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C – Poesias completas (1901)

AULA 
VISIO

Eras pallida. E os cabellos, Restavam meus desvarios,


Aereos, soltos novellos, 35 E o incessante cuidado,
Sobre as espaduas cahiam... E a phantasia doente.
Os olhos meio-cerrados
5 De volupia e de ternura E agora te vejo. E fria
Entre lagrimas luziam... Tão outra estás da que eu via
E os braços entrelaçados, Naquelle sonho encantado!
Como cingindo a ventura, 40 És outra, calma, discreta,
Ao teu seio me cingiam... Com o olhar indifferente,
Tão outro do olhar sonhado,
10 Depois, naquelle delirio, Que a minha alma de poeta
Suave, doce martyrio Não vê se a imagem presente
De pouquissimos instantes, 45 Foi a visão do passado.
Os teus labios sequiosos,
Frios, tremulos, trocavam Foi, sim, mas visão apenas;
15 Os beijos mais delirantes, Daquellas visões amenas
E no supremo dos gozos Que á mente dos infelizes
Ante os anjos se casavam Descem vivas e animadas,
Nossas almas palpitantes... 50 Cheias de luz e esperança
E de celestes matizes:
Depois... depois a verdade, Mas, apenas dissipadas,
20 A fria realidade, Fica uma leve lembrança,
A solidão, a tristeza; Não ficam outras raizes.
Daquelle sonho desperto,
Olhei... silencio de morte 55 Inda assim, embora sonho,
Respirava a natureza — Mas, sonho doce e risonho,
25 Era a terra, era o deserto, Désse-me Deus que fingida
Fôra-se o doce transporte, Tivesse aquella ventura
Restava a fria certeza. Noite por noite, hora a hora,
60 No que me resta de vida,
Desfizera-se a mentira: Que, já livre da amargura,
Tudo aos meus olhos fugira; Alma, que em dores me chora,
30 Tu e o teu olhar ardente, Chorára de agradecida!
Labios tremulos e frios,
O abraço longo e apertado, (ASSIS, 1901, Poesias Completas,
O beijo doce e vehemente; p. 5-7)

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