Você está na página 1de 11

NEOPLASIA DE SÍTIO PRIMÁRIO DESCONHECIDO:

ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA


CANCER OF ONKNOWN PRIMARY SITE:
DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC APPROACH

Rebeca Car valho Lacerda Garcia 1 , Alan Arrieira A zambuja 2,3


1
Acadêmica de Medicina da A ssociação Turma Médica 2018 da Escola de
Medicina da PUCR S 2
Médico Oncologista do Ser viço de Oncologia do
Hospital São Lucas da PUCR S 3 Professor da Escola de Medicina da PUCR S

RESUMO
Introdução: As neoplasias de sítio primário desconhecido (NSPD) são
responsáveis por 3-5% de todas as neoplasias malignas, definidas pela falha
de identificação do sítio primário após a investigação diagnóstica.
Métodos: Revisão bibliográfica da literatura entre abril e maio de
2018, em artigos de revisão, seminários e artigos originais, em inglês, dos
últimos 20 anos.
Resultados: A investigação diagnóstica das NSPD envolve uma ex-
tensa anamnese, exame físico, exames laboratoriais, exames de imagem,
análise anatomopatológica e imuno-histoquímica da lesão metastática.
Com base nessa investigação, são classificadas de acordo com critérios
clínico-patológicos para melhor conduta terapêutica.
238 AC TA M E D I C A VO L . 3 9, N . 2 (2 0 18)

Conclusão: As NSPD são um grande desafio para o clínico e oncolo-


gista, é imprescindível a investigação adequada dessas neoplasias para o
melhor tratamento da doença.
Palavras-chave: diagnóstico, tratamento, neoplasia de sítio
primário desconhecido.

ABSTRACT
Introduction: Cancer of unknown primary site (CUP) accounts for
3-5% of all malignant neoplasms, which is defined when the anatomical
site of origin remains occult after detailed investigations.
Methods: Review articles, seminars, and original articles in English
for the last 20 years.
Results: The diagnostic investigation of CUP involves an extensive
anamnesis, physical examination, laboratory exams, imaging, anatomo-
pathological and immunohistochemical analysis of the metastatic lesion.
Based on this investigation, the neoplasms are classified according to
clinical pathological criteria.
Conclusion: CUP can be a challenge for the clinician and medical on-
cologist, it is essential to adequately investigate these neoplasms in order
to define the best treatment approach.
Keywords: diagnostic, treatment, cancer of unknown primary site.

INTRODUÇÃO
As neoplasias de sítio primário desconhecido (NSPD) compõem um grupo
de tumores metastáticos, responsável por 3% a 5% de todas as neoplasias
malignas, definidas pela incapacidade de identificação do sítio de origem
durante a investigação diagnóstica. (1–3) São excluídos desse grupo tumo-
res metastáticos cujo sítio primário é identificado após biópsia das lesões
O N CO LO G I A : DA P R E V E N Ç ÃO AO T R ATA M E N TO 239

metastáticas ou exames de imagem.(4) A história natural desses tumores


inclui disseminação precoce, ausência clínica do tumor primário, padrão de
metástase imprevisível e comportamento clínico agressivo.(3,5) São neo-
plasias raríssimas na infância, com idade média de apresentação entre 65-70
anos. Apresentam sobrevida reservada, com mediana de aproximadamente
8 a 11 meses, sendo que apenas 25% dos pacientes sobrevivem por 1 ano
após o diagnóstico.(6) São consideradas a 7º a 8º tipo mais frequente de
câncer e a 4ª causa de óbito relacionada a câncer.(4,5)
De todas as NSPD, 90% compreendem adenocarcinomas ou ade-
nocarcinomas pouco diferenciados, 5% carcinoma epidermoide e 5%
carcinoma neuroendócrino. A identificação do provável sítio primário
influencia positivamente no manejo do paciente e prognóstico.(3,5) O
objetivo desse trabalho é revisar a abordagem diagnóstica e terapêutica
de casos de neoplasias sem sítio primário.

MÉTODOS
Este artigo é uma revisão bibliográfica realizada entre abril e maio
de 2018 sobre neoplasia de sítio primário desconhecido. Foi realizada
pesquisa de artigos científicos de revisão, seminários e artigos originais,
dos últimos 20 anos, em inglês, com acesso na íntegra ao conteúdo do
artigo, nas bases de dado Pubmed.
A pesquisa foi realizada utilizando os termos cadastrados nos
Descritores em Ciências da Saúde criados pela Biblioteca Virtual em
Saúde (deCS) desenvolvido a partir do Medical Subject Headings da U.S.
National Library of Medicine (MeSH). As palavras chaves utilizadas foram
neoplasia, neoplasia de sítio primário desconhecido.
Os critérios de inclusão para os artigos encontrados foram: publicação
com no máximo 20 anos, em língua inglesa, com acesso livre ou disponível
nos periódicos CAPES, que abordassem o tema de neoplasia sem sítio primá-
rio. Foram excluídos artigos que não contemplaram os critérios de inclusão.
240 AC TA M E D I C A VO L . 3 9, N . 2 (2 0 18)

RESULTADOS

Investigação diagnóstica
A avaliação diagnóstica mínima de uma neoplasia metastática deve incluir
uma detalhada anamnese, exame físico completo, incluindo exame pélvico
e toque retal, hemograma, perfil bioquímico, análise de urina, tomografias
de tórax, abdome e pelve e mamografia em mulheres. Caso essa série inicial
de exames diagnósticos não identifique o sítio primário, exames adicionais
podem ser considerados.(4) A ressonância magnética (RM) da mama e
exames invasivos, como broncoscopia, endoscopia digestiva alta (EDA) e
colonoscopia devem ser limitados a pacientes sintomáticos ou com exames
de imagem sugestivos de tumores primários nessas localizações, no caso da
RM de mama, está indicada para pacientes com adenopatia axilar isolada,
com mamografia e ecografia mamária normais. A tomografia com emissão
de pósitrons (PET-CT) é uma modalidade de exame moderna, auxiliando
na realização da biópsia e determinação da extensão da doença em alguns
pacientes. Mesmo após toda investigação diagnóstica, cerca de 20-50% dos
casos permanecem com o sítio primário desconhecido.(1,6)

Marcadores tumorais séricos


Embora não sejam úteis para o diagnóstico específico da neoplasia
primária, podem ser utilizados na monitorização de resposta ao tratamento.
(1) O nível sérico de β-gonadotropina coriônica (β-hCG), α-fetoproteína
(AFP) e antígeno prostático especifico (PSA) podem ser úteis em pacientes
masculinos para excluir tumores extragonadais de células germinativas
tratáveis e câncer prostático metastático.(6)

Análise histológica
A biópsia da lesão metastática é fundamental para análise por micros-
copia óptica, imuno-histoquímica e estudos genéticos ou moleculares.(4)
O N CO LO G I A : DA P R E V E N Ç ÃO AO T R ATA M E N TO 241

A microscopia óptica permite apenas caracterizar a morfologia celular e


diferenciação tumoral,(4) permitindo classificar os pacientes conforme
subtipos histológicos em adenocarcinoma bem diferenciado ou modera-
damente diferenciado (50% dos pacientes), carcinoma ou adenocarcino-
ma pouco diferenciado (30%), neoplasia maligna pouco diferenciada ou
indiferenciada (5%) ou carcinoma de células escamosas (15%). Em raros
casos, são encontrados tumores neuroendócrinos ou mistos. (1,4–6)

Análise imuno-histoquímica
Consiste em testes realizados com anticorpos marcados contra antíge-
nos específicos tumorais visando determinar a linhagem tumoral. Associada
a microscopia ótica, é capaz de determinar um único sítio primário em 25%
dos casos, porém, no restante dos casos é inconclusiva.(1) A análise imuno-
-histoquímica inicialmente realiza a identificação do tipo tumoral (carcinoma,
melanoma, linfoma ou outro) e, após, analisa diversos painéis de anticorpos
que podem sugerir o sítio primário da neoplasia. Para adenocarcinomas me-
tastáticos é utilizado um painel diagnóstico simplificado de 10 marcadores;
(5,6) enquanto, para carcinomas é utilizado um painel com 19 anticorpos.(4)

Perfil molecular
Os tumores metastáticos apresentam assinaturas moleculares que
correspondem à sua origem primária, dessa forma, a análise do material
obtido por biópsia através de ferramentas como o microarray de DNA
ou reação de cadeia da polimerase quantitativa em tempo real (rt-PCR)
permite sugerir um sítio primário, para qual pode existir um tratamento
sistêmico específico, incluindo terapias-alvo.(1,4)

Tratamento
A classificação dos pacientes em grupos clínico-patológicos auxilia
na abordagem terapêutica e diagnóstica.(6) Os pacientes devem ser
242 AC TA M E D I C A VO L . 3 9, N . 2 (2 0 18)

classificados em dois grandes grupos: pacientes cujo tumor primário é


revelado pela lesão metastática e pacientes com “verdadeiras” neopla-
sias sem sítio primário, o segundo grupo é subdividido de acordo com
características clínico-patológicas em “favoráveis” e “não favoráveis”
para a melhor conduta terapêutica (tabela 1).(3,4,6)

TABELA 1. Classificação clínico-patológica das neoplasias sem sítio


primário.

Fonte: adaptado de Pavlidis N, Fizazi K. Carcinoma of unknown primary


(CUP). Crit Rev Oncol Hematol. 2009;69(3):271–8.
O N CO LO G I A : DA P R E V E N Ç ÃO AO T R ATA M E N TO 243

Tratamento do grupo de neoplasias sem sítio


primário favoráveis
Câncer de células germinativas extragonadal: acomete pacientes jovens,
com neoplasias indiferenciadas com envolvimento mediastinal e retroperito-
neal, sendo que alguns casos apresentam níveis elevados de β-hCG e/ou AFP.
Apresentam boa resposta a quimioterapia combinada com cisplatina.(3,4,6)
Adenocarcinoma papilar peritoneal: relacionado ao câncer de ovário,
geralmente cursando com níveis elevados de CA-125, em mulheres com
mutação no gene BRCA1. Em comparação ao câncer de ovário, é altamente
quimiossensível, com remissões por longos períodos em 15% dos pacientes.
O tratamento é equivalente ao de pacientes com estágio III de câncer de
ovário, com redução cirúrgica e quimioterapia. (4,6)
Adenocarcinoma em linfonodos axilares: pacientes femininas com linfo-
nodos axilares devem ser avaliadas com mamografia e RM para identificar
um possível câncer de mama primário. O tratamento dessas pacientes é
similar ao de pacientes com câncer de mama estágio II-III. A identificação
de receptores de estrogênio, progesterona e HER2 no material biopsiado,
além de definir o diagnóstico define o prognóstico e a indicação terapêu-
tica de terapia hormonal ou administração de trastuzumabe (anticorpo
monoclonal contra HER2). O tratamento classicamente envolve cirurgia,
radioterapia adjuvante, hormonioterapia e terapia-alvo (se positivo para
receptores de estrogênio, progesterona ou HER2). (4,6)
Carcinoma em linfonodo cervical de células escamosas: devem ser tra-
tados de assim como neoplasias avançadas de cabeça e pescoço, o que
envolve o tratamento cirúrgico, radioterapia e quimioterapia. Os pacientes
devem ser avaliados com endoscopia e biópsia da orofaringe, hipofaringe,
nasofaringe, laringe e esôfago. O PET-CT é uma tecnologia promissora,
capaz de identificar o sítio primário em 1/3 dos pacientes. (4,6)
Carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado: o tratamento reco-
mendado é a quimioterapia com platina e etoposídio, de acordo com
244 AC TA M E D I C A VO L . 3 9, N . 2 (2 0 18)

os guidelines de tratamento de pacientes com carcinoma pulmonar de


pequenas células. A cirurgia pode ser considerada antes da quimioterapia
em pacientes com tumores localizados. (4,6)
Metástases osteoblásticas e PSA elevado: devem ser considerados
como câncer prostático metastático e tratados com terapia de deprivação
androgênica e quimioterapia pode ser considerada. (4,6)
Carcinoma em linfonodo inguinal isolado: devem ser tratados com
ressecção linfonodal, associado ou não a radioterapia.(4,6)

TABELA 2. Tratamento específico para subgrupos das neoplasias sem


sítio primário.

Fonte: adaptado de Pavlidis N, Pentheroudakis G. Cancer of unknown


primary site: 20 questions to be answered. Ann Oncol. 2010;21(SUPPL.
7):303–7.
O N CO LO G I A : DA P R E V E N Ç ÃO AO T R ATA M E N TO 245

Tratamento do grupo de neoplasias sem sítio primário


desfavoráveis
Pacientes que não são considerados do grupo favorável, geralmente
apresentam um baixo performance status, metástases hepáticas e nível
sérico elevado da enzima lactado desidrogenase (LDH). O escore prog-
nóstico do French CUP Group, classifica o prognóstico desses pacientes
em favorável (status performance <2 e níveis normais de LDH - sobrevida
média de 12 meses) ou não favorável (status performance ≥2 e níveis
elevados de LDH - sobrevida de 4 meses).(4,7) Nenhum regime quimio-
terápico é efetivo para pacientes que apresentam adenocarcinoma com
disseminação óssea, hepática ou metástases de múltiplos órgãos. A terapia
padrão para pacientes com bom performance status (≤1) é um regime de
quimioterapia com terapia dupla baseada em platina com gemcitabina
ou um taxano.(3,4) Alternativamente, quimioterapia paliativa da baixa
toxicidade e tratamento de suporte devem ser considerados.(6)
246 AC TA M E D I C A VO L . 3 9, N . 2 (2 0 18)

FIGURA 1. Classificação e manejo terapêutico das neoplasias sem


sítio primário.

Fonte: adaptado de Massard C, Loriot Y, Fizazi K. Carcinomas of an


unknown primary origin-diagnosis and treatment. Nat Rev Clin Oncol
[Internet]. 2011;8(12):701–10.

CONCLUSÃO
As neoplasias sem sítio primário são um grande desafio para o clínico
e oncologista, devido a sua agressividade e comportamento biológico
imprevisível, resultando, na maioria das vezes em mau prognóstico para o
paciente. É imprescindível realizar a investigação dessas neoplasias, a fim
de tentar proporcionar ao paciente uma classificação clínico-patológica
que permita um direcionamento para o tratamento da doença. Apesar de
O N CO LO G I A : DA P R E V E N Ç ÃO AO T R ATA M E N TO 247

todo esforço diagnóstico, cerca de 20-50% das neoplasias permanecem


sem sítio primário conhecido e destas, 85% apresentam prognóstico
desfavorável, devendo ser ponderado entre a quimioterapia paliativa ou
medidas de suporte para esses pacientes.

REFERÊNCIAS
1. Varadhachary GR, Raber MN. Cancer of Unknown Primary Site. N Engl J
Med [Internet]. 2014;371(8):757–65. Available from: http://www.nejm.org/
doi/10.1056/NEJMra1303917

2. Levi F, Te V-C, Erler G, Randimbison L, La Vecchia C. Epidemiology of unk-


nown primary tumours. Eur J Cancer. 2002;38(13):1810–2.

3. Vajdic CM, Goldstein D. Cancer of unknown primary site. Aust Fam Physician
[Internet]. 2015;44(9):640–3. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/
S0140-6736(11)61178-1

4. Massard C, Loriot Y, Fizazi K. Carcinomas of an unknown primary origin-


-diagnosis and treatment. Nat Rev Clin Oncol [Internet]. 2011;8(12):701–10.
Available from: http://dx.doi.org/10.1038/nrclinonc.2011.158

5. Pavlidis N, Pentheroudakis G. Cancer of unknown primary site: 20 questions


to be answered. Ann Oncol. 2010;21(SUPPL. 7):303–7.

6. Pavlidis N, Fizazi K. Carcinoma of unknown primary (CUP). Crit Rev Oncol


Hematol. 2009;69(3):271–8.

7. Culine S, Kramar A, Saghatchian M, Bugat R, Lesimple T, Lortholary A, et


al. Development and validation of a prognostic model to predict the length
of survival in patients with carcinomas of an unknown primary site. J Clin
Oncol. 2002;20(24):4679–83.

Você também pode gostar