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Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ

NEUROERGONOMIA: UM DIÁLOGO ENTRE AS NEUROCIÊNCIAS


E A ERGONOMIA

NEUROERGONOMÍA: UN DIÁLOGO ENTRE NEUROCIENCIAS Y


ERGONOMIA

NEUROERGONOMICS: A DIALOGUE BETWEEN NEUROSCIENCES


AND ERGONOMICS

Pires, Emmy Uehara1

Caruzo, Matheus Svoboda2

Resumo

Ao projetar sistemas eficazes de homem-máquina, é preciso compreender a mente em relação


ao trabalho e tecnologia (Ergonomia) e a mente não pode ser entendida sem estudar o cérebro
(Neurociências). O estudo do cérebro e da mente juntamente com o domínio complexo de
trabalho é denominado Neuroergonomia. Assim, o presente artigo se configura como uma
revisão de literatura atualizada sobre os principais marcos e conceituação dessa nova área,
ressaltando seus possíveis métodos utilizados em pesquisas e na prática cotidiana, bem como
as aplicações e perspectivas futuras. Desde seu surgimento formal em 2003 até os dias de hoje,
a Neuroergonomia tem auxiliado diversas áreas, tais como a saúde, a educação e a indústria, a
desenvolverem produtos mais adequados às necessidades do usuário e condições mais seguras
e eficientes em diversos postos de trabalho, ambientes domésticos e usuários em geral.
Palavras-chave: Neuroergonomia; Neurociências; Cérebro.
Resumen
Al diseñar sistemas hombre-máquina efectivos, es necesario comprender la mente en relación
con el trabajo y la tecnología (Ergonomía) y la mente no se puede comprender sin estudiar el
cerebro (Neurociencia). El estudio del cerebro y la mente junto con el complejo dominio del
trabajo se llama Neuroergonomía. Así, el presente artículo se configura como una revisión
bibliográfica actualizada sobre los principales hitos y conceptualización de esta nueva área,
destacando sus posibles métodos utilizados en la investigación y en la práctica diaria, así como

1
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Professora
Pesquisadora do magistério superior - Departamento de Psicologia (DEPSI). Coordenadora do Programa de Pós-
graduação Stricto Sensu em Psicologia. E-mail: emmy.uehara@gmail.com
2 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Mestre em

Psicologia - Programa de pós-graduação em Psicologia (PPGPSI/UFRRJ. E-mail: psicaruzo@gmail.com


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sus aplicaciones y perspectivas de futuro. Desde su aparición formal en 2003 hasta la


actualidad, la Neuroergonomía ha ayudado a diversas áreas, como salud, educación,
industria, a desarrollar productos más adaptados a las necesidades del usuario y condiciones
más seguras y eficientes en diferentes lugares de trabajo, entornos. hogares y usuarios en
general.
Palabras clave: Neuroergonomía; Neurociencias; Cerebro.

Abstract
To design effective systems for human-machine, one must understand the mind in relation to
work and technology (ergonomics) and mind can not be understood without studying the brain
(neuroscience). Studying the brain and the mind together with the complex area of work is
called Neuroergonomics. Thus, this article is configured as a updated literature review on key
milestones and conceptualization of this new area, highlighting its possible methods used in
research and in everyday practice, as well as applications and future prospects. Since its
inception in 2003 until the formal today, the neuroergonomics has helped many fields such as
health, education, industry, to develop products more suited to the user's needs and conditions
safer and more efficient in various jobs, environments domestic and general users.
Keywords: Neuroergonomics; Neurosciences; Brain.

1. Introdução
A ergonomia (ou o estudo dos interseção para a troca de diferentes
fatores humanos) vem evoluindo como uma disciplinas como a psicologia e engenharia,
disciplina única e independente, cujo foco por exemplo, possibilitando o surgimento
se dá na natureza da interação homem- da ergonomia (Wickens et al., 1998).
máquina, visto por uma perspectiva É por esta característica de interação
científica plural de diversos outros campos de diversas outras disciplinas, que Chapanis
de conhecimento, tais como a engenharia, (1996) define a ergonomia como “um
design, psicologia e gerenciamento de campo multidisciplinar” para a
sistemas humanos compatíveis. Abrahão e contribuição mútua entre a psicologia
colaboradores (2009) introduzem a (inicialmente a psicologia cognitiva
ergonomia como uma área de aplicação e
experimental), a antropometria (um ramo
produção de conhecimentos sobre o aplicado da antropologia), a fisiologia
trabalho, classificando-a como uma aplicada, a medicina do trabalho, a
disciplina dirigida a uma interpelação engenharia, a estatística e o design
sistêmica de aspectos da atividade humana. industrial. Assim, de acordo com a
Wickens e colaboradores (1998) descrevem International Ergonomics Association
que o campo da ergonomia se desenvolveu (2000), a ergonomia se define como uma
principalmente a partir de uma preocupação disciplina científica independente, que
restrita ao entendimento da interação busca compreender as interações entre os
humana com as ferramentas físicas. Essa seres humanos e outros elementos de um
interação em questão serviu de ponto de
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sistema. Ainda, a ergonomia é a profissão observação de toda a atividade cerebral. Em


que se utiliza de teorias, princípios, dados e termos gerais, se configura como um ponto
métodos para projetar e otimizar o bem- de convergência dessas diversas áreas inter-
estar humano e o desempenho geral do relacionadas, com o único objetivo de
sistema. Ergonomistas planejam, projetam integrar o conhecimento sobre a atividade
e avaliam tarefas, produtos, ambientes e cerebral em seus diferentes níveis de
sistemas, alinhando-os com as organização na produção da cognição e
necessidades, habilidades e limitações das comportamento humano. Para além da
pessoas (Abrahão et al., 2009). biologia molecular do sistema nervoso, as
neurociências abarcam, também, emoções,
Ao mesmo tempo, a partir de um
cognições e comportamentos,
recente esforço colaborativo entre
subdividindo-se em: neurociência
diferentes disciplinas, as crescentes
molecular; neurociência celular;
neurociências têm provocado novos olhares
neurociência sistêmica; neurociência
sobre os diversos aspectos do
comportamental; e neurociência cognitiva
funcionamento do cérebro e sua relação
(Squire et al., 2012).
com a cognição e comportamento humano.
Apoiada nos atuais avanços tecnológicos e Assim, o atual desenvolvimento de
científicos, esse campo apresenta um novas tecnologias e sua aplicação na
avanço cada vez mais profundo no [neurociência cognitiva, bem como o
conhecimento da atividade cerebral e sua crescimento do campo da ergonomia em
relação com os diferentes aspectos da sua multidisciplinaridade, levam a um
natureza humana. Essa convergência de inevitável (e frutífero) encontro entre essas
diversas disciplinas – tais como duas áreas de saber. A união entre a
neuroanatomia, neurofisiologia, ergonomia tradicional com as recentes
neuroimagem, neurologia, psicologia, neurociências possibilita, portanto,
psiquiatria, e mais recentemente, genética, aproveitar as considerações desenvolvidas
inteligência artificial, engenharia e por ambos os campos para o crescimento e
ergonomia – tem gerado o surgimento de aprimoramento do conhecimento atual
interessantes interações nos diferentes sobre os fatores humanos em todos os seus
campos de saber e, consequentemente, aspectos. Dessa forma, a neuroergonomia
novas abordagens para antigas questões representa o campo de conhecimento onde
(Bennett & Hacker, 2003). Pormenorizando ergonomia e neurociências se sobrepõem,
os fundamentos das neurociências, Squire e com o objetivo de compreender os fatores
colaboradores (2012) exploram as humanos a partir do estudo do
ramificações dessa área de conhecimento, funcionamento cerebral.
determinando-a como um agrupamento de Tendo isto em vista, o presente
ciências que utilizam a compreensão do estudo tem como objetivo apresentar, de
sistema nervoso como paradigma para maneira introdutória, os principais aspectos
investigar o componente biológico do do campo emergente da neuroergonomia,
comportamento. seus métodos, aplicações de pesquisa e
Por ser um empreendimento perspectivas futuras de trabalho. Para
enorme, atualmente as neurociências alcançar este objetivo, realizamos uma
abrangem desde estudos de moléculas que revisão teórica atualizada dos artigos e
agem na transmissão neural até estudos livros mais relevantes nessa nova temática.
com imagens por ressonância magnética na
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2. Afinal, o que é neuroergonomia?

Tanto as neurociências quanto a neurociências (Gazzaniga, 2000). Com o


ergonomia – disciplinas representantes da crescimento da neurociência cognitiva,
neuroergonomia – possuem suas uma nova revolução em nossa compreensão
constituições formais no século XX. Desde sobre a cognição humana ocorreu. Diante
então, o impressionante desenvolvimento disso, já não é mais possível descrever as
apresentado pelas neurociências desde seu características da ação e da cognição
surgimento na década de 50, assim como o humana, de maneira científica, sem alguma
progresso gradual e constante, mas não referência aos processos do cérebro
menos importante, da ergonomia podem ser humano (Posner, 2003). Essa nova
atribuídos a um grande avanço tecnológico abordagem nos estudos cognitivos, a partir
desse período, especialmente a partir do da interação com as neurociências
surgimento dos computadores (Wilson, possibilitou, conseqüentemente, uma
2000). No entanto, podemos observar que aproximação entre a própria ergonomia e os
estes dois campos apresentam estudos neurocientíficos. É a partir do
desenvolvimentos independentes. encontro dessas diferentes disciplinas –
psicologia cognitiva, neurociências e
Em geral, não houve uma
ergonomia – que a neuroergonomia surge.
verdadeira troca entre a ergonomia e as
neurociências ao longo do desenvolvimento O surgimento da neuroergonomia,
de ambos os campos. Pode-se dizer, na de acordo com Fafrowicz e Marek (2007),
verdade, que de certa forma a ergonomia foi estimulado por dois grupos de fatores: o
não prestou muita atenção para os primeiro, relacionado ao desenvolvimento
resultados dos estudos relativos aos de novos métodos de exame não-invasivos
mecanismos cerebrais subjacentes do cérebro, tais como a tomografia por
humanos aos processos perceptivos, emissão de pósitrons (positron emission
cognitivos, afetivos e motores tomography - PET Scan), imagem
desenvolvidos pelas neurociências. Esse funcional por ressonância magnética
relativo “negligenciamento” pelos (funtional magnetic ressonance imaging -
ergonomistas é compreensível já que esta fMRI), magnetoencefalografia (MEG),
disciplina tem suas raízes na psicologia dos eletroencefalograma (EEG) e o
anos 1940, predominantemente eletrooculograma (EOG), enquanto o
behaviorista (Fafrowicz & Marek, 2007). segundo grupo é ligado a tecnologias
Posteriormente, o surgimento da psicologia avançadas, em que seu desenvolvimento é
cognitiva nos anos 1960 influenciou os uma fonte de novas exigências para os
estudos em ergonomia, mas a maior parte trabalhadores. Os fatores mais importantes
das neurociências continuou a ser ignorada. são as altas exigências no que concernem
Isto se deu por um distanciamento ainda ao funcionamento cognitivo, carga mental e
existente entre os estudos neurocientíficos cognitiva do trabalho, entre outros. De
e emergente ciência cognitiva (Dennett, acordo como Metha e Parasuraman (2013),
1991). o surgimento da neuroergonomia preenche
lacunas referentes às bases neurais do
No entanto, é apenas a partir da
desempenho físico e cognitivo que não
década de 1990 que ocorre uma
foram respondidas com as avaliações
aproximação mais explícita entre a
ergonômicas tradicionais, compreendendo
psicologia cognitiva e os trabalhos em
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não apenas como as pessoas interagem com Pesquisas em outros continentes,


os sistemas de trabalho, mas também como por exemplo, podem ser encontradas na
e por que eles atuam de determinada Polônia - Departamento de neuroergonomia
maneira da Jagielloniam University - e em Taiwan,
no Centro de pesquisas do Cérebro (Brain
De fato, o termo “neuroergonomia”
Research Center) da National Chiao Tung
é de origem recente. Em seu atual
University e University System of Taiwan.
significado, teve sua primeira menção em
No Brasil, até a presente data, observa-se
2003 na edição especial da revista
uma escassez de estudos e centros de
“Theoretical Issues in Ergonomics
pesquisa sobre neuroergonomia que
Science” (Questões teóricas da ciência
utilizem esse termo como norteador
ergonômica). Considerado por
conceitual. Dentro os programas que
Parasunaman (2003) a proclamação da
possuem linhas de pesquisa e produzem
nova subdisciplina científica, a divulgação
estudos e palestras sobre o tema, podemos
da neuroergonomia nessa edição foi
citar como exemplo o Programa de Pós-
constituída por treze artigos contendo 250
Graduação em Engenharia e Gestão do
páginas, que apresentaram uma espécie de
Conhecimento da Universidade Federal de
princípio, ilustrando essa nova área de
Santa Catarina.
conhecimento. Posteriormente, em 2007, o
termo recebeu maior força com o Segundo Parasuraman (2003), a
lançamento do livro Neuroergonomics: The neuroergonomia é o estudo do cérebro e do
Brain at Work (Neuroergonomia: O comportamento no trabalho. Como
Cérebro em Funcionamento), editado por apresentado anteriormente, essa área
Raja Parasuraman e Matthew Rizzo. Mas, é interdisciplinar de pesquisa e prática surge
somente em julho de 2010, que é realizado a partir das disciplinas de neurociências e
em Miami/Flórida a primeira conferência ergonomia (ou fatores humanos), com o
internacional de neuroergonomia. intuito de maximizar os benefícios de cada
um dos campos. A finalidade não é somente
A partir disso, novas pesquisas estão
estudar as estruturas e funções cerebrais,
sendo realizadas em diversas universidades
que provém das neurociências, mas
e laboratórios localizados principalmente
também fazê-lo no âmbito da cognição e do
nos Estados Unidos, tais como: Laboratório
comportamento humano no trabalho, em
de ciência cognitiva da Catholic University
casa, no transporte e em outros ambientes
of America (Washington); Departamento de
do cotidiano. Mais recentemente, Mehta e
engenharia industrial e de sistemas e
Parasuraman (2013) revisaram o tema,
Psicologia e Neurociência da Ohio State
descrevendo que a neuroergonomia fornece
University (Columbus); Center of
informações valiosas sobre a função e o
Excellence in Neuroergonomics,
comportamento do cérebro em ambientes
Technology, and Cognition (CENTEC) na
naturais, de maneira a melhorar tanto o
George Mason University (Virgínia);
bem-estar, quanto o desempenho dos
Departamento de neurologia, Divisão de
sistemas.
neuroergonomia da University of Iowa
(Iowa); Departamento de psicologia da Old Os estudos em neurociências
Dominion University (Norfolk); e revelam a existência de redes neurais, que
Departamento de psicologia e no Instituto formam diversos sistemas cerebrais
de simulação e treinamento da University of específicos na execução de determinada
Central Florida (Florida). função cognitiva. A partir disso, pode-se
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observar com mais precisão, por exemplo, De acordo com Sarter e Sarter
o tempo e as estruturas específicas (2003), para que seja possível uma
envolvidas na execução de determinada neuroergonomia, é necessário antes a
tarefa ou na realização de operações adoção da perspectiva da neurociência
mentais particulares. Ao se aplicar tais cognitiva. Isto se deve ao fato de que ambos
possibilidades de estudo nos trabalhos de os campos apresentam objetivos
ergonomia, podemos notar uma mudança intimamente relacionados. Ao mesmo
na abordagem adotada. tempo em que a neurociência cognitiva
busca descobrir os mecanismos cerebrais
Como apontam Fafrowicz e Marek
que mediam a atividade cognitiva
(2007), na abordagem tradicional da
complexa, a neuroergonomia busca
ergonomia, as funções mentais, cognitivas
compreender como esses mesmos
e emocionais do sujeito são consideradas
mecanismos cerebrais estão envolvidos na
como construtos teóricos que servem de
performance humana na interação com a
ponto de partida para o trabalho. A partir de
tecnologia (Hancock & Szalma, 2003).
uma abordagem da neuroergonomia, os
Mehta e Parasuraman (2013) também
estudos se concentram nas estruturas
pontuam que a neurociência cognitiva é o
neurais envolvidas na ação do sujeito.
que vai dar as bases para compreensão da
Assim, não são mais os construtos teóricos
interação entre pessoas e sistemas de
que guia o trabalho – como na abordagem
trabalho proposta na neuroergonomia, haja
tradicional ergonômica – mas sim o próprio
vista que para isso se faz necessário
funcionamento cerebral que pode (ou não)
compreender as bases neurais associadas à
ser convergente com o que foi predito nesse
eficiência física e cognitiva, o que a
constructo. A função de estruturas neurais
ergonomia tradicional não abarca em seu
particulares ativas durante o desempenho
escopo.
de uma tarefa de trabalho se torna o ponto
de partida. Ao unir a abordagem De maneira prática, a
epistemológica das neurociências com os neuroergonomia pode prever de maneira
estudos em ergonomia, a neuroergonomia mais eficaz e natural a interação entre os
surge como uma nova perspectiva e seres humanos e a tecnologia. Ao entender
abordagem de trabalho (Fafrowicz & como o cérebro realiza as tarefas complexas
Marek, 2007). do cotidiano, muitos benefícios tanto para a
pesquisa quanto para a prática da
A neuroergonomia incide sobre as
ergonomia podem ser proporcionados.
investigações das bases neurais de funções
Uma nova concepção de condições de
perceptivas e cognitivas, tais como ver,
trabalho mais eficientes e seguras podem
ouvir, lembrar, decidir e planejar, em
surgir, tendo como potenciais beneficiados
relação às tecnologias e configurações no
os desenvolvedores de tecnologias, os
mundo real. Isto é, como o cérebro humano
donos de sistemas ou a sociedade em geral
interage com o mundo através de um corpo
cuja tecnologia é utilizada. Assim, a
físico. Ao mesmo tempo, a neuroergonomia
neuroergonomia acaba deixando de lado
também se preocupa com a base neural do
uma abordagem baseada exclusivamente na
desempenho físico – o ato de agarrar,
avaliação do desempenho ostensivo ou de
mover ou levantar objetos utilizados em
percepções subjetivas do operador, como
trabalhos com computadores e outras
ressaltam os autores Parasuraman e Riley
máquinas (Parasunaman & Rizzo, 2007).
(1997) e Mehta e Parasuraman (2013).

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3. Métodos na pesquisa e na prática da neuroergonomia

As inovações tecnológicas, sanguíneo), tais como a tomografia por


amparadas nos diversos métodos de emissão de pósitron (PET), imagem
neuroimagem estrutural e funcional, aliadas funcional por ressonância magnética
às técnicas psicofisiológicas e (fMRI) e ultra-sonografia transcranial
neuropsicológicas, têm expandido o Doppler (transcranial Doppler sonography
conhecimento sobre o cérebro e o - TCD). O segundo grupo de métodos
comportamento humano. O emprego de envolve a medição de atividade
métodos auxiliares à ergonomia tradicional eletromagnética do cérebro, incluindo
têm sido uma peça fundamental na eletroencefalograma (EEG), potencial
caracterização e entendimento dos evocado relacionado a evento (ERP) e
fenômenos e das localizações dos processos magnetoencefalografia (MEG) (Para
relacionados ao sistema nervoso central e estudo mais aprofundado, consultar Cabeza
periférico (Gramann et al., 2017). Todo o & Kingstone, 2001).
conhecimento adquirido através das Alguns empecilhos envolvem o uso
técnicas e métodos permite ao pesquisador das técnicas de imageamento cerebral.
não apenas um complemento na análise Apesar do crescente desenvolvimento,
desses processos mais específicos, como nenhuma das técnicas de neuroimagem
também permite expandir para outras áreas. apresentadas anteriormente consegue
Historicamente, muitos métodos combinar a alta resolução temporal e a
foram desenvolvidos em áreas diversas, espacial em conjunto. Atualmente, as
como a medicina e a biologia, e ao longo medidas eletromagnéticas como os
dos anos, vêm sendo utilizados na pesquisa potenciais evocados fornecem a melhor
e na prática de outras áreas. Desde que a resolução temporal (1 ms ou melhor) para
neuroergonomia passou a ser estudada e avaliar a atividade neural, enquanto
aplicada, uma gama multifacetada de medidas metabólicas como fMRI possuem
avanços referentes à metodologia e a melhor resolução espacial (1 cm ou
instrumentos de investigação do cérebro e melhor). Ao mesmo tempo, tanto o PET
do comportamento no trabalho foram Scan quanto o fMRI são consideradas as
propostos, sobretudo as ferramentas nas técnicas menos invasivas quanto ao
quais a disponibilidade ambulatorial, funcionamento cerebral (Parasuraman &
sensores vestíveis e análises de dados Rizzo, 2007). Além do alto custo de alguns
avançados possibilitam a produção de métodos, estas técnicas possuem o
imageamentos cerebrais de pessoas, inconveniente de restringirem os
técnicas estas fortemente influentes no movimentos dos participantes. O fato de
desenvolvimento do campo da neurociência limitar o movimento acaba dificultando sua
cognitiva. (Gramann et al., 2017). utilização em alguns estudos
neuroergonômicos, principalmente aqueles
Essas técnicas podem ser divididas
ligados às tarefas complexas tais como em
em duas classes. O primeiro grupo de
vôos, simulação de direção ou uso de
técnicas é baseada na medição
sistemas de realidade virtual. Apesar desses
hemodinâmica cerebral (ou fluxo
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empecilhos, estudos quanto ao desempenho emocionais ativos em ambientes ou


em tarefas complexas têm sido realizados sistemas de trabalho.
(Peres, Van De Moortele, & Pierand, 2000; Além dos métodos apresentados
Calhoun et al., 2002). acima, os testes neuropsicológicos e as
Gramann e colaboradores (2017) medidas psicofisiológicas também podem
ressaltam que a aplicação de técnicas de ser utilizados na neuroergonomia.
neuroimagem em ambientes do mundo real Diferentes das técnicas de neuroimagem,
é extremamente desejável para a que se baseiam em grande parte nas
neuroergonomia, enquanto instrumentos estruturas cerebrais, os testes
investigativos. Os autores destacam que o neuropsicológicos são instrumentos
desenvolvimento de novas técnicas diagnósticos complementares utilizados na
combinado com as distintas ferramentas investigação das funções cognitivas de um
que possibilitam insights sobre o cérebro e indivíduo (White et al., 2003). É através
as dinâmicas comportamentais darão bases desses testes que podemos avaliar o nível
mais firmes para a compreensão da de atenção, percepção, memória,
interação homem-máquina. Nota-se um linguagem, motricidade, funções
impasse quanto à possibilidade de executivas, entre outras habilidades
ferramentas que gerem gravações móveis, cognitivas, seja ela preservada ou alterada.
permitindo análise da atividade cerebral no As medidas psicofisiológicas são
ambiente de trabalho. Buscando solucionar registradas a partir do corpo, por exemplo,
tal questão, faz-se necessário o batimentos cardíacos, condutância de pele,
desenvolvimento de novos sensores níveis de catecolaminas urinárias, pressão
portáteis, bem como análises mais sanguínea, também têm sido utilizados em
aprimoradas. Dessa forma, trabalhando estudos psicológicos e mais recentemente
com instrumentos que funcionem em tempo em ergonomia na medição de operadores
real, poder-se-á avaliar mais em seus postos de trabalho (Kramer &
fidedignamente aspectos cognitivos e Weber, 2000).

4. Algumas aplicações

4.1. Automação Adaptativa e Carga Mental de Trabalho

A automação adaptativa ou sistemas automação pode se referir à atribuição de


automatizados (do inglês adaptative uma função previamente realizada por
automation) referem-se à atribuição humanos para máquinas. Nesses sistemas
flexível de funções de agentes humanos e adaptativos, a divisão do trabalho durante o
máquinas durante as operações do sistema design e o desenvolvimento de sistemas não
(Hancock & Chignell, 1987). Os sistemas é fixa nem pré-específica, mas dinâmica e
automatizados fornecem um bom exemplo varia de acordo com o contexto (Rouse,
de incompatibilidade que pode ocorrer 1988).
entre o humano e a máquina. Uma forma Ao mesmo tempo em que os
comum desse tipo de sistema é a prestação sistemas adaptativos geram benefícios e
de suporte da máquina ao operador segurança, podem ocorrer problemas na
humano. De maneira alternativa, a
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interação entre homem-máquina, já medidas comportamentais. Alterações no


documentadas em laboratório e em campo tempo de reação, por exemplo, podem
(Wiener & Curry, 1980; Bainbridge, 1983). refletir as contribuições do processamento
Apesar de todo o dinamismo, um dos da memória de trabalho e a resposta
problemas observados diz respeito à carga relacionada à carga de trabalho. Entretanto,
mental de trabalho do operador. quando combinada com a amplitude e a
Introduzidos com intuito de reduzir a carga latência do componente P300 do potencial
mental, os sistemas automatizados podem evocado relacionado a evento, tais
não fazê-lo ou até aumentá-la em certas mudanças podem ser mais precisamente
ocasiões. O suporte automatizado é localizadas na parte central de estágios de
necessário somente quando a carga mental processamento do que a resposta em si
é relativamente elevada, de modo que (Wickens, 1990). Além disso, as medidas
operador possa se beneficiar da liberação de do funcionamento cerebral podem indicar
recursos cognitivos, proporcionados pela não apenas quando um operador está
automação. Em outros momentos, esse sobrecarregado, sonolento ou cansado, mas
suporte não precisa ser dado, caso a carga também quais redes e circuitos do cérebro
mental seja muito baixa, não havendo podem estar afetados.
perigo do operador deixar de prestar No Brasil, alguns estudos vêm
atenção no sistema. Nesse caso, deve haver investigando a fadiga e a carga mental de
uma redistribuição das tarefas trabalho em diferentes âmbitos e sistemas.
(Parasuraman & Mouloua, 1996). Por exemplo, a atividade de operadores de
No entanto, a adaptação da carga caixa de supermercados, ressaltando a
mental do operador torna-se dependente da pesquisa no campo da ergonomia, foi
capacidade de medi-la em tempo real. De estudada por Santos (2004). Embora
acordo com Byrne e Parasuraman (1996), utilizem sistemas operacionais que têm a
uma série de técnicas diferentes podem ser finalidade de facilitar o trabalho, tais
utilizadas, em especial as medidas do sistemas exigem constante atenção e
funcionamento cerebral. Ao contrário da dependem da capacidade de manipulação
maioria das medidas comportamentais por parte dos operadores, o que acaba
(com exceção das tarefas motoras gerando uma carga mental excessiva. Os
sucessivas), as medidas das atividades resultados da pesquisa indicaram uma
cognitivas podem ser obtidas de forma participação expressiva de aspectos mentais
contínua. Por exemplo, quando o operador e psíquicos na carga de trabalho, além da
supervisiona vários sub-sistemas, medidas constante presença de DORT (Distúrbios
comportamentais como o tempo de reação Osteomusculares relacionados ao trabalho).
ou erros no movimento podem ser Ainda, estudos semelhantes foram
registradas. Contudo, oferecem uma propostos em relação a operadores de trem
medida mais empobrecida do que medidas (Melo, 2007) e operadores de sistemas de
registradas diretamente da atividade energia elétrica (Oliveira, 2009).
cerebral.
Em alguns casos, as medidas de
funcionamento cerebral podem fornecer
mais informações quando associadas às

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4.2. Aviação

Tradicionalmente, a maior Peysakhovich e colaboradores


influência dos fatores humanos no design (2018) propõem a neuroergonomia como
da tecnologia tem sido no campo da uma opção promissora para potencializar a
aviação, especificamente na elaboração de segurança de voos, haja vista que o erro
displays e controles das cabines do avião humano ainda se mostra como a principal
(Fitts, Jones, & Milton, 1950). Com o causa de acidentes aeronáuticos. No estudo,
aumento das viagens aéreas, novas os autores sugerem uma estrutura de quatro
propostas para o controle do tráfico aéreo e estágios de integração de sistemas de
displays foram apresentados. Mas, como rastreamento ocular em cockpits modernos,
saber se são realmente funcionais e são levando em consideração que a tecnologia
eficientes? de rastreamento ocular possibilita
“monitorar o monitoramento”, evitando
Um exemplo pode nos ajudar a
acidentes e incidentes com base no
entender melhor essa questão. Ao instalar
rastreamento ocular. Já o estudo de Causse
um novo sistema de monitoramento de
e colaboradores (2013) examinou o erro de
tráfego em uma aeronave, é preciso
continuação de plano (lan continuation
considerar informações como a velocidade,
error/PCE), ou seja, uma falha em revisar
altitude, trajetória de vôo e assim por
um plano de vôo, apesar das evidências
diante, usando cores e símbolos codificados
explícitas de que ele não é mais seguro,
em um monitor de computador. Para sua
sustentados na hipótese que a emoção ou
criação, é interessante que os designers
estresse podem modular a tomada de
saibam quais as características dos
decisão e o funcionamento cognitivo de
símbolos servem para atrair melhor a
aviadores, gerando mais PCE. Realizaram
atenção do piloto. Desta forma, é
dois experimentos, um comportamental
fundamental compreender como ocorre o
(n=12) e um a partir de ressonância
processo da atenção visual, o controle
magnética funcional (fMRI) (n=6),
oculomotor e memória de trabalho através
concluindo que o PCE pode ser provocado
de medidas do funcionamento cerebral. A
por um comprometimento temporário da
partir dessas novas informações, pode-se
tomada de decisão, o que poderia ser
determinar com mais precisão o impacto
evitado com auxílio de ferramentas
dos elementos presentes no novo display no
neuroergonômicas.
desempenho do piloto (Wickens et al.,
2000).

4.3. Neuroengenharia ou Interface cérebro-máquina/computador

Ao mesmo tempo em que Fritsch e comunicação adicional para interação


Hitzig (1870) demonstravam a humana com o ambiente, também chamada
excitabilidade elétrica do córtex motor, os de interface cérebro-computador (Brain-
cientistas e escritores de ficção computer interfaces – BCIs).
consideravam a possibilidade de interagir Atualmente, novas tentativas têm
com uma máquina a partir do cérebro sido impulsionadas por objetivos clínicos e
humano. A neuroengenharia envolve usar tecnológicos. Por exemplo, o estudo de
os sinais cerebrais como um canal de
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Loeb (1990) trouxe a percepção do som de materiais escritos em um computador.


milhares de pessoas surdas por meio de Interfaces não-invasivas têm utilizado uma
eletrodos implantados na cóclea. Nos dias variedade de sinais cerebrais derivados de
atuais, uma grande força motriz por trás das registros de EEG do córtex cerebral,
interfaces cérebro-máquina surge da incluindo EEGs quantificados de diferentes
necessidade de proporcionar uma faixas de freqüência (Pfurtscheller e
comunicação e um meio de agir sobre o Neuper, 2001) e ERPs, como P300
ambiente em pacientes com limitações (Donchin, Spencer e Wijesinghe, 2000) e
motoras e perdas no controle de seu corpo. variação contingente negativa (Birbaumer
Grande parte da pesquisa clínica tem-se et al., 1999).
centrado em pacientes que sofrem de Nicolas-Alonso e Gomez-Gil
paralisia total após um acidente vascular (2012) revisaram o estado da arte sobre os
cerebral (AVC) ou doenças degenerativas, BCIs, indicando o crescente interesse de
como a esclerose lateral amiotrófica (ELA) cientistas em desenvolver tecnologias desse
(Kubler et al., 2001). gênero. Os resultados sugeriram que muitos
Ligado à “biocibernética”, o estudos demonstraram a precisão dos BCIs,
trabalho de Donchin (1980) e muito embora ainda existam dificuldades
posteriormente, o de Nicolelis (2003), relativas ao processamento de sinais
impulsionaram o desenvolvimento e cerebrais. Ainda assim, o tempo de
aprimoramento de interfaces capazes de treinamento do usuário vem sendo
movimentar braços robóticos, controlar o significativamente reduzido, possibilitando
movimento de cursores de mouse e operar aplicações mais possíveis na vida diária de
sintetizadores de voz. As interfaces pessoas com deficiência, tais como
humano-computador permitem ao usuário processamento de texto, controle de cadeira
interagir com o ambiente sem a necessidade de rodas, controle ambiental simples,
de qualquer atividade muscular. Em vez neuropróteses, entre outros. Contudo, os
disso, o usuário é treinado a utilizar um tipo autores sugerem alguns problemas que
específico de atividade mental que é precisam ser resolvidos, a saber, riscos de
associada a uma única “assinatura” elétrica infecção e problemas de estabilidade a
cerebral. Os potenciais cerebrais são longo prazo, a necessidade de sinais
processados e classificados para eletrofisiológicos e metabólicos que sejam
fornecerem sinais controlados em tempo mais capazes de codificar a intenção do
real a um dispositivo externo. usuário e o fato das taxas de bits de
informação propiciadas pelos BCIs ainda
Felton e colaboradores (2005)
serem baixas para uma interação homem-
desenvolveram uma interface com base no
máquina realmente eficaz.
eletrocorticograma para permitir que
paraplégicos redigissem cartas e outros

4.4. Realidade virtual e simulação

Relevante para a neuroergonomia, a (1999) define a RV como uma experiência


realidade virtual (RV) pode replicar em que o usuário esteja efetivamente
situações com maior possibilidade de imerso em um mundo virtual sensível.
controle existente no “mundo real”. Brooks Controlada por computador, cria um

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ambiente ilusório que se baseia em telas contingências de mudança. Por fim, a RV


visual, auditiva, somatosensorial e até tem se apresentado eficaz na terapia de
mesmo olfativa. Permite a obtenção de pacientes com Transtorno de Estresse Pós-
medidas comportamentais e neurológicas Traumático (TEPT) e na reabilitação de
do cérebro em pleno funcionamento pessoas com deficiências motoras,
durante situações que são impraticáveis ou cognitivas e psiquiátricas, bem como em
impossíveis de se observar no cotidiano. relação a transtornos de ansiedade,
compulsão alimentar e distorção de
Devido a essas características, a RV
imagem corporal, como sugerido por
pode ser utilizada para estudar o
Botella e colaboradores (2006). Os autores
comportamento de operadores humanos
sugerem que, embora recentes, os estudos
envolvidos em tarefas perigosas sem
sobre o efeito terapêutico da RV são
colocá-los em risco. Além disso, também
promissores, mostrando, por exemplo,
pode ser utilizada para estudar a influência
eficácia significativa quando se compara a
de doenças, drogas, cansaço ou uso de
exposição em RV à exposição no ambiente
tecnologias (como telefones celulares) ao
real.
pilotar aviões e na condução de automóvel.
Da mesma forma, pode ser aplicada como Nos dias atuais, muitos avanços
uma tentativa de reduzir o risco de quedas técnicos puderam ser feitos, especialmente
em idosos ou de treinar estudantes para na área de realidade virtual. Melhorias em
evitar equívocos e erros de principiante na gráficos e processamento de som,
realização de procedimentos médicos reconhecimento da fala e dos gestos, o
críticos, ao pilotar aeronaves ou na rastreamento dos movimentos através da
operação de maquinário pesado, assim por modelagem biomecânica e software com
diante. bases de dados complexas em ambiente
virtual, entre muitas outras. Dessa forma, já
Ainda, a RV tem sido
é possível prosseguir com as pesquisas
particularmente útil em trabalhadores cujos
utilizando um orçamento modesto e
empregos exigem consciência espacial,
conhecimentos técnicos limitados
coordenação motora complexa ou decisões
(Kearney, Rizzo, & Severson, 2007).
que necessitem de avaliação de múltiplas
respostas possíveis em meio a

5. Considerações

Ao abranger diretamente os campos essa inquietude não é de hoje. Há


das neurociências, ergonomia, psicologia e aproximadamente trinta anos, Chapanis
engenharia, a neuroergonomia acaba se (1979) escreveu um artigo intitulado “Quo
beneficiando dos progressos alcançados em vadis, ergonomics?” como uma reflexão
cada uma dessas áreas. Cada vez mais, a acerca do campo da ergonomia e suas
neuroergonomia tem expandido suas perspectivas futuras. Hoje, como uma
aplicações, criando novas propostas e homenagem à Chapanis, Fafrowicz e
campos de pesquisa em diversas áreas do Marek (2007) fazem a mesma pergunta:
nosso cotidiano. Mas, cabe a nós o “Quo vadis, neuroergonomics?”, isto é,
questionamento: todo esse progresso nos para onde vai essa nova área da ergonomia?
levará para aonde? Devemos lembrar que
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Sem dúvida, por ser um novo campo “mundo real”, também promovem uma
interdisciplinar, perguntas como essas melhor qualidade de vida ao trabalhador.
ainda necessitam de respostas. Há Todo esse conhecimento pode nos levar,
realmente um diálogo entre os múltiplos por exemplo, à construção de teorias mais
campos da neuroergonomia? É possível consistentes, orientações e reformulações
desenvolver pesquisas em neuroergonomia nos produtos, otimização das placas de
no Brasil? Suas técnicas são sinalização e advertência, redução do erro
financeiramente viáveis? Atualmente, já é humano, desenvolvimento de próteses
possível desvendar os mistérios do cérebro neurais e toda uma nova geração de robôs.
com menos dificuldade, se compararmos há Dessa forma, todo o conhecimento pode ser
trinta anos. Os métodos atuais de pesquisa aproveitado no aprimoramento de sistemas
têm instigado os pesquisadores a realizarem e produtos, visando condições mais seguras
novas perguntas e a desenvolverem novos e eficientes em diversos postos de trabalho,
quadros explicativos sobre o ser humano ambientes domésticos e usuários em geral.
em seu trabalho e sua relação com as No entanto, mesmo com todo o
máquinas e os sistemas automatizados. aparato tecnológico, entender o cérebro
Os avanços neurocientíficos e humano – isto é, cognição e
tecnológicos permitiram uma maior comportamento – continua sendo uma
compreensão dos circuitos cerebrais tarefa árdua. Assim, ao traçar esse breve
responsáveis por distintas operações da panorama da neuroergonomia, foi possível
cognição humana, que além de propiciarem observar que muito conhecimento está
o entendimento sobre os mecanismos sendo gerado, mas ainda há um longo
subjacentes ao desempenho em tarefas do caminho pela frente.

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Recebido em: 10/11/2021
Aceito em: 28/12/2021

Nome: Emmy Uehara Pires Esta obra está licenciada sob uma Licença
Email: emmy.uehara@gmail.com Creative Commons Attribution 4.0
Endereço para correspondência: Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto de Educação
/ Departamento de Psicologia. BR-465, Km 7
Seropédica-Rio de Janeiro. CEP: 23.897-000

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