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Texto 05-3 - LEWIN - O Ódio A Si Mesmo Entre Os Judeus
Texto 05-3 - LEWIN - O Ódio A Si Mesmo Entre Os Judeus
Dificilmente o não-judeu acreditará nisso, mas os judeus sabem muito bem que o
ódio a si mesmo existe entre os judeus. É um fenômeno que tem sido observado desde a
emancipação dos judeus. O professor Lessing tratou desse tema na Alemanha (1930), num
livro intitulado Der Jüdisch Selbsthass ("O ódio a si mesmo judeu"). romances como o de
Ludwig Lewisohn, Island Within, 1928 ("A Ilha Interior"), que retrata o judeu de Nova Iorque
por volta de 1930, e os de Schnitzler, que tratam dos problemas do judeu austríaco no
período à volta de 1900, impressionam pela similaridade dos problemas que mostram
existirem. Nesses diferentes países, surgem os mesmos conflitos, e judeus de diversas
profissões e camadas sociais põem à prova a mesma variedade de soluções.
Entre os judeus, o ódio a si mesmo pode assumir uma variedade quase infinda de
formas. A maior delas, e as mais perigosas, são uma espécie de ódio a si mesmo indireto e
furtivo. Se eu devesse contar os casos em que encontrei desprezo aberto e direto entre
judeus, só poderia indicar uns poucos. O mais impressionante, para mim, foi o
comportamento de um refugiado judeu da Áustria, muito bem educado, por ocasião de
encontrar um casal de outros refugiados judeus. Num tom de ódio violento, explodiu numa
defesa de Hitler fundada nas características indesejáveis do judeu alemão.
Mas incidentes que tais são raros. Na maioria dos casos, é mais sutil a expressão do
ódio do judeu contra o companheiro judeu ou contra si mesmo enquanto judeu. O ódio está
tão mesclado com outros motivos que é difícil determinar, num caso específico qualquer, se
existe ou não o ódio a si mesmo. Tome-se o caso do judeu bem educado e ateu que
concordou finalmente em fazer uma palestra na sinagoga. Durante a cerimônia que
precedeu sua palestra, ele me falou do desgosto que sentia ao ver o talith (xale de rezar) e
como essa aversão fora cedo nele implantada pela atitude negativa de seu pai para com a
sinagoga. Trata-se, aqui, de uma forma de sentimento anti-judaico ou apenas da grande
aversão do ateu pela religião? O rico comerciante judeu, que se nega a contribuir com o que
quer que seja para as obras judaicas de caridade, odeia ele seu próprio provo ou é apenas
avarento? O chefe judeu de um departamento ou de uma loja parece inclinado a não
empregar judeus; mas talvez o que faz seja, na verdade, o máximo que pode ser feito nas
circunstâncias.
Naturalmente, em alguns casos, tais "razoes" podem ser, de fato, as razoes reais. Não
obstante, há alguns fatos que causam estranheza. O cônjuge judeu assume amiúde a posição
de achar que, nos Estados Unidos, as crianças podem crescer simplesmente como seres
humanos. Negaria que está sendo guiado pelo mesmo sentimento que levou muitos judeus
ricos da Áustria e da Alemanha a batizar seus filhos e a vinculá-los tanto quanto possível a
grupos tipicamente não-judeus.
Todavia, se a aversão de nosso ateu pelos símbolos da religião judaica era seu único
motivo, ele deveria sentir a mesma aversão pelos símbolos de qualquer religião organizada.
O fato de este não ser o caso evidencia que existe alguma coisa mais sob o seu
comportamento. A criança judia de um lar não ortodoxo que diz à sua mãe: "Eu gosto de ver
o velho judeu rezando", mostra que a indiferença religiosa não leva necessariamente a
semelhante aversão. Por que o comerciante que se recusa a contribuir para a causa judaica
gasta copiosamente em toda atividade não-judaica? Por que acampamentos que só recebem
crianças judias contratam unicamente monitores não-judeus e têm uma cerimônia
dominical cristã, mas não canções judaicas, nem outras atividades judaicas?
É assaz evidente a causa desta ação contra o grupo familial: o indivíduo tem algumas
expectativas e objetivos para o futuro. O pertencer ele ao seu grupo é considerado como um
impedimento para atingir tais objetivos. Isso leva a uma tendência a repelir o grupo. No caso
da estudante, resultou num conflito com o vínculo psicológico da família, conflito que ela foi
incapaz de suportar. É fácil ver, entretanto, como semelhante frustração pode levar a um
sentimento de ódio contra o grupo como fonte de frustração.
Uma senhora judia que jantava num restaurante elegante com um amigo não-judeu
ficou muito irritada com fui um casal de outra mesa que se comportava ruidosamente e
estava evidentemente um pouco embriagado. Por qualquer razão, ela achava que tais
pessoas podiam ser judias. O amigo fez um comentário que indicava claramente não ser o
casal judeu. a senhora ficou bastante aliviada, e a partir desse momento divertiu-se, em vez
de irritar-se, com a turbulência deles. Incidentes assim ocorrem diariamente. O fenômeno
notável no caso parece ser a extrema sensibilidade da mulher judia no tocante ao
comportamento de outros judeus, semelhantes à sensibilidade da mãe em relação ao
comportamento dos filhos, quando em público. É comum a este caso e ao da estudante o
sentimento do indivíduo de ver sua posição ameaçada ou seu futuro posto em perigo por
ele estar identificado com um determinado grupo.
Se for negativo o equilíbrio entre as forças que impelem para o grupo e as que
afastam dele, e não houver interferência de outros fatores, o indivíduo deixará o grupo. Em
condições "de liberdade", portanto, um grupo conterá unicamente os membros para quem
as forças positivas são mais intensas que as negativas. Se um grupo não for atraente o
bastante para um número suficiente de indivíduos, ele desaparecerá.
Devemos compreender, no entanto, que as forças que impelem para o grupo e as que
afastam dele não são sempre uma expressão das próprias necessidades da pessoa. Podem
ser impostas ao indivíduo por algum poder externo. Em outras palavras, um indivíduo pode
ser obrigado, contra sua vontade, a permanecer dentro de um grupo de que gostaria de sair,
ou pode ser mantido fora de um grupo onde desejaria entrar. Por exemplo, um ditador fecha
as fronteiras do país, a fim de que ninguém possa deixá-lo. Um círculo elegante mantém de
fora muitas pessoas que gostariam de estar incluídas nele.
Um importante fator no que respeita à intensidade das forças que impelem para o
grupo ou afastam dele é a medida em que a satisfação das necessidades do indivíduo é
favorecida ou dificultada por sua participação no grupo. Alguns grupos, como as associações
comerciais ou os sindicatos, existem para o fim explicito de promover os interesses de seus
membros. De outro lado, a participação em qualquer grupo limita até certo ponto, a
liberdade de ação do membro individual. O estar casado e ter uma esposa agradável e
eficiente pode auxiliar grandemente o marido no que respeita à consecucao de suas
ambições, mas o casamento também pode constituir um grande obstáculo. De modo geral,
pode-se dizer que quanto mais o grupo facilitar ou dificultar ao indivíduo atingir seu
objetivo, tanto maior será a probabilidade de que seja positivo ou negativo o equilíbrio entre
as forças que impelem para o grupo ou que afastam dele.
Esta análise permite uma afirmação geral acerca dos membros de grupos
socialmente privilegiados ou desprivilegiados. Em nossa sociedade, adquirir status é um dos
fatores importantes no determinar o comportamento do indivíduo. O grupo privilegiado,
outrossim, oferece habitualmente mais a seus membros e os estorva menos que o grupo
menos privilegiado. Por tais razões, os membros da elite de qualquer país têm um forte
equilíbrio positivo no sentido de permanecer dentro do grupo de elite. Além disso, se um
indivíduo desejar abandonar essa elite, consegue fazê-lo usualmente sem encontrar
obstáculos (embora existam exceções).
As pessoas leais a um grupo têm tendência a dar mais valor às camadas mais
centrais. Em outras palavras, o inglês médio tem "orgulho" de ser inglês e não gostaria de
ser chamado "não muito inglês". Frequentemente, há uma tendência de sobrestimar a
camada central. Num caso assim, falamos de "americanismo 100%" ou, de um modo mais
geral, de chauvinismo. Mas, uma avaliação positiva das camadas centrais é um resultado
lógico da lealdade ao grupo e um fator essencial no que toca a conservar o grupo unido. Sem
essa lealdade, grupo algum pode progredir e prosperar.
Tal situação é sobremaneira agravada pelo seguinte fato: uma pessoa para quem
seja negativo o equilíbrio se afastará tanto do centro da vida judaica quanto a maioria o
permitir. A pessoa se postará nessa barreira e viverá num estado de constante frustração.
Em verdade, sentir-se-á mais frustrada que aqueles membros da minoria que se mantém
psicologicamente bem dentro do grupo. Sabemos, pela Psicologia experimental e pela
Psicopatologia, que semelhante frustração leva a um estado global de grande tensão, com
uma tendência generalizada para a agressão. Logicamente, a agressão se deveria voltar
contra a maioria, que é o que impede o membro da minoria de abandonar seu grupo.
Todavia, aos olhos dessas pessoas, a maioria tem status mais alto. E além disso, é poderosa
demais para ser atacada. Experimentos mostraram que, em tais condições, a agressão tende
a se voltar contra o próprio grupo da pessoa e contra ela mesma.
É claro que tanto mais difícil se torna uma organização efetiva de um grupo quanto
mais membros contiver que tenham equilíbrio negativo e quanto mais forte for este
equilíbrio negativo. É um fato consabido que a tarefa de organizar um grupo
desprivilegiado, economicamente ou de qualquer outra forma, é seriamente dificultada por
aqueles membros cujo objetivo real seja deixar o grupo, mais que promovê-lo. Esse
profundo conflito de objetivos no interior de um grupo desprivilegiado nem sempre se torna
claro para os próprios membros. Mas constitui uma das razoes por que mesmo um grande
grupo desprivilegiado, que poderia obter igualdade de direitos se estivesse unido para ação,
pode ser mantido assaz facilmente numa posição inferior.
Como se afirmou no início, pode ser difícil determinar, num dado caso, onde fica
exatamente a fronteira entre o chauvinismo judaico, a lealdade normal e o chauvinismo
negativo. Todavia, nossa análise deve deixar claro que uma política de dissimulação, indigna
e insensata (por irrealista) deriva das mesmas forças de chauvinismo negativo ou de medo
em que se origina o ódio do judeu a si mesmo. Constitui em verdade um dos tipos mais
nocivos do ódio a si mesmo judaico.
O ódio a si mesmo judaico desaparecerá somente quanto for atingida uma efetiva
igualdade de status com os não-judeus. Só então a hostilidade do indivíduo contra o seu
grupo baixará a proporções relativamente insignificantes, característica do grupo
majoritário. Uma saudável autocrítica a substituirá. Isto não quer dizer que nesse ínterim
não haja nada a fazer. Afinal de contas, temos um grande número de judeus que dificilmente
poderiam ser classificados de anti-semitas.
A única forma de evitar o ódio a si mesmo judaico, em suas várias formas, é uma
transformação do equilíbrio negativo entre as forças que levam para o grupo e as que
afastam dele, num equilíbrio positivo, a criação da lealdade ao grupo judaico ao invés de um
chauvinismo negativo. Somos hoje incapazes de proteger nossos irmãos judeus ou nossos
filhos contra aquelas desvantagens que são o resultado de eles serem judeus. Podemos no
entanto tentar elaborar uma educação judaica tanto ao nível infantil quanto adulto, para
contrabalançar o sentimento de inferioridade e o sentimento de temor que são as fontes
mais importantes do equilíbrio negativo.
Para neutralizar o temor e fortalecer o indivíduo para enfrentar o que o futuro lhe
prepara, nada é mais importante que uma participação clara e completa num grupo cujo
destino tem uma significação positiva. Uma ampla visão, que inclua o passado e o futuro da
vida judaica e ligue a solução do problema da minoria com o problema do bem-estar de
todos os seres humanos é uma dessas possíveis fontes de revigoramento. Um forte
sentimento de ser parte essencial do grupo e de ter uma atitude positiva para com ele é,
tanto para as crianças como para os adultos, condição suficiente para evitar atitudes
baseadas no ódio a si mesmo.
Um dos programas mais importantes da educação judaica deve ser o de edificar esse
sentimento de participação no grupo, baseado numa responsabilidade ativa pelo irmão
judeu. Isso não significa que possamos criar em nossos filhos um sentimento de
participação, forçando-os a ir à escola dominical ou Heder. Um procedimento que tal
significa o estabelecimento, na infância, do mesmo padrão de participação grupal
obrigatória que é característico da situação psicológica dos chauvinistas negativos e que
criará sem dúvida precisamente tal atitude, ao fim e ao cabo. Um número demasiado grande
de judeus foi afastado do Judaísmo por um excesso de Heder. Nossos filhos devem ser
criados em contato com a vida judaica, de tal maneira que frases como "a pessoa parece
judia" ou "age como judeu" assumam um tom positivo e não negativo. Isso implica que uma
escola religiosa judaica deve ser dirigida num nível pelo menos comparável aos padrões
pedagógicos do restante de nossas escolas.
Um último ponto merece ser mencionado. Muitos judeus parecem acreditar que o
preconceito contra o judeu desapareceria se todos os indivíduos se comportassem
devidamente – isto apesar de todas as indicações de que os dois fatos têm pouco a ver entre
si. Os pais judeus costumam insistir, mais que os outros pais, na importância da boa
apresentação em público. Tal insistência é uma das origens da hipersensibilidade, já
mencionada, ao comportamento do irmão judeu e uma fonte perene de autoconsciência e
tensão. Quanto mais o indivíduo aprenda a ver a questão judaica como um problema social,
ao invés de um problema individual de boa conduta, colocando assim sobre os ombros uma
dupla carga, tanto mais será capaz de agir normal e livremente. Semelhante normalização
do nível de tensão é provavelmente a condição mais importante para a eliminação do ódio
do judeu a si mesmo.
Kurt Lewin
Problemas de Dinâmica de Grupo - Cultrix, SP