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Competência linguística

Andrea Borin

I. O QUÊ; O QUE; QUÊ; QUE; PORQUÊ; PORQUE; POR QUE


Interrogativas (diretas, eco e surpresa)

a) Normalmente, nas designadas interrogativas diretas puras, o pronome interrogativo


qu- ocorre no início da frase, anteposto ao verbo, ou seja, é movido da posição que
corresponde à sua função gramatical para uma posição pré-verbal. Aqui, usamos os
interrogativos QUE, O QUE e também PORQUE.

Exemplos:
- O QUE viste?
- Vi um filme muito interessante.
- PORQUE não estás em casa?
- Não estou em casa, porque vou ao médico.
- QUE PRATO preferes?
- Prefiro Bacalhau à Gomes de Sá.

b) Contudo, se o pronome ocorre na posição que corresponde à sua


função gramatical, ou seja, se permanece in situ relativamente à sua
função gramatical, isto é, à direita do verbo (i.e. alguém vê algo ou
alguém; SVO), são usadas as formas tónicas QUÊ, O QUÊ e PORQUÊ,
tanto nas interrogativas eco, como em fragmentos frásicos 1.

Queres jantar o quê?; Não vens porquê? ; A Sara jantou o quê? ; O quê?;
Porquê?

Nestes casos, o falante pode já ter conhecimento da informação questionada, mas tê-la
esquecido ou ter percebido mal num enunciado anterior do seu interlocutor, situação esta
semelhante ao que se faz com o constituinte que se pretende confirmar – A Sara jantou
cozido??

Estas construções também podem exprimir uma avaliação da informação contida no


enunciado. Estas são designadas interrogativas surpresa, dando-se ênfase ao constituinte final.

Ex.: A Sara jantou o quê?!

1 Existem restrições quanto à forma de quê isolada (em contraste com o interrogativo o quê) numa posição pós-verbal , pois só é
possível usá-la quando pertence a um constituinte interrogativo precedido por preposição (1) ou surge apenas como fragmento
frásico numa interrogativa surpresa (2), especialmente se a intenção do falante for negar uma afirmação do seu interlocutor (4).
Nos casos em que o constituinte interrogativo é um sintagma nominal, optamos por o quê (3).

1. Estão a falar de quê? / Estão a pensar em quê?


2. Ele gagueja...
- Ele quê? ?
3. Fizeste o quê nas férias? Fizeste quê nas férias?
4. Ontem fiz um bolo maravilhoso!
- Fizeste quê?! Fizeste agora/lá (não)! Aquele bolo foi comprado.
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Andrea Borin

Veja-se o contraste entre as formas quê, o quê e porquê, que ocorrem em posição pós-verbal,
em alternativa às formas átonas que se realizam em posição pré-verbal, nas interrogativas
parciais.

O que jantaste ontem?/ Ontem jantaste o quê?

De que falaram tanto tempo?/ Falaram de quê tanto tempo?

c) Com efeito, as únicas situações em que as formas tónicas podem surgir antes do verbo
ocorrem quando se trata de uma estrutura de clivagem/focalização do elemento que a
forma tónica substitui (ser + elemento focalizado) e quando as formas tónicas são
fragmentos frásicos como interrogativas com o verbo no infinitivo e construções com
coordenação de interrogativos. Aqui o constituinte pode ocorrer em posição inicial.

Foi o quê que jantaste ontem? = Foi cozido que jantaste ontem?

Foi porquê que te chateaste com ele?= Foi por ele não vir que te chateaste com ele?

Foi de quê que falaram tanto tempo? = Foi do trabalho que falaram tanto tempo?

Tanta discussão para quê? ou Para quê? Para quê tanta discussão?

Falar disso agora porquê? ou Porquê falar disso agora?

Afinal, as medidas que permitem passar do velho patamar aos atos vão traduzir-se como,
quando e em quê?

Como, quando e em quê, afinal, se vão traduzir as medidas que permitam passar do velho
patamar aos atos?

d) Regra geral, há restrições no uso da forma tónica mostra nas orações interrogativas
parciais indiretas (i.e. *perguntei-te o quê queres jantar/ ok perguntei-te o que queres
jantar, ainda que apareça em frases com comportamento de interrogativa indirecta,
mas que se designam por estrutura de escoamento, nas quais há elipse parcial da
oração interrogativa, à exceção do interrogativo que a introduz:

1. O Pedro comeu algo, mas não sei o quê / não sei o que ele comeu
2. O Pedro comprou algo, mas não sei o quê/ não sei qual foi a coisa comprada/ não sei o
que ele comprou
3. O Pedro viu algo mas sei o quê/não sei o que ele viu
4. Ele chorou, mas não sei porquê/ a razão pela qual ele chorou/ por que razão chorou
(aqui o que é relativo a razão e, tendo esta razão valor causal, deve ser precedida pela
preposição “por”).
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Andrea Borin

Resumo

Podemos verificar, portanto, que se usa a forma tónica quando existe elipse do constituinte
que estas formas substituem, ocorrendo a mesma, regra geral, à direita do verbo, ou seja, no
que em linguística se designa por “sluicing”. Por outras palavras, os critérios fundamentais
para o entendimento do uso da forma tónica serão:

- ser uma interrogativa direta, em eco ou surpresa, na qual há elipse (do elemento que
substitui) à direita do verbo2, ou seja, in situ quanto à função gramatical a que
corresponde, ocorrendo apenas uma posição pré-verbal na clivagem/focalização (ser +
elemento focalizado);
- esta elipse à direita ocorre também nas estruturas de escoamento em que há uma
reconstrução da frase inicial, desde que esta seja elíptica (ex.: Ele comeu algo, mas
não sei o quê OU ele comeu algo, mas não sei o que ele comeu)

Ex.: Ontem jantaste o quê? Ontem jantaste (cozido)?

II. PORQUE/ POR QUE/PORQUÊ ( frases declarativas)

Porque - conector (conjunção) causal (as frases com PORQUE podem ser reescritas com
COMO) - Ex. Vou sair, porque tenho de ir trabalhar = Como tenho de ir trabalhar, vou
sair.

Por que - preposição por + pronome relativo que (as frases com POR QUE subentendem o
nome “razão” e podem ser reescrita com “a razão pela qual”) - Ex. Não sei por que (razão)
ela veio = Não entendo a razão pela qual ela veio.

(o) Porquê - nome (o porquê de algo, sendo equivalente a “a razão”) - Ex. Não entendo o
porquê desta discussão.

EXERCÍCIOS

A. Leia as frases e complete-as com o elemento em falta (O QUÊ; O QUE; QUÊ; QUE;
PORQUÊ; PORQUE; POR QUE).
1. Raquel, desculpa, mas podes dizer-me____________fez a Sara?
2. Não sei__________a Sara fez, mas acho que não foi nada de mal.
3. Alberto, estás a fazer __________?
4. Mariana, __________bolo preferes? Dez lá! Preferes__________bolo?

2 Designa-se por elipse regressiva da periferia direita.


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Andrea Borin

5. Hoje de manhã não apareceste nem disseste nada. Podes dizer-me__________?


6. Hoje de manhã, acordei às 5h00 e fui trabalhar.
- __________? Deves estar a brincar...não acredito que tenhas acordado a essa
hora!

7. Tens de me dizer__________ se gerou toda esta confusão. Sinceramente não entendo.


8. Acho que amanhã não posso ir contigo, __________tenho de acompanhar a minha
mãe ao hospital.
9. Foste lá? Mas foste lá fazer __________? E para__________?
10. Ontem trataram __________ tantas horas?

11. Hoje vamos sair não sei __________. Podíamos perfeitamente ficar em casa.

12. Como, por _________ e para__________ estão a fazer isso?

13. Recentemente, tenho percebido melhor __________ de haver tantos alunos que,
infelizmente, têm de abandonar o ensino superior. Este Estado é uma vergonha.

14. Mariana, vou sair para ir comprar pão.

- Desculpa….__________vais comprar? Diz-me, __________ não ouvi. Vais


comprar __________?
15. __________ tipo de carro procuram?
16. Acho que ele foi lá dizer-lhe algo, mas não sei propriamente __________. Talvez tenha
dito __________ pensava sobre a decisão que ela tomou.
17. Estás a pensar __________? Diz-me lá __________ coisas estás a pensar, Joana.
18. Mas eles vão resolver __________? Acho que não há a fazer agora.
19. __________ passar horas em frente a um ecrã quando podem estar na rua a brincar,
meninos?!
20. Estar aqui juntos leva-nos a repensar__________ da existência da nossa comunidade.
21. Queres ver que ela não te vai dizer __________ foi a casa da Mariana?
- Claro que não. Não vai dizer nada __________ tem receio de que a confronte
com a verdade. Mas eu vou descobrir __________.
22. Hoje vais deitar-te mais cedo, Alberto!
- __________?! Mãe, só podes estar a gozar! Eu quero brincar com os meus
amigos!__________ fazias quando eras mais nova? De certeza que era o
mesmo!

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