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Vol. 5, Nº. 10, Ano 2011 A influência da dinâmica cultural e do multiculturalismo
nas escolhas alimentares
RESUMO
Erci Ribeiro Moura
Faculdade Anhanguera de Brasília
A cultura compreende formas de transformação da natureza a fim de
ercirmoura@gmail.com
satisfazer as necessidades humanas, influindo também nos hábitos
alimentares. Os conceitos antropológicos, envolvendo os alimentos,
evidenciam como os seres humanos racionalizaram o instinto alimentar
e o transformaram em reflexo da sua manifestação cultural. Por isso, na
seleção e elaboração dos alimentos, leva-se em consideração a formação
do gosto, os recursos alimentares disponíveis em determinada região e
o melhor aproveitamento destes, fatores religiosos, utensílios para a
preparação e a forma em que os indivíduos se organizam para ingeri-lo.
Os alimentos consumidos podem definir grupo social, sendo nutritivo e
agradável ao paladar de um grupo e sequer estar incluídos no cardápio
de outro. Alguns alimentos tornaram extremamente difundidos pelo
mundo e as cozinhas regionais tornaram-se alvo de uma visão
etnocêntrica, e consequentemente alguns alimentos foram considerados
exóticos, principalmente pelas características peculiares de sabor, pelos
ingredientes utilizados e sua forma de preparo.
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
A cultura envolve diversos conceitos independentes que ao mesmo tempo se completam,
participa de todos os aspectos que permeiam a existência humana e por essa razão está
em constante mutação, assim como seus membros.
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De acordo com Kroeber apud Mintz (2001) “a cultura é o modo como as pessoas
se relacionam mutuamente estabelecendo relações com seus materiais culturais”
Para Laraia (2007) grande parte das coisas que fazem parte do cotidiano de uma pessoa,
desde objetos de uso diário, vestuário, utensílios, mobília, a alguns hábitos como fazer a
barba e até alguns alimentos que ingere tiveram sua origem na difusão cultural, de acordo
com o autor, não há dúvidas de que grande parte dos padrões culturais de um sistema
não foram originados de forma autônoma e sim copiados de outros sistemas, ou melhor,
adaptados. O citado autor afirma ainda que se e que não fosse essa difusão, não seria
possível que a humanidade tivesse atingido o grande desenvolvimento atual.
Uma grande variedade de alimentos sofreu difusão cultural entre eles estão as
especiarias que através de sua diversidade de uso, seu poder de aromatizar, disfarçar, de
dar gosto aos alimentos, foram símbolo de riqueza e poder. Além destes, propiciaram a
satisfação do paladar de várias civilizações ao longo dos tempos, sendo estas difundidas
em todos os continentes do globo. Atualmente são raras as casas e apartamentos no
mundo onde não se encontre pelo menos um tipo de tempero.
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É por meio de símbolos que os significados de uma cultura podem ser conservados e que
precisam ser comunicados e compartilhados por todos para que sejam eficientes na
explicação, significação e avaliação do espaço físico e social desta cultura (TURA; 2001).
De acordo com Carneiro (2005) comer não é um ato solitário ou autônomo da espécie
humana, é a origem da socialização, pois, os humanos se reuniam para obter o alimento e
para tanto desenvolveram utensílios culturais diversos, talvez até mesmo a própria
linguagem.
Para Mary Douglas, citada por Heck (2004), a comida e a refeição são expressões
simbólicas de uma ordem social, onde mensagens contidas nos alimentos tratam de níveis
de hierarquia, classes sociais, inclusão, exclusão social e transgressões, a refeição é
também um sistema de comunicação que reflete os relacionamentos entre grupos sociais.
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Segundo Garine citado por Pilla (2005), no aspecto fisiológico o homem não difere dos
animais, é levado a se alimentar por um impulso instintivo. Porém os ingredientes que
ingerem não só satisfazem sua necessidade biológica, como também cumpre
características ligadas às escolhas determinadas principalmente pelo gosto e pelo cheiro.
Escolhas estas que trazem consigo a marca cultural do meio no qual se desenvolveram.
Diante das afirmações podemos dizer que a escolha dos alimentos depende
muito do gosto pessoal do indivíduo, o qual pode ser difícil de mudar devido à forte
influência das tradições e raízes culturais de cada sociedade. Porém, os meios de
comunicação acabam contribuindo para a ruptura dessas barreiras e fronteiras
internacionais sendo intensamente divulgados pelos meios de comunicação, através de
anúncios, reportagens, documentários entre outros, que mostram a diversidade de
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Como vimos ao longo deste trabalho, a formação do gosto, nossas escolhas alimentares,
entre outros aspectos são influenciados por um caráter cultural existente em cada
sociedade. É esse multiculturalismo quem vai determinar um alimento como exótico ou
familiar, a sua aceitação ou negação vai depender da dinâmica cultural como também da
questão de sobrevivência. Neste tópico abordaremos curiosidades culinárias de alguns
alimentos consumidos por diversas culturas inclusive a brasileira.
Os escargots e rãs são bons exemplos de alimentos que geram polêmica em algumas
sociedades, as quais os consideram repugnantes, entretanto são habitualmente
consumidos em muitos países europeus como a França e a Espanha.
Segundo Burgos e Halcón (2001), suas formas de preparo variam, geralmente são
cozidos, assados ou fritos com uma variedade de condimentos e é uma comida de alto
valor biológico devido à seu alto teor de proteínas, contendo quase todos os aminoácidos
essenciais, porém de baixo valor calórico, cerca de 60 a 80 kcal por 100g de carne.
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frequentes no repertório egípcio, também consumiam animais como ouriços, lebres, até
ratos e seu consumo pôde ser comprovado por restos encontrados no estômago de
múmias (TALLET, 2005).
De acordo com Franco (2006) um fato que provoca repulsa nos ocidentais é o
cachorro fazer parte dos hábitos alimentares dos chineses, até mesmo pela forma como
estes animais são abatidos, muitas vezes a pancadas, por acreditarem que através do
sofrimento esses animais liberam substâncias com propriedades estimulantes da
virilidade.
Para Farb e Armelagos, citados por Maciel (2001), pode haver por alguns,
repugnância com relação ao consumo de alimentos como um dos pratos da culinária
escocesa onde são cozidos pulmões, rins, pâncreas, fígado e coração bovinos, com cebola,
gordura e aveia cozida, assim como a buchada de bode, testículos de touro e rabo de
crocodilo, consumidos em algumas regiões brasileiras.
Alguns dos casos mais comuns da influência da religião nos hábitos alimentares são o dos
alimentos liberados ou proibidos relacionados a tabus alimentares na culinária dos povos
como os semitas e dos indianos.
De acordo com Carneiro (2005) ser hinduísta é ser vegetariano, ser judeu ou
muçulmano implica em não comer carne suína, no cristianismo a cerimônia mais sagrada
está relacionada ao consumo do pão e do vinho, representando o corpo e o sangue de
cristo e no judaísmo Adão e Eva foram expulsos do paraíso em conseqüência da
desobediência por comer do fruto proibido. Entre os católicos há tradição de não
consumir carne vermelha durante a quaresma, período o qual se tem preferência em
ingerir peixe.
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jagube, seu nome científico é Banisteriopsis caapi e folhas de um arbusto a chacrona, seu
nome científico é Psychotria viridis.
Um aspecto interessante sobre a escolha por alimentos exóticos é a questão da fome, onde
não se escolhe comer este ou aquele alimento por desejo de experimentar, mas sim pela
necessidade. Por uma questão de sobrevivência, os homens deixam de selecionar o que
comer e passam a se alimentar de fontes que outrora foram consideradas por ele
repugnantes e dependendo da situação de penúria podem até mesmo aderir à
antropofagia.
A fome de certo modo pode influenciar nos hábitos culinários de toda uma
sociedade como afirma Franco (2006). A China tem um histórico de pobreza, escassez e
fome, porém ainda assim desenvolveu uma cozinha variada e sutil aproveitando tudo que
fosse comestível, sem desperdícios e realista não havendo proibições nem tabus
alimentares.
Nas épocas de fome surgem os alimentos de tempos de crise, estes podem ser
impróprios para o consumo por causarem danos à saúde, como é o caso de alguns
alimentos listados por Josué de Castro citado por Carneiro (2003, p. 39) os chamados
alimentos “brabos” consumidos no Nordeste Brasileiro, entre eles estão os cactos e os
troncos espinhosos ricos em água do xiquexique da caatinga.
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Segundo Fischler citado por Pedraza (2001) só não ingerimos tudo que é
biologicamente aproveitado por nosso organismo por uma questão puramente cultural.
Em viagens para localidades cuja cultura difere de seus países de origem, os viajantes
relatam suas experiências gastronômicas com certa admiração e em alguns casos até
mesmo com repulsa, essas experiências são relatadas tanto no passado quanto na
atualidade.
Segundo Cascudo (2004, p. 63-389) a literatura dos viajantes sofre distorções por
passarem pelo filtro pessoal do observador ao comparar a realidade da cultura da região a
qual está visitando com sua própria cultura, relatando como esquisitices hábitos em que
há tradição respeitável e natural.
Um dos grandes meios de difusão cultural atualmente são os meios de comunicação, onde
livros, revistas, rádio, televisão, cinema e internet desempenham papel de fundamental
importância na divulgação cultural, da gastronomia e dos mais diversos tipos de produtos
e gêneros alimentícios do globo. A televisão assume um papel particularmente importante
nessa divulgação, mostrando os modelos de comportamento alimentar, através de
documentários, filmes, reality shows, telenovelas e publicidade, que poderão ou não ser
reproduzidos posteriormente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que nossos hábitos alimentares e todas as situações que envolvem o ato de
se alimentar, que são aprendidas na infância e duram por toda uma vida, sofrem
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REFERÊNCIAS
BURGOS, José R. Arrébola. HALCÓN, Ramón M. Alvarez. La Exploración de Los Caracoles
Terrestres En España: Aspectos Ecológicos y Sociocultrales. Temas de Antropología Aragonesa, nº
11, 2001. p. 139-172.
CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. 3 ed. São Paulo: Global, 2004.
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Comida: uma história. Rio de Janeiro: Record, 2004.
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