguir o seguinte texto italiano do Trezentos, “o discreto
cozinheiro poderá ser doutor em todas elas, de acordo com a diversidade dos
reinos, e poderá variar ou colorir as comidas como quiser”.

O gosto é um produto social

"Bom para comer", isto é, o que for conveniente para comer, torna-se
historicamente, segundo Marvin, "bom para pensar", o valor cultural positivo. Mas
todos eles são válidos dentro de certos limites, somente quando falamos das classes
subalternas e de sua fome nunca suficientemente saciada.

Seus hábitos e, em última análise, suas tendências são claramente definidas pela
facilidade de encontrar comida, sua capacidade de armazenar e cozinhar, sua
capacidade de ficar satisfeito e evitar as dores da fome. Isso explica o gosto recente
por massas e batatas.

Nem sempre é certo que os hábitos alimentares correspondam aos gostos


pessoais. Só o desejo e o tédio dos cidadãos ricos transformaram a certa altura esta
comida pobre em comida de elite e popularizaram-na nas ervanárias e no comércio
de especialidades alimentares, uma nova imagem de um passado que nunca existiu,
puro e feliz. Uma ruralidade que os camponeses nunca encontraram. O caminho
identificado por Marvin - do hábito ao paladar, do comer ao pensar- ainda pode ser
invertido. De fato, se variarmos o aspecto social de referência e atravessamos do
contexto de pobreza para a riqueza a mecânica da formação do sabor também
parece ser invertida.

O objeto do desejo não é mais comida abundante, mas comida escassa, rara; não
é aquela que sacia a fome e a faz desaparecer, mas aquela que estimula e convida
a comer mais. Quanto ao fascínio por comidas raras, talvez o exemplo mais
clamoroso seja o das especiarias que na Idade Média fizeram grande sucesso nas
mesas das classes dominantes, para serem gradualmente abandonadas no decorrer
dos Seiscentos, quando o abastecimento do mercado e consequente declínio dos
preços as tornaram acessíveis a uma gama mais ampla de consumidores. A má
gestão da economia parecia, portanto, ser um motor importante no processo de
formação do gosto das classes altas, pela simples razão de que, como escrevia
Isidoro de Sevilha sobre o feijão, “tudo o que abunda é vil”, ou seja, tudo o que se
tem / dá em grande quantidade vale pouco.

Dize-me o quanto comes...

Na idade média, em tempos de crises a gastronomia era utilizada como


ferramenta para demonstrar superioridade, contextualizando uma situação de
privilégio de classe onde ocorria a separação da alimentação para somente fins
fisiológicos priorizando sempre a quantidade.

O duque Guido di Spoleto foi rejeitado pela realeza pelo simples fato de comer
pouco, e não estar “apto” a possuir um status por se contentar com refeições
modestas. Com o passar das décadas, a questão da quantidade de comida em
função do poder foi perdendo força e dando espaço a uma nova tese do assunto,
mas com teor de separação de classes sociais.

Participando de um conformismo social a ingestão de muitos alimentos davam


lugares a doenças como a gota, que tinha seu padrão estético apresentando sinal de
riqueza e bem-estar, criando um estereótipo de boa estética de que o cidadão tinha
que ser gordo para aparentarem ser ricos.

No século XX, a imagem de ser gordo começa a ser modificada e não apresenta
mais ar de superioridade, trazendo assim novas classes sociais para o fato de comer
muito, se tornando popular nos anos 80 e entre elas tendo um nível de habituação e
ostentação. Trazendo nos dias atuais a difícil missão das empresas alimentícias de
agradar por conta desses padrões culturais históricos da linha tênue de comer muito
e comer pouco ao longo dos anos após muito esforço para quebra de conceitos de
gula à mesa. Foi aplicado em texto o exemplo do rei Taufa’ahau Tupou IV que ao
chegar a obesidade, lançou na cidade um concurso de emagrecimento recriando
assim, o conceito de comer para a realeza.

... e o quê

Quando Anthelme Brillat-Savarin disse “Dizem-me o que comes e te direi quem


és” era falando da sua perspectiva e principalmente do modo em que as pessoas
comer revela sua perspectiva história.

A qualidade da comida além de ter um forte valor comunicativo e exprime


imediatamente uma identidade social. Na ideia de média através de texto se constrói
que nobres se comia em primeiro lugar carnes e os camponês comia mais, legumes,
frutas e cereais de acordo com a imagem da literatura. Com o crescimento da
população a carne de caça era somente para os nobres e somente a carne de porco
era considerada para os camponeses.

No fim da idade média a imagem da nobreza e a prática de poder não são mais a
mesma o nobre já não é mais o guerreiro a força já é um atributo mais significativo e
inventa-se a cortesia constrói-se um novo modo de viver e de se comportar em
sociedade.

Outras formas de identidade social medianas pela comida são aquelas que dia
respeitos aos religiosos monges e sacerdotes. O monge exclui carne da dieta, negar
carne significa afastar de si a sedução do poder. A rejeição da carne simboliza uma
reflexão de humildade e assim se alimentado de frutas, hortaliças e cereais.

O vínculo entre consumos alimentares e estilo de vida definidos em relação a


hierarquia social, prossegue com modalidades diversas nos séculos mais recentes.
Vimos que na Europa no século XVIII o café era uma bebida de consumo burguês,
já o chocolate de aristocrático. Já no século seguinte o café já havia se tornado uma
bebida popular na França, assim como o chá na Holanda e Inglaterra os símbolos
são um produto cultural que muda de época para outra.

Em sentido contrário mudou o significado social da batata que os europeus no


século XVIII não hesitavam em consideram comida de camponês, enquanto no
século seguinte entrou para alta gastronomia aristocrata e burguesa
Comida e calendário: uma dimensão perdida?

Hoje em dia foi perdido aqueles aspectos tradicionalmente forte da cultura


alimentar. A sociedade tradicional já vincula imediatamente a preparação e o
consumo deste ou daquele alimento a determinada recorrência do calendário.

No século IV em diante o calendário litúrgico obrigada os cristãos a observar


distinção entre dias gordos e dias magros, dia de comer toucinho e dia de comer
óleo vegetal.

Comer carne de porco na festa de santo Reis em janeiro também e


economicamente correto, porque é nesta época que se mata o porco. O cordeiro na
Páscoa e uma remissão a narrativa da Bíblia, mais não pode negar que aquele seja
o momento particularmente apropriado para saborear.

O discurso vale para muitas especialidades locais vinculadas a determinadas


festas do calendário religioso ou civil. O valor antigo do calendário alimentar não é
mais o mesmo, mas custa a desaparecer.

Da geografia do gosto ao gosto da geografia

Hoje, entre as diversas formas de identidade propostas e trazidas através dos


hábitos alimentares, uma que hoje nos parece óbvia é a do território: "o comer
geográfico", conhecer ou exprimir a cultura de um território através de alimentos,
produtos, receitas, parece-nos totalmente “natural”, mas esse lugar comum
consolidado, segundo o qual a “cozinha de território” é uma realidade antiga, nativa
e atávica é um equívoco sobre o qual é oportuno refletir atentamente. Em primeiro
lugar, devemos diferenciar entre os produtos e os pratos, de um lado, a cozinha de
outro, os pratos locais, ligados a produtos locais, evidentemente existem desde
sempre. Nesse sentido, a alimentação está, por definição, mais diretamente ligada
aos recursos do local. Mas também, no plano mais alto, mesmo quando entra em
jogo a variante decisiva do mercado, atenção ao produto "com denominação de
origem" não é novidade: Archestrato di Gela que, no século IV a.C. enumerava as
espécies de peixes que podiam ser pescados no Mediterrâneo e menciona, para
cada um, a área onde sua qualidade é melhor – Ostensio Lando, que em seu
comentário às mais notáveis e monstruosas coisas da Itália e de outros lugares.

Descreve as especialidades gastronômicas e enológicas das diferentes cidades e


regiões da Itália, uma infinidade de autores e personagens que podem ser evocados
para mostrar, o quanto, o conhecimento do território dos ambientes, dos recursos
locais sempre foi um elemento essencial da cultura gastronômica. O fato é que
esses conhecimentos não cabem propriamente numa "cultura territorial", num anseio
de "comer geograficamente" porque o objetivo do gastrônomo pré-moderno não era
se inserir em uma cultura específica, conhecer um território através de seus sabores,
mas reunir conjuntamente todas as experiências, acumular sobre a própria mesa
todos os territórios possíveis em uma espécie de grande banquete universal.
Archestrato, que lista os peixes de todos os lugares, os quer todos juntos em sua
mesa. Roma é celebrada pelos escritores da época imperial como o maior centro
comercial do mundo onde todos os produtos “locais” estão presentes
simultaneamente com a maior variedade possível de ofertas, que visa extremamente
superar a dimensão local e transcender o território.

Na Idade Média, o mercado de Bolonha ou Milão pronunciava por si, não tanto
porque ali se encontrava comida “local”, mas pela capacidade de se definir como um
lugar de trocas inter-territoriais, inter-regionais e internacionais. O mercado de Paris
durante séculos foi organizado da mesma maneira e viveu sob a mesma imagem. O
mesmo vale para os "pratos", ou seja, as especialidades locais. Tal como os
produtos, os pratos estão, talvez desde sempre, ligados à região, aos recursos e às
tradições. Em suma, os pratos e produtos locais, na Idade Média, não tem como
finalidade valorizar as cozinhas de território, assim como na antiguidade e depois no
Renascimento.

O orgulho dessas identidades cresceu sobretudo entre os séculos XVII e XIX,


quando surgiram na Itália, livros de receitas que se referiam à cozinha "piemontesa"
ou "lombarda", "cremonense" ou "macerada" ou "napolitana". O Apício moderno, de
Francesco Leonardi, representa talvez a primeira tentativa orgânica de reunir os
hábitos regionais da península, mas o fato é que essas coleções de receitas ainda
têm pouco de "regional" - se por "regional" entendemos os sistemas de cozinha
agora reconhecida como tal.

Um importante elo de transmissão é o livro de receitas publicado em 1891 por


Pellegrino Artusi, “La scienza in cusina e l'arte di mandar bene” (A ciência na cozinha
e a arte do comer bem), obra de extraordinário sucesso que, há mais de cem anos,
teve dezenas e dezenas de edições, e afirmando-se entre os mais longevos best-
sellers da literatura italiana. Como escreveu Piero Camporesi, o projeto de
unificação ítala concebido por Artusi funcionou muito melhor do que o projeto de
unificação linguística iniciado por Manzoni. Mas a unificação se deu por meio de um
maior conhecimento e maior valorização das peculiaridades locais, que caracterizam
as diversas culturas, as diversas Itálias, sob o signo da curiosidade, do
conhecimento e do respeito recíproco. Essa "regionalidade" que faz hoje, a força da
cozinha italiana, que a torna não apenas competitiva, mas também, geralmente,
mais atual do que outras cozinhas, como a culinária francesa, que historicamente se
desenvolveu com base em regras uniformes e "nacionais" de culinária.

A fraqueza da Itália como nação, se transformou ao longo do tempo, em um ponto


forte. Foi apenas nos últimos dois séculos que ocorreu uma verdadeira mudança na
cultura, ainda que muito lentamente, mas começou a mudar-se os critérios de
avaliação. A época do desenvolvimento das cozinhas que hoje denominamos de
“regionais”, é na verdade o século XIX, ou seja, a época do desenvolvimento
industrial. Hoje, o território é considerado um valor de referência absoluto nas
escolhas alimentares.

Não há restaurante da moda que não ostente, como elemento de qualidade, a


proposta de uma cozinha vinculada ao território e aos elementos frescos do
mercado. Esta opção altamente inovadora, ainda que se baseie em elementos
tradicionais, desenvolveu-se em articulação com diversos fenómenos, econômicos e
culturais. Em uma sociedade e ideologia estritamente classista como a da Europa
pré-moderna, teria sido impossível elaborar tal conceito. Na Idade Média, ninguém
pensaria em "comida territorial" porque o conceito de territorialidade
contrabalançava, ou pelo menos enfraquecia, as diferenças sociais.

No momento em que o paradigma da cozinha se torna um espaço, todos podem


ocupá-la, mestre e cidadão, exatamente como camponeses. Do ponto de vista
cultural, portanto, privilegiar o conceito de território significa superar a noção de
comida como primeiro e principal instrumento de diferença. Por isso, o conceito de
“cozinha regional” não pode ser antigo.

O paradoxo da globalização

Com o avanço da globalização e a troca de informações, preparações e


ingredientes, ocorre um efeito interessante e diferente do esperado: ao invés de
ocorrer a universalização da culinária, ocorre o fortalecimento da culinária cultural
dos locais.

Apesar de inicialmente a cozinha internacional parecer algo dos tempos atuais,


esta possui origens antigas, a cozinha “mediterrânea” e a cozinha medieval europeia
eram em si, cozinhas abertas a novas experiências, ingredientes e temperos, com
uma grande capacidade de adaptar-se ao ambiente no qual se encontra, isso se
prova com o “bianco-mangiare”, um prato que os seus ingredientes são brancos,
como carne de peixe, farinha de arroz ou até leite de amêndoas, ao todo, existem 37
variantes desse mesmo prato, e não existe um ingrediente comum entre todas essas
variantes.

Com o passar dos anos, a normalização de certos ingredientes se tornou uma


tendência e as tendências mudaram conforme as trocas de mercadoria ocorriam e a
ascensão das indústrias de alimentos, o pão que antigamente era alimento das elites
se tornou algo obrigatório na alimentação diária de todas as camadas sociais, e até
mesmo os europeus passaram a beber Coca-Cola e suco de laranja,
respectivamente um refrigerante norte americano e o suco de uma fruta asiática, o
que mostra que essa normalização tornou algo feito em massa ao longo dos
séculos.

Porém, apesar da globalização, não ocorreu a quebra da cultura, por exemplo,


existe uma grande geografia de hábito alimentar por toda o continente da Europa,
por exemplo, a cerveja e o vinho apesar de terem sido levados a quase todos os
cantos do mundo, continuaram sendo uma parte forte da cultura centro-norte e
centro-sul, respectivamente, o que também ocorre com o consumo de carnes e
cereais que continuam variam mediante a região europeia.

Mesmo quando são dadas a mesma comida e bebidas em diferentes lugares, o


normal que a receita seja diferente, por exemplo: o café que possui mais de 10
formas de ser preparado em diferentes regiões, ou a Coca-Cola, com um padrão
quase inflexível de gostos, precisou fazer mudanças específicas de sabor em certos
países para poder ser vendida baseada no gosto regional, a massa em outros
lugares é um acompanhamento para as carnes, já na Itália, a massa em si um prato
único, e o hambúrguer, comida que para os americanos era servido a qualquer hora,
ao ser levado para os europeus como um produto da Eurodisney, passou a ser uma
opção de refeição, substituindo a carne e o sanduíche.

O que ocorre é que mesmo com a imposição de uma cultura alimentar sobre
outras regiões, é que ao invés de ser absorvido totalmente, esta sofre mudanças
antes de finalmente entrar no gosto popular, o que pode mostrar a coexistência da
cozinha global e regional, que segundo sociólogos pode dar origem a uma cozinha
“co-global”, permitindo que as pessoas possam escolher sim entre várias opções de
pratos que possam existir ao redor do mundo sem o retirar da cultura na qual ele
está inserido ou que deseja estar.

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