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ISBN: 978-65-87142-33-3

AS GRANDES NAVEGAÇÕES E O (DES)ENCONTRO DE


VÁRIOS MUNDOS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PIBID

Moroni de Almeida Vidal (moronialmeidavidal@gmail.com)


Letícia Ribas Diefenthaeler Bohn (lebohn@gmail.com)
Elandia Vieira de S. Thiago (elandiavst@gmail.com)
Universidade da Região de Joinville - Univille

RESUMO: As Grandes Navegações não são apenas um período histórico que


possibilitou avanços tecnológicos para a busca de especiarias, foi também um
momento que possibilitou o contato entre seres humanos de dois continentes distintos:
A América e a Europa. Nesta aproximação, constituíram-se alianças,
desentendimentos e disputas entre vários mundos: os portugueses e espanhóis; e os
mais variados indígenas como guaranis, tupinambás, caetés e potiguaras.
Compreender a existência de várias percepções diferentes neste momento, é de suma
importância para que se entenda que não havia apenas o europeu como protagonista
desta História. Portanto, percebeu-se a necessidade de que os alunos do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), com o subprojeto de História,
atuantes da Escola de Educação Básica Professor Rudolfo Meyer, desenvolvessem
um plano de aula acerca das Grandes Navegações, não se esquecendo do encontro
de vários mundos existente neste momento. Esta sequência didática, foi organizada
em duas aulas: uma expositiva e outra dialogada, onde os alunos analisaram
cartografia deste período histórico que retratavam indígenas a partir da perspectiva
europeia, e cruzaram a sua interpretação com trechos de cartas de Cristóvão
Colombo, para perceberem a visão que os europeus possuíam dos indígenas e
refletirem sobre a possível perpetuação desse imaginário no contexto brasileiro atual.

Palavras-chave: História; Grandes Navegações; Indígenas; Cartografia; Cartas.

ABSTRACT: The Great Navigations are not only a historical period that made
technological advances possible for the search for spices, it was also a moment that
made contact between human beings from two different continents possible: America
and Europe. In this approach, alliances, misunderstandings and disputes were formed
between various worlds: the Portuguese and Spanish; and the most varied indigenous
peoples such as Guaraní, Tupinambás, Caetés and Potiguaras. Understanding the
existence of several different perceptions at this time is of paramount importance to
understand that there was not only the European as the protagonist of this History.
Therefore, there was a need for students of the Institutional Scholarship Program for
Initiation to Teaching (PIBID), with the History subproject, working at the Professor
Rudolfo Meyer Basic Education School, to develop a lesson plan about Great
Navigations, not forgetting the meeting of several worlds existing at this moment. This
didactic sequence was organized into two classes: an expository and a dialogued one,
where students analyzed cartography of this historical period that portrayed indigenous
people from the European perspective, and crossed their interpretation with excerpts
from letters by Christopher Columbus, to understand the vision that Europeans
possessed of the indigenous people and reflect on the possible perpetuation of this
imaginary in the current Brazilian context.

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Keywords: Great Navigations; Indigenous people; Cartography; Letters.

INTRODUÇÃO

Em 1992, ano que marcou os 500 anos do início da presença europeia no


continente americano, através da chegada de Cristóvão Colombo, várias discussões
foram suscitadas em torno deste assunto. O próprio termo que era utilizado para
descrever esse momento, descoberta, foi alvo de várias críticas, que reivindicavam
olhares aos nativos deste continente, que levou ao questionamento acerca da
exclusão dos indígenas no contexto da chegada dos europeus à América, a partir das
Grandes Navegações. Neste contexto, organizações oficiais como a Organização das
Nações Unidas - ONU, passaram a utilizar outros termos, como encontro entre dois
mundos, para nomear este momento da História da Humanidade (SCHMIDT, 2010).
É necessário pontuar também, que em 10 de março de 2008 foi sancionada a
Lei 11.645, que assegura, no ensino fundamental e médio de instituições públicas e
privadas, a obrigatoriedade do “estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”
(BRASÍLIA, 2008). Além disso, esta lei determina, no segundo inciso do primeiro artigo
que: “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas
brasileiros serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial nas
áreas de educação artística e de literatura e história brasileira” (BRASÍLIA, 2008). Esta
lei é de suma importância para garantir o ensino e a discussão de temas, ainda hoje
em disputa e tensionamento, como a questão indígena e negra na sociedade
brasileira.
Tendo em vista essas discussões, que foram realizadas com maior fôlego
desde 1992, e a lei que garante o ensino de temas que dizem respeito à história e
cultura indígena, a experiência, aqui socializada por meio deste artigo, teve como
objetivo, a compreensão, por parte dos alunos, acerca dos processos que envolveram
os esforços para explorar novos caminhos na busca de especiarias, no que
convencionou-se chamar de Grandes Navegações, evidenciando os indígenas, a
partir de fontes históricas. Tudo isso, a fim de construir um ensino de Grandes
Navegações que não foque apenas no europeu, mas que evidencie de alguma forma
o indígena.
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A experiência que aqui será relatada, foi a primeira tentativa de planejamento


e aplicação de aula3, e deu-se numa escola pública de ensino médio, da cidade de
Joinville, com alunos do primeiro ano, em 2018, por meio do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Para a realização desta primeira
experiência em sala de aula, foi disponibilizado pela professora supervisora do
programa, duas aulas, que foram organizadas em: uma aula para exposição-
dialogada de conteúdo, mediada pelos bolsistas do PIBID com os alunos do primeiro
ano, acerca das Grandes Navegações, pontuando alguns questionamentos, que
posteriormente seriam utilizados na segunda aula para a realização de uma atividade
com fontes históricas deste período.

AS GRANDES NAVEGAÇÕES E A CONSTRUÇÃO DO DESCOBRIMENTO

O processo de expansão marítima europeia, dos séculos XV e XVI,


caracterizado por um ciclo de viagens de longa distância, que é conhecido como
Grandes Navegações, foi protagonizado por Portugal e Espanha. Este protagonismo
está situado em um amplo leque de condições favoráveis ao empreendimento destes
territórios que estavam construindo-se enquanto Estados Nacionais. A formação
destas monarquias nacionais, exerceu papel fundamental para o financiamento das
Grandes Navegações, pois “Visando fortalecer os novos Estados, a fim de superar a
fragmentação do poder típica do feudalismo, os monarcas investiram no comércio,
bancaram as grandes navegações [...]” (SCHMIDT, 2010, p.13).
Esta formação das monarquias nacionais, é definida, no livro didático
disponível aos alunos do ensino médio da escola onde foi realizado este trabalho,
como “a formação de um país” (COTRIM, 2016, p.234), e é apontada como um dos
fatores para a expansão marítima de Portugal e Espanha. Esta expansão marítima
está associada a um projeto de Estado, onde o seu fortalecimento exigia “garantir a
segurança das fronteiras e fortalecer o Tesouro Real” (BAHOMENY, 1995, apud
GOMES; ROCHA, 2016, p.95). Além disso, são fatores que contribuíram ao
pioneirismo de Portugal: a ausência de guerras no território do Reino de Portugal
durante o século XV, a sua localização geográfica, e os avanços técnico-científico na

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Sublinha-se que esta aula foi construída com outro bolsista do PIBID, chamado Rafael Goedert, que
optou por não dar continuidade à graduação de Licenciatura em História da Univille.
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Idade Média, como as caravelas, as bússolas e a produção de cartografias.


Este pioneirismo, esteve atrelado ao avanço dos portugueses pelo Atlântico,
fazendo o contorno pelo continente africano com o objetivo de chegar às Índias na
busca por especiarias, conhecida como Périplo Africano. Esta estratégia rendeu a
Bartolomeu Dias em 1488, a descoberta de um novo caminho às Índias por meio da
conquista da passagem pelo Cabo das Tormentas, chamado de Cabo da Boa
Esperança após seu êxito em atravessá-lo. Já Vasco da Gama, conseguiu em 1498
chegar à cidade de Calicute, na Índia, retornando em 1499 com “um carregamento
que superava 60 vezes o custo da expedição” (COTRIM, 2016, p. 239), fato marcante
para o comércio de especiarias praticado pelos portugueses, que até então era
dominado pelos genoveses e venezianos. Além disso, outro fato marcante para as
navegações portuguesas, foi a chegada de Pedro Álvares Cabral, no território
atualmente pertencente ao Brasil, em 1500, por meio de um afastamento da costa
africana no caminho para as Índias, que ainda hoje gera debates quanto à sua
possível intencionalidade.
A Espanha, entretanto, possuiu outro contexto: sua região formou uma
monarquia nacional apenas no século XV, com o casamento da rainha Isabel I de
Castela e do rei Fernando II de Aragão em 1469, efetivando, assim, a União Dinástica
de seus reinos, o que inseriu seus territórios como uma monarquia nacional. A
burguesia desta monarquia, era entendida como não possuidora de um “espírito
empreendedor” (SCHMIDT, 2016), o que a levou a focar em ganhos que não traziam
um grande retorno monetário imediato, como terras, força política, segurança
econômica e prestígio social. Neste aspecto Schmidt comenta, ainda, que:

[...] mesmo tradicional, agrária e aristocrática, a Espanha permaneceu


sensível ao grande comércio. Isto se manifestou, sobretudo, na
competição com Portugal pelo controle da rota atlântica do comércio
de especiarias com as Índias. Ambos os Estados disputavam o
domínio da costa africana. Em 1344, dom Luis de La Cerda tomou
posse das estratégicas Canárias para Castela. Contudo ao longo do
século XV, Portugal conquistou as posições-chave do périplo africano.
As viagens de Bartolomeu Dias (1488) e de Vasco da Gama (1498)
consolidaram a hegemonia portuguesa nesta rota. Antes todavia,
Cristóvão Colombo ofereceu aos reis de Espanha uma alternativa: o
encontro das Índias pelo Oeste (2010, p.18).

É interessante pontuar ainda, que Cristóvão Colombo teve seu plano recusado
pelo rei português D. João II, sendo aceito então pela rainha Isabel I de Castela. Este
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navegador, acreditou que receberia títulos e parte da riqueza conquistada com a


viagem, entretanto, embora tenha sido o primeiro navegador europeu a chegar na
América e comunicar à Europa, “Para o mundo da época, a descoberta da terra que,
posteriormente, iria chamar-se América foi, de início, uma decepção, uma barreira
entre a Europa e o seu alvo maior, o Oriente” (PINSKY, 2017, p.23). Isso somou-se
ao fato de não ter conseguido encontrar riquezas nas terras em que teve contato nas
três viagens que realizou ao continente, perdendo, assim, seus privilégios (SCHMIDT,
2010). Foi assim que Colombo viu na sua “cruzada” (TODOROV, 1996), uma tentativa
frustrada de enriquecer e obter reconhecimento.

A DESCONSTRUÇÃO DA “DESCOBERTA” EM SALA DE AULA: UM DEBATE


ABERTO

O item acima, vinculado à primeira aula ministrada, pode ser considerado um


resumo acerca das Grandes Navegações e suas conquistas pautadas na visão do
empreendimento comercial europeu. Mas como falar em “descobrimento” quando já
haviam diversos povos nativos vivendo neste continente? Nesse sentido, é de grande
importância, a reflexão de Todorov ao introduzir a questão do descobrimento em seu
livro: “Quero falar da descoberta que o eu faz do outro” (1996, p.3).

Figura I: Aula expositiva-dialogada sobre Grandes Navegações

Fonte: Acervo dos autores (2018)


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Muitas vezes, durante o ensino deste conteúdo didático, é focado apenas em


uma visão europeia de descoberta de territórios, é aí que, por vezes, se esquece das
pessoas, que são fundamentais à História, pois como Marc Bloch (2003) refletiria, esta
é a ciência dos homens no tempo. Portanto, é de suma importância que se pense
acerca da descoberta do outro, pois as Grandes Navegações, mais do que propiciar
a “descoberta” de um novo continente (na visão dos europeus), foi um momento de
encontros e desencontros entre nativos e europeus, ambos sem o conhecimento de
quem eram, o que culminou em acordos, desacordos, preconceitos, guerras,
genocídios e escravidão.
Estes (des)encontros dos europeus com os indígenas foram e são fatores
determinantes à História da América Latina, pois:

[...] o contato secular do índio com o meio geográfico da América


constituiu um patrimônio de experiências, de recursos, de cultura que
os europeus recém chegados aproveitaram, que eles assimilaram de
maneira mais ampla do que habitualmente se crê. É por isto que a
história da América deve incluir de maneira orgânica o vasto capítulo
indígena (CARDOSO, 1987 apud SCHMIDT, 2010, p. 20).

Portanto, a partir da reflexão sobre a importância de evidenciar e discutir a


questão indígena no ensino de História, foi construída uma atividade para ser
realizada após uma aula expositiva-dialogada, com o objetivo de problematizar com
os alunos a imagem criada pelos europeus acerca dos indígenas e suas
(des)continuidades na atualidade.
Pensando nesta perspectiva buscou-se alguma fonte histórica que ilustrasse
esta relação, o que motivado por Karnal, culminou na reflexão de que a Idade Moderna
foi um: “Período privilegiado para a análise da arte [...]. O professor pode e deve
analisar quadros do período, bem como a arquitetura e outras formas de expressão
artística” (2018, p.133)
A partir, disso, foi pensado em trabalhar com cartografia produzida durante o
período das Grandes Navegações que envolveu o contato com os indígenas do
continente americano, entendendo que além da cartografia deste período ser
considerada uma fonte histórica, esta possui uma dimensão artística, pois:

Os historiadores da arte há muito tempo apontam, ou seja, de que


houve uma grande mudança estilística na arte ocidental Européia
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entre 1400 e 1500. Quer a chamem de ‘advento do novo realismo’ ou


‘a chegada da Renascença’, ou mesmo ‘a idade das descobertas’,
todos concordam que um grande vento de mudança soprou ao longo
do século quinze. O que não foi tão bem compreendido é que este
novo modo de ‘ver’ o mundo aplicava-se também à produção de
mapas, onde novos estilos surgiram, desenvolvidos por pintores há
muito tempo reconhecidos como inovadores. Era como se a pintura e
o mapeamento fossem simplesmente meios diferentes de representar
artisticamente a mesma realidade, de um novo ponto de vista
(BUISSERET, 2003 apud FIALHO, 2006, p.4)

Esta discussão sobre cartografia, já havia sido realizada na disciplina de


História e Historiografia da América I, no curso de História. Portanto, a realização
desta atividade foi facilitada pelas discussões já realizadas, bem como pelo acesso às
fontes históricas4. Estas fontes, associam-se a uma coleção da Abril Cultural da
Editora Abril, da década de 1970, chamada “Grandes Personagens da História do
Brasil”. Esta coleção, tinha seus fascículos vendidos quinzenalmente em bancas de
jornais e revistas, e apresentava uma concepção de História Tradicional,
caracterizada como “essencialmente política” (BURKE, 1992), que evidenciava os
elementos oficiais do Estado. As cartografias reproduzidas faziam parte do final de
cada fascículo e podiam ser destacados da coleção.
Ao todo, havia quatorze mapas disponíveis, sendo utilizados apenas seis
destes, por apresentarem detalhes, mais facilmente perceptíveis, para a análise e
discussão em sala de aula. Dentre eles, destaca-se a cartografia abaixo, presente
numa das cartas de Diogo Homem, um cosmógrafo oficial do Reino Português, que a
produziu em 1558. Nesta cartografia é possível observar a América do Sul e a região
das Antilhas, com um forte apelo visual aos indígenas deste continente, bem como à
vegetação e a criaturas marinhas. Além disso, é possível ver indígenas reunidos em
volta de uma fogueira com pedaços de carne humana pendurados em galhos de
árvore, prática narrada nas cartas de Américo Vespúcio que escreveu “[...] vi carne
humana salgada suspensa nas vigas das casas, como é de costume entre nós,
pendurar toucinho e carne suína” (VESPÚCIO, 2003 apud CHICANGANA-BAYONA,
2017, p.62).

Figura 2: Mapa América Meridional Diogo Homem

4
O auxílio do professor da disciplina de História e Historiografia da América I, Wilson de Oliveira Neto,
na construção desta sequência didática foi fundamental, pois além de contribuir às discussões sobre
cartografia e o contato dos europeus com os indígenas, emprestou suas cartografias para que fosse
possível trabalhar com os alunos do PIBID.
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Fonte: Acervo pessoal de Wilson de Oliveira Neto, s.d.

Outro mapa utilizado, gravado por Jodocus Hondius, por volta de 1625, foi o
Novus Brasilae, que retrata a região litorânea, que hoje faz parte do Brasil tal como
conhecemos. Nesta cartografia, há vários desenhos que simbolizam animais e
vegetação, assim como cenas que buscam retratar, na visão do europeu, o indígena.
Dentre as cenas, pode-se citar, um indígena dormindo numa rede e indígenas entre
guerra.

Figura 3: Mapa Novus Brasiliae Typus

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Fonte: Acervo pessoal de Wilson de Oliveira Neto, s.d.

Para trabalhar com estas cartografias que foram emprestadas, foi necessário
digitalizá-las para imprimir e utilizar como material didático em sala de aula. Neste
aspecto, o Laboratório de História Oral (LHO) da Univille, foi de suma importância,
pois além de emprestar o scanner de resolução 4K da Digiscanner, seus bolsistas
foram de grande ajuda no auxílio para digitalizar as imagens que ficaram com ótima
resolução. Estas cartografias digitalizadas estão disponíveis em uma pasta
compartilhada no Google Drive, e podem ser acessadas a partir deste link:
https://bit.ly/2YKxeGJ, ou a partir da leitura do QR code abaixo.

Figura 4: QR code para pasta no Google Drive com mapas digitalizados

Fonte: Acervo dos autores (2019)

Com a digitalização das cartografias, foi necessário imprimi-las em folha A3

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para que os alunos pudessem compreender melhor os detalhes representados nos


mapas. Neste âmbito, a atividade consistiu na divisão da sala em seis grupos, onde
cada grupo recebeu um mapa, e trechos do documento “Carta de Colón anunciando
el descubrimiento” de Cristóvão Colombo, como mostrado a seguir:

São, ao contrário, pessoas de belíssima estatura; não são negros


como na Guiné a usam os cabelos pendentes e não habitam onde os
raios de sol fazem calor excessivo; [...] Numa ilha que é a segunda
quando se chega às Índias, habitam homens que são tidos por mui
ferozes e que comem carne humana. [...] Não são mais disformes que
os outros, mas usam cabelos compridos como mulheres, servem-se
de arcos e de flechas de caniço cuja extremidade é feita com madeira
pontuda, à guisa de ferro, metal que não possuem. São considerados
ferozes pelos outros povos que são de uma preguiça infinita
(DOMÍNIO PÚBLICO, tradução nossa).

Estes relatos de Cristóvão Colombo possuem muitas informações acerca de


como os europeus viam os indígenas, por isso, são de suma importância para
compreender o imaginário destes europeus acerca da diferença propiciada nestes
(des)encontros. Um exemplo desse contato, foi a utilização do termo canibal, por
Cristóvão Colombo, para qualificar nativos que comiam carne humana, e que “[...]
posteriormente viria a estigmatizar os habitantes do Novo Mundo que não se
submeteram ao domínio ibérico e se converteria num dos argumentos para justificar
a conquista” (CHICANGANA-BAYONA, 2017, p.15)
Além disso, nos trechos utilizados da Carta de Cristóvão Colombo, na
atividade, é presente a associação do indígena à preguiça, fato que é reafirmado por
cartografias como no mapa “Mapa Novus Brasiliae Typus ” (figura 3), que retratam o
indígena como um ser que fica descansando em redes, não fazendo atividade alguma.
Somando-se a isso, os nativos do continente americano, foram representados nas
cartas de Colombo destacando:
[...] a sua nudez, a sua ausência de pudor, as roupas de algodão
rudimentares e os toucados rituais de penas, as pinturas corporais
para a guerra, as tatuagens e os piercings, bem como os colares e as
pulseiras. Deixava claro que aquelas pessoas não eram negras,
apesar do fato de viverem na mesma latitude que os povos da Guiné.
Descreveu-os como sendo altos, com cabelo liso e pele quase branca”
(BETHENCOURT, 2018, p.151)

A partir dos trechos da carta de Cristóvão Colombo e das cartografias


entregues, os alunos tiveram cerca de 20 minutos para discutir em grupo quais as

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imagens dos indígenas foram criada pelos europeus, durante este período de
(des)encontros, nestas fontes documentais. Durante este momento, alguns alunos
tiveram dificuldade em entender o que estava sendo representado em alguns
desenhos da cartografia, e para este auxílio, as discussões aqui escritas de modo
sintético, foram fundamentais. Além disso, o interesse dos alunos em trabalhar com
fontes históricas do período que estava sendo discutido, foi fundamental para o êxito
da atividade proposta.
Com o tempo encerrado, as discussões foram iniciadas com o objetivo de
socializar o que eles compreenderam a partir dos trechos da carta e da cartografia
entregue a cada grupo. Este momento foi de suma importância, para compreender se
os alunos haviam entendido o conteúdo explicado, ao ponto de conseguirem
interpretar fontes históricas deste período. Neste aspecto, foi interessante perceber
como os alunos conseguiram perceber a visão dos europeus nestas fontes
documentais, e a partir dessa percepção, levantada pelos próprios alunos, foi
discutido acerca das continuidades e rupturas desse imaginário na relação
contemporânea do nosso país com os indígenas.
Nesta discussão, os alunos trouxeram algumas questões, como a permanência
da imagem do indígena como preguiçoso, que não quer trabalhar. Além disso
levantaram também a questão do nudismo que ainda é associada à ideia do que é ser
um indígena, o que permite refletir que “Uma das principais dificuldades é desconstruir
a imagem da e do indígena enquanto figura suspensa do tempo, congelado nos
estereótipos do que desde ‘os descobrimentos’ informam sobre uma certa expectativa
de como devem ser” (FILHO; JESUS, 2016, p.22).
Este congelamento da figura do indígena no tempo é evidente a partir da
experiência na sequência didática relatada, que permitiram pôr em discussão a
permanência de alguns estereótipos criados durante os (des)encontros iniciais entre
europeus e indígenas no século XV e XVI. Isto permite refletir ainda, que: “[...] os
maiores obstáculos que os brasileiros enfrentam para entender os índios não estão
naquilo que eles não sabem, e sim naquilo que pensam saber sobre os índios”
(PIMENTEL, 2012, p.11).
Neste caminho, as discussões realizadas na sequência didática, proposta aos
alunos do primeiro ano, de um Ensino Médio da cidade de Joinville, levaram à reflexão
acerca do que os alunos achavam saber sobre os indígenas, baseados em
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estereótipos, ainda hoje, perpetuados em nossa sociedade. Esta reflexão, foi baseada
no diálogo crítico com fontes documentais do período das Grandes Navegações, e
mostrou-se como uma possibilidade de ensino deste conteúdo a partir de uma visão
que não oculte a presença indígena, mas que busque evidenciar que já haviam
pessoas vivendo no continente americano, e que estes, foram estigmatizados pelos
europeus a partir de vários meios, como as cartografias e cartas, realizadas neste
período.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante que o ensino de História em sala de aula seja repensado a todo


momento, a fim de oportunizar um ensino crítico e que busque compreender e
problematizar as razões da existência de alguns cenários em nossa sociedade. Nesta
perspectiva, motivado pelas reflexões acerca da situação do indígena no Brasil
contemporâneo, esta sequência didática foi organizada para que estudantes do
Ensino Médio pudessem fazer essa reflexão, pois:

Ao longo dos últimos cinco séculos vivemos em permanente estado


de tensão: de fato, o índio continua sendo um tema caro para a nossa
sociedade. As imagens que nossa cultura produz do índio evocam
memórias saturadas de piedade e primitivismo. A estranheza diante
do desconhecido desperta o delírio, e uma série de estereótipos logo
apaziguam o nosso contato com o outro. O índio, mesmo dentro do
Brasil, ainda é um estrangeiro (MIRANDA, 2008, p.9).

A estigmatização dos indígenas e a falta de consciência histórica são grandes


fatores à condição de “estrangeiro” do indígena na sociedade brasileira. É por isso,
que assegurados pela lei 11.645/08, necessitamos, enquanto professores, mobilizar
questões a serem discutidas referentes aos indígenas na sociedade, bem como à
população negra em nosso país, para que se possa, algum dia superar as diferentes
formas de discriminação existentes na sociedade brasileira, que ainda contribuem à
marginalização de diversas pessoas.

REFERÊNCIAS
BETHENCOURT, Francisco. Racismos: Das Cruzadas ao século XX. São Paulo:
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BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro:
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CHICANGANA-BAYONA, Yobenj Aucardo. Imagens de canibais e selvagens do
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COTRIM, Gilberto. História Global. São Paulo: Saraiva, 2016.
DOMÍNIO PÚBLICO. Carta de Colón anunciando el descubrimiento. Disponível
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FILHO, José Alves da Silva; JESUS, Leandro Santos Bulhões. O ENSINO DE
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KARNAL, Leandro. A História Moderna e a sala de aula. In: ______. (org.). História
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TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo:
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