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O PSICÓLOGO NA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE

UMA INTERVENÇÃO EM GRUPO DE MULHERES NA ATENÇÃO SECUNDÁRIA À


SAÚDE
Jamille Julia Lucri, J. J.; Cordeiro, S.N.

O PSICÓLOGO NA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE


UMA INTERVENÇÃO EM GRUPO DE MULHERES NA ATENÇÃO SECUNDÁRIA À
SAÚDE
10.32467/issn.19982-1492v17n2p141-162

RESUMO

O presente trabalho configura-se como um relato de experiência acerca da intervenção

multiprofissional por meio de grupo operativo semanal com as mulheres que faziam

acompanhamento com prática de exercícios físicos em um Ambulatório de atenção secundária à

saúde. A psicóloga e o educador físico coordenavam o grupo e as atividades eram planejadas com

objetivo de oferecer um espaço de escuta e implicá-las no tratamento proposto. Observou-se, após 23

encontros, o aumento de adesão das pacientes e o desencadeamento de discussões acerca de

autoimagem e autoconhecimento, estilos e qualidade de vida relacionada à saúde, temporalidades da

vida atreladas à percepção de saúde, relações interpessoais e desenvolvimento de vínculo.

Compreendeu-se este último como aspecto importante para o aumento da adesão ao Programa de

Prática de Exercícios e a viabilização de um espaço em que pudessem falar sobre as dificuldades nas

vivências implicadas no processo de adoecimento, sendo o trabalho multiprofissional capaz de

promover um olhar mais integral das pacientes.

Palavras-chave: Psicologia da Saúde; Equipe Multiprofissional; Mulheres, Grupo Operativo.

THE PSYCHOLOGIST IN THE MULTIPROFESSIONAL TEAM: REPORT OF


EXPERIENCE OF AN INTERVENTION IN A GROUP OF WOMEN IN SECONDARY
HEALTH CARE

ABSTRACT

The present study is an experience report about the multiprofessional intervention through a weekly

operative group with the women who followed up with physical exercise practice in an Ambulatory

of secondary health care. The psychologist and the physical educator coordinated the group and the
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activities were planned with the purpose of offering a listening space and implicating them in the

proposed treatment. It was observed, after 23 meetings, the increase of patients' adherence and the

triggering of discussions about self-image and self-knowledge, health-related styles and quality of

life, temporalities of life linked to health perception, interpersonal relationships and bond

development. The latter was understood as an important aspect to increase adherence to the Exercise

Practice Program and to enable a space in which they could talk about difficulties in the experiences

involved in the process of illness, and the multiprofessional work capable of promoting a more of the

patients.

Keywords: Health Psychology; Multiprofessional Team; Women, Operative Group.

EL PSICÓLOGO EN EL EQUIPO MULTIPROFESIONAL: RELATO DE EXPERIENCIA


DE UNA INTERVENCIÓN EN GRUPO DE MUJERES EN LA ATENCIÓN SECUNDARIA
A LA SALUD

RESUMEN
El presente trabajo se configura como un relato de experiencia acerca de la intervención

multiprofesional por medio de grupo operativo semanal con las mujeres que realizaban

acompañamiento con práctica de ejercicios físicos en un Ambulatorio de atención secundaria a la

salud. La psicóloga y el educador físico coordinaban el grupo y las actividades se planeaban con el

objetivo de ofrecer un espacio de escucha e implicarlas en el tratamiento propuesto. Se observó, tras

23 encuentros, el aumento de adhesión de las pacientes y el desencadenamiento de discusiones acerca

de autoimagen y autoconocimiento, estilos y calidad de vida relacionada a la salud, temporalidades

de la vida ligadas a la percepción de salud, relaciones interpersonal y desarrollo de vínculo. Se

comprendió este último como un aspecto importante para el aumento de la adhesión al Programa de

Práctica de Ejercicios y la viabilidad de un espacio en que pudieran hablar sobre las dificultades en

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las vivencias implicadas en el proceso de enfermedad, siendo el trabajo multiprofesional capaz de

promover una mirada más integral de las pacientes.

Palabras clave: Psicología de la Salud; Equipo Multiprofesional; Mujeres, Grupo Operativo.

Introdução
O trabalho em equipe multiprofissional tornou-se um dos principais instrumentos de

intervenção em saúde desde o ano 2000. Esse tipo de intervenção vem sendo impulsionado como uma

tendência internacional de propor um tipo de organização de trabalho como alternativa à necessidade

da racionalização da assistência médica e ampliar o acesso da população aos serviços de saúde,

preconizando o agir-comunicativo com vistas à troca de saberes e intervenção de maneira integrada

(Canoletti, 2008; Peduzzi, 1998).

Esse tipo de intervenção é apontado nas modalidades de atuação da assistência à mulher em

conformidade com os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS). Esses dizem respeito

à universalidade, equidade, integralidade, intersetorialidade, humanização do atendimento e

participação social (Ministério da Saúde, 2006). Favorecidas por um olhar mais integral do sujeito,

as propostas nesse sistema de intervenções buscam promover a atenção às usuárias visando ações de

saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e que tenham como objetivo

a redução da morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis (Ministério da Saúde, 2004).

Para tanto, a comunicação e a construção coletiva no delineamento do plano terapêutico mais

adequado são aspectos fundamentais neste trabalho, o qual se destina à totalidade da mulher em seu

ciclo vital por inteiro (Ferreira, Varga & Silva, 2009). Essa perspectiva se sobressai à visão

predominante até as primeiras décadas do século XX, em que a assistência à mulher era relacionada

exclusivamente à gravidez e ao parto, conforme aponta Ministério da Saúde (2004). Atualmente, as

diretrizes do Ministério da Saúde consideram a importância de preconizar a humanização e as

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condições de qualidade da atenção à saúde, incluindo-se também, entre os aspectos fundamentais,

serem respeitadas as questões sociais, sexuais, ambientais e psicológicas.

Na área da saúde, o objeto de estudo da Psicologia aborda a subjetividade envolvida no

processo do adoecimento, conforme apontam Xavier, Reis e Frassão (2016). Considerar tal

perspectiva no âmbito do SUS implica o reconhecimento dos processos de subjetivação dados num

plano coletivo (Benevides, 2005) e, portanto, de heterogeneidades, ao passo que tal cenário é também

marcado pela vigência de uma visão biologicista, de instituições regidas por protocolos. Nesse mesmo

contexto, o trabalho do psicólogo em um plano multiprofissional é o de um articulador de relações

tanto entre a equipe e o paciente como entre os profissionais do próprio grupo de trabalho em questão,

visando fornecer suporte para relações interpessoais, conforme apontam Xavier, Reis e Frassão

(2016).

Os mesmos autores pontuam que, no trabalho multiprofissional, o psicólogo não só promove

melhor comunicação entre os profissionais e os pacientes, mas, ao mesmo tempo, proporciona suporte

para as relações interpessoais inclusive dentro da própria equipe. Conforme apontam Cordeiro, Reis,

Spagiari e Adamowski (2017), um importante aspecto dessa modalidade de trabalho é o de se buscar

propiciar a compreensão e, por vezes, a tradução de questões específicas da perspectiva da psicologia

aos demais membros da equipe, a fim de favorecer aos profissionais a reflexão acerca de suas próprias

práticas, bem como dos elementos subjetivos dos pacientes. A partir disso, podem entrar em contato

com as dificuldades de sua atuação e limitações (Xavier, Reis & Frassão, 2016), haja vista que,

“...muitas vezes, o sentimento de impotência e fracasso se instala em nosso trabalho, quando

confundimos o que são nossos objetivos e limitações com os do outro que nos pede ajuda” (Borges,

1991, p. 286).

Ainda, Lima e Santos (2012) apontam a habilidade de negociação como aspecto importante

demonstrado por psicólogos neste contexto, agindo como potencial para que os outros profissionais
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possam ser sensibilizados em relação ao cuidado dos pacientes que podem estar em sofrimento

mental. Considerando uma atuação multiprofissional na assistência à saúde da mulher, a psicologia

propõe então atentar-se aos aspectos subjetivos das pacientes, ao passo em que também considera sua

totalidade.

Contribuições da Psicologia em um Ambulatório Multiprofissional

Entendemos que as contribuições da psicologia são de extrema importância em uma equipe

de atenção à saúde, nos diferentes níveis. Este estudo refere-se à atuação de psicólogos em um

Ambulatório Multiprofissional de Atenção à Saúde da Mulher (AMASM).

Durante experiência no AMASM, localizado no Ambulatório de Especialidades de um

Hospital Universitário (AEHU), foram identificados fatores que revelavam algumas das dificuldades

vivenciadas por pacientes em tratamento, mas que não necessariamente se tratavam de questões

restringidas às expressões das doenças e possíveis limitações decorrentes. Assim, corroborando as

complexidades apontadas por Xavier, Reis e Frassão (2016) nos demais contextos de saúde, fatores

como pacientes “poliqueixosos”, pouca adesão às propostas de tratamento e, inclusive, dependência

dos serviços ofertados pela instituição de saúde são aspectos também observados no AMASM.

Segundo os autores, tais exemplos são indicativos da complexidade circunscrita ao processo de

adoecimento de sujeitos usuários dos serviços de saúde, expondo também limitações da atuação de

uma clínica voltada para a doença baseada no modelo biomédico.

Esses fatores, no âmbito da saúde, encontram-se articulados ao valor acentuado que muitas

vezes se dá à nomeação de uma doença, quando o paciente é diagnosticado sob tal perspectiva

biomédica. Ainda que haja importâncias no reconhecimento desse diagnóstico, há ao mesmo tempo

a exclusão do sujeito desta nomeação (Santiago, 2009), sendo a atuação com a psicologia responsável

por realçar a dimensão da singularidade.

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Para Fraga e Guimarães (2016), há importância em identificar as potências de um sujeito

inserido em um contexto que por vezes segmenta o paciente a doenças, e indicar possíveis

dispositivos para cada caso a partir de uma prática dialógica, que visa perspectiva integral do paciente,

característica das funções normalmente atribuídas ao psicólogo. Ao ofertar uma escuta clínica e

qualificada nesse campo de trabalho, o psicólogo pode contemplar o resgate da dimensão de

subjetividade (Traverso-Yépez, 2001) e reconhecer condições, relações, angústias, afetos e corpo

atrelados ao sujeito.

Dentro desta perspectiva de atendimento integral à saúde, no AMASM, a psicologia atua por

meio de consultas individuais, grupos e atendimentos compartilhados com a equipe multiprofissional,

a qual é também composta por profissionais da nutrição, farmácia e educação física. O atendimento

no AMASM se inicia pela consulta compartilhada, atendimento que é feito por pelo menos dois

profissionais de áreas diferentes. A partir da consulta e da discussão da equipe sobre o caso, é feito o

encaminhamento para a intervenção mais adequada. Quando necessário, é feito o encaminhamento

dessas pacientes para avaliação individual com o psicólogo. Neste caso, fazem-se entrevistas

preliminares para investigar se há demanda para um trabalho analítico. Caso seja considerado tal

intervenção, propõe-se o atendimento no próprio Ambulatório, quando há disponibilidade de horário.

Entretanto, observa-se que a própria estrutura do serviço é um dificultador para que esse

processo se estabeleça. Por conta deste obstáculo, observou-se a possibilidade da criação de grupos

de apoio psicológico com espaço de escuta. São encaminhadas para esses grupos pacientes que não

apresentaram demandas específicas para um trabalho clínico individual e que poderiam se beneficiar

de um trabalho em grupo operativo. Segundo Zimerman (2000), compreende-se como grupo

operativo atividades em direção à tarefa previamente reconhecida pelo grupo, o que permite também

a possibilidade de se obter benefícios psicoterápicos, sendo muitas vezes utilizado nos dispositivos

de atenção à saúde de nível secundário.


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Seguindo nessa direção, um dos grupos operativos do AMASM está vinculado ao projeto

Academia Saúde da Mulher. Fazem parte deste projeto mulheres que estão em acompanhamento pela

equipe multiprofissional e que necessitam de atenção específica do profissional de educação física,

considerando observações da avaliação inicial conjunta da equipe multiprofissional e os critérios de

participação. Este grupo aconteceu semanalmente sob coordenação da psicóloga em conjunto com o

educador físico; após a prática de exercício físico, são propostas dinâmicas que têm como objetivo

facilitar a expressão das dificuldades que estas mulheres vivenciam frente aos seus sintomas.

Ao considerar as possibilidades de atendimento ofertado pela psicologia em conjunto com a

educação física, buscou-se projetar um atendimento integral a pacientes que relatavam dificuldades

em lidar com as questões relativas ao processo do adoecimento, rompendo com propostas que

mantivessem postura dualista, que encara mente e corpo como independentes (Sebastiani & Maia,

2005). Essa proposta de trabalho seria condizente com as preconizações de um trabalho

multiprofissional (Ministério da Saúde, 2006), realçando a importância do reconhecimento dos

processos psicossomáticos apresentados em queixas das pacientes do AMASM.

Desta forma, objetiva-se com o presente artigo relatar as experiências derivadas do estágio na

ênfase saúde do curso psicologia, no contexto multiprofissional no AMASM, cuja proposta de

intervenção consistia em ofertar um grupo operativo como espaço de escuta às mulheres

acompanhadas pela equipe. O grupo, sucedendo a prática de exercícios físicos, visava propor

atividades planejadas em conjunto com os residentes profissionais de educação física que pudessem

atuar como facilitadoras para acesso a conteúdos individuais e coletivos, desenvolvimento de

relacionamento interpessoal e formação de vínculo.

Metodologia

O presente trabalho se organiza como um relato de experiência acerca da intervenção clínica

desenvolvida em um estágio de psicologia junto ao Ambulatório Multiprofissional de Atenção à


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Saúde da Mulher (AMASM). Partindo da identificação de demandas das pacientes atendidas pelo

AMASM, propôs-se como intervenção a formação do grupo operativo com espaço de escuta às

pacientes que já faziam parte do projeto Academia Saúde da Mulher, realizado pela Residência

Multiprofissional em Saúde da Mulher (RMSM). O projeto consiste em encontros realizados às

segundas, quartas e sextas-feiras e tem como intervenção a prática de exercícios na academia do

Centro de Educação Física e Esporte (CEFE).

Participaram do grupo mulheres que passaram por consulta compartilhada, realizada por

profissionais de quatro áreas: farmácia, nutrição, educação física e psicologia. A consulta teve como

objetivo identificar a queixa e a demanda apresentada. Após a consulta e discussão em equipe, essas

mulheres foram encaminhadas para o projeto Academia Saúde da Mulher. O critério para participar

do projeto foram: serem fisicamente independentes e estar em condições de saúde para praticar

atividade física. Em média, 16 mulheres participaram do projeto da academia, cuja faixa etária se deu

entre 38 a 70 anos. Essas mulheres apresentavam diferentes diagnósticos clínicos, entre eles:

depressão, bipolaridade, dislipidemia, hipertensão arterial, artrite, espondilite, convulsão, hérnia

diafragmática, osteoporose, apneia do sono, artrose, câncer de pele, espasmo hemifacial,

hipotireoidismo, obesidade e fibromialgia. A prevalência dos diagnósticos era de fibromialgia e

obesidade.

Inicialmente, houve a observação do campo e levantamento de demandas das mulheres por

meio de entrevistas individuais, que acontecerem em três encontros. Considerando os dados obtidos,

a formação do grupo de mulheres foi uma proposta de intervenção com destino à população de

participantes da Academia Saúde da Mulher, em grupo de configuração aberta e de caráter operativo,

a fim de propor atividades e dinâmicas que pudessem facilitar a expressão das dificuldades que essas

mulheres vivenciavam frente aos seus sintomas. Os 23 encontros aconteceram uma vez por semana,

após a prática dos exercícios, tendo duração aproximada de quarenta minutos.


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A escolha das temáticas a serem abordadas deu-se inicialmente a partir das demandas

apresentadas pelas mulheres nas entrevistas; entretanto, novos temas foram surgindo durante os

encontros. Para a abordagem de tais temas, visando também propor um espaço de escuta, foram

utilizadas dinâmicas de grupo, atividades expressivas e de integração, planejadas em conjunto com

os profissionais de educação física. Buscou-se que tais propostas atuassem como meio facilitador

para o acesso a conteúdos individuais e coletivos, bem como para o relacionamento interpessoal e

formação de vínculo. Ao final da intervenção, as participantes relataram suas percepções acerca dos

estados de saúde, dos processos individuais de evolução, do trabalho multiprofissional e das propostas

e ações do grupo.

Resultados e discussão

Ao longo dos 23 encontros realizados, descritos na tabela abaixo, foram trabalhadas temáticas

consideradas pertinentes à proposta de tarefa do grupo em questão, em consonância com as demandas

levantadas a partir da escuta individualizada das integrantes, bem como de conteúdos suscitados ao

longo dos encontros.

Encontro Tema
1º Apresentação e caminhada pelos arredores da academia
2º Falar sobre si: minhas qualidades e o que não sabem sobre mim
3º Integração em café-da-manhã
4º Linha do tempo: caminhos percorridos com a prática de exercícios e
perspectivas futuras; Transição de equipe de educação física
5º Imagem corporal e desenhos de si mesma
6º Discussão com a nutricionista: alimentação mais saudável
7º Atividade de ritmos e dança circular: percepção corporal,
autoconhecimento e vínculo grupal
8º Confecção de diário para o período de recesso
9º Discussão sobre diário e bilhete a si mesma
10º Reflexão sobre mudanças e passagem do tempo em atividade com música
11º Atividade de relaxamento e dinâmica de integração grupal
12º Confecção de vaso de plantas
13º Plantação de mudas e sementes de ervas e outras plantas e discussão com
a nutricionista sobre seus benefícios
14º Discussão sobre transição da equipe de educação física

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15º Atividade de confraternização com a equipe de educação física


16º Discussão com a farmacêutica sobre câncer de mama
17º Discussão sobre configurações dinâmicas familiares a partir de desenhos
18º Oficina de sucos com a nutricionista
19º Analisar evoluções e caminho percorrido
20º Preparar atividade de amigo secreto e confeccionar cartão para o sorteado
21º Caminhada pelos arredores da academia
22º Reavaliação da linha do tempo e feedback
23º Confraternização e encerramento do grupo

A fim de analisá-los, os principais temas discutidos nos encontros foram reunidos em quatro

eixos principais. Cabe apontar que a divisão foi proposta como alternativa de integração dos os

resultados obtidos, mas as atividades não necessariamente visavam enquadrar-se desde o princípio

em um eixo.

Percepções acerca de autoimagem e autoconhecimento

Conteúdos relevantes acerca da percepção e do conhecimento sobre si revelavam-se nas

discussões desenvolvidas no grupo. Dinâmicas e atividades propuseram estimular reflexões nessa

direção, manifestando-se em relatos conteúdos referentes às dificuldades de aceitar-se no próprio

corpo e de perceber a si mesmo. Por exemplo, pacientes relataram não se sentirem bem em seu corpo

desde que tiveram aumento de peso, enquanto outras disseram ter removido espelhos de casa,

tamanho o desconforto ao enxergar-se. Compreendendo a multidimensionalidade de interpretações

acerca da própria imagem, houve desenhos que priorizavam símbolos para características de ordem

subjetiva, por exemplo, ter um “coração grande e amoroso”, como relatou uma das participantes.

A autoimagem é considerada a partir da interação do sujeito com seu contexto social e, portanto,

com a cultura em que se insere. Diz respeito não só às relações que um indivíduo estabelece consigo

mesmo, mas também àquelas constituídas com os outros (Mosquera & Stobäus, 2006). Desta forma,

compreende-se a sensação de sentir-se confortável no próprio corpo como relativa àquela imagem de

corpo construída socialmente como padrão na respectiva cultura, condição problematizada no grupo

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de mulheres. Ligada à imagem corporal, que é considerada como a experiência psicológica de um

sujeito no que se refere à forma como compõe seu corpo, sua aparência e seu funcionamento (Chaim,

Izzo, & Sera, 2009), a autoimagem é cada vez mais apontada na literatura em associação com atividades

físicas, haja vista que, cada vez mais, se afirma a interligação entre as dimensões social, psicológica e

física na prática de exercícios.

No contexto de uma instituição de saúde, entretanto, percebe-se a influência dos processos de

adoecimento na redução de desempenhos físicos, ocasionando possível desvalorização da

autoimagem (Guedes, Guedes, & Almeida, 2011). Por sua vez, estudos apontam que as intervenções

relacionadas à prática de exercícios físicos teriam entre os efeitos o desenvolvimento positivo da

autoimagem e autoestima (Fox, 1997), importante aspecto, considerando a dimensão do que se

compreende por bem-estar e qualidade de vida, tratando-se de dados relevantes para atendimentos

em dispositivos de nível secundário de atenção à saúde. Relatos das participantes do grupo indicavam

que estavam se “sentindo bem depois de estar com esse corpo, fazendo exercícios com frequência”,

e sentindo-se “mais bonita desde que o exercício físico ajudou no problema de postura”, o qual tinha

relação com uma condição de saúde adquirida no parto de uma paciente.

Nesse cenário, o senso de bem-estar psicológico também é influenciado pelo modo como o

sujeito organiza aquilo que conhece sobre si e suas formas de resposta às demandas em relações

sociais e interpessoais. O autoconhecimento, então, seria uma forma de utilizar o conhecimento sobre

si e a forma como discrimina e reage a sentimentos e emoções, mesmo no que se refere às vivências

relacionadas ao processo de adoecimento, na orientação de ações e comportamentos (Queroz & Neri,

2005). A importância de reflexões nesse âmbito se revelou em dinâmicas que consistiam no

reconhecimento perante o grupo de características próprias.

Entre as respostas, as mulheres afirmaram ter dificuldade em reconhecer qualidades em si

mesmas, sendo mais fácil apontar algo relativo ao outro do que a si própria. Falavam, entretanto, que
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não imaginavam as situações que as outras mulheres vivenciavam, considerando importante pensar

sobre diferentes formas de mostrar-se nos meios sociais conforme o que pensam sobre si. Relataram

como características positivas demonstrarem personalidade extrovertida, empatia, desenvolvimento

contínuo de habilidades culinárias, facilidade para desenvolver relacionamentos interpessoais e

sinceridade. Apontaram aspectos que achavam que outros não imaginariam sobre si, relataram

vivências que consideraram fases conflituosas da vida e que foram capazes de solucionar,

prosseguindo-se falas no grupo sobre a importância de ações passadas para o momento que viviam.

O grupo teve uma interrupção de três semanas em função das férias da psicóloga. Foi proposto

que elas fizessem um diário para relatarem livremente as vivências desse período.

No retorno das férias, elas puderam manifestar a importância do grupo operativo e dos

exercícios físicos por serem “o único espaço que é meu, mesmo, durante a semana, e onde dedico

tempo para mim”. Podemos inferir a partir desta fala que, para esta mulher, este era o único momento

dedicado a ela, um tempo para se conhecer.

Estilos e qualidade de vida relacionada à saúde

Com vistas à oferta de um espaço para que pacientes pudessem lidar com as possíveis

experiências de quem convive com dificuldades relacionadas ao adoecimento, buscou-se planejar

encontros que promovessem vivências às pacientes, considerando o contexto amplo de qualidade de

vida. Propôs-se, então, discutir diferentes estratégias de cuidado da saúde. Apresentada a partir de

conceitos diversos, compreende-se em um panorama geral que a qualidade de vida relacionada à

saúde trata de um conceito multidimensional, o qual “... envolve aspectos físicos, psicológicos e

sociais relacionados à saúde. Refere-se ao bem-estar total de um indivíduo.” (Portes, 2011, p. 8).

Incorporando também as avaliações subjetivas do sujeito, a qualidade de vida relacionada à saúde é

influenciada pelos estilos de vida, descritos pela Organização Mundial da Saúde como “o conjunto

de hábitos e costumes que são influenciados, modificados, encorajados ou inibidos pelo prolongado
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processo de socialização” (World Health Organization, 2004, p. 37, tradução nossa), entre os quais

se inserem a prática de atividades físicas regulares, o uso ou não de substâncias e os hábitos de

alimentação.

Partindo da perspectiva de um trabalho integralizado entre as áreas, alguns aspectos foram

observados durante os encontros como possíveis demandas para intervenções dos demais

profissionais nos encontros. Entre eles, após um café-da-manhã em que as pacientes levaram

alimentos pouco nutritivos, a nutricionista promoveu um novo encontro para discutir possíveis

substituições de opções mais saudáveis em todas as refeições. Para debater demais temáticas

relacionadas a estilos de vida, foram convidados residentes da equipe multiprofissional do AMASM

em diferentes encontros. Ainda com a nutricionista, foi proposta uma oficina de sucos, em que,

objetivando apresentar possibilidades pouco conhecidas de consumir determinados nutrientes a partir

da combinação de diferentes frutas e verduras, promoveu-se uma discussão acerca da propriedade

nutricional de diversos ingredientes, contraindicações, usos e quantidades sugeridas. As pacientes se

surpreenderam com algumas das combinações consideradas por elas inusitadas, mas relataram que

intencionavam aderi-las aos hábitos diários. Da mesma forma, em um debate sobre alimentação

equilibrada, discutiu-se acerca de substituições possíveis para alimentos ingeridos em grandes

quantidades pelas pacientes, mas que possuíam baixo valor nutricional. Aliando informações sobre

propriedades nutritivas e uso de determinadas plantas e temperos à atividade expressiva e de

integração, confeccionaram vasos com materiais recicláveis com posterior plantação de sementes e

mudas. Já com a presença da farmacêutica, dúvidas sobre câncer de mama, indicações de posições

para autoexame e informação acerca da importância de fazê-lo com frequência propiciaram uma

discussão relevante à população, considerando também a idade das participantes como fator de risco.

A dança é reconhecidamente relacionada a estados emotivos positivos, bem como à saúde

física, atuando em aspectos que vão desde flexibilidade, disposições física e mental e postura, a
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atenção, linguagem, expressão e socialização (Fleury & Gontijo, 2006). Partindo dessas assertivas, a

oficina de danças e dança circular viabilizou a apresentação de uma atividade que corrobora as falas

das integrantes do grupo operativo, que indicaram essa como a atividade mais proveitosa e dinâmica,

fácil de ser adaptada às atividades diárias. Ainda relataram ter sido importante para descontração das

cobranças diárias e sentirem-se animadas, sendo apontado por uma das pacientes que “fez até

esquecer a dor”. Fleury e Gontijo (2006) indicam que a dança circular, além dos benefícios citados

acima, é caracterizada como uma proposta de integração e união, explorando sentimentos de

confiança e apoio.

No grupo, as integrantes relataram ter sido a dança mais prazerosa, remetendo a

movimentos usuais da infância, como a formação de uma ciranda, e sendo capaz de “fazer a cabeça

ficar em outro lugar, longe das preocupações”, revelando convergência com o exposto na literatura.

Resultado semelhante foi apresentado com a proposta de relaxamento guiado, que influenciou o

estado caracterizado pelas pacientes como de “ser calmante”, haja vista que essa atividade propõe

reorganização de conhecimento com o corpo e emoções, possibilitando a reintegração de aspectos até

então desestruturados (Souza, Forgione, & Alves, 2000).

Temporalidades da vida: Perspectivas acerca do passado e do futuro e suas relações com a


percepção de saúde

A elaboração do que é construído ao longo de um grupo permite reflexão, na condição de que

a experiência seja antes compreendida e descrita, conforme aponta Afonso (2006). Para elaborar a

narrativa que diz respeito à experiência, parte-se das relações transferenciais desenvolvidas em um

grupo. A autora aponta que, mediante a prática comunicativa, o sujeito narra a congruência entre

vivências do passado, do presente e daquilo que se planeja para o futuro, indicando-se as perspectivas

de mudanças. A identificação com histórias individuais e, então, com as histórias do grupo, é o

componente inaugural desse processo. Para tanto, um trabalho em contexto grupal “... necessita de

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esclarecimento e sistematização dos participantes, sobre suas experiências, isto é, de uma expressão,

elucidação e reconstrução da narrativa que tecem entre o vivido e o pensado” (Afonso, 2006, p. 55).

Ainda, possibilita que sejam examinadas as identificações ocorrentes entre participantes ou seus

papéis, mesmo com experiências trazidas de fora do grupo.

Considerando que a escolha dos temas a serem explorados é importante ao auxiliar essa

construção, os encontros do grupo foram evidenciando a necessidade de atividades que buscassem

favorecer tal elaboração das narrativas de experiências. Uma linha do tempo foi construída pelas

integrantes de todo o grupo em iminência da troca de profissional da educação física, com quem se

observava um vínculo já mais estabelecido. Assim, em concordância com os pontos de um trabalho em

grupo elencados pela autora supracitada, essa atividade se demonstrou relevante para que fosse elaborada

a narrativa das experiências vividas desde o início da participação na proposta de atendimento na

academia, caracterizado como período de dores, dificuldades de mobilização e flexibilidade, tristeza e

sobrepeso, até a projeção do que esperavam do trabalho do próximo residente profissional de educação

física que assumiria esse papel. As manifestações verbais se iniciavam ao passo em que se identificavam

com a perspectiva de mudança relatada por outra participante.

Auxiliaram o processo de demarcações para elaboração das perspectivas de momentos da vida

e a expressão da percepção de saúde nessas situações a escrita de uma carta a si mesma do passado

ou do futuro, a discussão acerca da música “Como Uma Onda”, composta por Nelson Motta e Lulu

Santos, e as transformações ao longo da vida e a atividade de formação de uma teia de barbante, em

que as participantes falavam sobre pontos importantes trabalhados no grupo que lhes beneficiaram de

alguma forma. Entre os tópicos levantados, teceram reflexões acerca do processo de adoecimento e

suas interferências no modo de vida, casamento, a relação conjugal e os conflitos vivenciados,

expectativas em relação a filhos, fatores ligados ao envelhecimento e mesmo sobre a efemeridade da

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vida. Relataram observar a importância de compreenderem o que já aconteceu no passado pessoal

para como se constituem hoje.

Relações interpessoais no grupo e desenvolvimento de vínculo

O vínculo estabelecido entre as próprias pacientes e com os profissionais apresentou-se como

fator importante para o desenvolvimento das atividades do grupo, sendo possível a influência desse

aspecto no aumento significativo da adesão das integrantes ao programa de prática de exercícios

desde o início dos encontros. Pressupondo a formação de uma relação de confiança que é capaz

estimular a autonomia e o autocuidado de pacientes, Brunello et al. (2006) apontam que o vínculo

pode contribuir para a adesão terapêutica, bem como para propiciar uma prática em que a equipe

reconheça a sua responsabilização pelo cuidado integral à saúde dos indivíduos. Assim, facilita-se

também o traçar de um plano terapêutico em conjunto com o paciente. A realização de caminhadas

pela área externa ao espaço físico da academia e de cafés-da-manhã se configurou como momentos

de interação e integração importantes para o desenvolvimento das relações interpessoais e da

identidade do grupo. Os encontros em ambientes menos formais aparentaram facilitar a expressão de

vivências e percepções acerca das demais participantes. A massagem em duplas revelou-se não

apenas como um exercício de relaxamento, mas sobretudo viabilizou situações de interação mais

profundas e íntimas com as demais integrantes. Ainda, a realização de um amigo secreto ao final do

grupo, no dia de confraternização de fim de ano, processo que consistiu na preparação de recados,

imagens ou outras produções semanalmente para o sorteado, promoveu situações de integração e

trocas interpessoais.

O vínculo também pareceu sustentar as relações de apoio estabelecidas em determinadas

ocasiões que desestabilizavam de alguma forma uma paciente. Por exemplo, uma das integrantes

relatou ter sido de grande importância o apoio oferecido pelo grupo e pelas integrantes no momento

em passou por um período de luto. Da mesma forma, as mulheres uniam-se e se disponibilizavam a


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pensar sobre as possibilidades de resolução de problemas quando, por exemplo, participantes

relatavam grandes conflitos familiares.

As pacientes relataram que o modelo de intervenção proposta foi capaz de promover um

trabalho singularizado, ao passo que se sentiam contempladas com um atendimento integral.

Realçaram a importância de ações interventivas planejadas em conjunto com a educação física e

demais áreas de profissionais da equipe do AMASM, considerando aquele um espaço importante e

inédito para se expressarem e se relacionarem. A formação do vínculo entre as participantes pareceu

ser uma construção importante também nos períodos de troca de profissionais e de equipes, haja vista

que a rotatividade dos residentes é alta e, entre as integrantes, a relação estabelecia um elo que

aparentava prevenir a ruptura da adesão ao tratamento. As mulheres consideraram, também, que

resultados físicos e subjetivos foram alcançados, seja com a melhora de disposição, perda de peso e

diminuição de dores, seja no desenvolvimento de relações interpessoais, de mobilização para

reflexões na ordem de autoconhecimento e de mecanismos para lidar com conflitos, realçando a

integralidade das multidimensões de um sujeito e da importância de um trabalho multiprofissional

que valorize isso.

Considerações finais

Diante das preconizações para o trabalho no SUS, a atuação articulada de uma equipe

multiprofissional demonstra possibilitar um olhar mais integral sobre as multidimensionalidades de

sujeitos usuários de serviços em nível secundário de atenção à saúde. Nesse contexto, a psicologia se

insere ao validar também a subjetividade implicada no processo de adoecimento, renunciando ao

olhar exclusivamente biologicista que marcava os atendimentos em saúde. Nesta experiência de

estágio realizada junto ao AMASM, evidenciou-se a possibilidade do desenvolvimento de

intervenções capazes de promover esse olhar integral a pacientes que convivem com dificuldades

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implicadas no processo de adoecimento, ou que, a partir dessa proposta, consigam tecer reflexões

acerca de outras vivências adversas e mesmo conflitivas que não sejam circunscritas apenas à doença.

Com base no relato das pacientes atendidas, foi possível observar que o grupo iniciou

discussões acerca de temáticas relevantes ao se pensar nas relações das integrantes, atentando-se para

o autocuidado em saúde e a projeção de mudanças. Nesse sentido, o reconhecimento do que compõe

a noção de autoimagem e a relação com construções sociais apontaram a dificuldade em se identificar

no próprio corpo. Ainda, a importância de conhecer a si mesmo e pensar sobre experiências vividas

mostraram-se importantes para a elaboração de narrativas acerca de acontecimentos dentro e fora do

grupo.

Nesse contexto, o desenvolvimento de relações interpessoais e o estabelecimento de vínculos

se apresentaram como fatores significativos para a adesão das participantes tanto ao projeto de

exercício físico quanto ao grupo operativo que o seguia, sendo ambos favorecidos por atividades

realizadas ao longo dos encontros de integração e fortalecimento de vínculo. A confiança promovida

por essas relações não apenas facilitaram a expressão de conteúdos importantes e do suporte pelas

demais integrantes em momentos desestabilizantes para algumas, mas também promoveu um

atendimento em que os profissionais reconheciam responsabilidade no que diz respeito ao cuidado à

saúde das pacientes, estimulando concomitantemente a autonomia delas.

Destarte, foi possível ofertar um espaço relevante de escuta e acolhimento às múltiplas

vivências das pacientes que convivem com dificuldades relacionadas ao adoecimento, a despeito de

fatores dificultadores, como a ausência de uma estrutura fixa para as reuniões e a rápida rotação da

equipe. Considera-se, para futuros projetos de intervenção, também, a maior integração das demais

áreas que compõem um quadro multiprofissional além da educação física para elaboração de

atividades e abordagem de temas recorrentes.

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A partir de tal proposta de intervenção como experiência de um estágio, promoveu-se também

o desenvolvimento de importantes habilidades no que se refere à formação do psicólogo, como

empatia, manejo de grupos e adaptação ao contexto, características necessárias para a atuação na área

da saúde. As atividades realizadas propiciaram um olhar mais efetivo sobre as reais possibilidades de

atuação do psicólogo no contexto da atenção à saúde de nível secundário, além de fundamental

articulação entre aspectos práticos e recursos teóricos para a formação profissional. Assim, foi

realçada a importância de um trabalho multiprofissional em prol dos pacientes e da compreensão

dessa perspectiva no curso de graduação para a formação acadêmica de profissionais qualificados ao

atendimento integral à saúde e às suas multidimensões.

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Silvia Nogueira Cordeiro - DocenteAdjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da


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