Você está na página 1de 3

TOMÁS DE AQUINO TOMÁS DE AQUlNO

Shinn (ed.), The Thought ofPaul Tillich, S. Francisco como a ação de Deus que, livre e gratuitamente,
1985; F.-A. Pastor, "La interpretaci6n de Paul Tíllích", oferece ao homem as verdades necessárias e
em Greg 66 (1985) 709-739; Id., "Itinerarío espiritual úteis à consecução da salvação sobrenatural. O
de Paul Tillich~, em Greg 67 (1986) 47-86; C. Schwõbel,
que é revelado (reuelatum) são essencialmente
"Tendenzen der Tillich-Forschung", em ThR 51 (1986)
166-223; R. Albrecht-W. Schüssler, Paul Tillich: Sein aqueles conhecimentos sobre Deus inacessíveis
Werk, Düsseldorf 1986; N. Ernst, Die Tiefe eles Seins, à razão e que, em conseqüência, podem ser atino
St. Ottilien 1988. gidos somente através de revelação. Por revela-
bile entendem-se, ao invés, aqueles conheci-
FÉLEr-ALEJANDROPASTOR
mentos que de per si não ultrapassam a capaci-
dade da razão, mas que Deus revelou como úteis
à obra da salvação e porque a maior parte dos
TOMÁS DE AQUINO homens, entregues a si mesmos, nunca chegaria
a conhecer: de fato, estas verdades já fazem
parte do corpo da revelação. Em suma, o revela-
Na época medieval, Tomás representa o
tum tinha de ser revelado, ao passo que o reue-
ponto de maturidade da grande escolástica, em
labile podia sê-lo (STh I, 1,3 ad 2).
sua reflexão sobre o tema da revelação. Depois
dele não encontramos em outros teólogos pers- 2. A REVELAÇÃO COMO EVENTO DA
pectivas mais amplas do que as desenvolvidas HISTÓRIA - Sob este aspecto, a revelação é
por ele, embora não se possa pretender encon- para Tomás como uma operação hierárquica,
trar nele uma teologia da revelação, no sentido marcada pela sucessão, pelo progresso e pela
atual da expressão. Nos séculos subseqüentes, multiplicidade das formas e dos meios de comu-
até nossos dias, a terminologia adquirirá maior nicação.
precisão, tornar-se-a mais técnica, mas a refle- a. Antes de tudo, operação hierárquica. A
xão não avançará muito em profundidade. O que verdade da salvação chega-nos como a água de
impressiona em S. Tomás, morto em 1274, é a uma grande fonte, cujo conteúdo não poderia
multiplicidade e a riqueza dos aspectos que des- chegar à planície senão depois de ter formado
cobre na realidade da revelação: operação salví- bacias sucessivas: primeiro os anjos, segundo a
fica, que procede do amor livre de Deus; evento ordem das hierarquias celestes, em seguida os
histórico, que se desenrola no tempo e atinge os homens e, entre estes, os maiores, isto é, os
homens de todos os séculos; ação divina, que se profetas e os apóstolos. Ela se espalha na mul-
insere na vida psicológica do profeta; doutrina tidão dos que a acolhem com a fé, segundo uma
sagrada comunicada por Cristo a seus apóstolos operação análoga, já que os que possuem um
e, através deles, transmitida à igreja; grau de conhecimento extenso devem transmiti-lo e ex-
conhecimento, que se situa entre o conhecimen- plicã-lo aos simples fiéis, obrigados a aderir
to natural, o conhecimento da fé e o conhecimen- explicitamente só aos artigos de fé (STh 11-11,
to de visão. 2,6c). Depois do momento da revelação constitu-
1., A REVELAÇÃO COMO OPERAÇÃO tiva, vem o da revelação que é aplicada.
SAL VIFICA - Toda a teologia, toda a vida de fé, b. Em segundo lugar, a revelação é caracte-
todo o dado revelado procede da revelação, mas rizada pela sucessão: não é dada num único
o dado revelado não pode ser chamado direta- momento, mas segundo etapas que constituem
mente de revelação. Esta é uma ação que proce- realizações parciais do projeto divino total. A
de do amor livre de Deus, para a salvação do riqueza da revelação era tamanha que o homem
homem. Ora, uma vez que esta salvação é Deus teve de preparar-se durante séculos para pouco
mesmo em sua vida íntima, isto é, um objeto que a pouco tomar posse dela e assimilá-Ia (Ad Heb.
supera absolutamente as forças e as exigências 1,1). Podemos pois, distinguir na história da
do homem, era necessário que Deus mesmo se revelação três idades e, encabeçando cada uma
fizesse conhecer ao homem para indicar-lhe este delas, figura uma revelação superior da qual
seu fim e a via para chegar a ele (STh I, 1,lc). derivam todas as demais: a revelação a Abraão
Por outro lado, já que também o conhecimento da existência de um Deus único, que funda a
das verdades da ordem natural sobre Deus e revelação patriarcal e se dirige apenas a algu-
nossas relações com ele, de fato, representa uma mas famílias; a revelação mosaica ou a do nome
obra difícil, possível a poucos e com graves riscos de Deus, que funda a era profética e se dirige a
de erro, Deus revelou também estas "para que um povo inteiro; finalmente, a revelação de Cris-
todos, com facilidade, possam tornar-se partici- to, juntamente com a revelação do mistério da
pantes do conhecimento divino, com exclusão de vida íntima de Deus na Trindade das pessoas,
toda dúvida ou erro" (CG 1,4; STh I, 1,lc. Texto que funda a era cristã e se dirige a toda a
retomado pelo Vaticano I: DS 3005). Tomás con- humanidade. Deus "adapta-se" à fraqueza da
sidera, pois, a revelação, em sua vertente ativa, humanidade, deixando filtrar somente aquele

1012
TOMÁS DE AQUINO TOMÁS DE AQUINO

pouco de luz que esta é capaz de receber (8Th que faz do profeta um receptor da verdade divi-
n-n, 1,7 ad 3). na? (8Th Il-H, 171, 6c). Como todo conhecimen-
c. Um duplo movimento atravessa a econo- to humano, a profecia comporta representações
mia da revelação e constitui o dinamismo de seu (acceptio rerum) e umjuízo, mas ambos elevados
progresso. Por um lado, um movimento que pelo carisma profético: o juízo realiza-se sob a
constitui pouco a pouco o depósito da revelação: influência de uma luz especial dada ao profeta.
desde os patriarcas até os profetas e os apósto- "O elemento formal no conhecimento profético é
los. Por outro, um movimento que pouco a pouco a luz divina; é da unidade desta luz que a profe-
aproxima a humanidade da encarnação. Quanto cia tira sua unidade específica, apesar da diver-
mais nos aproximamos de Cristo, tanto maior é sidade dos objetos que esta luz manifesta aos
a proximidade com a plenitude da revelação. profetas" (8Th Il-Il, 171,3). Com efeito, esta luz
Com Cristo temos a primavera da graça, o tem- ilumina um dado de riqueza prodigiosa: aconte-
po da realização. "A última consumação da gra- cimentos da história, comportamento das pes-
ça realizou-se com Cristo"; pois o tempo de soas, visões interiores, sonhos ete. Todavia a
Cristo é denominado o tempo da plenitude (8Th essência da profecia não está neste elemento
n-n, 1,7 ad 4). representativo, mas na luz divina dada ao vi-
dente para que possa discernir, julgar e expri-
d. Finalmente, a revelação é polimorfa.
mir os intentos de Deus. Graças à iluminação
Deus não desprezou nenhuma forma de comu-
recebida, o profeta julga com certeza e sem erro
nicação para dar-se a conhecer. Em seu comen-
elementos presentes em sua consciência e, por-
tário à carta aos Hebreus (Ep. ad Heb. c. 1, lect.
tanto, toma posse da verdade que Deus tenciona
1), Tomás salienta a extraordinária riqueza e
comunicar-lhe. Com esta iluminação e este JUIzo
diversidade dos caminhos de Deus: multiplici-
opera-se verdadeiramente no profeta o desven-
dade e variedade dos personagens aos quais se
damento do pensamento divino. Uma vez grati-
dirige; diversidade dos processos psicológicos
ficado com ele, o profeta reage de modo vital.
(visões corporais, imaginativas, intelectuais);
Passivo na inspiração que o eleva, percebe a i-
revelações sobre o passado, sobre o presente,
vamente na revelação (8Th Il-Il, 171,1 ad 4).
sobre o futuro, que se dirigem ao homem, seja
Através do plano das imagens, atinge a verdade
para instruí-lo, seja para punir suas infidelida-
mais profunda que elas designam (8Th Il-Il,
des; finalmente, diversidade dos graus de clare-
173,2 ad 2). A luz concedida por Deus é, portan-
za ou de obscuridade. Com Cristo e os apóstolos,
to, o elemento essencial que caracteriza o profe-
o evento da revelação atinge seu ápice e sua
ta. Mas o profeta é, em sentido pleno, aquele que
plenitude. Mas o espírito de profecia não desa-
recebe de Deus ao mesmo tempo as representa-
pareceu. Algumas pessoas beneficiam-se dele,
ções e a luz parajulgá-las (8Th Il-Il, 173,2c). Na
não para suprir uma revelação insuficiente, mas
revelação em seu significado pleno, "o profeta
para iluminar o comportamento humano a par-
possui a certeza máxima das realidades que
tir da revelação já dada (8Th Il-Il, 174,6).
conhece com o dom de profecia e sabe com cer-
3. A REVELAÇÃO PROFÉTICA COMO teza que estas verdades lhe são divinamente
CARI8MA DE CONHECIMENTO - 8. Tomás reveladas" (8Th Il-Il, 171,5c). Por isto, Jeremias
interessa-se antes de tudo pela revelação profé- pode dizer: "O Senhor enviou-me de verdade a
tica (De Ver. q. 12; 8Th n-u. 171-174; CG III, vós para expor a vossos ouvidos todas estas
IlI, 154). Na época do modernismo, surgiu a coisas" (Jr 26,15). No esplendor da luz recebida,
lenda de que a revelação católica só comportava o profeta percebe, sem raciocínios explícitos,
verdades caídas do céu: teria sido, então, vanta- exatamente como se atinge a causa no efeito,
joso ler 8. Tomás, que, muitos séculos antes, se que Deus é o autor desta luz e o autor da verdade
interessava pela revelação em sua fase psicoló- que o faz descobrir esta luz. O profeta não pre-
gica, enquanto ação divina que se insere no cisa de outros sinais: a luz que recebe é tão
psiquismo humano. Efetivamente, o De prophe- intensa que tem plena certeza de sua origem.
tia caracteriza-se por um extraordinário respei- Este é o caso de Abraão, que se prepara para
to aos dados complexos da experiência profética. imolar o único filho, com base na iluminação
Na profecia, Tomás distingue o conheci- recebida (8Th Il-Il, 171,5c). Teresa d'Ávila ex-
mento profético de seu uso, isto é, é a denuntiatio pressa-se do mesmo modo (O castelo interior,
ou proclamação da profecia (8Th Il-Il, 171,lc). sexta morada).
Num primeiro momento, o profeta experimenta A ação pela qual Deus se comunica com o
a ação da luz divina sobre ele (De Ver.). Depois, homem por meio dos sinais criados é definida
num segundo tempo, ele proclama; o profeta por 8. Tomás como palavra de Deus, em razão
escolhe, então, as imagens segundo seu tempe- da analogia que apresenta com a palavra huma-
ramento e sua experiência pessoal. Concreta- na, que é, também ela, comunicação de pensa-
mente, como se verifica este desuendamento, mento através de sinais. A palavra interior nos

1013
TOMÁS DE AQUINO TOMÁS DE AQUINO

profetas não é outra coisa senão a iluminação do mem uma única fé: explicitam o dado revelado,
Espírito (De Ver., 12,1 ad 3). A palavra, enten- levando em conta os erros ou os desvios nascen-
dida como comunicação entre seres inteligentes, tes. A maior parte dos homens tem acesso à
é uma categoria que abrange ao mesmo tempo revelação só de maneira mediata, através da
a comunicação humana, angélica e divina (STh pregação da igreja. Deus ajuda-nos a crer com
I, 107,lc; I, 107,2; De Ver. 18,3). Como som ou uma tríplice ajuda: com a pregação exterior, com
gesto, a palavra é atribuível a Deus só metafo- os milagres que conferem crédito a esta prega-
ricamente; mas como fato espiritual e comuni- ção e também "com uma atração interior, que
cação de pensamento não comporta nenhuma não é outra coisa senão uma inspiração do Espí-
imperfeição e pode ser-lhe atribuída. Assim rito, mediante a qual o homem é impulsionado
como com a palavra exterior recorremos a um a dar seu consentimento ao que é objeto de fé ...
termo portador de sentido, da mesma forma Esta atração é necessária, pois nosso coração
Deus, quando ilumina o profeta, lhe dá uma não se voltaria a Deus, se Deus mesmo não nos
representação significativa, um sinal de sua es- atraísse a ele" a« Rom. 8,6; STh n-n, 2,9). O
sência espiritual. É assim que Deus falou a chamado interior da graça é o "testemunho" da
Adão, aos patriarcas, aos profetas. Estes sinais "verdade primeira, que ilumina e instrui o ho-
evidentemente são representações incompletas mem interiormente" (Quodl. 2,4,6 ad 3). Portan-
do mistério divino, mas através delas, e graças to, dois dons são concedidos ao homem: o dom
à luz que as ilumina, Deus nos inicia à sua vida: da doutrina da salvação e o dom da graça para
Deus nos fala. acolhê-lo na fé. Esta ação da graça, Tomás não
4. A REVELAÇÃO ATRAVÉS DE CRISTO a defme como revelação, pelo menos não habi-
E DOS APÓSTOLOS - A reflexão de S. Tomás .tualmente; é, antes, vista como chamado, atra-
sobre a função reveladora de Cristo é menos ção, ajuda, moção, testemunho e, sobretudo,
elaborada do que sua análise da experiência instinto interior, vindo de Deus, como chamado
profética. Contudo, encontramos na Summa in- pessoal dirigido a cada um.
dicações bem sugestivas sobre o papel de Cristo 6. REVELAÇÃO COMO GRAU DE CO-
e dos apóstolos. O prôlogo da terceira parte, que NHECIMENTO DE DEUS - Revelação e fé não
trata de Cristo salvador, inicia com estas pala- são fins em si mesmos, mas ordenadas à visão;
vras: Cristo "mostrou-nos o caminho da verda- com efeito, o fim do homem é o de entrar um dia
de" para que, por meio dele, fôssemos ao Pai. na contemplação de Deus. Neste sentido, a re-
Para manifestar seu pensamento, o homem o velação histórica é um conhecimento imperfeito,
encarna em sons e letras; assim também "Deus, um momento de nossa iniciação à visão. Há no
querendo manifestar-se aos homens, revestiu de homem um triplo conhecimento de Deus: no
carne, no tempo, o Verbo, concebido desde toda primeiro grau, o homem eleva-se a Deus com a
a eternidade" (ln Jo. 14,2). Através da carne que mediação das coisas criadas; no segundo, Deus
assumiu, o Verbo nos fala e nós o entendemos desce a nós, inclina-se sobre o homem, revela-se
(In Jo. 8,3). Ninguém melhor do que ele pode a ele; no terceiro, o homem "será elevado a ver
manifestar a verdade, pois ele é, em pessoa, luz com perfeição o que lhe foi revelado" (CG IV, 1).
e verdade (In Jo. 18,6). Cristo prega, ensina, A perfeição da revelação realizar-se-é só na pa-
tanto com as ações quanto com as palavras (In rusia (STh Il-Il, 5,1 ad 1). Só então "a Verdade
Jo. 11,6), mas, à diferença dos mestres huma- primeira será conhecida, não na fé, mas na
nos, ensina a partir de fora e a partir de dentro visão. Então, a verdade não será mais proposta
(In Jo. 14,3; 3,1). Cristo instruiu os apóstolos ao homem envolta em véus, mas totalmente
com a pregação e com seu Espírito (In Jo. 17,6) descoberta" (CG IV, 1). Com sua palavra, Deus
que lhes manifestou o sentido da doutrina. In- nos faz entrar pouco a pouco no mistério de sua
dubitavelmente, Tomás privilegia na revelação vida íntima.
o resultado da ação reveladora, isto é, a verdade Até o Concílio de Trento, a controvérsia
da fé. A terminologia não engana: o conjunto dos protestante, com o princípio da sola Scriptura
conhecimentos que Deus revelou aos profetas e como fonte da revelação, assim como as intem-
aos apóstolos é qualificado por ele como "a dou- peranças do iluminismo protestante, que grati-
trina sagrada", "o ensinamento segundo a reve- fica todos os fiéis com uma revelação direta do
lação", contido na Escritura (STh I, 1,lc). Espírito, tiveram como efeito desviar a atenção
5. DA REVELAÇÃO PARA A IGREJA E dos teólogos do caráter histórico e encarnacional
PARA A FÉ - Aos apóstolos e aos profetas Deus da revelação, para se preocuparem antes de
propôs diretamente sua verdade; a nós, propõe- tudo com a revelação objetiva da mensagem da
na através da igreja. Esta última é, portanto, a fé e com as garantias de sua origem divina.
regra infalível no que concerne à proposta da Bibl. - B. Decker, Die Entwicklung der Lehre von
verdade revelada (STh Il-Il, 5,3). Os símbolos der prophetischen Offenbarung von Wilhelm von Au-
de fé que assinalam a história da igreja expri- serre bis zu Thomas von Aquin, Breslau 1940; A.M.

1014

Você também pode gostar