Você está na página 1de 3

Realização e envio por e-mail, para um endereço designado pela escola, de um

único documento vídeo. O vídeo apresentado deverá seguir o modelo, que pode
ser visionado através do seguinte endereço:

https://youtu.be/-xWvlmtDLGs

A realização do Vídeo deverá ser:

• ininterrupta,
• realizado sem cortes,
• com câmara fixa,

Deverá conter:

1. uma breve apresentação do candidato

a) nome completo
b) número do cartão de identificação
c) informação sobre a proveniência, cidade e escola
d) breve comentário de motivação;

2. e um dos textos monologados (apresentados neste documento) que


constam das provas impostas, feito imediatamente a seguir a esta
apresentação;
CURSO DE TEATRO 2022.2023 - PROVAS DE ACESSO / INTERPRETAÇÃO / TEXTO 1

(…)
VALMONT

Como ousaria eu lançar-vos tal insulto, Marquesa, perante os olhos do mundo? A esmola poderia estar
envenenada. De resto, prefiro ser eu a escolher a minha caça. Ou a árvore para alçar a perna, como
gostais de dizer. Ao tempo que não chove sobre vós, quando vos haveis visto ao espelho pela última vez,
amiga da minha alma. Gostaria ainda de vos poder servir de nuvem, mas o vento leva-me para outros
céus. Farei florescer a fenda das esmolas. Quanto à concorrência, Marquesa, sei que tendes boa
memória. Que o Presidente vos tenha preferido a Tourvel, nem no inferno o podeis esquecer. Estou
disposto a ser o amoroso instrumento da vossa vingança. E do objecto da minha adoração, espero uma
caçada melhor do que da vossa virginal sobrinha, experiente como é nas artes da fortificação. O que
poderá ela ter aprendido no convento além de jejuns e de um pouco de piedosa masturbação com o
crucifixo? Passado o gelo das orações infantis, aposto em como ela arde por receber o golpe de
misericórdia que porá fim à sua inocência. Lançar-se-á sobre a minha faca antes de eu a desembainhar.
Não fará qualquer desvio: ignora os arrepios da caça. Que interessa a presa sem a volúpia da
perseguição? Sem o suor do medo, sem a respiração ofegante, o olhar esgazeado? O resto é digestão. Os
meus melhores passes farão de mim um bobo, tal como um teatro vazio faz do actor um bobo. Terei que
me aplaudir a mim próprio. O tigre cabotino.
Odeio as coisas passadas. A transformação acumula-as. Reparai no crescimento das nossas unhas,
continuamos a germinar dentro do caixão. E imaginai que tínhamos de viver com o lixo dos nossos
anos passados. Pirâmides de porcaria até cortar a meta. Ou nos dejectos dos nossos corpos. Só a
morte é eterna, a vida repete-se até o abismo se abrir. O dilúvio, um defeito de canalização.. A
vida é mais rápida quando a morte é um espectáculo, a beleza do mundo rasga menos
profundamente o coração, teremos coração, Marquesa, quando contemplamos a destruição,
vemos a parada dos jovens cus que diariamente nos lembra que somos efémeros, não os
podemos ter todos, não é, que as bexigas levem todos os que nos escapam, perante as fileiras das
pontas das espadas e o clarão dos tiros de canhão, com um certo sangue frio. Pensais por vezes na
morte, Marquesa. Que vos diz o espelho? É sempre o outro que olha para nós. Pode ser que não
haja nem um nem outro, apenas o nada dentro da nossa alma, que grita por comida. Quando
poderemos examinar a vossa virginal sobrinha, Marquesa?
QUARTETO
de Heiner Müller
Tradução de:
Maria Adélia Silva Melo, Jorge Silva Melo, João Barrento
Artistas Unidos / Cotovia 2015


CURSO DE TEATRO 2022.2023 - PROVAS DE ACESSO / INTERPRETAÇÃO / TEXTO 2

(…)

MERTEUIL

Ciumento. Vós, Valmont. Que recaída. Compreender-vos-ia, se o conhecêsseis. De resto, tenho a


certeza de que o haveis visto. Um bonito homem. Se bem que não muito diferente de vós.
Também as aves de arribação esvoaçam no ninho dos hábitos, mesmo quando o seu voo abarca
continentes. Virai-vos, por favor. A vantagem que ele tem em relação a vós é a juventude.
Também na cama, se quereis saber. Quereis saber. Um sonho, se vos tomo a vós, Valmont, como a
realidade, desculpai-me. Daqui a dez anos talvez já não houvesse diferença, se eu vos pudesse
transformar agora numa pedra com um amoroso olhar de Medusa. Ou numa matéria mais
agradável. Um espectáculo rentável: o museu dos nossos amores. Faríamos salas cheias, não
Valmont?, com as estátuas dos nossos desejos já podres. Os sonhos mortos, por ordem alfabética
ou cronológica, libertos dos acasos da carne, não mais expostos aos pavores da mudança. A nossa
memória precisa de muletas: não nos lembramos sequer das diferentes curvas dos sexos, para não
falar dos rostos: uma névoa. A Tourvel é um insulto. Não vos dei a liberdade para irdes montar
aquela vaca, Valmont. Ainda entendia que vos interessásseis pela pequena Volanges, legume bem
fresco saído da estufa do convento, minha virginal sobrinha; mas a Tourvel. Admito que seja um
bom pedaço de carne, mas dividido com um marido que não arreda pé, com um marido fiel, como
tenho todas as razões para recear, e de há muitos anos, o que é que fica para vós, Valmont? Uma
sobra, apenas. Quereis mesmo a sério esgravatar nesse triste resíduo? Fazeis-me dó, Valmont. Se
ao menos fosse uma prostituta que soubesse bem do seu ofício. A Merreaux, por exemplo, seria
eu capaz de partilhar com dez homens, mas a única senhora da alta que é suficientemente
perversa para se comprazer no casamento, beata de joelhos avermelhados pelo genuflexório e de
dedos inchados de tanto torcer as mãos diante do confessor. Essas mãos, Valmont, não agarram
nenhum aparelho genital sem a bênção da Igreja. Aposto que ela sonha com a Imaculada
Conceição quando o seu amoroso esposo se atira para cima dela com a matrimonial intenção de
lhe fazer um filho por ano. O que é a devastação de uma paisagem comparada com o desperdício
de prazer que implica a fidelidade de um marido? Sede bom cão, Valmont. E segui o trilho
enquanto está fresco. Um pouco de juventude na vossa cama, já que o espelho vo-la não devolve.
Para quê alçar a perna diante da fenda das esmolas? A menos que desejais mendigar a esmola do
casamento.
QUARTETO
de Heiner Müller
Tradução de:
Maria Adélia Silva Melo, Jorge Silva Melo, João Barrento

Artistas Unidos / Cotovia 2015

Você também pode gostar