Você está na página 1de 20

Sumário

1. A solidão....................................................................................................................1
2. A solidão percebida na existência da pessoa...........................................................5
3. A solidão como confinamento do potencial afetivo...................................................7
4. A solidão e o arrependimento...................................................................................8
5. A solidão como hábito e o exílio do prazer.............................................................10
6. Solidão - Um paralelo entre as teorias de Freud e Adler........................................11
7. Solidão a dois e individual (estudo psicológico).....................................................15
Bibliografia...................................................................................................................18
1

SOLIDÃO

1. A solidão
"Qualquer talento ou distinção pessoal deve servir ao incremento de
uma sensibilidade a favor de determinada pessoa,do contrário,
apenas restará uma vaidade nefasta que excluirá o sujeito da
condição humana, rebaixando-o novamente para o reino animal da
competição". (Charles Darwin)

"Todos constroem um desejo veemente de ter provedores que


satisfaçam todas as carências impostas pela vida. Como a criança
lida com a imagem e o real perante a figura provedora, é a medida
mais exata de sua futura saúde ou doença mental. Muito mais do que
desejar afetivamente um dos genitores, o objetivo central da criança
desamparada é possuir um provedor eterno, pois logo cedo a mesma
percebe a extrema dificuldade pela sobrevivência em nosso mundo".
(Alfred Adler - psicólogo)

"Se na era vitoriana estudada por Freud, a mulher desenvolveu a


histeria por não poder gozar a sua sexualidade devido ao moralismo
opressivo da época, que tipo de nova enfermidade desenvolverá uma
mulher independente, que pode se relacionar sexualmente com total
liberdade, mas totalmente temerosa em compartilhar sua intimidade
e com pânico profundo ao amor e entrega absoluta?". (Antonio
Carlos - Psicólogo)

A sensação de derrota íntima é o primeiro indício de uma profunda solidão que


talvez seja companheira pelo resto da vida de uma pessoa. Neste ponto quero
ressaltar o primeiro conceito essencial deste texto, que tem o objetivo de advertência
pessoal e social: Qualquer experiência pretérita de fracasso Afetivo ou separação
deveria servir para uma ampliação de consciência ou crescimento pessoal, nos
tornando mais sensíveis para aquilo de que realmente necessitamos, sendo que
jamais poderíamos nos permitir que ditas experiências nos causassem amargura ou
rancor, que irão se travestir de exigências impossíveis de serem concretizadas num
futuro relacionamento.

Talvez a questão levantada seja a maior doença afetiva de nossos tempos. Se


em algum momento de nossa vida nos entregamos a alguém que efetivamente não
nos correspondeu, este é um problema puramente de sensibilidade, sendo que a
mesma com toda certeza estava diminuída por não termos percebido uma escolha
errada, ou que no fundo a pessoa em questão era uma projeção de todas as nossas
negatividades não assumidas. O fato central que temos de perceber é o quanto
realmente de investimento profundo depositamos na relação, ou prevaleceu nossa
cobiça diária para ganhar mais dinheiro? Qual das partes sempre teve a soberania?

A prática da psicoterapia durante um pouco mais de um século, provou que o


essencial para a cura de determinada neurose é principalmente a relação que se
estabelece entre terapeuta e paciente.
2

A mesma jamais pode ser algo puramente técnico, mas, sobretudo um


dinamismo onde a troca deve sempre estar presente. O pagamento de determinada
consulta é uma espécie de depuração para um sujeito que esteve em déficit no
plano emocional em algum momento de sua vida.

Independentemente da questão econômica, o ponto central deve ser a troca,


pois do contrário sobrará uma concepção mística e donativa de uma relação, onde a
conseqüência é o mais puro sofrimento. Jamais uma verdadeira relação amorosa
pode ser unilateral, pois do contrário há uma escravização do sentimento. Sabemos
da extrema dificuldade da entrega ou doação numa relação, pois quase todos têm o
receio de se sentirem submissos ou inferiores perante o outro. Obviamente é mais
cômodo ter alguém aos nossos pés, provando nosso poder pessoal na esfera
amorosa,sendo este desejo de possuir a alma do outro, uma das piores
manipulações emocionais que o ser humano tem desenvolvido em nossa era.

O ser masculino ainda insiste em renegar toda e qualquer sensibilidade,


embora se fale o contrário. Que se manifestem os psicólogos, onde 90% de sua
clientela é composta por mulheres. Esta constatação é apenas uma das provas de
que o fracasso afetivo sempre é empurrado para o âmbito da responsabilidade
feminina, causando uma depreciação global em sua autoestima.

O homem procura por força cultural e maior treino sexual desde a


adolescência, a obtenção do prazer imediato, se recusando na maioria das vezes a
participar da intimidade conjugal ou familiar. O que devemos perguntar é o que
realmente seria o prazer? Seria a satisfação de determinada fantasia sexual, de
poder econômico, ou ambição em todos os níveis? Este último tópico se aplica na
questão afetiva, pois é só pensarmos na infidelidade conjugal ou a necessidade
histórica da freqüência de prostíbulos por parte do homem.

Se refletirmos profundamente, logo descobriremos que o prazer máximo reside


naquele tipo de pessoa que jamais sabotaria o mesmo,pelo contrário, cultiva um
aprofundamento não apenas daquilo que possui imenso valor, desenvolvendo
permanentemente uma energia que se transforma em potência, sendo percebida
pelo outro como carisma. Aliás, talvez esta seja uma das mais escassas qualidades
em nossos tempos, pois é só observarmos como a mídia faz questão de compensar
sua falta, através da exploração da vida íntima de artistas pré-fabricados, com o
intuito de projetarmos nos mesmos um sucesso que jamais obteremos.

O fato é que o ser masculino há muito se encontra desnorteado no âmbito do


prazer, embora o busque ardentemente. Freud sempre deu destaque a importância
fálica ou do pênis na sociedade contemporânea, em sua teoria sobre os conflitos
inconscientes, pois o órgão sexual masculino representava poder ou obtenção do
prazer, dada a questão da soberania patriarcal. Todo objeto valorizado também
criava o pânico da perda. Assim sendo, segundo a teoria freudiana, a angústia da
castração era uma ameaça constante na constelação mental do menino,
principalmente quando observava a vagina na menina; o que para o primeiro seria
uma castração punitiva por a mesma ter desejado um dos genitores; o famoso
complexo de Édipo. Principalmente através dos sonhos de seus pacientes Freud
elaborou tal dinamismo psíquico.
3

Porém, outro psicólogo - Alfred Adler, logo notou que tal construção mental de
natureza sexual era apenas uma metáfora para esconder a verdade oculta por trás
do medo, que era a recusa de se doar profundamente. A angústia da castração no
menino, nada mais era do que um treino precoce para que no futuro seu pênis ou
lado emocional servissem à apenas ele próprio, jamais compartilhando com outro
ser.

Não é difícil aferir tal informação, pois é só observarmos a maioria dos


relacionamentos, para descobrirmos que embora as pessoas tenham recursos
disponíveis em várias áreas da personalidade, vivem como completos "mendigos" na
esfera emocional.

Fica um tanto simplório a elaboração de uma teoria inconsciente sexualizada,


se esquecendo da dinâmica social. As brincadeiras infantis acerca da sexualidade,
tão bem observadas por Freud, encerram não apenas a questão de ter um pênis,
mas principalmente como disse acima, é um suposto treino precoce no sentido de
quem irá comandar o lado afetivo. Não podemos nos deixar levar por ilusões, pois a
mente humana sempre foi treinada para a dissimulação.

A questão teórica acima levantada é importante para a aferição do que


realmente molda a personalidade. A psicanálise nos últimos cem anos acentuou as
precoces relações emocionais entre pais e filhos como determinantes de neuroses
futuras. O problema é que tais inferências representam apenas uma parte da
questão central, pois não podemos afirmar que há uma soberania do lado sexual,
quando a questão social é diariamente suscitada nos relacionamentos. Como
alguém se situa na esfera emocional familiar, é sem dúvida vital para a futura
autoestima da pessoa. Porém, não podemos fugir dos mecanismos sociais e
econômicos presentes nos relacionamentos.

Todo ser humano chega ao mundo totalmente desprotegido e desamparado


sob todas as formas, desde biológicas até emocionais. Assim sendo, todos
constroem um desejo veemente de ter provedores que satisfaçam todas as
carências impostas pela vida. Como a criança lida com a imagem e o real perante a
figura provedora, é a medida mais exata de sua futura saúde ou doença mental.
Muito mais do que desejar afetivamente um dos genitores, o objetivo central da
criança desamparada é possuir um provedor eterno, pois logo cedo a mesma
percebe a extrema dificuldade pela sobrevivência em nosso mundo.

Um dos objetivos básicos da psicoterapia é justamente levantar como a pessoa


lidou de todas as formas com a presença ou ausência da figura provedora, pois o
resultado de todo este processo determinará o desenrolar de sua personalidade.
Saberemos então se a pessoa é autoconfiante; tímida; recatada; extrovertida ou
temerosa perante os desafios; crente ou não em seu potencial ou valor próprio. O
que não podemos admitir é a soberania sexual psíquica, num mundo extremamente
material. As forças condicionantes do psiquismo seguem a mesma trilha do combate
diário pela ambição e sobrevivência, embora o que mais alveja a alma de qualquer
ser humano seja a percepção de ser realmente amado ou não dentro de seu
ambiente de convivência.
4

Enfim, devemos tomar cuidado para não incorrer em erro ao confundirmos


apego emocional exacerbado como a essência da neurose, quando a verdade última
é o desejo de eterna exploração econômica dirigido às figuras provedoras. Acerca
do universo feminino, fica explícita a masculinização do mesmo em nossos tempos.
Não apenas por a mulher ter galgado no último século sua independência
econômica, mas, sobretudo acabou incorporando todo o modelo de ambição
material do homem, inclusive no tocante a descartar relações afetivas.

O perfil da mulher que encontrará indiscutivelmente um futuro destino de


solidão extrema, é aquela pessoa que almeja tudo pronto de um relacionamento,
seja na parte econômica;estética ou afetiva. Quem não aceitar ir construindo ao
longo do tempo, uma trilha de plena intimidade na ajuda mútua e responsabilidade
com o desenvolvimento de ambas as partes,herdará a fantasia absurda de um
eterno modelo provedor que despotencializa a mulher;a infantilizando e reforçando a
disputa de poder nos relacionamentos.

Curiosamente venho presenciando um número crescente de mulheres que se


ressentem de sua independência econômica, alegando ser um imenso fardo a
carregar. Tais mulheres não é que desejem um retorno ao passado, algumas talvez
sim, mas observo que esta mulher estressada digamos assim, pela sua dupla
jornada econômica e familiar, desenvolveu uma mágoa e rancor por todo o esforço
acima citado. A conseqüência é o trancamento completo de sua capacidade afetiva
e de entrega. Como disse acima, esta mulher incorporou os padrões doentios
masculinos, e agora procura agir na mais completa exigência de ambição e poder
em todas as esferas da vida.

Este tipo de mulher geralmente tem um histórico familiar de um pai quase que
totalmente ausente. Vendo o sofrimento e constante submissão da mãe, partem
para uma espécie de reação de conduta oposta, assimilando uma total rebelião e
desprezo pela figura masculina. Sua única meta passa pelo reforço constante de seu
narcisismo seja estético ou não, colecionando todo tipo de galanteio masculino como
um troféu a ser exibido.

A infelicidade emocional da mulher citada é extremamente visível, se


recusando em boa parte das vezes a constituírem uma família, canalizando toda a
energia para a esfera do trabalho. Se antigamente a mulher era castrada em suas
metas profissionais, apenas lhe sobrando o aspecto familiar, tenho reparado que em
alguns casos está se dando o processo inverso em nossos tempos, o solapamento e
repressão da esfera emocional.

Se na era vitoriana estudada por Freud, a mulher desenvolveu a histeria por


não poder gozar a sua sexualidade devido ao moralismo opressivo da época, que
tipo de nova enfermidade desenvolverá uma mulher independente, que pode se
relacionar sexualmente com total liberdade, mas totalmente temerosa em
compartilhar sua intimidade e com pânico profundo ao amor e entrega absoluta? A
resposta não é muito animadora, pois o surto de mulheres com alto prestígio social e
estético acometidas de graves perturbações psicológicas têm aumentado de forma
assustadora.
5

Todos sabem da verdadeira "guerra" silenciosa ou não, travada entre homens


e mulheres nas últimas décadas. A contradição maior é que o sofrimento de um só
pode ser reparado pela outra parte. O que libertaria o homem de seu medo e timidez
afetiva, é a ajuda singela e penetrante do carisma afetivo que a mulher carrega em
sua natureza. Poucos seres masculinos carregam este poder citado de gostar
profundamente, e sabemos o quanto é vital ter alguém que realmente sente isto por
nós. Nada causa mais proteção do que tal fato, sendo o resto pura compensação.

A libertação da mágoa feminina viria através do poder da praticidade do lado


masculino, pois muitas vezes aquilo que a mulher cultiva como intuição, martelando
sempre no mesmo ponto, nada mais é do que uma paranóia ou necessidade
internalizada de sabotar um processo afetivo, devido às experiências passadas de
frustração. Tenho observado que embora não seja regra, a mulher retém com muito
mais intensidade a mágoa, não esquecendo em hipótese alguma do passado. Neste
ponto, o pragmatismo masculino poderia ser de grande auxílio na construção de
novas tentativas de troca afetiva profunda. Claro que tudo acima citado não segue
um padrão linear para cada sexo, sendo que o objetivo é a reflexão profunda sobre a
solidão decorrente dos conflitos emocionais de nossa época.

2. A solidão percebida na existência da pessoa


A solidão representa o resumo de todo o estilo de vida que adotamos
no decorrer das diferentes etapas de nossa existência (Alfred Adler -
psicólogo)

Embora a questão da solidão seja um dos maiores fardos do homem moderno,


o fato é que o tema continua sendo tratado de uma forma empírica ou displicente, se
negligenciando os vários componentes implícitos na matéria. Talvez isso ocorra
devido ao fato da solidão estar diretamente relacionada ao sentimento de fracasso
pessoal e social, aliada ao fator da enorme competição em todas as esferas do
relacionamento humano.

Cada ser humano já descobriu por si mesmo que apesar de todas as


dificuldades presentes, necessita se relacionar com seu meio, e caso não o faça
deverá arcar com determinadas conseqüências. Talvez a mais cruel de todas seja o
fato da solidão forçar o indivíduo a uma autoavaliação emocional e afetiva, e quase
sempre a nota subjetiva é muito baixa. Todos já aprenderam por experiência própria
que não fomos feitos ou treinados para suportarmos por muito tempo a nós mesmos.
Assim sendo, o estado constante de isolamento ou solidão acaba acarretando
comportamentos destrutivos de toda a espécie, como por exemplo: distúrbios de
personalidade, vícios e uma tendência rumo a autodestrutividade.

Se aprofundarmos a questão da solidão veremos que a mesma derruba por


completo o narcisismo tão disseminado em nossa sociedade, pois embora a maioria
das pessoas busquem apenas vantagens pessoais e até sintam deleite ao verem
seus semelhantes em situação inferior, o fato básico que a solidão comprova é que
qualquer atitude ou estilo de comportamento individualista leva com o passar do
tempo a uma espécie de "falência do pensamento".
6

A personalidade do indivíduo aos poucos vai sendo arrastada para pontos


sombrios da vivência humana, e esse é o preço que milhares de pessoas pagam
diariamente por não refletirem ou se conscientizarem de determinado estilo de vida
ou conduta. Sobre o tópico acima gostaria de ressaltar que a solidão talvez seja um
dos últimos baluartes que forçarão o ser humano numa trajetória mais humanitária.
Afirmo tal coisa em função da exclusão social de nossa sociedade. Quando se
pensa em ser excluído, todos acham que os únicos aspectos são: a falta de poder,
dinheiro ou prestígio que acarretam tal desgraça. Porém, a solidão transborda todas
as fronteiras econômicas e sociais, provando que a exclusão da vida, prazer e
satisfação vão além de simples fatores econômicos, e que não há garantia nenhuma
para todos nós de que algum dia também não seremos excluídos de alguma etapa
fundamental da existência, o que abre a reflexão para a urgente necessidade de
todos estarem abertos a um espírito mais comunitário de convivência.

Embora pareça absurdo em nossos tempos, deveríamos refletir sobre o quanto


de nosso pensamento diário dedicamos as diversas questões que a vida nos
apresenta. Logo descobriremos que a segurança econômica e necessidade de
ascensão social são as categorias que mais consomem nossas energias. As
questões humanas, principalmente referentes aos relacionamentos só aparecem
perante um forte sofrimento de perda ou conflito pessoal. Nesse contexto pensamos
sobre a solidão quando a mesma nos atinge da pior forma possível, ou seja, quando
não conseguimos utilizar plenamente os nossos recursos; queremos amar e não
temos a pessoa, desejamos criar e ninguém é sensível para algo novo, por exemplo.

A solidão revela nossas ambições de prazer não consumadas, uma espécie de


morte da vontade própria, onde a impotência impera e o indivíduo já não mais
controla seu fluxo de emoções positivas. Temos de perceber que numa era onde o
desejo de poder e status social prevalecem, não poderia haver um sentimento mais
disseminado do que a solidão, pois esta como disse anteriormente representa a
conseqüência do investimento que damos às causas humanas, ou o quanto nos
importamos com nossos sentimentos e das pessoas ao nosso redor. Enfim, a
grande lição que a solidão nos mostra é que nossa autoestima e felicidade
dependem de alguém, e numa simples demonstração de afago, carinho ou
reconhecimento, é que nos damos conta o quanto faz mal o estado de espírito
petrificado que a solidão nos proporciona, evidenciando a inutilidade de todos os
outros esforços, principalmente a ambição.

A solidão representa a derrota suprema do estilo de vida individualista de


nossa era, embora não abrimos mão do mesmo em virtude de fantasias ou sonhos
de grandeza ou sucesso pessoal. Querer conciliar desejos de destaque ou
superioridade com apreço e reconhecimento de nossos mais profundos sentimentos
humanos por alguém é tarefa impossível. Delimitar nossas prioridades é o desafio
de todo o conflito humano atual e do futuro. É sempre ingrata a missão de resolver
determinado problema quando estamos as portas do sofrimento mais intenso
possível. Assim sendo, a prevenção é sempre o cultivo de uma atitude de vida que
eleja a sensibilidade, dedicação plena e o máximo de atenção para com as pessoas
responsáveis por nossa felicidade, pois a ausência das mesmas representa a
catástrofe da solidão.
7

3. A solidão como confinamento do potencial afetivo


A pior solidão não é a ausência da realização de determinados
desejos ou fantasias, mas principalmente a anulação de determinado
potencial ou habilidade. (Antonio Carlos - psicólogo)

O homem solitário se devora a si mesmo, o outro é devorado pela


sociedade, então escolhes.- Nietzsche

Quando pensamos na solidão, a primeira idéia que passa por nossa mente é
se temos ou não verdadeiros amigos, a qualidade de uma relação afetiva que
estamos vivenciando, o quanto somos estimados ou procurados por quem sentimos
afeição ou apreço. Embora tudo isso seja bastante natural, gostaria de enfatizar
nesse estudo a relação da solidão com a própria personalidade do indivíduo. Quero
dizer não apenas de algo existencial, mas tão somente como cada um direciona sua
meta de vida. Talvez não nos demos conta, mas um dos atributos de nossa
sociedade que mais contribuem para o aumento da solidão é o confinamento de
papéis em que vivemos diariamente. Somos treinados desde os primórdios a
agirmos de acordo com determinadas expectativas ou deveres sociais. Caso haja
uma transgressão, o resultado quase sempre é culpa ou ansiedade. Isso se dá no
âmbito profissional, social e pessoal, e quase sempre aceitamos os fatos como nos
são apresentados.

Se investigarmos um pouco a fundo o comportamento cotidiano do homem


contemporâneo, confirmaremos o exposto acima. Quase nunca conseguimos ligar
para alguém quando temos vontade, pois ficamos preocupados com o que a pessoa
pense a nosso respeito; quase nunca podemos nos entregar verdadeiramente a algo
ou alguém, pelo terrível temor da perda, isso apenas para citar alguns exemplos. Se
formos para o campo profissional é coisa não é menos aterradora. É um verdadeiro
drama descobrirmos nossas verdadeiras potencialidades e conseguirmos sua
realização. Nesse ponto reside outro aspecto fundamental da solidão, a não
descoberta ou realização da potencialidade de um ser humano. Notem que isso
passa a ser uma espécie de condenação, pois jamais conseguiremos ser ótimos em
algo, e o que resta é a aceitação resignada de um trabalho totalmente desprovido de
prazer ou meta mais ampla. Nos sentimos então absolutamente sós e
desamparados, pois assistimos nossa castração de forma absolutamente indolente e
criminosa, pois tentamos compensar tal fato buscando talvez a segurança
econômica.

Vamos pensar pela seguinte ótica, se alguém não consegue atuar seu maior
talento ou habilidade perante a sociedade, imaginem o que esta última não fará
acerca das imperfeições desse mesmo indivíduo? É nesse exato ponto que
deveríamos nos questionar sobre o seguinte: O que se tem feito acerca da solidão e
conseqüente ódio interno resultante? Apenas se tem caminhado para o egoísmo e
rigidez excessiva da disciplina, visando que outros tenham também um mundo tão
sombrio e angustiante? Após anos como psicólogo fico ainda perplexo ao presenciar
como um casamento não traz consigo a mínima garantia de satisfação e felicidade
sexual, sendo que a masturbação continua sendo uma constante de acordo com
relatos de pacientes. Novamente falamos de potencial não efetuado, de
possibilidades não realizadas. O que fazer no caso acima descrito, em que duas
8

pessoas não estão aptas a se satisfazerem mutuamente? Isso sem dúvida é outra
prova brutal de isolamento e solidão a dois.

É fundamental que todo ser humano esteja atento ao modo como enfrenta
etapas cruciais em seu desenvolvimento, desde a tenra infância como a entrada na
escola, passando pela adolescência, escolha profissional e a questão do amor. O
que foi descrito anteriormente sobre o potencial não efetuado, remonta a um estilo
de vida que chamaria de "projeto da desistência", ou seja, a pessoa vai tolhendo seu
próprio potencial, seja desistindo ou não encontrando sua vocação, seja não se
satisfazendo afetiva e sexualmente. Com toda a certeza essa deve ser uma das
maiores pragas psíquicas de nossos tempos. Como resultado temos a total solidão e
duas variáveis que produzem os maiores índices de ansiedade: a impotência e
medo em quase todas as esferas da existência. Escolher a solidão é esconder as
carências mais profundas, por vergonha ou medo de que alguém descubra o quanto
um ser humano pode estar faminto de afeição. A solidão é uma tentativa surrealista
de se tentar controlar o processo do amor. A mágoa maior não é resultante de uma
relação que não deu certo, mas principalmente por nunca termos nenhum controle
sobre futuras paixões ou decepções, sendo que a solidão é a tentativa desesperada
para se colocar um freio nesse processo.

4. A solidão e o arrependimento

É um fato absolutamente consumado de que a solidão é puramente uma soma


de energia egoísta enraizada em nossa alma, e embora a pessoa talvez tenha razão
em relação ao seu passado de sofrimento e seus esforços para não repetir
novamente tal drama, a mensagem básica é a de que não devemos seguir dita trilha
de isolamento.A solidão jamais pode ser encarada como sinônimo de tristeza,
depressão ou infelicidade como boa parte das pessoas pensam, pois se seguirmos
este raciocínio estaremos encobrindo o verdadeiro problema básico- A marca mais
forte da solidão é a repetição constante de uma mesma experiência ou destino
afetivo outrora vivenciado. O desafio final é exatamente este ponto, como se libertar
de algo enraizado em nosso ser que nos leva sempre de volta ao início de uma
jornada de desamparo e desilusão. (Antonio Carlos - psicólogo)

No âmbito interpessoal fica claro que na atualidade um dos fatores de maior


sofrimento psíquico é sem dúvida nenhuma a solidão sentida como um elemento
corrosivo da saúde e bem estar pessoal. Se fôssemos obrigados a produzir um
manual de sobrevivência psíquica para a nossa era, a primeira regra seria o
aprendizado de como aumentar nossa tolerância à frustração. A solidão caminha
exatamente no oposto, acentuando a desolação dos acontecimentos pretéritos;
bloqueando a oportunidade de novas experiências de prazer, sendo que a
conseqüência inevitável é a cristalização do luto eterno em nossa alma, obrigando a
pessoa diariamente a vivenciar todo o tipo de medo e desconfiança perante novas
perspectivas.

Uma das raízes pouco exploradas da solidão em todos os trabalhos teóricos é


a questão do arrependimento. Talvez este seja um dos mais paralisantes
sentimentos humanos, pois ao mesmo tempo carrega uma semente de orgulho
perante a reparação de um erro, e o tédio ou falta de motivação para uma nova
9

experiência. Aprofundando a tese acima descrita, a prova máxima do


arrependimento é quando temos certeza de que nossas vivências atuais são muito
piores do que os acontecimentos dolorosos de nosso passado, e é exatamente esta
vivência dolorosa que a solidão visa não repetir, à custa do convívio vital com outros
seres humanos.
É um fato absolutamente consumado de que a solidão é puramente uma soma
de energia egoísta enraizada em nossa alma, e embora a pessoa talvez tenha razão
em relação ao seu passado de sofrimento e seus esforços para não repetir
novamente tal drama, a mensagem básica é a de que não devemos seguir dita trilha
de isolamento.

A questão dinâmica da solidão se dá através de duas vertentes: Qual a


capacidade de investimento profundo num novo plano afetivo versus a quantidade
de mágoa acumulada pelo passado da pessoa transtornada pela carência? O
aspecto central desta conscientização é a avaliação de onde provém nosso conflito
básico, se no passado, presente ou o temor do futuro. Obviamente que dependendo
do grau de sofrimento todas as três esferas podem ser afetadas, mas é fundamental
a localização pelo menos parcial do início de determinado drama existencial.

A questão é absolutamente clara, a solidão é sinônimo irrefutável do passado,


criando uma película em nossa esfera afetiva totalmente impermeável a qualquer
nova experiência gratificante. Então devemos nos perguntar baseados nesta
conclusão o que de nosso passado é profundamente saudável ou aproveitável? Sem
dúvida alguma descobriremos que determinado acúmulo de experiências preenchem
quase que na totalidade a possibilidade de um destino pessoal completamente
diverso do que estamos acostumados a vivenciar. Neste ponto devemos inserir a
questão do perdão no âmbito da solução da encruzilhada do problema apresentado.
Se boa parte das religiões tivessem um caráter sério, o perdão jamais poderia ser
um instrumento de regozijo próprio ou de poder pessoal perante alguém que
sabemos que sempre esteve em déficit com sua natureza humana, mas sobretudo a
consciência pessoal e inalienável de que devemos prosseguir, pois caso contrário o
resultado será a somatória de mágoa ou autocomiseração adquiridas no transcorrer
de nossas experiências. Sempre a derradeira esperança é a possibilidade de
realização futura, desde que cultivemos nosso potencial ou dever pessoal para
novas empreitadas.

A solidão jamais pode ser encarada como sinônimo de tristeza, depressão ou


infelicidade como boa parte das pessoas pensam, pois se seguirmos este raciocínio
estaremos encobrindo o verdadeiro problema básico, pois a marca mais forte da
solidão é a repetição constante de uma mesma experiência ou destino afetivo
outrora vivenciado. O desafio final é exatamente este ponto, como se libertar de algo
enraizado em nosso ser que nos leva sempre de volta ao início de uma jornada de
desamparo e desilusão.

Todo o processo acima citado nos leva a conclusão de que a solidão apenas
nos mostra como estamos absolutamente despreparados para a questão da morte
em todos os sentidos, sendo que jamais reconhecemos que determinados sinais
sociais nos mostram a finitude de nossas experiências gratificantes acumuladas, nos
mostrando que a mais dolorosa experiência humana sempre foi a mudança em
todas as esferas da existência, e a falta de instrução ou treinamento para algo tão
10

óbvio da natureza humana passa a ser um dos pilares de toda a estrutura social e
pessoal que petrificam o ser humano no medo e apatia. Jamais devemos nos
esquecer que em suma a solidão apenas representa a total falta de investimento na
esfera da troca afetiva.

5. A solidão como hábito e o exílio do prazer

A única possibilidade da solidão não mostrar diariamente o lado mais cruel e


desesperador da vida,é a pessoa retornar seu sofrimento de uma forma criativa, que
ajude outros seres humanos a minimizarem esse fardo. Sentir constantemente a
solidão é uma espécie de renúncia voluntária aos mais altos anseios de satisfação e
felicidade. Se realmente desejarmos salvar alguém, deveríamos encarar a solidão
como prioridade absoluta, pois caso uma pessoa não se sinta válida no convívio
humano, sua meta será a angústia, isolamento e depressão. Sentir ou não a solidão,
estando acompanhado, ou por uma razão existencial, é a medida mais absoluta da
qualidade de nossa vida. (Antonio Carlos - psicólogo)

Não há talvez outro sentimento humano que impere sobre os demais do que a
solidão. Esta desafia todas as estruturas e esferas de nossa sociedade tipo:
dinheiro, posses, status, sexualidade, beleza e poder. Sem sombra de dúvida
podemos eleger a solidão como o topo do sentimento humano deste século, nenhum
outro como descrito acima consegue por tanto tempo ocupar nossa alma e
desprovê-la do sentido da vida. Podemos sentir raiva de uma determinada pessoa,
estarmos irados, preocupados com o sustento, mas nada é mais angustiante e fatal
para nossa auto-estima do que a conscientização de que estamos carentes, sentir
que poucos ou ninguém mantém um contato profundo e duradouro conosco, que
não somos importantes ou especiais para alguém. A solidão impede o livre fluir de
quase todas as potencialidades ou desejos humanos. É até interessante notar como
esse tema nunca foi esmiuçado pela psicologia, dada sua importância estratégica no
contexto de nossa atual sociedade. Desde cedo somos educados para o sucesso, a
glória, poder ou vantagens, mas ninguém nos conta o que fazer quando não
sentimos mais vontade nisso tudo, por sentirmos o sentimento da solidão. Nenhuma
escola ou educador nos ensina a como lidar com tão corrosivo elemento da alma
humana, apenas sentimos o vazio, a ausência, e impotentes ficamos no terrível
dilema da espera de que algo aconteça e mude essa vida estéril. Impotência é
nosso deus central nos dias atuais, e a única sabedoria é retirar algum
conhecimento dessa experiência.

A solidão muitas vezes revela a banalidade e inutilidade de nossa vida atual,


nos força a ver com toda a clareza nossa mais angustiante infelicidade, pois a
solidão não é apenas sinônimo desta última, mas pai de tudo o que não deu certo, o
guia para além de nossa ingenuidade e ambições não efetuadas, pois ela nos
mostra o maior fardo de todos, nós mesmos, sem qualquer fuga, escapismo ou
distração, pois no fundo o sentido de uma relação é o de se esquecer a si próprio,
ocultar mesmo que temporariamente nosso mais profundo vazio da existência e
dificuldade em descobrirmos um sentido para tudo isso. Todos sabemos que a
sensação máxima de derrota é a falta de vivenciar uma experiência verdadeiramente
amorosa, e a solidão sempre está por detrás dessa extrema dificuldade.
11

A solidão nos deixa dois legados à nossa escolha: a possibilidade da reflexão e


conseqüente mudança de atitude, no sentido de valorizarmos e nos abrirmos para
novos contatos e pessoas, ou a teimosia e reforço no sentimento de superioridade,
achando que qualquer mudança seria encarada como uma espécie de submissão,
nesse estágio o orgulho torna-se mais uma companhia, dissimulando a total
fragilidade e debilidade da pessoa.
12

A solidão se torna enfaticamente uma doença quando cria um espírito de


indolência numa pessoa, fazendo com que a mesma julgue positivo, produtivo e até
viável o estar só, pensando tirar proveito do fato de não estar tendo trabalho ou
esforço para procurar contato humano. Nada é pior do que iludir sua não satisfação.

A solidão ainda reforça a ira da pessoa contra o mundo, pais e educadores


deveriam estar atentos para tal fato, e impedir que a criança ou o adolescente vá
criando seu mundo à parte, seja ficando horas num computador ou vídeo game, seja
não se interessando pelo elemento humano, dizendo estar satisfeito com seu
comportamento ou meta de vida, pois a pessoa nesse caso acaba por utilizar sua
neurose para se vingar do ambiente que não lhe proporcionou afeto ou segurança,
tentando inverter a situação, enxergando na doença a melhor saída para sua vida. A
solidão cria esse terrível paradoxo, um membro de uma espécie rejeita seus
semelhantes, instalando a absurda fantasia de que alguém é feliz sem a companhia
dos demais, além da revolta pessoal por não ser procurado, adotando um
comportamento no mínimo extravagante, obtendo dessa maneira a atenção que não
conseguiu da forma natural.

É impressionante como a sociedade direciona nossa atenção somente aos


problemas econômicos, e os problemas pessoais são deixados para trás, talvez só
lembremos deles através da solidão, nesse sentido, a mesma se impõe como
tentativa de restaurar a humanidade, de percebermos a total inutilidade do que
estamos fazendo, nossa desorientação perante os anseios de nossa alma, os quais
muitas vezes não damos a mínima, nossa falta de coragem para iniciarmos algo
produtivo para a vida. Por fim, a solidão nada mais é do que o reflexo do histórico de
um modelo de vida de determinada pessoa é a crença ou não que alguém depositou
em outro ser humano, sua disposição ou não para a troca e companheirismo, sua
escolha pessoal entre doar algo mesmo sabendo do não retorno, ou insistir na inveja
e raciocínio egoísta.

6. Solidão - Um paralelo entre as teorias de Freud e Adler

Frases de Adler sobre a solidão:

O solitário é aquele que tem tempo de sobra para pensar em sua


total insatisfação, o infeliz é aquele que jamais terá essa
oportunidade.

Solidão a dois não é tanto saber que o outro jamais lhe completará,
mas principalmente o total desprezo e indiferença em relação aos
nossos anseios e expectativas, é ser constantemente ignorado e
abandonado na presença de alguém.

A solidão suprema não é a incapacidade atual de viver uma


experiência de real prazer, mas tão somente o temor de experienciá-
lo ao encontrarmos, ou seja, o irmão predileto da solidão chama-se
desperdício ou talvez o medo do amor.
13

Solidão é o terrível desespero da espera por alguém que nos traga


aquilo que mais necessitamos.

Quando o sofrimento nos derrota, somos aniquilados, quando o


aceitamos nos transformamos num ser maior.

Muito pior do que o adeus é a certeza do nunca mais.

A solidão é como uma ressaca do mar, trazendo ou nos dando uma dimensão
de todos os nossos atos e pensamentos, ela nos mostra todo um histórico e estilo de
vida, sendo na maioria das vezes uma prova indesejada da nossa falta de
responsabilidade pelo ente humano, é ainda o produto de tudo aquilo que sempre
tentamos fugir,o desespero. Sua imperativa presença não dá espaço para fugas ou
escapismos como quando estamos absortos em algo, mas revela cruelmente nossos
mais remotos hábitos, medos, temores e anseios, sendo que este último é uma
tentativa desesperada da mente para se proteger dos primeiros, pois o desejo na
solidão tem a função vital de proteção da saúde psíquica, pois caso contrário, nosso
inconsciente é literalmente invadido pelas mais temidas idéias destrutivas e
persecutórias.

O verdadeiro pânico é o sentimento não apenas de estar só, mas a sensação


terrificante de desamparo pessoal e social, principalmente dentro de um contexto
que apregoa a equação: "solitário é igual a fracassado". O impacto desse lema nas
pessoas é extremamente avassalador, querendo todos fugir desse estigma ou
cicatriz de inépcia social, produzindo maiores danos ainda, como a baixa qualidade
das escolhas ou extrema ansiedade. Obviamente, podemos deduzir que a procura
por relações de certa forma é um alívio ou fuga daquilo que realmente somos ou
tememos em nós mesmos, sendo a ansiedade uma vacina eficaz e preferível ao
profundo auto-conhecimento. As razões dessa conduta são mais do que históricas,
pois séculos de cristianismo, forçaram a todos a ocultar partes indesejáveis e
ameaçadoras da personalidade, imputando apenas aos desajustados e psicopatas
os elementos destrutivos do ser humano.

O ponto central desse presente estudo é o fato da solidão revelar até que ponto
verdadeiramente desejamos a troca e contato humano, nesse caso a solidão passa
a ser um estímulo e até um objeto de reflexão apurada para uma futura busca,
selecionando melhor as escolhas, dando inclusive uma dimensão do que realmente
gostamos ou daquilo que profundamente sentimos saudades. Diria que esse seria o
lado positivo da solidão, uma dissecação de nosso estilo de vida como descrito
anteriormente, pesando-se todas as vantagens e desvantagens de nossa conduta,
neste caso a solidão seria um intervalo para que pudéssemos reavaliar nossas
experiências de vida, e o que realmente estamos buscando, e a maneira pela qual
estamos fazendo isso. É fundamental sentirmos essa solidão para que possamos
refletir e ajustar padrões viciados de conduta e comportamento. Fugir da solidão
constantemente significa abafar essa oportunidade de crescimento interior.

Infelizmente isso ocorre devido à insegurança, e temor de que a solidão se


torne uma constante na vida da pessoa, achando que não terá forças para sair
desse quadro devido a um forte complexo de inferioridade pessoal.
14

A solidão está intrinsecamente relacionada com o passado, pois todo ser


humano em estado de solidão pensa no mesmo, seja em termos de arrependimento,
prazer pretérito perdido, mágoa, raiva, ódio, angústia, saudades, etc. Mas é
justamente nesse ponto que reside um fator central, pois o temor à solidão passa a
ser o medo da memória, de nossa história pessoal, da avaliação ou prova sobre o
grau de prazer e felicidade do eu. No próprio processo de terapia temos um exemplo
vivo do medo à solidão, Freud chamou de "resistência", quando um determinado
paciente não conseguia se libertar de um determinado conteúdo neurótico, apelando
ou para o silêncio na hora terapêutica, ou até mesmo para a sedução do analista
com o propósito de anular sua atuação. Alfred Adler foi o primeiro a perceber que a
resistência tinha um fundo de solidão, sendo que o intuito do paciente era criar um
"combate" com o analista para desmoraliza-lo, dado o ódio do paciente por estar em
análise, sendo que isso na cabeça do mesmo era uma prova de seu fracasso em
desenvolver o que ele chamava de "sentimento de comunidade", relações sociais
que visassem a cooperação e solidariedade entre as pessoas, assim sendo a
resistência era contra o sentimento de se envolver e se doar para algo ou alguém.
Sem sombra de dúvida este foi o século onde o ser humano mais se sentiu solitário
e desamparado, seja por problemas relacionados à estrutura político-social-
econômica ou por neuroses pessoais.

O fato é que solidão também está relacionada à questão do poder em nossa


era, pois toda estrutura de poder teme uma maior troca e aproximação das pessoas,
devendo imputar na cabeça do indivíduo que sua solidão não é fruto de um sistema,
mas tão somente de sua incompetência pessoal. Deveríamos refletir bastante sobre
isso, para que possamos isolar as verdadeiras causas do problema. Apostar sempre
no privado e individual é acelerar o mecanismo da solidão, não que se esteja
pregando a anulação pessoal, pelo contrário, estar integrado consigo mesmo é lutar
para que o outro também realize seu potencial, porém em nossos tempos apenas
assistimos a devoção ao estritamente pessoal. A verdade é que estamos
absolutamente indolentes e apreensivos para buscarmos novas relações, volto a
insistir no medo da memória, pois esta encerra o temor ou uma negativa ao novo,
dizendo-nos constantemente que se nos arriscarmos novamente, todo o sofrimento
que vivemos no passado poderá se repetir. Freud chamava esse mecanismo
psíquico de "compulsão à repetição", uma tentativa neurótica de reviver
constantemente um trauma, até que a pessoa se torna cônscia do processo que
havia direcionado principalmente seus afetos.

Adler achava que tal mecanismo se devia ao fato da pessoa insistir sempre em
ser amparada pelo seu meio, pois o sofrimento seria uma espécie de escudo para
nunca se atingir a independência, forçando um cuidado e atenção especial para a
pessoa acometida pela neurose, o que ele chamava de "pessoa mimada", o
protótipo de ser humano incapaz de troca, mas tão somente direcionado para os
benefícios que possa obter através de seu distúrbio. A solidão no psiquismo humano
é sentida como um processo doloroso de exclusão na obtenção ou participação de
experiências afetivas de troca ou prazer, é sentir que todos os demais tem um direito
que nos é negado. Segundo a teoria psicanalítica, a fantasia que a criança
desenvolve acerca da sexualidade dos pais, é que "há uma espécie de festa na qual
ela está excluída", sendo este exatamente o sentimento do solitário acerca de sua
real condição humana, sua crença na incapacidade de obter semelhante satisfação.
15

Adler acreditava que a criança percebia tal acontecimento não como um prazer
de natureza sexual negado, mas principalmente o ódio da mesma em relação à
pessoa que detinha o poder sobre sua inclusão ou exclusão de determinados
eventos, ou seja, uma luta contra a suposta tirania e dominação dos pais, traçando
um paralelo entre a luta de classes no modelo econômico que vivemos. Outro ponto
muito interessante acerca da psicologia do solitário, observado em terapia é o de
que determinado indivíduo parece ter criado historicamente todo um "projeto" voltado
à solidão. Citarei a seguir alguns elementos que contribuem para tal finalidade,
embora muitos deles sejam preconceitos ditados pela sociedade, mas que acabam
sendo incorporados pela pessoa, visando evitar uma experiência de aproximação,
alguns exemplos: neuroses em geral, onde a pessoa acaba por ficar debilitada,
dificultando uma real experiência de prazer com o outro, sendo que a relação se
torna de extrema dependência, por exemplo, a síndrome do pânico, onde o medo e
pavor forçam uma atuação excessiva e desgastante sobre o indivíduo, e o mesmo é
incapaz de prosseguir suas tarefas profissionais ou sociais, o mais interessante é
que determinadas crises de pânico sempre ocorrem quando o sujeito se encontra
numa situação social ou simplesmente saiu de casa, revelando que o único
ambiente seguro é seu lar, rejeitando por completo a aproximação com outras
pessoas.

Ainda sobre idéias aterradoras, lembro-me de um paciente que tinha


verdadeira fobia de estar contaminado com o vírus HIV, e embora os exames nada
revelassem, ficou claro seu intuito de afastar-se das pessoas, principalmente no
tocante ao planejamento familiar, pois pensava que como era portador, jamais
poderia ter filhos, ou constituir uma relação.Ele inclusive havia fixado um prazo de
dez anos para ter novamente relações sexuais, pois em sua mente era o tempo que
escutara para ver se o vírus se manifestava ou não. Outro exemplo desse projeto da
solidão são de pessoas que moram sozinhas, que não conseguem organizar as
tarefas rotineiras, faltando muitas vezes os cuidados elementares do lar, fica patente
uma tentativa de afastar qualquer possibilidade de alguém compartilhar sua
habitação, a primeira vista parece algo banal, mas observando com mais minúcia,
vemos que a pessoa simplesmente não consegue efetuar o básico, carregando
inclusive uma carga de ódio contra esse tipo de tarefa, que simboliza dar as boas
vindas para quem deseja adentrar seu lar. Alcoolismo e drogas em geral são mais
do que óbvios nesse projeto, entrando ainda masturbação excessiva como dizia o
próprio Adler, pois tenta fazer sozinho aquilo que deveria ser compartilhado; ainda a
obesidade como fator de rejeição dentre outros.

Volto a alertar que esses conteúdos citados carregam forte conotação


preconceituosa, devendo ser avaliados sob a luz do problema da pessoa em si,
jamais devemos generaliza-los. Espero que este estudo tenha proporcionado uma
reflexão ou um breve alívio, para um problema de tamanha magnitude tão pouco
estudado pelas ciências sociais.
16

7. Solidão a dois e individual (estudo psicológico)


O próprio ciúme não é apenas a desconfiança, mas uma certeza que
se transforma em algo mórbido, por percebermos que o outro pôde
ou poderá não apenas atingir maior satisfação e poder sobre nós,
mas, que em síntese, soube lidar melhor com seus complexos de
rejeição e inferioridade. O ciúme é o irmão gêmeo univitelíneo da
inveja. (Antonio Carlos - psicólogo)

Deveríamos estar cônscios de que uma relação eternamente será


uma dualidade ou um conflito de opostos, nunca algo linear de prazer
que possamos pegar quando nos sentimos famintos. Ninguém
almeja a solidão que é a prova máxima da desumanidade, mas
quase todos se iludem ao pensarem que estão acompanhados.
(Antonio Carlos - psicólogo)

Uma das experiências de maior angústia que recaem sobre determinado ser
humano, é quando o mesmo descobre que apesar de usufruir de determinado
relacionamento, não conseguiu efetivamente eliminar o problema da solidão. A
sensação primeira é sentir que não se tem o que se merece, causando ansiedade e
total desconforto pessoal. A primeira e básica lição para qualquer tipo de
relacionamento, é expor a insatisfação, sendo este ato uma prova de real amor, pois
abre a porta para que ambas as pessoas reflitam sobre o desafio de estar com
alguém e manter a chama do prazer. A falta do diálogo franco e profundo, apenas
aprisionam ambos nos fantasmas da carência e insatisfação generalizada. Toda
vivência negativa deveria ter o intuito de transformar determinada barreira em um
novo caminho de evolução da relação. Infelizmente preferimos perder nosso
companheiro para uma trama mal resolvida do inconsciente da pessoa, renegando
por completo o potencial criativo e a coragem de mudar. Como é extremamente fácil
perder aquela habilidade ou fidelidade em admirar o outro. O fato é que a maioria
dos relacionamentos, provam a dificuldade de se encontrar pessoas que realmente
caminhem juntas, no mais profundo de suas almas e atitudes.

O leitor irá indagar sobre qual é o maior problema histórico que incide sobre
determinada relação, destruindo seu conteúdo. A resposta é que as estratificações
sociais se reproduzem em todos os relacionamentos, criando classes sociais, assim
como nos aspectos econômicos. Temos então o rico e pobre, sendo este último um
total dependente afetivo. A tensão destes opostos irá produzir um combate
interminável dentro da relação. Um outro aspecto desta questão é o problema do
narcisismo, pois quando observamos a vaidade em determinada pessoa, ou a
segurança que a mesma demonstra emitir, este processo não deixa de ser a retirada
da energia do outro para benefício próprio. Este é o sinal mais marcante de nossa
era; a competição incessante para testar quem realmente detém o poder em todas
as frentes.

A solidão sentida a dois, não deixa de ser uma espécie de teste sobre o que
mais sentimos ao lado de alguém: ansiedade, desejo de fuga, desprezo ou rejeição.
A armadilha não é a exposição constante perante tais sentimentos negativos, mas
como disse acima, a incessante negação dos mesmos. Deveríamos estar cônscios
de que uma relação eternamente será uma dualidade ou um conflito de opostos,
nunca algo linear de prazer que possamos pegar quando nos sentimos famintos.
17

A busca histórica da beleza se encaixa neste contexto, pois tem a função de


entorpecer a própria pessoa, sendo mais fácil admirar um objeto, do que uma
introspecção diária sobre as dificuldades de como lidar com nossos sentimentos.
Uma atitude amorosa implica em pensarmos sobre o que devemos doar ao outro; o
que o mesmo necessita perante seu histórico de vida, seus desejos acumulados,
frustrações e outras coisas. Qual ponto pode libertar a pessoa ou então a reforçar
em seu cárcere pessoal e emotivo?

Um dos grandes problemas na vida a dois, é o desprezo quase absoluto


perante a intuição. Todas as pessoas queixosas de seus parceiros, perceberam
outrora que havia algo de errado, porém rejeitam os indícios, precisamente pelo
apego, poder e medo da perda. Não se trata aqui de pregar uma separação ao
primeiro sinal de problema, mas a importância de se debelar as armadilhas citadas
anteriormente, pois a dualidade é um dos constantes companheiros do
relacionamento, e sua negação apenas reforça sua intensidade. Uma das últimas
coisas genuinamente humanas que ainda somos obrigados a sentir, é a capacidade
de compaixão pelo sentimento de solidão ou incompletude do outro, e conseqüente
capacidade de perceber suas necessidades, e quanto isto afeta nossa vida íntima.
Quase todos procuram se defender numa rotina diária de vida ou até mesmo sexual,
para não lidar com o problema da carência básica do companheiro. A histórica falta
de diálogo numa relação é o mais puro fruto de tal fato; ausência perante o dilema
do outro. Isto é lamentável, pois uma das maiores alegrias humanas é justamente
lidar abertamente com tais pendências pessoais. O sentido máximo do
conhecimento e até mesmo da psicologia é justamente a possibilidade do
alastramento para novos horizontes, nunca o confinamento em determinada
neurose.

A pergunta que dificilmente conseguimos responder é : qual a maior ofensa


produzida pelo companheiro no decorrer da relação? Falta de companheirismo,
sexo, intimidade, cumplicidade, humor, diversão, dentre outras. Pode ser que sejam
todas as alternativas, porém, o ponto central seria : No que nos deixamos de
transformar devido a omissão de alguém, somada nossa indolência reflexiva? Uma
escolha totalmente infeliz de um parceiro significaria não apenas uma necessidade
de mudança, mas a imposição da dor como último recurso do resgate dos reais
anseios da pessoa. Alguém que se encolheu a vida inteira, certamente precisará do
tratamento de choque para começar a enxergar determinados processos. A solidão
a dois é a prova de que a busca de determinada pessoa, apenas diz que se trata de
uma tarefa demasiada pequena perante os desafios emocionais futuros. Somos
quase que totalmente desprovidos da ambição no terreno emocional, já que
deixamos todas as tropas no lado econômico.

A solidão é um dos instrumentos mais preciosos da medida e localização de


nossas dependências; sejam as mesmas emocionais ou de qualquer outra
categoria. Neste ponto, podemos inferir que o próprio ciúme não é apenas a
desconfiança, mas uma certeza que se transforma em algo mórbido, por
percebermos que o outro pôde ou poderá não apenas atingir maior satisfação e
poder sobre nós, mas, que em síntese, soube lidar melhor com seus complexos de
rejeição e inferioridade. O ciúme é o irmão gêmeo univitelíneo da inveja, apenas as
rotas tomam direções opostas.
18

O primeiro é constantemente demonstrado, fazendo com que a pessoa se vicie


em autocomiseração e medo constante; no segundo caso, há a completa omissão
do sentimento, restando uma torcida inconsciente para que o parceiro fracasse em
seus empreendimentos, se nivelando na miséria afetiva do outro.

O desejo de uma romantização acentuada e infantilizada dentro de um


relacionamento, sempre representa uma fuga da reflexão de que o mesmo pode
acarretar uma intensa solidão a dois. Nos dias atuais, nos deparamos com uma
contradição absurda: por um lado nos vemos frente a horrível sensação de não
termos ninguém, e cairmos doentes nas várias neuroses; paralelamente, temos
receio de investirmos profundamente numa pessoa que mais tarde contrarie nossos
desejos, optamos então, não pela entrega, mas na fixação imaginária de modelos
passados de satisfação ou até mesmo de dor. Quantos realmente almejam
abandonar seu inferno privado? Se sabemos que nossos sentimentos estão
extremamente contaminados, deveríamos proceder uma filtragem dos mesmos. A
mesma se daria na coragem de pensar, e principalmente quando ambas as pessoas
viessem para uma relação sem projetos fechados.

Uma separação se torna necessária quando descobrimos que o parceiro têm


uma necessidade interna de independência perante nossos desejos. Neste ponto há
a morte plena do relacionamento. Sem dúvida, esta é a experiência mais dolorosa
da solidão a dois. Cedo ou tarde descobrimos que sonhar é esperar alguém
habilitado para satisfazer nossos desejos, insisto nesta questão novamente, por se
tratar do desafio máximo na nossa sociedade egocêntrica. Apenas mostramos a
vaidade e poder, ao invés da compaixão e ajuda perante alguém. A entrega causa
medo e sentimento de inferioridade. Qualquer pessoa um pouco madura já percebeu
que a estratificação de sua personalidade ocorre após uma terrível experiência de
perda, e no que se transformou após o ocorrido. A maturidade é o modo como
lidamos com a dor, e a pessoa liberta é a que enfrenta abertamente sua carência, ao
contrário daqueles que são meros colecionadores de imagens passadas.

Todos dizem que buscam alguém para envelhecer em dupla; dividir momentos
de prazer e dor; que a beleza acaba cedo, sendo o importante a essência da
parceria. Embora tudo isto seja correto, o fato é que a "eternidade" de um
relacionamento é mensurada na capacidade de ambos proverem continuamente
novas experiências, sendo constantemente criativos perante os desejos e potencial
do outro. O preço máximo a ser pago por nosso consumismo econômico é atrair
parceiros descartáveis, causando no final a perda da libido existencial. Se até o
presente momento a humanidade foi absolutamente incompetente para produzir um
modelo econômico sem miséria material, seria absurdo pensar que não sofreríamos
a miserabilidade afetiva e psíquica. Não se trata de politizar em cima de um assunto
afetivo, mas concluir que qualquer processo individual é fruto de um todo onde cada
um se insere. Ninguém almeja a solidão que é a prova máxima da desumanidade,
mas quase todos se iludem ao pensarem que estão acompanhados.

Enfim, uma das coisas primordiais para efetuarmos uma tomada de


consciência profunda, é o percebimento sobre qual tipo de imagem que ambos os
parceiros formaram no transcorrer da relação: pai, amigo, companheiro, terapeuta,
dentre outras.
19

Esta tarefa parece um tanto óbvia, mas é espantosa a omissão das pessoas
perante tal fato. A busca pela segurança e estabilidade são o maior obstáculo para o
crescimento em conjunto. Não apenas as imagens passadas mudam, mas também
há um incessante bombardeio por novas expectativas e possibilidades. Amar não é
um treino, um dom, ou um esforço, mas a junção sincrônica de desejos e atitudes,
liderados pela motivação da criatividade permanente; amar é a responsabilidade
pela evolução do outro, pois gostemos ou não, nossa admiração funciona como na
esfera profissional, sendo não apenas maior ganho material, mas principalmente a
plena satisfação. Temos o vício mais do que milenar de admirar o maior e exercer o
poder cruel no menor, assim sendo, falta a distribuição de potência em todos os
níveis, e obviamente pessoas que desejem usufruir da mesma.

Bibliografia

Adler, Alfred: O sentido da vida. Editora Paidós, Cidade do México, México 1937
Freud, Sigmund: Obras completas. Biblioteca Nueva Madrid, Espanha 1981
http://antonioaraujo_1.tripod.com/psico1/portugues/solidaopsi/solid.html
http://antonioaraujo_1.tripod.com/psico1/portugues/solidaodois/soli2.html

Você também pode gostar