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Anuário da Produção COMIDAS EXÓTICAS

Acadêmica Docente
Vol. 5, Nº. 10, Ano 2011 A influência da dinâmica cultural e do multiculturalismo
nas escolhas alimentares

RESUMO
Erci Ribeiro Moura
Faculdade Anhanguera de Brasília
A cultura compreende formas de transformação da natureza a fim de
ercirmoura@gmail.com
satisfazer as necessidades humanas, influindo também nos hábitos
alimentares. Os conceitos antropológicos, envolvendo os alimentos,
evidenciam como os seres humanos racionalizaram o instinto alimentar
e o transformaram em reflexo da sua manifestação cultural. Por isso, na
seleção e elaboração dos alimentos, leva-se em consideração a formação
do gosto, os recursos alimentares disponíveis em determinada região e
o melhor aproveitamento destes, fatores religiosos, utensílios para a
preparação e a forma em que os indivíduos se organizam para ingeri-lo.
Os alimentos consumidos podem definir grupo social, sendo nutritivo e
agradável ao paladar de um grupo e sequer estar incluídos no cardápio
de outro. Alguns alimentos tornaram extremamente difundidos pelo
mundo e as cozinhas regionais tornaram-se alvo de uma visão
etnocêntrica, e consequentemente alguns alimentos foram considerados
exóticos, principalmente pelas características peculiares de sabor, pelos
ingredientes utilizados e sua forma de preparo.

Palavras-Chave: antropologia da alimentação; alimento; cultura alimentar;


comida exótica; gastronomia; culinária brasileira.

ABSTRACT

The culture includes ways to transform nature to meet human needs


also influence eating habits. Anthropological concepts, involving food,
show how humans rationalized food instinct and turned it into a
reflection of its cultural expression. Therefore, the selection and
preparation of food, it takes into account the formation of taste, food
resources available in a given region and the best use of them, religious
factors, utensils for the preparation and the way in which individuals
organize themselves to ingest it. The foods consumed may define the
social group, being nutritious and palatable to a group and even be
included on the menu in another. Some foods have become extremely
widespread throughout the world and regional cuisines have become
the target of an ethnocentric view, and consequently some foods were
considered exotic, especially the peculiar characteristics of flavor,
ingredients used and its method of preparation.

Keywords: Anthropology of food, food, food culture, exotic food, cuisine,


Anhanguera Educacional Ltda. Brazilian cuisine.
Correspondência/Contato .
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
rc.ipade@anhanguera.com
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 01/11/2010
Avaliado em: 06/06/2012
Publicação: 7 de novembro de 2012 51
52 Comidas exóticas: a influência da dinâmica cultural e do multiculturalismo nas escolhas alimentares

1. INTRODUÇÃO
A cultura envolve diversos conceitos independentes que ao mesmo tempo se completam,
participa de todos os aspectos que permeiam a existência humana e por essa razão está
em constante mutação, assim como seus membros.

O ato de se alimentar está diretamente ligado não somente à sobrevivência como


também à nossa identidade sociocultural, pois ao se alimentar o homem cria significados
e simbolismos ao alimento ao qual ingere. É um processo que ao mesmo tempo em que
proporciona prazer, pode causar desconfiança, insegurança e medo, quando se trata de
algo que é desconhecido para ele.

Portanto a formação do gosto e dos hábitos alimentares depende de vários


fatores, hábito alimentar da família, da religião, da região em que se vive, da cultura
regional e/ou do seu país, entre outros.

Por todos esses fatores, muitos indivíduos recusam-se a experimentar alimentos


os quais não estão habituados a comer ou que consideram não comestíveis.

As comidas exóticas sempre estiveram presentes nas práticas alimentares de


diversas culturas, estando relacionadas a vários fatores como a própria formação do
hábito de acordo com os alimentos disponíveis a cada grupo humano e as formas de
aproveitamento, a questão da sobrevivência e os alimentos adotados nos tempos de crise,
a influência religiosa, que determina os alimentos que serão aceitos ou excluídos pelos
membros dos grupos religiosos.

Diante dessas observações, este estudo bibliográfico visa investigar na literatura


sob o ponto de vista cultural, essa relação que o indivíduo tem com o ritual da
alimentação, a influência da dinâmica cultural na formação do gosto e dos hábitos
alimentares que levam os indivíduos de culturas distintas a determinarem o caráter
exótico de certos tipos de alimentos.

2. CULTURA E SUA DINÂMICA


Para que Para que possamos entender melhor como a cultura influencia na alimentação
humana, precisamos em primeiro lugar entender a sua atuação, seus símbolos e
significados, estudando a formação do gosto, as escolhas alimentares, aversões, práticas
culinárias, o comportamento à mesa, a influência religiosa, observando de uma maneira
geral a relação entre a alimentação e as culturas por meio de uma abordagem
antropológica.

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2.1. Conceito de Cultura

A cultura pode ser entendida como, um sistema de símbolos e significados de caráter


público, um conjunto de mecanismos de controle, instruções e regras que regem o
comportamento humano, compartilhado entre membros do sistema cultural (Laplatine,
1995). Acrescenta ainda ao conceito anteriormente citado, que “a cultura é um conjunto de
comportamentos, saberes e saber-fazer característico de um grupo humano ou de uma
sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de
aprendizagem, e transmitidas ao conjunto de seus membros”

De acordo com Kroeber apud Mintz (2001) “a cultura é o modo como as pessoas
se relacionam mutuamente estabelecendo relações com seus materiais culturais”

Neste contexto, a cultura participa de todos os aspectos que permeiam a


existência humana e por essa razão podemos afirmar que esta não é estática, imutável e
sim dinâmica assim como seus membros, em constante mutação, estas transformações são
registradas na história de cada sociedade e expressadas pelas diversas culturas humanas
que dela compartilham, podendo em algum momento ser repassadas até mesmo de uma
cultura a outra no que chamamos de difusão cultural.

2.2. Difusão Cultural

Para Laraia (2007) grande parte das coisas que fazem parte do cotidiano de uma pessoa,
desde objetos de uso diário, vestuário, utensílios, mobília, a alguns hábitos como fazer a
barba e até alguns alimentos que ingere tiveram sua origem na difusão cultural, de acordo
com o autor, não há dúvidas de que grande parte dos padrões culturais de um sistema
não foram originados de forma autônoma e sim copiados de outros sistemas, ou melhor,
adaptados. O citado autor afirma ainda que se e que não fosse essa difusão, não seria
possível que a humanidade tivesse atingido o grande desenvolvimento atual.

Uma grande variedade de alimentos sofreu difusão cultural entre eles estão as
especiarias que através de sua diversidade de uso, seu poder de aromatizar, disfarçar, de
dar gosto aos alimentos, foram símbolo de riqueza e poder. Além destes, propiciaram a
satisfação do paladar de várias civilizações ao longo dos tempos, sendo estas difundidas
em todos os continentes do globo. Atualmente são raras as casas e apartamentos no
mundo onde não se encontre pelo menos um tipo de tempero.

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2.3. Símbolos e ritos como aspecto da cultura

É por meio de símbolos que os significados de uma cultura podem ser conservados e que
precisam ser comunicados e compartilhados por todos para que sejam eficientes na
explicação, significação e avaliação do espaço físico e social desta cultura (TURA; 2001).

Para Franco (2006) os alimentos sempre estiveram envolvidos nestas ocasiões, em


alguns momentos se tornam indispensáveis nesses ritos e em razão disso é que há uma
série de alimentos e preparações considerados apropriados como o bolo de casamento e
de aniversário que fazem parte de rituais antigos e que ainda são utilizados na atualidade.

3. ALIMENTAÇÃO E OS ASPECTOS CULTURAIS

3.1. Uma visão antropológica sobre o ato de comer

De acordo com Carneiro (2005) comer não é um ato solitário ou autônomo da espécie
humana, é a origem da socialização, pois, os humanos se reuniam para obter o alimento e
para tanto desenvolveram utensílios culturais diversos, talvez até mesmo a própria
linguagem.

Os hábitos culinários de uma nação não decorrem somente do instinto de


sobrevivência e da necessidade do homem de se alimentar. Eles são a expressão de sua
história, geografia, clima, organização social e crenças religiosas. Por isso as forças que
condicionam o gosto ou a repulsa por determinados alimentos diferem de uma sociedade
para outra (FRANCO, 2006).

3.2. O aspecto simbológico da alimentação

Para Mary Douglas, citada por Heck (2004), a comida e a refeição são expressões
simbólicas de uma ordem social, onde mensagens contidas nos alimentos tratam de níveis
de hierarquia, classes sociais, inclusão, exclusão social e transgressões, a refeição é
também um sistema de comunicação que reflete os relacionamentos entre grupos sociais.

Nessa perspectiva em suas diversas significações, a cultura se relaciona às


escolhas alimentares através de simbolismos sociais e psicológicos, onde indivíduos de
uma mesma cultura se relacionam, repassam seus conhecimentos em relação aos
alimentos, quais se devem comer, sua preparação, a escolha do cardápio, as maneiras de
se portar a mesa, influenciando psicologicamente nessas escolhas e reforçando o vínculo
entre o indivíduo e seu grupo social ou excluindo aquele que age fora do padrão
estabelecido por essa sociedade.

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4. O CARÁTER EXÓTICO NA CULTURA ALIMENTAR

4.1. Formação do gosto

O homem desde o nascimento passa por um longo período de aprendizado antes de se


integrar às estruturas sociais, e durante essa aprendizagem passa por um processo que
compreende a formação do gosto e dos hábitos alimentares, assim acaba dando
preferência e saboreando mais os alimentos habituais ao grupo familiar. Portanto mais do
que em qualquer outro campo da cultura, a humanidade é conservadora em matéria de
cozinha e exalta mesmo quando medíocre, os pratos da culinária materna, regional ou do
país de origem, formando hábitos que podem durar por toda a vida e essa sua degustação
acaba por gerar associações mentais surpreendentes (FRANCO, 2006).

Como citado anteriormente os homens estão condicionados a comer o que lhes é


ensinado na infância, fazem parte dessa didática o gosto e a aversão por determinados
alimentos, no entanto uma curiosidade do ser humano é experimentar continuamente
alimentos considerados desagradáveis e acabarem adquirindo gosto pelos mesmos, por
esse motivo algumas pessoas à medida que ampliam suas experiências gustativas, passam
a aceitar alimentos que lhes pareciam desagradáveis na infância ou a rejeitar alimentos
que antes eram considerados agradáveis (FRANCO, 2006).

Neste contexto, assim como o gosto por certos alimentos a rejeição e a


repugnância são transmitidas culturalmente influenciando diretamente nas escolhas
alimentares de diversas sociedades.

4.2. A escolha alimentar

Segundo Garine citado por Pilla (2005), no aspecto fisiológico o homem não difere dos
animais, é levado a se alimentar por um impulso instintivo. Porém os ingredientes que
ingerem não só satisfazem sua necessidade biológica, como também cumpre
características ligadas às escolhas determinadas principalmente pelo gosto e pelo cheiro.
Escolhas estas que trazem consigo a marca cultural do meio no qual se desenvolveram.

Diante das afirmações podemos dizer que a escolha dos alimentos depende
muito do gosto pessoal do indivíduo, o qual pode ser difícil de mudar devido à forte
influência das tradições e raízes culturais de cada sociedade. Porém, os meios de
comunicação acabam contribuindo para a ruptura dessas barreiras e fronteiras
internacionais sendo intensamente divulgados pelos meios de comunicação, através de
anúncios, reportagens, documentários entre outros, que mostram a diversidade de

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culinárias existentes, mostrando inclusive curiosidades gastronômicas e experiências


vivenciadas por viajantes em diversas partes do planeta.

4.3. Curiosidades gastronômicas: comidas exóticas e o relativismo na cultura


alimentar

Como vimos ao longo deste trabalho, a formação do gosto, nossas escolhas alimentares,
entre outros aspectos são influenciados por um caráter cultural existente em cada
sociedade. É esse multiculturalismo quem vai determinar um alimento como exótico ou
familiar, a sua aceitação ou negação vai depender da dinâmica cultural como também da
questão de sobrevivência. Neste tópico abordaremos curiosidades culinárias de alguns
alimentos consumidos por diversas culturas inclusive a brasileira.

4.4. Comidas exóticas como hábito alimentar de grupos sociais

Os escargots e rãs são bons exemplos de alimentos que geram polêmica em algumas
sociedades, as quais os consideram repugnantes, entretanto são habitualmente
consumidos em muitos países europeus como a França e a Espanha.

Segundo Burgos e Halcón (2001), suas formas de preparo variam, geralmente são
cozidos, assados ou fritos com uma variedade de condimentos e é uma comida de alto
valor biológico devido à seu alto teor de proteínas, contendo quase todos os aminoácidos
essenciais, porém de baixo valor calórico, cerca de 60 a 80 kcal por 100g de carne.

Os insetos são outro exemplo de alimentos que causam repulsa em diversas


culturas, mas que segundo alguns pesquisadores constituem excelentes fontes de
nutrientes.

Segundo Flandrin e Montanari (1998), na África, nos limites do deserto vivem os


acridófagos ou comedores de gafanhotos, que ao ver se aproximar uma nuvem destes
insetos, acendem uma fogueira para que a fumaça os derrubem e defume-os para torná-
los mais comestíveis ou mergulham-nos em água salobra.

Em se tratando de toxinas, para os Japoneses a melhor maneira de se servir o


peixe é servi-lo fresco e cru, mesmo o fugu um peixe altamente venenoso é muito
consumido no país, o qual pode levar o individuo a morte, porém dominam uma técnica
especial para retirada do veneno evitando assim que esse alimento se torne nocivo a
saúde (MACIEL, 2001).

Os egípcios da antiguidade tinham gosto eclético, em seus hábitos alimentares


comiam desde cabras-selvagens, gazelas a presas inusitadas como hienas, essas eram

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frequentes no repertório egípcio, também consumiam animais como ouriços, lebres, até
ratos e seu consumo pôde ser comprovado por restos encontrados no estômago de
múmias (TALLET, 2005).

De acordo com Franco (2006) um fato que provoca repulsa nos ocidentais é o
cachorro fazer parte dos hábitos alimentares dos chineses, até mesmo pela forma como
estes animais são abatidos, muitas vezes a pancadas, por acreditarem que através do
sofrimento esses animais liberam substâncias com propriedades estimulantes da
virilidade.

Para Farb e Armelagos, citados por Maciel (2001), pode haver por alguns,
repugnância com relação ao consumo de alimentos como um dos pratos da culinária
escocesa onde são cozidos pulmões, rins, pâncreas, fígado e coração bovinos, com cebola,
gordura e aveia cozida, assim como a buchada de bode, testículos de touro e rabo de
crocodilo, consumidos em algumas regiões brasileiras.

4.5. Comidas exóticas e o caráter religioso

Alguns dos casos mais comuns da influência da religião nos hábitos alimentares são o dos
alimentos liberados ou proibidos relacionados a tabus alimentares na culinária dos povos
como os semitas e dos indianos.

De acordo com Carneiro (2005) ser hinduísta é ser vegetariano, ser judeu ou
muçulmano implica em não comer carne suína, no cristianismo a cerimônia mais sagrada
está relacionada ao consumo do pão e do vinho, representando o corpo e o sangue de
cristo e no judaísmo Adão e Eva foram expulsos do paraíso em conseqüência da
desobediência por comer do fruto proibido. Entre os católicos há tradição de não
consumir carne vermelha durante a quaresma, período o qual se tem preferência em
ingerir peixe.

Ainda com relação ao caráter religioso com relação à comida e à bebida, há no


Brasil uma bebida denominada ayahuasca utilizada para fins religiosos tem origem
indígena, segundo Santos et al.(2006) foi introduzida no país em meados do século XIX,
sendo utilizada por seringueiros, pescadores e agricultores. Por volta da segunda década
do século XX, foi criada no Acre por Raimundo Irineu Serra a religião do Santo Daime, a
qual tem influência do cristianismo, espiritismo kardecista, religiões afro-brasileiras e
xamanismo indígena.

De acordo com o mesmo autor, Ayahuasca ou Santo Daime é uma bebida


produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazônica, um cipó o

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jagube, seu nome científico é Banisteriopsis caapi e folhas de um arbusto a chacrona, seu
nome científico é Psychotria viridis.

4.6. Comidas exóticas e a questão de sobrevivência

Um aspecto interessante sobre a escolha por alimentos exóticos é a questão da fome, onde
não se escolhe comer este ou aquele alimento por desejo de experimentar, mas sim pela
necessidade. Por uma questão de sobrevivência, os homens deixam de selecionar o que
comer e passam a se alimentar de fontes que outrora foram consideradas por ele
repugnantes e dependendo da situação de penúria podem até mesmo aderir à
antropofagia.

Um relato de Fernández-Armesto (2004) sobre a lógica canibal nos remete ao


aspecto simbólico estudado anteriormente, onde ele cita que, para o canibal, a comida é
reinterpretada como algo que tem um significado sendo muito mais que sustento físico,
ela tem um valor simbólico, um poder mágico que motiva o consumo.

A fome de certo modo pode influenciar nos hábitos culinários de toda uma
sociedade como afirma Franco (2006). A China tem um histórico de pobreza, escassez e
fome, porém ainda assim desenvolveu uma cozinha variada e sutil aproveitando tudo que
fosse comestível, sem desperdícios e realista não havendo proibições nem tabus
alimentares.

A grande variedade de alimentos consumidos pelos chineses se deve a sua


criatividade na luta pela sobrevivência, comento praticamente tudo que anda, rasteja,
nada ou voa sem dispensar nem mesmo alimentos peçonhentos como cobras, escorpiões,
entre outros.

Nas épocas de fome surgem os alimentos de tempos de crise, estes podem ser
impróprios para o consumo por causarem danos à saúde, como é o caso de alguns
alimentos listados por Josué de Castro citado por Carneiro (2003, p. 39) os chamados
alimentos “brabos” consumidos no Nordeste Brasileiro, entre eles estão os cactos e os
troncos espinhosos ricos em água do xiquexique da caatinga.

Ramos-Elorduy, et al.(2006) em seu estudo constataram que alguns tipos de


insetos são boas fontes de Proteínas, principalmente aminoácidos essenciais, como
também de ácidos graxos e sais minerais, assim sua ingestão torna-se importante
coadjuvante na nutrição dos diferentes grupos humanos que utilizam-se desse recurso
alimentar. Em outro estudo Ramos-Elorduy e Pinto. M (2001) já haviam constatado que
muitos insetos comestíveis analisados no México não só são abundantes, aceitáveis e
nutritivos como também são portadores de nutrientes indispensáveis como as vitaminas,

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contribuindo de forma significativa na dieta humana, os insetos constituem em excelente


alimento alternativo para populações famintas.

Segundo Fischler citado por Pedraza (2001) só não ingerimos tudo que é
biologicamente aproveitado por nosso organismo por uma questão puramente cultural.

4.7. Experiência de viajantes

Em viagens para localidades cuja cultura difere de seus países de origem, os viajantes
relatam suas experiências gastronômicas com certa admiração e em alguns casos até
mesmo com repulsa, essas experiências são relatadas tanto no passado quanto na
atualidade.

Segundo Cascudo (2004, p. 63-389) a literatura dos viajantes sofre distorções por
passarem pelo filtro pessoal do observador ao comparar a realidade da cultura da região a
qual está visitando com sua própria cultura, relatando como esquisitices hábitos em que
há tradição respeitável e natural.

4.8. Divulgação das comidas exóticas pelos meios de comunicação

Um dos grandes meios de difusão cultural atualmente são os meios de comunicação, onde
livros, revistas, rádio, televisão, cinema e internet desempenham papel de fundamental
importância na divulgação cultural, da gastronomia e dos mais diversos tipos de produtos
e gêneros alimentícios do globo. A televisão assume um papel particularmente importante
nessa divulgação, mostrando os modelos de comportamento alimentar, através de
documentários, filmes, reality shows, telenovelas e publicidade, que poderão ou não ser
reproduzidos posteriormente.

Canais abertos e fechados tanto no Brasil como em outros países, divulgam


comidas exóticas em reportagens de telejornais e documentários.

A diversidade de culturas e seus modelos alimentares são inúmeros, e que de


forma ou de outra acabam influenciando no modo como vemos o mundo, o outro, através
dos olhos de nossa própria cultura fazendo comparações, aceitando ou rejeitando o que
vem do próximo, aculturando ou não o que aprendemos com culturas as quais entramos
em contato.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que nossos hábitos alimentares e todas as situações que envolvem o ato de
se alimentar, que são aprendidas na infância e duram por toda uma vida, sofrem

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influência cultural e também são determinantes da aceitação e da negação por alimentos


novos, que não fazem parte do cardápio de determinadas culturas e que por essa razão
seus membros os consideram exóticos podendo gerar um etnocentrismo com relação a
esses alimentos.

E enquanto profissional pesquisador na área de alimentação, é preciso entender e


respeitar as escolhas alimentares do outro, seu modo de vida, as influências exercidas pela
comunidade a qual faz parte, suas crenças e tabus, mesmo que isso lhe pareça estranho ou
exótico. O exótico está na escolha alimentar de cada cultura, cada região, cada nação.

No Brasil encontramos uma grande diversidade alimentar e cultural. Não


devemos nos esquecer que somos um país que passou por um processo de miscigenação,
primariamente de três diferentes etnias, indígena, europeia e africana, com o passar dos
tempos foram chegando outros imigrantes e com eles suas práticas culinárias que aos
poucos passou a integrar os nossos hábitos alimentares, promovendo a ressignificação ou
aculturação na alimentação brasileira.

Precisamos perceber uns aos outros respeitando essas diferenças, pessoais,


sociais e culturais, para assim, evitarmos conflitos devido a comportamentos
depreciativos e até de certo modo preconceituosos, com alimentos e práticas alimentares
às quais possam ser consideradas exóticas.

Caso o profissional não compreenda essas diferenças culturais, tenha


preconceitos com alimentos, ingredientes e formas de preparação, despreparo para
atender aos diferentes tipos de público, nem habilidade para trabalhar com profissionais
de culturas distintas com hábitos alimentares que possam de alguma forma causarem-lhe
estranheza, poderá em algum momento envolver-se em situações especiais as quais
poderão gerar algum tipo de conflito entre os mesmos.

Assim estudar a influência da dinâmica cultural e do multiculturalismo nas


escolhas alimentares é de suma importância para que o profissional nutricionista exerça
bem sua profissão tanto na área clínica como na área de produção, para dessa forma
prestar um melhor atendimento a indivíduos dos mais variados grupos sociais.

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Erci Ribeiro Moura


Docente há 11 anos nas áreas da saúde e educação.

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