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RAFAEL DE LAZARI

CESAR AUGUSTO ARTUSI BABLER


VIVIANE DE ARRUDA PESSOA OLIVEIRA
MARIA CAROLINA GERVÁSIO ANGELINI DE MARTINI

DIREITOS HUMANOS
UNIDADE 3

DIREITOS HUMANOS E
DIVERSIDADE CULTURAL

1. DIREITOS HUMANOS E MULTICULTURALISMO (OU


RELATIVISMO CULTURAL)
A diversidade é uma das tantas “palavras-chave” que embasam os Direitos Humanos.
A noção de diversidade pode ser compreendida de inúmeras maneiras e é importante,
desde já, ressaltar isso.

Qualquer que seja a maneira, é indispensável ter em mente a distinção entre discri-
minações positivas e discriminações negativas. Nos tempos atuais, o termo “dis-
criminação” ganhou sentido popular de desrespeito, de intolerância. Este, contudo, é
apenas o conceito de discriminação negativa. Exemplificativamente, quando se veta a
contratação de indivíduo para cargo de vendedor em uma loja, pelo simples fato dele
ser portador do vírus HIV, por exemplo, então, se está diante de uma discriminação ne-
gativa (isto é, que cria um conceito injustificável de exclusão e desrespeito).

Ocorre, por outro lado, a discriminação positiva quando ela se dá com o fim de assegu-
rar igualdade material (ou substancial). Exemplificativamente, quando se estabelece
cota em Universidades Públicas para estudantes advindos do ensino público, isso é
forma de garantir que o contingente estudantil tenha acesso a um ensino de qualidade,
nada obstante tenha se preparado em condições mais desfavoráveis que aqueles que
se prepararam em escolas particulares.

Em síntese, a discriminação negativa exclui, ao passo que a discriminação positiva inclui.

Quando se afirma que Direitos Humanos são universais, fica estabelecido que eles são
válidos para todas as pessoas do mundo, independentemente de onde elas sejam. As-
sim, basta ser pessoa para ter os Direitos Humanos reconhecidos internacionalmente.

Devido ao universalismo dos Direitos Humanos, firma-se a ideia de cooperação in-


ternacional e toma-se um aspecto positivo da globalização (OLIVEIRA; LAZARI, 2019,
p. 80). As teorias relativistas (ou multiculturalistas), em outro aspecto, pregam o atre-
lamento da proteção dos Direitos Humanos às peculiaridades de cada povo, em dado
local e em dado tempo (parte-se da ideia que a definição de regras-padrão de proteção
aos Direitos Humanos pode desconsiderar tais peculiaridades). Isso gera “problemas”
de ordem prática, dos mais variados tipos.

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Seguindo preceitos religiosos, em vários lugares do mundo, as mulheres têm de usar


(como recomendação ou como obrigação) vestimentas específicas (como Burca,
Niqab, Xador e Hijab) que cobrem (total ou parcialmente) seus corpos, ao passo que
em outros lugares não há tal recomendação/obrigação.

Figura 01. Vestimentas religiosas femininas

Burca Niqab Xador Hijab


EXEMPLO

Fonte: 123RF.

Em outro exemplo, também envolvendo preceitos religiosos, em determinadas cren-


ças veda-se o recebimento de transfusão de sangue ou de fluidos sanguíneos (sobre-
tudo, se quem segue tal crença expressamente se recusar a isso).

Observando os dois exemplos acima, ficam as indagações, reflexivas: se uma mulher se


recusar a usar vestes especiais e sofrer reprimendas sociais por isso, tal contexto se encon-
tra protegido pelos Direitos Humanos? Até que ponto uma pessoa tem o livre arbítrio de se
recusar a receber transfusão de sangue, ainda que, dessa forma, arrisque sua vida? Pelo
ponto de vista do multiculturalismo, todas as peculiaridades devem ser observadas pelos
Direitos Humanos; já pelo ponto de vista do universalismo, os Direitos Humanos não podem
admitir relativizações quando está em jogo a defesa constante da dignidade humana.

Frisa-se que os dois entendimentos sobre os exemplos são possíveis, atualmente,


conforme as mais variadas concepções doutrinárias dentro da disciplina dos Direitos
Humanos. De todo modo, a Organização das Nações Unidas (ONU), em oportunidade
marcante, manifestou-se favoravelmente ao universalismo (posição com a qual se con-
corda aqui, com o devido respeito a todos os pontos de vista em torno da questão). Tan-
to que, no item I.5, da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, decorrente
da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, embasou-se que

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U3 Direitos Humanos e diversidade cultural

[t]odos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrela-


cionados. A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, global-
mente, de forma justa e equitativa, no mesmo pé e com igual ênfase. Embora se deva
ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os diver-
sos antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independen-
temente dos seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos
os Direitos Humanos e liberdades fundamentais (ONU, 1993, [n. p.]).

2. DIREITOS HUMANOS, DIVERSIDADE E DIREITOS CULTURAIS


Outra maneira importante de compreender diversidade é aquela que parte do respeito
à cultura de um povo, em suas mais variadas formas. É preciso pontuar, neste aspec-
to, que a cultura é um dos elementos de identificação de um povo. Quais são os seus
pratos típicos? Quais são as suas origens? Quem são seus principais artistas? Quais
são os seus principais monumentos arquitetônicos? Tudo isso (dentre outras coisas,
obviamente) ajuda a definir “o DNA de um povo”.

Há normativas internacionais que protegem a cultura de um povo. Pelo artigo 27, item
1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UNICEF, 1948, [n. p.]), “[t]odo ser
humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir
as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Já nos termos do
artigo 15, do Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (BRA-
SIL, 1992, [n. p.]), defende-se que
[o]s Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direi-
to de: a) Participar da vida cultural; b) Desfrutar o processo científico e suas
aplicações; c) Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais de-
correntes de toda a produção cientifica, literária ou artística de que seja autor.

Essa questão cultural é especialmente importante para o Brasil, país que tem uma cul-
tura plural decorrente de uma sociedade miscigenada. Bem por isso, a sua Consti-
tuição, vigente desde cinco de outubro de 1988, protege a cultura a partir do seu artigo
215. De maneira consoante, o artigo 216, por exemplo, prevê que constituem patrimô-
nio cultural brasileiro
[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos di-
ferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I
- as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edi-
ficações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, [n. p.]).

Os Direitos Humanos culturais, portanto, também são manifestação de diversidade.

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Direitos Humanos e diversidade cultural U3

3. SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANO


A fim de tentar organizar tantas variáveis (e infinitas combinações) no processo de
afirmação e proteção dos Direitos Humanos, foram estruturados sistemas de prote-
ção. Esses sistemas buscam proteger os Direitos Humanos em sua máxima amplitude,
ainda que dentro de peculiaridades regionalizadas.

Figura 02. Sistemas de proteção dos Direitos Humanos que o Brasil integra

Trata-se do sistema que se desenvolve na


Organização das Nações Unidas (ONU)

`  Estruturado por: Carta da ONU (1945)


SISTEMA GLOBAL `  Principais documentos protetivos:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948) + Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (1966) + Pacto Internacional de Direitos
Sociais, Econômicos e Culturais (1966)

Trata-se do sistema que se desenvolve na


Organização dos Estados Americanos (OEA)

`  Estruturado por: Carta da OEA (1948)


SISTEMA REGIONAL
INTERAMERICANO `  Principais documentos protetivos: Declaração
Americana de Direitos Humanos (1948) +
Convenção Americana de Direitos Humanos (1969
– este último documento é comumente conhecido
como “Pacto de San José da Costa Rica”)

Trata-se do sistema que se desenvolve no Brasil,


através dos seus organismos nacionais (como o
Ministério Público e a Defensoria Pública), bem
como de seus Poderes Republicanos (Executivo,
SISTEMA NACIONAL Legislativo e Judiciário)
BRASILEIRO
`  Estruturação e principal documento
protetivo: Constituição Federal (1988)

Fonte: elaborada pelo autor.

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U3 Direitos Humanos e diversidade cultural

Para fins de complementação, vale lembrar que existem mais dois sistemas regionais
(dos quais o Brasil, obviamente, não faz parte, por envolverem regiões geográficas que
nosso país não integra). São eles:

Figura 03. Outros sistemas regionais existentes

Trata-se do sistema que se desenvolve no Conse-


lho da Europa

`  Estruturado por: Tratado de Londres (1949)


SISTEMA EUROPEU `  Principal documento protetivo: Convenção
Europeia de Direitos Humanos (1950)

Trata-se do sistema que se desenvolve na União


Africana (UA). A UA foi fundada em 2002, em subs-
tituição à Organização da Unidade Africana (1963)

`  Principal documento protetivo: Carta


SISTEMA AFRICANO
Africana de Direitos Humanos e dos Povos (1981)

Fonte: elaborada pelo autor.

Como se pode observar, visto que os Direitos Humanos são muitos e variáveis no tem-
po e no espaço, foram estruturados sistemas de proteção (global + regional intera-
mericano + regional europeu + regional africano + sistema nacional de cada país
que se preze democrático, como é o caso do Brasil), a fim de que a diversidade dos
Direitos Humanos seja respeitada. Os sistemas de proteção são, portanto, mais uma
manifestação da diversidade dos Direitos Humanos.

Nesta Unidade, então, foi apresentado que, ainda que os Direitos Humanos tenham
um compromisso com a diversidade, a própria ideia de diversidade contempla múlti-
plas facetas. Assim, foram vistas questões concernentes ao dilema “universalismo vs.
multiculturalismo”, os Direitos Humanos culturais como manifestações de diversidade,
bem como a estruturação de sistemas de proteção de Direitos Humanos com o objetivo
de atender às várias peculiaridades pertinentes aos Direitos Humanos. De todo modo,
sempre que se estiver diante de um dilema, deve-se priorizar, na dúvida, o respeito à
dignidade humana e a um mínimo ético que seja comum a todos os povos.

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Direitos Humanos e diversidade cultural U3

Links para leituras

Recomenda-se a leitura de algumas normativas protetivas de Direitos Humanos mencio-


nadas neste material:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 de novembro
de 2021.

BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica) – Internalizada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 15 nov. 2021.

BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – internalizado pelo De-
creto nº 592, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 15 nov. 2021.

BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – interna-


lizado pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 15 nov. 2021.

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA – UNICEF. Declaração Universal dos
Direitos Humanos – adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (re-
solução 217-A-III), em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 18 nov. 2021.

Indicação de filme

O filme 12 Anos de Escravidão trata da questão escravagista nos, Estados Unidos da América.
O filme é forte, marcante, mas ajuda a entender a necessidade atual de promover discrimi-
nações positivas, a fim de reparar danos históricos (como os decorrentes da escravidão no
continente americano como um todo).

Dados do filme:

12 ANOS de Escravidão. 12 Years a Slave (Original). Direção: Steve McQueen. Ano de pro-
dução: 2013. Duração: 135 minutos. Filme não recomendado para menores de 14 anos.

Texto complementar

Os direitos culturais são parte integrante dos Direitos Humanos, como visto. Não à toa, eles
compõem o segundo grupo de Direitos Humanos em espécie, ao lado dos direitos econô-
micos (os direitos civis e políticos) e dos direitos sociais (os direitos relacionados à frater-
nidade). Nesse sentido, recomenda-se a leitura de artigo a seguir, que pontua as questões
inerentes aos direitos culturais.

Dados do artigo:

LELIS, Henrique Rodrigues; LÔBO, Edilene. A dimensão cultural dos direitos humanos e a
efetivação do Estado democrático de direito. Revista Jurídica UNICURITIBA, Curitiba, v.
3, n. 44, p. 734-758, 2016. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/
article/view/1894. Acesso em: 15 nov. 2021.

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U3 Direitos Humanos e diversidade cultural

Caso de aplicação

Das temáticas aqui estudadas (Direitos Humanos culturais, vedação a práticas discrimina-
tórias negativas, sistemas de proteção e diversidade), convém relacioná-las aos limites da
liberdade de expressão. Como caso prático, toma-se a situação de um “especial de Natal”
de um importante canal de comédia no YouTube, que caracterizou Jesus Cristo de forma
satírica, o que desencadeou protestos de vários grupos religiosos Brasil afora. Independen-
temente do ponto de vista que se adote, chama-se à reflexão do quanto uma questão assim
envolve os Direitos Humanos. Eis algumas perguntas que ficam para reflexão:

`  A liberdade de expressão autoriza “brincadeiras” com determinadas religiões?

`  O fato de ser um canal de comédia autoriza maiores “flexibilidades morais” em nome do


humor?

`  Se a religião é um fator cultural do país, satirizar uma ou alguma religião pode ser visto
como ofensa aos Direitos Humanos culturais?

`  Uma manifestação satírica de questão religiosa é positiva ou negativa para a noção de


diversidade que se busca nos tempos atuais?

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