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Liam Martins1
RESUMO
O presente artigo construirá uma reflexão social sobre a imagem da mulher dos
anos 40, representada pela música “Ai, que Saudade de Amélia” (1942), de Mário
Lagos e Ataulpho Alves, em consonância à mulher contemporânea, representada
pela música “Descontruindo Amélia” (2009), de Pitty. Nesta apreciação analisaremos
como a mulher, gradualmente, conquistou seu direito e seu lugar no mundo, tendo
sua voz ouvida e sua vez respeitada. Através da “nova Amélia” que Pitty nos traz,
analisaremos o que, no intervalo de 67 anos — tempo entre às duas músicas —
mudou; as mudanças e conquistas das mulheres e como isso afetou positivamente
— ou negativamente — nossa sociedade brasileira.
INTRODUÇÃO
1
Liam Carlos Vieira Martins da Silva, Aspirante Salesiano, 18 anos, Auxiliar Administrativo.
2
Gilda Rocha de Mello e Souza (1919 – 2005) foi filósofa, crítica literária, ensaísta e professora universitária
brasileira.
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É uma filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro. Sueli Carneiro é
fundadora e atual diretora do Gueledés — Instituto da Mulher Negra e considerada uma das principais autoras
do feminismo negro no Brasil. Possui doutorado em filosofia pela Universidade de São Paulo.
Priore, uma importante história brasileira que vem trazer um mapeamento do
comportamento da mulher no seio familiar e sua evolução. Assim, numa análise,
podemos perceber o conflito entre as duas “perspectivas” do feminino, as quais nos
são apresentadas nas duas músicas, e poderemos, então, entender como nasce
essa “nova Amélia”, estampando todo um movimento e empoderamento.
A AMÉLIA DA DÉCADA DE 40
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Famoso estudioso e conhecedor da música popular brasileira
5
Aníbal Alves de Almeida (1925) é um compositor de música popular brasileira.
elas voltem a ser Amélias, trancadas em casa, servindo. Esse era o comportamento
que se esperava de uma mulher.
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Karl Marx (1818–1883) foi um filósofo e revolucionário socialista alemão. Criou as bases da doutrina
comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais
como Sociologia, Política, Direito e Economia.
“resposta” à música de Ataulpho e Mário. “Amélia de Você” composta por Elena e
Eliane de Grammont7, a música começa como uma resposta.
“Cansei de ser Amélia,
Santa e boa, que esquece,
Que perdoa seus defeitos”!
Entretanto, ela logo volta ao ideal patriarcal do homem como superior, quando
ela escreve.
“Tentei mudar você
Não consegui, não deu.
Quem deve então mudar sou eu”.
Eliane de Grammont, que foi uma vítima de feminicídio, foi também uma
vítima da ideologia machista perpassada até agora, por mais que tenhamos pessoas
com desejo e anseio de mudar esses pensamentos, essas mulheres, em especial,
acabavam sendo vítimas da sociedade. Temos muitos exemplos de mulheres
empoderadas no cenário musical neste período. Nosso Brasil tem seu ícone Elza
Soares8, mulher, preta, empoderada; vítima do patriarcado e do racismo, mas que
em 1999 vem ter seu reconhecimento ao ser eleita cantora do milênio e no ano
seguinte aparece como uma das maiores 100 vozes da MPB. Dentre diversas outras
personalidades brasileiras que já levantavam bandeiras de lutas em períodos de
extremo machismo, patriarcalismo, racismo, homofobia.
À Amélia, representada nas músicas, pode ser interpretada também
como um signo ideológico da mulher. Bakhtin 9, baseado no pensamento de Marx do
7
Eliane Aparecida de Grammont (1955 – 1981), foi uma cantora e compositora brasileira, tornada célebre por
ter sido vítima de feminicídio por parte de seu ex-marido Lindomar Castilho, crime este que marcou a história
do país como parte da campanha de combate à violência contra a mulher.
8
Elza Gomes da Conceição (1930) é uma cantora e compositora brasileira, eleita voz do milênio pela BBC
LONDRES e uma das 100 maiores vozes da MPB pela Rolling Stones.
9
foi um pensador e filósofo, além de teórico de artes e cultura da Europa. Considerado um dos maiores
estudiosos da linguagem humana, suas obras sobre diversos temas influenciaram uma infinidade de
que seria ideologia, define o signo ideológico como um produto de fazeres sociais,
uma vez que. “Cada época e cada grupo social tem seu repertorio de forma de
discurso na comunicação sócio-ideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao
mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de
temas” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1999, pg.40). Ou seja, para cada signo, um grupo
determina seus significados próprios que carregam e agregam valores singulares
para aquele grupo; além de seu sentido oficial do signo, existe o sentido, ou, valor
que foi atribuído por aquele determinado grupo. Podemos interpretar Amélia como
um signo ideológico, pois, ao passar da história ela representou a visão da mulher
para a sociedade de sua época; nos anos 40, a mulher submissa e serva, nos anos
70, a mulher que até tenta mudar, mas é oprimida pelo sistema e volta a ser a
Amélia serva, e, como veremos a nova Amélia, a desconstruída, a empoderada, livre
e dona de si.
A NOVA AMÉLIA
Este trecho, pode nos levar a diversas interpretações, das mais diversas.
Será, de fato, a mudança de Amélia foi de repente? Ela que por 67 anos foi serva e
objeto, agora mudar é tão injurioso? Amélia, cansou de ser outro, ela quer ser um
também, ela quer ser incluída e respeitada. O último refrão da música, nos fala mais
um pouco dessa mudança de Amélia e nos mostra a força e o poder dela, uma nova
mulher.
Amélia é formada, assim como seu namorado e ainda ganha menos que ele,
algo que é presente em nossa sociedade até hoje; realidade essa, resultado da
ideologia que o feminino é inferior, em especial esse trecho da música nos mostra
que mesmo com tantas conquistas, as mulheres ainda não atingiram seu direito
pleno. Ao mencionar Honoré Balzac 11 ela traz uma referência ao livro “Mulher de 30
11
Honoré de Balzac nasceu em Tours, França, em 20 de maio de 1799, e faleceu, em Paris, no dia 18 de agosto
de 1850. Foi um escritor reconhecido, principalmente, por suas abordagens psicológicas. Sua importância,
anos”, onde Balzac, em 1829, vem trazer em um livro a personagem principal uma
mulher de 30 anos, mostrando ela como alguém jovial, para sua sociedade isso era
impossível, a mulher de 30 anos devia ter um aspecto de velha e desgastada.
Quando ela diz que hoje aos 30, Amélia está melhor que aos 18, podemos
considerar diversos fatores, mas em principal sua jovialidade, ao dizer que a Amélia
de 30 anos, não é uma idosa, como a sociedade prega, ela é tão jovem quanto a
Amélia de 18 anos.
Descontruindo Amélia é uma resposta ao machismo, patriarcado, sexismo.
Com uma música simples Pitty realiza uma reflexão intensa, abordando pontos
específicos. Ela nos leva a uma viagem no tempo falando da Amélia da década de
40, da Amélia da década de 70 e da nova Amélia. Sua Amélia, nossa Amélia.
CONCLUSÃO
Nossas questões sociais, mesmo que após tanto tempo, ainda giram em torno
de uma pequena parcela de nossa sociedade, o grupo de homens, brancos, cis
gênero e heterossexuais. É benéfico ver gradualmente esse domínio dessa classe
ser perdido. Pretos, pretas, mulheres e LGBTQIA+, ocupando espaços de poder nos
fazem acreditar que sim, há um futuro lá fora, e ele pode ser bonito e proveitoso.
Não devemos deixar que as adversidades sejam desmotivadoras de nossa
caminhada, devemos vê-las como algo a ser vencido e acreditar que podemos.
Quantos morreram em lutas para chegarmos aqui hoje. Podemos ver lendo acima
que todo o processo, para na música, a mulher ser vista como livro tivemos 67 anos.
Quanto tempo ainda tomaremos para que outras classes possam se emancipar e
chegar ao seu pleno direito, básico, de existir e viver livremente sem se mascarar?
Nossa luta é diária, cada dia é uma vitória. Ainda mais recentemente, 9 anos após a
Amélia de Pitty, podemos conhecer a Amélia de Bia Ferreira, ela nos apresenta e
representa ainda mais essa mulher, falando que a Amélia pode ser preta, transexual
e indígena em “Não precisa ser Amélia”. Amélia é qualquer mulher e todas podem
vencer as barreiras criadas por nossa sociedade, mesmo sendo difícil, elas nunca
entre muitos fatores, pode ser comprovada pelos nomes que influenciou na literatura, como Marcel Proust,
Émile Zola, Charles Dickens, Fiódor Dostoiévski, Gustave Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo
Branco e ítalo Calvino.
desistiram. Tudo aquilo que foi conquistado até aqui, tem um valor inestimável. A
quebra dos signos ideológicos mostram essa emancipação, essa liberdade.
A nova Amélia, está em cada mulher.
REFERÊNCIAS
BARROS, Vinicius. Disponível em <https://projetocolabora.com.br/ods5/conheca-as-
seis-mulheres-reunidas-na-serie-filosofas-brasileiras/>. Acesso em: 16 de nov, 2021.
Disponível em <https://www.brasildedireitos.org.br/noticias/549-as-conquistas-do-
movimento-feminista-brasileiro?
gclid=EAIaIQobChMI_8ao3YSe9AIVBhatBh2D7Af3EAAYASAAEgIFIvD_BwE>.
Acesso em: 16 de nov, 2021.