Você está na página 1de 3

Exercícios - Realismo

Veja, neste trecho do romance Outros cantos, da escritora contemporânea Maria Va léria Rezende, um
retrato de sertanejos nordestinos trabalhando na confecção de redes.

Mexer, sem parar, o fio e a tinta borbulhante, retirar com longas varas as meadas coloridas, fumegantes, e pô-
las a secar sobre uma sucessão de cavaletes rústicos, desenlear o fio, já seco, e enrolá-lo em grandes bolas para
depois urdir os liços, entremeando as cores em longas listras, transformar o povoado naquele espantoso arco-
íris desencontrado, era trabalho de macho. Começava ao primeiro anúncio de luz do dia, no meio da única rua,
e prosseguia até que eles já não pudessem mais ver as próprias mãos e o som do aboio viesse rendê-los,
interrompendo-se apenas com o sol a pino, quando desapareciam todos por cerca de duas horas, prostrados
pela fome e pelo calor. Em uma semana estava pronta a urdidura para transformar o fio bruto nas redes que me
haviam embalado a infância e cuja doçura em nada denunciava o esforço sobre-humano e a dor que custavam.
Às mulheres cabia a estranha dança para mover os enormes teares, prodígios
de marcenaria, encaixes perfeitos, sem uma única peça de metal, apenas
suportes, traves, cunhas, pentes e liços, chavetas e cavilhas de jacarandá,
madeira tanto mais preciosa quanto de mais longe vinha, os pés saltando de
um para outro dos quatro pedais que levantavam alternadamente os liços, os
braços a lançar as navetas e a puxar o fio, estendendo faixas de cor, a fazer
surgir o xadrez das redes que eu tão bem conhecia, feitas berços no alpendre
de meu avô, feitas mercadoria nas estreitas ilhas de verdura no meio das
avenidas da metrópole, braços tão rápidos que pareciam ser muito mais de
dois, transfigurando aquelas sertanejas em deusas indianas.

REZENDE, Maria Valéria. Outros cantos. São Paulo: Companhia das Letras,
2016.

1. O trecho evidencia que o objeto produzido não leva seu usuário a perceber o processo de produção. Explique
essa ideia.

2. Que aspectos explicam a escolha da narradora pela expressão “trabalho de macho” para caracterizar algumas
etapas da produção das redes? 3. Toda a exposição do trabalho feminino resulta em uma imagem com valor de
síntese. Qual é essa imagem? O que torna sua escolha coerente?

4. Você conseguiu visualizar a produção de redes pelos sertanejos durante a leitura do texto? O que facilitou ou
dificultou esse processo?

5. Que estratégia usa a narradora para deslocar a rede, objeto de que fala, para outros contextos?

6. O que está representado na tela de


Courbet?

7. Como você imagina o som desse


ambiente? Que elementos da pintura
sugerem isso?

8. Que tipo de personagem está


retratado na tela?

9. É correto afirmar que há destaque em


um dos personagens? Justifique sua
resposta.

COUBERT, Gustave. Depois do jantar


em Ornans. 1848/49. Óleo sobre a tela.
195x257cm

10. Observe as expressões dos dois personagens à esquerda do quadro. O que elas sugerem?
11. Como foram usadas a luz e as cores nessa tela?

12. A pintura é de grandes dimensões (195 cm × 257 cm), e o retrato dos modelos é feito em escala natural.
Que efeito tem essa opção para a representação da cena?

Você lerá, a seguir, um fragmento da novela A morte de Olivier Bécaille, que Zola publicou em 1884. Na
história, o frágil narrador-personagem Olivier Bécaille conta que entrou em estado de catalepsia — um
distúrbio que impede os movimentos, tornando a pessoa rígida e com aparência de morta, mas ainda capaz
de perceber o que a cerca — e foi enterrado vivo. Neste trecho, já dentro de seu caixão, começa a despertar
e narra um pesadelo.

[...] Aos poucos, confusamente, voltou-me a consciência de ser. Continuava dormindo, mas comecei a
sonhar. Um pesadelo destacou-se do fundo negro que barrava meu horizonte. E esse meu sonho era uma
imaginação estranha que em outros tempos muitas vezes me atormentara de olhos abertos quando, com minha
predisposição natural para invenções terríveis, saboreava o prazer atroz de criar catástrofes para mim.
Imaginei portanto que minha mulher estava me esperando em algum lugar em Guérande, acho, e que
eu tomara o trem para ir juntar-me a ela. Quando o trem passou sob um túnel, de repente, um barulho pavoroso
ribombou como um estrondo de trovão. Um desabamento duplo acabara de acontecer. Nosso trem não
recebera uma única pedra, os vagões permaneciam intactos; só que nas duas extremidades do túnel, à nossa
frente e atrás de nós, a abóboda desabara e encontrávamo-nos desse modo no centro de uma montanha,
murados por blocos de rocha. Iniciava-se então uma agonia longa e pavorosa. Nenhuma esperança de socorro;
seria preciso um mês para desobstruir o túnel; e ainda esse trabalho exigia infinitas precauções, máquinas
poderosas. Éramos prisioneiros em uma espécie de adega sem saída. A morte de todos nós era apenas uma
questão de horas.
Muitas vezes, repito, minha imaginação trabalhara com esse dado terrível. Eu variava o drama até o
infinito. Meus atores eram homens, mulheres, crianças, mais de cem pessoas, toda uma multidão que me
fornecia novos episódios incessantemente. Bem que havia algumas provisões no trem; mas logo a comida vinha
a faltar e, sem chegar a se comer uns aos outros, os miseráveis famintos lutavam, ferozes, pelo último pedaço
de pão. Empurravam um velho a socos, e ele agonizava; uma mãe combatia como uma loba para defender os
três ou quatro bocados reservados a seu filho. Em meu vagão, dois recém- -casados grunhiam nos braços um de
outro, sem esperança, deixavam de se mexer. A via estava desobstruída, as pessoas desciam, rondavam em
torno do trem como feras soltas em busca de uma presa. Todas as classes misturavam- -se, um homem muito
rico, um alto funcionário, diziam, chorava no ombro de um operário, tratando-o com familiaridade. Desde as
primeiras horas, o combustível das lâmpadas esgotara-se, as luzes da locomotiva acabaram por se apagar.
Quando se passava de um vagão para outro, tateava-se as rodas com a mão para não haver trombadas e assim
chegava-se à locomotiva que se reconhecia pela sua biela fria, pelos seus enormes flancos adormecidos, força
inútil, muda e imóvel na sombra. Nada era mais assustador do que esse trem, murado daquela forma por inteiro
sob a terra, como um enterrado vivo, com seus viajantes que morriam um a um. Eu me comprazia, descia ao
horror dos mínimos detalhes. As trevas eram atravessadas por urros. [...]
ZOLA, Émile. A morte de Olivier Bécaille. Tradução de Marina Appenzeller. Porto Alegre: L&PM, 2011. (L&PM Pocket; v.
73.) (Fragmento).

13. O personagem Olivier narra algo que imaginava recorrentemente. Resuma o relato.

14. Na narração feita por Olivier, em mais de uma passagem, as ações humanas são comparadas às de animais
selvagens.

a) Explique essa afirmação com base no fragmento.


b) O que justifica que as pessoas tenham perdido a racionalidade?

15. O autor procura fazer com que a cena narrada tenha valor de realidade. Quais recursos usa para obter esse
efeito?
O texto a seguir é o capítulo II dessa obra. Nele, o defunto-autor conta como lhe surgiu a “ideia fixa” do
emplasto e quais eram suas intenções com o “medicamento sublime”.

Capítulo II – O emplasto

Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio
que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a
fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me
estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as
pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.
Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento
sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa
melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a
atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia,
não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de
tamanhos e tão profundos efeitos.
Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente
foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio,
estas três palavras: Em plasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete
de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os
hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada
para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado,
sede de nomeada. Digamos: — amor da glória. Um tio meu, cônego de
prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição
das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio,
oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a cousa
mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua
mais genuína feição. Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao
emplasto.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: COUTINHO, Afrânio (org.).
Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. v. 1.
(Fragmento).

16. No segundo parágrafo do capítulo II de Memórias póstumas, o narrador fornece algumas justificativas para
a criação do medicamento.

a) Segundo Brás Cubas, que benefícios para a humanidade traria a invenção do emplasto?
b) Como o defunto-autor justifica ao governo a importância do emplasto?
c) Que argumento apresenta a seus amigos para justificar essa invenção?
d) O que, finalmente, Brás Cubas confessa sobre os propósitos da criação do emplasto?
e) O que explica que essa confissão demore a ser feita?

17. Brás Cubas expõe as opiniões de seus dois tios sobre o “amor da glória”, ou seja, o desejo humano de fama
e poder.

a) Que opiniões são essas?


b) Que relação podemos estabelecer entre as profissões dos tios do narrador e as ideias que defendem?

Você também pode gostar