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ENSAIO HISTÓRIA DO TERCEIRO MUNDO

Flávia Gabriela Garcia Dias


11202020634 - Matutino

TEMA:
O processo de descolonização da Índia, a emancipação do domínio britânico e a
posição do Estado indiano nas relações internacionais pós-independência

São Bernardo do Campo - SP


O Estado indiano foi por muito tempo dominado pelo Império Britânico, desde
a chegada dos navios ingleses no início do século XVI até o processo de
independência da Índia em 1947. Até a descolonização, a Índia foi subjugada
durante todo esse período, passando por séculos de exploração de seus recursos,
de seus territórios e de seu próprio povo. Shashi Tharoor em sua obra An Era Of
Darkness explora com maior profundidade esse impacto britânico no território
indiano e argumenta que
Os britânicos subjugaram uma vasta terra com o poder de sua
artilharia e o cinismo de sua amoralidade. Eles deslocaram nababos e marajás por
um preço, esvaziaram seus tesouros como bem entenderam, assumiram seus
estados através de vários métodos [...] e despojaram os agricultores de sua
propriedade das terras que cultivaram por gerações. (2016, p.24).
Antes que os ingleses chegassem, a Índia representava 23% da economia
mundial. No período em que o Império Britânico deixou o território indiano, essa
porcentagem se limitava a apenas 3%. Tharoor aponta que a Índia foi governada
pelos britânicos em favor deles mesmos, do seu próprio enriquecimento e
desenvolvimento, e que a ascensão da Grã-Bretanha nos 200 anos de domínio
colonial foi profundamente financiada pelas suas depredações dentro da Índia. A
East India Company (EIC) foi a grande responsável pela extensão do controle sobre
o território indiano, com seu exército de mais de 260000 homens, conquistando e
absorvendo estados anteriormente autônomos e impondo um certo tipo de
autoridade através de governadores gerais londrinos - regulando o comércio do país,
coletando impostos e impondo seus decretos em todos os aspectos sobre a vida
indiana (THAROOR, 2016). Assim, a Revolução Industrial nada mais foi do que
financiada pela destruição das indústrias manufatureiras indianas e de suas
exportações, substituindo os produtos têxteis indianos pelos têxteis britânicos.
Tharoor argumenta que essa destruição foi a primeira grande desindustrialização do
mundo moderno. Consequentemente, a Índia se tornou uma mera exportadora de
matérias-primas e suas exportações manufatureiras mundiais decaiu de 27% para
2% no período de domínio britânico. O nível de seu Produto Interno Bruto somente
voltou a crescer, ainda que lentamente, no século XX, tendo alcançado 7,5% quando
a Grã-Bretanha se retirou de seu território em 1947.
Além da desindustrialização, a EIC explorou a Índia de forma brutal através
das enormes taxações e impostos, os quais, Tharoor argumenta, eram a forma de
extorsão favorita dos ingleses. Os números eram tão onerosos que dois terços da
população dominada pelos ingleses fugiram de suas terras. Não pagar os impostos
significava torturas ou redução à uma condição miserável de vida. Além disso, as
devastações britânicas na população eram cruéis, violentas, e mesmo o Lorde
Macaulay, o qual foi um ferrenho empresário da EIC, disse que a Inglaterra
promoveu um desgoverno contra a Índia, subjugando e submetendo os povos à uma
tirania desnecessária.
Tharoor ainda apresenta o argumento de C. A. Bayly em relação às raízes
que o liberalismo implantou dentro da Índia, alegando que essa ideologia foi
implantada nas escolas, universidades, revistas, convertendo gerações de indianos
a pensarem daquela maneira e guiando-os para o que hoje forma a democracia
indiana.
O Congresso Nacional Indiano foi estabelecido em 1885
como uma voz da opinião indiana moderada e constitucionalista por
um escocês, Allan Octavian Hume, e um grupo de indianos
bem-educados e estabelecidos. Longe de acolher tal
desenvolvimento, como deveria ter feito um regime verdadeiramente
liberal buscando instigar a democracia em seus cargos, os britânicos
reagiram a ele com vários graus de hostilidade e desprezo.
(THAROOR, 2016, p. 70)
Essa atitude, Tharoor complementa, transformou o movimento indiano
nacionalista em tornar-se mais militante. Uma figura se destacou na resistência, o
qual era Mahatma Gandhi. “Gandhi embarcou em uma série de ações legais e
políticas destinadas a protestar e derrubar as iniquidades que os britânicos e os
bôeres impuseram aos indianos.” (THAROOR, 2016, p. 71). O líder percorreu o país
pregando uma revolução não-violenta contra os ingleses, marcando o início do
processo de descolonização do Estado indiano.
Com a independência da Índia, o Império britânico se retirou do país; o
Paquistão se separou da Índia oficialmente; Jawaharlal Nehru se tornou o
primeiro-ministro; e Gandhi se dedicou à reconciliação religiosa do país. A era
colonial se findou, porém problemas residuais permaneceram como uma sombra do
colonialismo, como o prolongamento da hostilidade crônica entre Índia e Paquistão,
pontuada por guerras e terrorismo transfronteirismo como tática paquistanesa contra
a Índia. Além de resultados diretos, houveram também os indiretos, como a
invenção britânica de “raças marciais” na Índia e o hábito administrativo colonial de
“dividir para reinar”, que promoveu divisões políticas entre hindus e muçulmanos.
Assim, a agenda da política externa de Nehru pós-independência no contexto
da Guerra Fria era elevar a Índia à posição de potência global, barganhando entre
os dois grandes blocos da bipolaridade de poder mundial - EUA e URSS - alegando
interesse na paz mundial e no sentido de justiça (KISSINGER, 2015). Sua posição
de neutralidade, portanto, contribuiria para que a Índia exercesse influência moral
diante do cenário global, além de assegurar ajuda militar e relações diplomáticas
com o bloco soviético de um lado e buscar assistência com os norte-americanos em
prol de seu desenvolvimento de outro - nada mais do que uma atitude de nação
emergente. Assim, como Shashi Tharoor argumenta em sua obra Pax Indica, os
discursos sobre não-alinhamento da Índia faziam referências à paz e à amizade
como indicadores e motivações de sua política externa (2012, p. 281). Ainda,
Tharoor argumenta que, “como um estratagema global, o não-alinhamento pode
inicialmente ter dado à Índia alguma liberdade de manobra entre as superpotências
e trouxe-lhe um prestígio e influência desproporcional à verdadeira força da Índia
[...]” (2012, p. 281).
Diante disso, o Estado indiano tomou uma posição central na região do
oceano Índico, conduzindo sua política externa dentro da definição de ordem do sul
da Ásia. Internamente, ela promoveu uma reforma econômica, guiando suas
empresas à liderança de setores da economia mundial, o que influenciou na própria
postura diplomática do país, aumentando sua gama de parcerias com países
asiáticos e africanos e ganhando respeito por seu papel nas instituições multilaterais
econômicas e financeiras (KISSINGER, 2015).
Por fim, cabe destacar alguns aspectos da posição da Índia no cenário das
relações internacionais no século XXI. Em sua obra Ordem Mundial, o diplomata
Henry Kissinger traça algumas características da política externa indiana, e
argumenta a semelhança com o antigo Raj britânico:
baseando uma ordem regional sobre um equilíbrio de poder
num arco que se estende por metade do mundo, do Oriente Médio a
Cingapura, e depois, ao norte, até o Afeganistão.Suas relações com
a China, o Japão e o Sudeste Asiático seguem um padrão análogo
ao do equilíbrio de poder europeu do século XIX. (KISSINGER,
2015).
Kissinger destaca que, como o Império Britânico do século XIX, a Índia se vê
obrigada a desempenhar um papel estratégico de importância crescente na Ásia e
no mundo islâmico, temendo a dominação da região por ideologias e países hostis
aos indianos. O diplomata acrescenta que a tendência é continuar o legado de
Nehru, “preservando a liberdade de manobra em suas relações na Ásia e no Oriente
Médio e em suas políticas em relação a importantes países autocráticos.”
(KISSINGER, 2015).

REFERÊNCIAS

KISSINGER, Henry. Ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

THAROOR, Shashi. An Era Of Darkness: The British Empire in India. New Delhi:
Aleph Book Company, 2016.

THAROOR, Shashi. Pax Indica: India and the World of the 21st century. New Delhi:
Penguin India, 2012.

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