GUIA DE ESTUDO DOS YOGA-SUTRAS

Compilado por Radhanatha Das

Yoga é um dos seis sistemas ortodoxos da filosofia hindu. Foi coligido, coordenado e sistematizado
por Patanjali em sua obra clássica, Yoga-sutra. O sistema é chamado de yoga (união) porque ensina os
meios pelos quais o jivatma (espírito individual) pode ser unido, ou ficar em comunhão com o Paramatma
(Espírito Supremo), garantindo desse modo a liberação.

Sutra, palavra sânscrita que significa literalmente “fio”, é uma composição de afirmações aforísticas
que, juntas, dão ao leitor como que um fio com que amarrar todas as idéias importantes que caracterizam
aquela escola de pensamento. Como pérolas num cordão, os sutras formam um colar de sabedoria. Além
disso, o sutra, é um auxiliar da memória, parecido com um nó que se dá num lenço. Os sutras em geral
começam pela tese básica.

Patanjali foi um grande filósofo indiano que viveu por volta do século VI a.C., sendo sua obra a mais
citada e adotada dentre todos os sistemas de yoga, que, por isso, passou a ser conhecida como Raja-yoga
(yoga real) ou também como Astanga-yoga (yoga de oito partes). Ele também foi autor de um famoso
comentário da gramática sânscrita de Panini e de uma obra de medicina. Além disso, é tido como uma
encarnação do deus serpente Shesha, que sustesta o Universo e repousa no oceano cósmico.

Há na Índia seis escolas ortodoxas: Nyaya, Vaisheshika, Vedanta, Mimamsa, Sankhya e Yoga. O
Yoga existe em harmonia com o Sankhya. Apesar de algumas diferenças entre eles, torna-se impossível
separar completamente estas filosofias. Uma série de doutrinas básicas do Yoga são também do Sankhya,
tais como: a dor universal, a criação, a relação do espírito com a matéria, a estrutura da vida psíquica, a
libertação humana e a consciência.

O Yoga-sutra se compõe de 195 aforismos, embora algumas edições tenham 196. Conhecem-se
várias versões um pouco divergentes, mas as diferenças são, no geral, insignificantes e não alteram o
sentido da obra de Patanjali. Os aforismos distribuem-se em quatro capítulos, como segue:

I. Samadhi-pada, sobre a meditação profunda (51 sutras).

II. Sadhana-pada, sobre a disciplina yóguica (55 sutras).
III. Vibhuti-pada, sobre os poderes místicos (55 sutras).
IV. Kaivalya-pada, sobre a liberação (34 sutras).

1
 I. Samadhi-pada (sobre a concentração da mente)

1ª Parte: Definição de yoga

2ª Parte: Os movimentos da consciência
3ª Parte: Descrição das etapas de samadhi

I.1-4 Definição de yoga

Atha yoganushasanam
(Será feita) agora uma exposição do yoga.

Yogas citta-vrtti-nirodhah
Yoga é a supressão dos turbilhões da mente.

Citta = antah karana = manas (mente) + buddhi (inteligência) + ahankara (ego falso).

Tada drastuh svarupe avasthanam

Então, o observador está estabelecido em sua própria natureza essencial e fundamental.

Vrtti-sarupyam itaratra
Caso contrário, existe identificação (do observador) com os turbilhões.

I.5-11 Tipos de citta-vrttis (turbilhões da mente)

1. Pramana: cognição correta.

a) pratyaksha – percepção direta
b) anumana – inferência
c) agama – testemunho

2. Viparyaya: cognição errônea.

3. Vikalpa: fantasia.

4. Nidra: sono.

5. Smrti: memória.

I.12-16 Como conseguir a supressão dos turbilhões da mente?

1. Abhyasa: disciplina do astanga-yoga, que deve ser realizada por longo tempo, sem interrupção e com
reverente devoção.

2. Vairagya: desapego.

2
I.19,20,23 Diferentes caminhos para o samadhi

1. pelo nascimento.
2. pela fé, energia, memória e grande inteligência.
3. pela entrega completa ao Senhor.

I.21,22 Como atingir o samadhi?

Depende da intensidade do praticante.

I.23-29 Samadhi por meio da entrega completa a Ishvara (Senhor)

1. Definição de Isvara.
2. Mantra-yoga.
3. Resultados dessa prática:
a) Desaparecimento dos obstáculos.
b) Introversão da consciência.

I.30 Citta-vikshepa – obstáculos que criam distração da mente

1. Vyadhi – doença.
2. Styana – apatia.
3. Samshaya – dúvida.
4. Pramada – negligência.
5. Alasya – preguiça.
6. Avirati – incontinência.
7. Bhrantidarshana – ilusão.
8. Alabdhabhumikatva – falta de perseverança.
9. Anavasthitattva – instabilidade.

I.31 Sintomas da mente distraída

1. Duhkha – dor.
2. Daurmanasya – desespero.
3. Angamejayatva – nervosismo.
4. Shvasa-prashvasa – respiração difícil.

I.32-39 Métodos para remover esses obstáculos e desenvolver clareza e paz mental

1. pelo cultivo de atitudes de cordialidade, compaixão, alegria e indiferença diante da felicidade, miséria,
virtude e vício, respectivamente.
2. pela expiração e retenção da respiração.
3. por manter a mente fixa quando surgem atividades sensoriais.
4. quando essas atividades são iluminadas e sem tristezas.
5. pela contemplação daqueles que estão livres de apego.
6. pelo conhecimento obtido do sonho ou sono profundo.
7. pela meditação que se desejar.

3
I.40,41 Resultados da clareza e paz mental

1. Domínio que se estende desde o átomo até a grandeza infinita (aquisição de poderes místicos).
2. Percepção de unidade.

Descrição das etapas de samadhi

III.1-4 Os três estágios da meditação conduzindo a samadhi.

I.17,18 Samprajnata e asamprajnata samadhi.
I.41 O processo essencial envolvido em sabija samadhi.
I.42-50 As diferentes fases de sabija samadhi.
I.51;III.8;IV.26-29 A técnica de nirbija samadhi.
III.9-12 Os três tipos de transformações envolvidas em samadhi.
IV.29 Dharma-megha-samadhi

SAMADHI

Sabija (com semente) Samprajñata (consciente) Savitarka (com deliberação)

Nirvitarka (além da deliberação)
Savicara (com reflexão)
Nirvicara (além da reflexão)

Asamprajñata (supraconsciente)

Nirbija (sem semente)

Dharma-megha (nuvem da virtude)

4
 II. Sadhana-pada (sobre a disciplina)

1ª parte: Responde à pergunta “Por que deveria alguém praticar yoga?” e trata da filosofia de kleshas
(sofrimentos)
2ª parte: Trata das primeiras cinco práticas das técnicas do yoga.

II.1 Kriya-yoga – Yoga da ação

1. Tapas – austeridade (karma-yoga/corpo).

2. Syadhyaya – estudo das escrituras e auto-estudo (jñana-yoga/mente).
3. Isvara-pranidhana – entrega ao Senhor (bhakti-yoga/alma).

II.2 Resultados do kriya-yoga

1. atenuação dos kleshas (aflições).

2. consecução do samadhi (meditação profunda).

II.3-9 Tipos de kleshas (aflições) e suas definições

1. Avidya – ignorância.
É a causa raiz das outras quatro aflições. É aceitar o impermanente como permanente, o impuro como
puro, a infelicidade como felicidade e o não-eu como eu.
2. Asmita – senso de egoidade.
É a identificação do que vê com o que é visto.
3. Raga – apego ao prazer.
É o apego que acompanha o prazer.
4. Dvesha – aversão à dor.
É a repulsão que acompanha a dor.
5. Abhinivesha – medo da morte; forte desejo de viver.
É o forte desejo de viver que domina até os eruditos.

II.10-17 A filosofia de kleshas (aflições)

As aflições sutis podem ser reduzidas mediante um processo de involução.

Essas funções da mente são anuladas através da meditação.
O karma tem sua raiz nessas aflições.
Enquanto a raiz estiver ali, precisa amadurecer e resultar em vidas de diferentes classes, duração e
experiências.
Elas terão alegria ou tristeza como seu fruto, conforme sua causa seja virtude ou vício.
Para quem desenvolveu discernimento, tudo é miséria.
O sofrimento que ainda não chegou pode e deve ser evitado.
A causa do sofrimento é a identificação do observador com o observado.
Como destruir avidya (ignorância), a causa do sofrimento.

5
II.17-25 Observador e observado

Definição do que é o observado.

Definição do observador.
Liberação do observador.

II.28,29 Efeitos e definição do astanga-yoga (yoga de oito partes)

II.30-55;III.7 Bahiranga – Os componentes externos do yoga

II.30,31,35-39 Yama (autocontrole), o grande voto, e seus efeitos:

1. Ahimsa – não-violência.
Estabelecida a não-violência, não haverá hostilidade ao redor.
2. Satya – veracidade.
Estabelecida a veracidade, a ação e seus frutos terão uma base válida.
3. Asteya – abstinência de roubo.
Estabelecida a abstinência de roubo, todas as riquezas estarão à mão.
4. Brahmacharya – continência, castidade.
Estabelecida a continência, ganha-se potência.
5. Aparigraha – não-cobiça.
Estabelecida a não-cobiça, compreende-se a razão do nascimento.

II.32,40-45 Niyama (observâncias) e seus efeitos:

1. Shaucha – purificação.
Da purificação, surgem a aversão ao corpo, a pureza do ser, alegria, foco, vitória sobre os sentidos,
auto-conhecimento e qualificação para o yoga.
2. Santosha – contentamento.
Da satisfação, obtém-se a maior felicidade.
3. Tapas – austeridade.
Da austeridade, obtém-se a perfeição do corpo e sentidos.
4. Svadhyaya – estudo das escrituras e auto-estudo.
Desse estudo, alcança-se a comunhão com a divindade desejada.
5. Isvara-pranidhana – entrega ao Senhor.
Da entrega ao Senhor, alcança-se a perfeição do samadhi.

II.46-48 Asana – posturas

Características do asana:
1. Sthira – estabilidade.
2. Sukha – conforto.
3. Prayatna-shaithilya – relaxamento do esforço.
4. Ananta-samapatti – meditação no Infinito.

Efeito:
1. Ficar livre da dualidade.

6
II.49-53 Descrição e efeitos do pranayama – controle da respiração / bioenergia

Definição:
Pranayama é a cessação de inspiração e expiração.
Efeitos:
1. Remoção da cobertura da iluminação.
2. Capacitação da mente para a concentração.

II.54,55 Definição de pratyahara – retração dos sentidos

Pratyahara é o completo domínio dos sentidos.

7
 III. Vibhuti-pada (sobre os poderes místicos)

1ª parte: Trata das três práticas restantes.

2ª parte: Discute a aquisição dos poderes místicos.

III.1-8 Antaranga – Os componentes internos do yoga

Dharana – concentração
Concentração é prender a consciência em um único lugar.

Dhyana – meditação
Meditação é fixar a consciência em um único objeto.

Samadhi – transe
Transe é a meditação que ilumina apenas o objeto, ao ponto que o sujeito parece perder sua forma.

Samyama – integração
Esses três [concentração, meditação e transe] focados em um único ponto constituem a perfeita
disciplina.

III. 9-15 Análise das transformações da consciência e da substância

Explica o que acontece nos momentos mais avançados, onde o praticante já conquistou os primeiros
cinco componentes do yoga e agora está agindo internamente nos últimos três. Nesta etapa o yogi já
conseguiu vislumbrar o estado iluminado de consciência transcendental mas não consegue manter-se
nele, e essa impressão o impele a cada vez mais se situar assim e cada vez menos se manter nos estados
distraídos dos condicionamentos mundanos.

III. 16-54 Aquisição de poderes místicos

1. Conhecimento do passado e do futuro.

2. Entendimento da linguagem de todos os seres.
3. Conhecimento das próprias vidas passadas.
4. Leitura da mente dos outros.
5. Invisibilidade.
6. Desaparecimento dos outros objetos dos sentidos.
7. Conhecimento do momento exato da sua morte e outros presságios.
8. Amizade para com todos.
9. Força de um elefante.
10. Conhecimento de objetos sutis, ocultos e distantes.
11. Entendimento do funcionamento do sistema solar.
12. Entendimento da configuração das estrelas.
13. Conhecimento do movimento das estrelas.
14. Conhecimento da organização do corpo.
15. Cessação da fome e sede.
17. Imobilidade completa.

8
18. Visão de seres perfeitos.
19. Conhecimento de tudo por intuição.
20. Percepção completa das propriedades da consciência.
21. Conhecimento de purusha (a alma).
22. Faculdades divinas extrasensoriais.
23. Poder de entrar num corpo alheio.
24. Poder de caminhar sobre as águas, pântanos e espinhos.
25. Avivamento do fogo gástrico.
26. Audição superfísica.
27. Viagem no éter.
28. Destruição do que encobre a luz.
29. Domínio dos elementos da natureza.
30. Desenvolvimento dos oito grandes poderes místicos.
31. Imunidade contra as restrições da matéria.
32. Excelência corpórea.
33. Domínio dos órgãos dos sentidos.
34. Rapidez de raciocínio, percepção extra-sensorial e domínio sobre pradhana (a natureza primordial).
35. Supremacia sobre todos os estados de existência.
36. Onisciência.

III.51-54 Consecução de kaivalyam (liberação)

Pelo desapego até mesmo desses poderes, surge a liberação, que é o equilíbrio entre a qualidade lúcida
da natureza e o espírito.

9
 IV. Kaivalya-pada (sobre a liberação)

Este capítulo expõe todos os problemas filosóficos essenciais envolvidos no estudo e na prática do
yoga.Trata de forma resumida, mas sistemática, da natureza da mente e da percepção mental, do desejo
e seus efeitos aprisionadores, da liberação e seus resultados, de modo que se tenha uma base adequada
de conhecimento teórico. Todos esses tópicos estão ligados de um modo ou de outro com a conquista de
Kaivalya.

IV.1 Diversos métodos de aquisição dos siddhis (poderes místicos)

1. nascimento.
2. ervas.
3. mantras (hinos).
4. austeridade.
5. samadhi (meditação profunda).

IV.2,3 Lei do karma e da reencarnação

Aludem a essas duas leis fundamentais da natureza que regem o fluxo dos fenômenos que constituem o
mundo material.

IV.4-11 Vasanas (tendências) e Samskaras (impressões subliminares) / Análise da consciência: sua

formação, transformação e relação com o mundo externo

Explicam que as transformações que ocorrem na natureza manifestada afetam os desejos, os

pensamentos, a percepção e a própria noção de tempo, mas não afetam a consciência, quando esta se
encontra em sua condição natural. Tudo o que se relaciona com as qualidades da matéria e suas
transformações deixa de produzir qualquer impressão sobre a consciência.

IV.12 Tempo

Analisa o tempo e suas mudanças, os quais já não afetam o yogi conectado com o eterno.

IV.12-25 Sujeito e objeto / Citta

Explicam a possibilidade da existência da consciência, sem a necessidade de limites definidos entre o

observador e os objetos observados. A diferença é apenas que, nessa situação, a consciência está
desprovida do sentimento de egoidade.

IV.26-29 Cuidado

Fornecem alguma indicação da luta nos estágios finais, antes que se alcance a plena auto-realização. Esta
luta culmina, afinal, em desapegar-se até mesmo do mais elevado estado de iluminação. Só então se
atinge a última fase do samadhi.

10
IV.30-34 O despertar da luz espiritual

Apenas indicam algumas das conseqüências da conquista de kaivalya e fazem alusão à natureza da
excelsa condição de consciência e liberdade de limitações em que o yogi plenamente auto-realizado vive.

BIBLIOGRAFIA

ARANYA, Swami Hariharananda. Yoga Philosophy of Patanjali. Calcutta University Press.

BHAKTIVEDANTA, Swami. O Bhagavad-gita Como Ele É. Bhaktivedanta Book Trust.
Srimad-Bhagavatam. Bhaktivedanta Book Trust.
Caitanya-caritamrta. Bhaktivedanta Book Trust.
GIOVANNI, Bon. The Yoga Sutras of Patanjali.
DAUSTER, Gustavo. Yoga Sutra de Patanjali. Ed. Paraíso dos Pandavas.
ELIADE, Mircea. Yoga, Imortalidade e Liberdade. Ed. Palas Athena.
FEUERSTEIN, Georg. A Tradição do Yoga. Ed. Pensamento.
Enciclopédia de Yoga. Ed. Pensamento.
Uma Visão Profunda do Yoga. Ed. Pensamento
GULMINI, Lílian Cristina. O Yogasutra de Patanjali. Tese de mestrado da USP.
HENRIQUES, Antônio Renato. Yoga & Consciência. Ed. Rigel.
HRIDAYANANDA, Goswami. The Yoga Sutras of Patanjali.
IYENGAR, B.K.S. Light on the Yoga Sutras of Patanjali. HarperCollins Publishers.
A luz da Ioga. Circulo do Livro.
JOHNSTON, Charles. The Yoga Sutras of Patanjali.
NEHRU, Jawaharlal. The Discovery of India. Oxford University Press.
ROSE, André de. O livro de Ouro do Yoga. Ed. Ediouro.
ROSEN, Steven J. The Hidden Glory of Índia. Bhaktivedanta Book Trust.
TAIMNI, I. K. A Ciência do Yoga. Ed. Teosófica.
WILLIAMS, Monier. Sanskrit-English Dictionary. Motilal Banarsidass Publishers.
ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia. Ed. Palas Athena.

Contato:
Radhanath das / Robson Guia
radhanathadas@ig.com.br
Fone: (13) 3223.3750

11