Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2 SEQUÊNCIA EM CENAS
“Essa possibilidade afinal ficaria como um desses casos que não se apagam. Corpos
de homens dentro de um lugar confinado, em que estamos presas junto a eles, mas
sem ser como eles. Nunca iguais... com nossos corpos mulheres. Nunca em
segurança. Nunca como eles. Nós... somos do sexo do medo, da humilhação. O sexo
estrangeiro. Mas até quando nós vamos aguentar isso?”
Frame 1 = Trecho do livro Teoria King Kong da escritora Francesa Virgine Despentes;
Frame 2 = Trecho do poema “A mulher é uma construção” da poeta brasileira Angélica
Freitas;
Frame 3 = Recortes do relato “José Mayer me assediou” da figurinista brasileira Su
Tonani, publicado no bolg #AgoraÉQueSãoElas;
Frame 4 = Trecho do vídeo “Meu Corpo, minhas regras – Olma e a Gaivota” da diretora
e atriz Petra Costa;
Frame 5 =Texto escrito para o filme da atriz do Coletivo NEGA e estudante de teatro
Rita Ri;
Frame 6 = Recorte da fala “Por que paramos?” da cientista política Carla Ayres, na
mesa feminista realizada na UNISUL no dia 07/03/2017;
Frame 7 = Recortes da fala “Por que paramos?” da militante do Movimento Negro
Unificado Vanda Pinedo, na mesa feminista realizada na UNISUL, no dia 07/03/2017.
3 A REVERSIBILIDADE NO DESNUDAR DOS CORPOS
3 Sobre a reversibilidade do olhar em menções de Lacan (“A esquize do olho e do olhar") a Merleau-
Ponty, cf. “Do ato de ver ao olhar que se mostra: observações psicanalíticas e filosóficas da obra de
arte”, de Amauri Bitencourt (2015). Em tal texto, Bitencourt (2015, p. 96) conta que, “ao tratar da função
escópica, o psicanalista francês [Lacan] traz à tona uma pintura de Hans Holbein: a obra Os
embaixadores, mais do que representar uma cena do século XVI, retrata um objeto estranho que se
impõe obliquamente na parte inferior da tela, atravessando-a, como se esse detalhe tivesse sido
pintado posteriormente”. Posteriormente, nessa sua leitura lacaniana, afirma que “aquilo que é estranho
nos faz entrar em contato com nossas frustrações, nossos dilemas, nossas angústias. Queremos, ao
contrário, o olhar angelical, amoroso e fraterno. Tememos o desagradável, o triste, o trágico. Isso nos
atemoriza. Eles estão presentes em expressivas quantidades em nossa vida e deles queremos nos
afastar. O que Lacan nos mostra com o quadro de Holbein, todavia, é que em nossa vida não há apenas
o belo e o agradável, mas também o que nos causa estranheza e repulsa” (BITENCOURT, 2015, p.
99).
Jeudy (2002, p. 71) considera como “o momento em que o corpo se faz objeto de arte
viva”.
Para alguns autores, o “pôr a nu” é como “pôr à morte”, como se o corpo,
desvestindo-se, se abandonasse às vertigens do nada e se separasse de
toda aparência de ser ainda um sujeito. É o momento em que o corpo, na sua
visão e no ato de ser visto, faz desaparecer a distinção sujeito/objeto. [...]. Pôr
“a nu” é como pôr “à morte” o desejo. Mesmo o corpo considerado como o
mais feio é tomado por uma estranha beleza no momento em que se
desnuda, pois toda a intensidade do desejo é então concluída nesse instante
estético em que aquele que olha se avalia pela perda de seu próprio poder
na mise en scène do olhar (JEUDY, 2002, p. 71, grifos do autor).
Aquilo que é estranho nos faz entrar em contato com nossas frustrações,
nossos dilemas, nossas angústias. Queremos, ao contrário, o olhar angelical,
amoroso e fraterno. Tememos o desagradável, o triste, o trágico. Isso nos
atemoriza. Eles estão presentes em expressivas quantidades em nossa vida
e deles queremos nos afastar (BITENCOURT, 2015, p. 99).
4 Kehl (2004, p. 10, grifos da autora) revela: “Dizemos ‘meu corpo...’, como se o eu que fala se
representasse de um outro lugar, fora do corpo sem o qual ele não existe: seria bem mais apropriado
que disséssemos: ‘eu/corpo”.
ver no social. Ao se despir...de amarras, de correntes, de mordaças... o corpo-mulher
se veste de imponência, de legitimidade, de autenticidade. É a esse movimento que,
aqui, chamamos de a reversibilidade do olhar no desnudamento do corpo-mulher.
Corpo este enodado, performático, em que todas e uma se tecem, se embolam, se
imbricam, se disseminam como mulheres de (re)existência.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por mais que crie uma imagem unificada da “mulher” (ao que seus críticos se opõem
frequentemente), o travesti (sic) também revela a distinção dos aspectos da
experiência do gênero que são falsamente naturalizados como uma unidade através da
ficção reguladora da coerência heterossexual. Ao imitar o gênero, a drag revela
implicitamente a estrutura imitativa do próprio gênero – assim como sua contingência.
Aliás, parte do prazer, da vertigem da performance, está no reconhecimento da
contingência radical da relação entre sexo e gênero diante das configurações culturais
de unidades causais que normalmente são supostas naturais e necessárias. No lugar da
lei da coerência heterossexual, vemos o sexo e o gênero desnaturalizados por meio de
5
O enunciado completo seria: “Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher;
cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade”. (BEUVOIR 1970, p.7)
uma performance que confessa sua distinção e dramatiza o mecanismo cultural de sua
unidade fabricada (BUTLER, [1990], 2003, p. 196-7, grifos da autora).
AUMONT, Jacques. O olho interminável. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:
Cosac Naify, 2004.
DAVIS, Angela Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. 1 ed. São
Paulo: Boitempo, 2016.
______. Mulheres, cultura e política. Tradução Heci Regina Candiani. 1 ed. São
Paulo: Boitempo, 2017.
JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como objeto de arte. São Paulo: Estação Liberdade,
2002.
KEHL, Maria Rita. Pefácio. Três perguntas sobre o corpo torturado. In: KEIL, Ivete;
TIBURI, Marcia. O corpo torturado. Porto Alegre: Escritos, 2004. p. 9-19.
___. & DAVALLON, Jean. ACHARD, Pierre. DURRAND Jacques. ORLANDI Eni.
Papel de Memória. Trad. José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999.
___. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Puccinelli
Orlandi Campinas SP: Unicamp 1988/2006.