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AMAR É TRAIR

Cenas organizadas por localizações:

Casa do Gíglio
- ACTO 1 (Detective Milhais é despedido)
- ACTO 2 (V observa os 4 amigos)
- ACTO 4 (Milhais a pensar no caso)
- ACTO 6 (Flashback do resto do encontro de Xavier com V)
- ACTO 7 (Milhais pesquisa mortos no Facebook)
- ACTO 8 (Milhais visita Xavier)
- ACTO 9 (Xavier vai para casa de V)
- EPÍLOGO (V cola foto do grupo na parede)

Rua/Carro
- ACTO 3 (Xavier e Silva combinam plano para o pinhal/Toni e Camila felizes)

Pinhal
- ACTO 5 (Xavier mata Camila e Silva)
- ACTO 7 (Milhais encontra mortos)

Fortaleza
- ACTO 10 (Xavier captura Milhais)

Garagem do Miguel
- ACTO 11 (V tortura Milhais e Xavier mata-o. Xavier perde o controlo e V marca um encontro
entre ele e Toni)

Falésia
- ACTO 12 (Toni mata Xavier. V aparece e convence-o a suicidar-se)
ACTO 2

TERRAÇO DA CASA DE V

V está sozinho a ler Fernando Pessoa. A câmara nunca mostra directamente a cara dele.

V: "A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo."

A sua concentração é interrompida quando ouve o barulho de pessoas a falar ao fundo.


Ele levanta-se e vê pessoas a passearem pelo caminho de terra em frente à sua casa.

CAMINHO DE TERRA

Toni, Camila, Xavier e Silva passeam pelo caminho de terra.


Toni e Camila estão de mão dada e sorridentes.
Silva está descontraído. Xavier está tenso e não pára de olhar para o casal de mão dada.

Camila: Fogo, 'mor, quando me chamaste para irmos dar uma volta, pensei que fosse ser um
passeio romântico só pra nós os dois!
Silva: Ouviste, Xavier? Ela 'tá-te a dizer que 'tás aqui a mais.

Xavier suspira de irritação.

Toni: Vá, não sejas assim, 'mor, que se eu não disser nada a estes moços eles nunca saem de casa
e ficam o tempo todo fechados no quarto.
Silva: Eu?! Só se for o Xavier, ele é que não faz nada senão ficar em casa a ver fotografias de
gajas no Facebook e a fazer sei lá o quê!
Xavier: Epá, cala a boca, Silva, já não te posso ouvir...
Camila: Népia, Silva, continua que eu agora quero saber que gajas é que o Xavier anda a ver no
Face!

Silva começa a rir para si mesmo. Xavier fica nervoso.

Silva: Olha, é uma gaja que o Toni conhece muito bem!


Toni: O quê...?

Silva ri-se novamente. Xavier dá-lhe um calduço.

Xavier: A sério que vocês ainda vão na conversa deste gajo? Ainda não perceberam que ele passa
a vida a inventar merdas destas?

Camila larga a mão de Toni e aproxima-se da cara de Xavier, que tem dificuldade em olhá-la
olhos nos olhos. O grupo pára de andar.

Camila: Se é invenção, porque é que 'tás todo corado?


Xavier engasga-se.

Camila: Uma gaja que o meu Toni conhece muito bem... só posso ser eu!
Toni: Mal... andas a babar-te para o Facebook da minha namorada, Xavier?!
Silva: Se fosse só babar...

Silva ri-se e Toni e Camila fazem cara de chocados. Xavier esta cada vez mais irritado.

Camila: Oh my god... que tal mudarmos de assunto?


Toni: Espera aí que eu acho que é melhor eu e o Xavier termos uma conversinha só os dois... de
homem para homem.

Toni aproxima-se de Xavier e mete-lhe a mão por cima do ombro, mas este afasta-o
violentamente.

Xavier: Oi, larga-me, caralho! Mas agora és meu pai para vires ter conversinhas comigo?!

Toni, Camila e Silva ficam chocados e Xavier começa a afastar-se.

Toni: Xavier, atão? 'Tás parvo?


Xavier: 'Tou sim. Tão parvo que ainda perco tempo a sair com vocês.
Camila: Olha... endoideceu de vez.

Xavier fica magoado e afasta-se mais.

Silva: Xavier! Onde é que vais?! A sério que vais embora? Amuaste foi?
Toni: Deixa-o 'tar que ele hoje 'tá armado em parvo. Ele que fique aí a refrescar as ideias para
ver se ganha juízo e vira um homem a sério... já 'tá na hora.

Toni põe o braço no ombro de Camila e eles afastam-se, juntamente com Silva, que olha uma
última vez para Xavier antes de os seguir.

Xavier fica sozinho. Começa a andar dum lado para o outro, todo stressado. Dá pontapés em
pedras, reclama para o ar, etc.
De repente, ouve alguém nas suas costas.

V: Que belos amigos que tens...

Xavier vira-se para ele e fica surpreso. Ele está com um copo de vinho na mão.

V: Vai um copo? Melhor remédio para um coração destroçado não existe.

Xavier hesita.
Xavier: Mas eu conheço-te de algum lado para me vires falar assim do nada?
V: Tu podes não me conhecer, mas eu já não é a primeira vez que vejo o teu grupo de amigos a
passar por aqui, e, de certa maneira, sinto que já te conheço melhor do que qualquer um deles.
Xavier: ...Ai sim?
V: Sim, principalmente do que a namorada daquele tal Toni... que tem noção dos teus
sentimentos por ela, mas apenas os recebe com escárnio ou desdém, pois sentir-se desejada e
cobiçada pelo amigo do namorado fá-la sentir-se melhor sobre si mesma.

Xavier está perplexo com as palavras do sábio e misterioso indivíduo.

Xavier: Como é que tu... sabes isso?


V: Se estiveres interessado, sei muito mais do que isso. Sei inclusive como a podes conquistar...
para que ela nunca mais te possa fazer sentir como te estás a sentir neste momento.

V estende o copo de vinho, e Xavier pega nele.

ACTO 5

PINHAL

Eles chegam de carro ao pinhal.

Toni: Bem, eu vou apanhar lenha para a fogueira. Vocês vão preparando a tenda e isso.
Silva: 'Pera aí que eu vou contigo!
Toni: Não vens nada comigo!
Silva: Atão, qual é o mal? Eu já vim aqui bué vezes à caça com o meu avô. Eu sei onde encontrar
lenha.
Toni: Então vai tu que eu fico aqui!
Silva: Não que eu não aguento com tudo! Tu é que tens braços pra isso! Vá, vamos os dois! Os
homens vão buscar lenha, enquanto estas duas meninas ficam aqui a preparar a tenda!
Toni: ...Hmf. Vá, tá bem (olha para a Camila e o Xavier). Ouviram, meninas? Portem-se bem!

Toni e Silva afastam-se, deixando Xavier e Camila sozinhos. Camila começa a tirar coisas do
carro, mas Xavier não se mexe.

Camila: Atão? Vens ajudar-me a descarregar as cenas ou não?


Xavier: Não...

Camila olha para Xavier perplexa. Ele olha para ela fixadamente.

Xavier: Vou descarregar o meu coração.

Xavier tira um anel do bolso e oferece-o a Camila.

Camila: O que é isso?


Xavier: Fica comigo, Camila... Eu sou o único que te pode fazer feliz! O Toni não te percebe
como eu te percebo!

Camila manda o anel para o chão.

Camila: Tás louco?!


Xavier: Estou! Louco de amor por ti! Dá-me uma chance e vais ver que não te arrependes!

Xavier tenta agarrá-la, mas ela empurra-o para longe. Ele tenta novamente mas ela dá-lhe uma
chapada e ele cai aparatosamente no chão.

Camila: Deixa-me em paz! És nojento! O que é que tu sabes sobre amar alguém?! Nada!

Camila começa a afastar-se na direcção para onde foram Toni e Silva. Xavier perde a cabeça, vai
atrás dela, e manda-a ao chão. Ela resiste e esperneia.

Camila: Larga-me, seu tarado de merda!

Para não ter de ouvir mais aqueles insultos, Xavier estrangula Camila.
Depois de ela parar de respirar, Xavier tenta acalmar-se, mas não consegue.

Cena muda para Toni e Silva a apanhar lenha.

Toni: Epá, não gosto nada da ideia de deixar a Camila sozinha com o Xavier este tempo todo...
Silva: Atão, qual é o mal? Até parece que ele teria coragem de tentar alguma coisa com ela.
Toni: Epá, mesmo assim...
Silva: Olha, já sei, eu vou ter com eles então.

Silva baza com um pedaço de lenha na mão.

Toni: Oi, então?! Leva mais lenha ao menos!

Silva ri para si mesmo e volta para o carro com um olhar curioso e com expectativa.
Mas quando ele lá chega está Xavier de costas, debruçado sobre Camila que está no chão
inconsciente.

Silva: Xavier...?

Xavier levanta-se num instante, assustado.

Xavier: Silva...? Silva, a Camila desmaiou! O que é que eu faço?! Faz alguma coisa!

Silva larga o pedaço de lenha e vai ter com Camila.


Xavier olha de esguelha para ele e depois para o pedaço de lenha.
Xavier agarra na lenha e ataca Silva.
Momentos depois, Toni chega carregado de lenha e encontra Camila e Silva mortos. Silva está
cheio de sangue.
Toni deixa imediatamente cair a lenha e vai ter a correr com Camila (ignorando por completo
Silva).
Ele chama por ela, mas ela já está morta. Ele chora muito.
É então que dá pela falta de Xavier e, ainda transtornado, vai à procura dele.

ACTO 6

FLASHBACK: TERRAÇO DA CASA DE V

Está uma garrafa e copos de vinho vazios. V e Xavier estão no terraço, onde Xavier começa a
vomitar.
V oferece-lhe uma garrafa de água.

V: Já deitaste tudo cá para fora?


Xavier: Népia, acho que ainda vou vomitar mais.
V: Haha... não, estava a referir-me ao teu discurso inflamado de ainda agora. Sobre como o Toni
não passa de um brutamontes sem miolos nem coração... e sobre como a Camila merece tão
melhor.
Xavier: ...E é verdade.
V: Da primeira parte não duvido, mas da segunda já não tenho tanta certeza.
Xavier: O que é que queres dizer com isso?
V: Simples: a Camila que vive dentro de ti é uma ilusão... que tu próprio criaste.

Xavier fica com cara de poucos amigos.

V: Chamas-te Xavier Pessoa, não é? Curioso, tens o mesmo nome de um poeta que definiu na
perfeição a tua ilusão...

V pega num livro próximo e recita algo.

V: "Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um


conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos."

Xavier olha para V perplexamente, e este continua o discurso, agora com as suas próprias
palavras.

V: A Camila que existe na tua cabeça não passa de uma ilusão criada pela tua solidão. Na
realidade, ela não possui nenhuma das qualidades que lhe atribuis. Essas qualidades são
figmentos da tua própria imaginação. E se aquilo que tu amas é a tua própria imaginação, então é
a ti mesmo - e a não a ela - que amas.
Xavier: ...Não disseste ainda há pouco que sabias como eu a poderia conquistar? Porque é que
agora 'tás-me a dizer que afinal de contas eu nem sequer a amo...
V: Tal como a tua noção de amar, a tua noção de conquistar está fundamentalmente errada.
Conquistar não significa ganhares o seu afecto... mas sim livrares-te do peso que a sua existência
exerce sobre ti. Só então estarás livre para amar a pessoa que tu realmente amas - a ti próprio.
Xavier: Não... tu não percebes... eu gosto mesmo da Camila... ela é tudo para mim...
V: Nesse caso, experimenta expressar-lhe abertamente esses sentimentos que julgas ter por ela.
Se ela os receber de braços abertos, tanto melhor. Mas caso ela os continue a menosprezar,
então verás que a existência dela é algo que tens de superar e suprimir do teu mundo... a bem ou
a mal.

ACTO 9

ARCADA DA CASA DE V

Xavier aparece transtornado e demente na casa de V, que está a comer algo com classe.

V: Mas que agradável surpresa. Vens mesmo a tempo - experimenta isto.

V oferece-lhe algo. Xavier olha para a comida com olhos distantes.

Xavier: ...Não sei o que fazer.


V: Que tal sentares-te para começar?

Xavier senta-se reluctantemente e coloca as mãos sobre a cabeça, suspirando.

V: Então? Como vai a tua querida Camila?


Xavier: ...Morta.

V sorri.

V: Parabéns.

Xavier olha para ele incrédulo.

V: Isso significa que estás finalmentre livre.


Xavier: ...Não. Não, não estou. Eu... eu matei uma pessoa... duas, aliás. Como é que eu posso
viver em liberdade depois de fazer uma coisa dessas? Nem pensar, não dá... já apareceu um
detective em minha casa e tudo...
V: Hmm... sabes-me dizer como é que ele é?

Xavier descreve o detective.

V: Hah... ele não desiste. Muito bem, Xavier, em troca deste abrigo que te estou a fornecer, tu
vais livrar-nos desse detective de uma vez por todas...
Xavier: Eu? Não, nem pensar... já tenho pecados suficientes na minha consciência...
V: Haha... não te preocupes que isso passa. Matar é tal e qual esta comida... prova.
Xavier prova e faz uma careta.

V: Sabe mal, não sabe? Mas isso é porque é a primeira vez... se experimentares novamente mais
tarde, começas a habituar-te ao sabor, e após umas quantas vezes... torna-se delicioso.

ACTO 11

Milhais acorda com um balde de água fria e encontra-se amarrado a uma cadeira num local
escuro.
À sua frente, algo obscurecido, está um indivíduo com uma máscara branca perturbante.

Milhais: Xavier Pessoa...? É você, não é? Foi você quem matou Camila Queiróz e José Silva, não
foi? Mas você não fez isso por vontade própria, pois não? Não se preocupe, pois eu sei da
verdade... eu sei que alguém o manipulou a tal... Sei da verdade pois há muito tempo que ando a
investigar uma sequência de casos idênticos a este, em que indivíduos são levados a chacinar o
seu próprio grupo de amigos, e tenho uma boa ideia de quem está por trás deles...

O homem da máscara começa a rir-se de uma forma demente e perturbante.


É então que ele remove a máscara e revela a sua identidade - V.
A cara de Milhais contorce-se com terror.

Milhais: Eu sabia...
V: Então e agora que finalmente confirmou a sua hipótese, diga-me lá, Detective: o que é que
planeia fazer com essa informação? É que dependendo das suas intenções, o tratamento que está
prestes a receber poderá ser diferente.
Milhais: Como assim? Achas que me podes usar como refém, é isso?
V: Não, não... nada disso. Mas digamos que o senhor planeia usar essa sua língua para revelar a
minha identidade e paradeiro aos seus superiores... eu não teria hipótese senão cortar o mal pela
raiz... ou seja, cortar-lhe a língua.

Milhais está horrorizado com o temível e hediondo vilão que tem agora o detective na palma da
mão.

Milhais: Tenha calma... eu já fui despedido da agência... não tenho poder nenhum sobre si, e
não tenho qualquer informação que o possa interessar. Só queria confirmar a minha hipótese por
uma questão de satisfação pessoal. Agora que já obtive essa confirmação, não tem porque se
preocupar mais comigo.
V: ...É bom saber disso. Muito bem, eu não lhe corto a língua então.

Milhais suspira de alívio.

V: Porém... mesmo tendo sido despedido, você pode tentar contactá-los através de
correspondência... e nesse caso, talvez seja melhor certificar-me de que o senhor detective não
tem como escrever ou teclar...
Milhais borra-se todo. V peca num facão de cozinha e corta-lhe os dedos. Milhais berra
desalmadamente. V manda-lhe com mais um balde de água fria à cara para ver se ele se cala.

V: Vá, homem, não chore mais que eu já terminei...


Milhais: Graças a Deus...

V ri-se.

V: Eu já terminei... mas o espetáculo tem de continuar.

Xavier aparece das sombras com um taco de baseball. Milhais berra desalmadamente antes de ser
violentamente espancado até à morte, como um porco num festival da matança do porco.

EPÍLOGO

V chega a casa e coloca uma foto do grupo na parede, juntamente com muitas outras fotos de
outros grupos.

V: "Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios."

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