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EM PROCESSO: IMAGENS E
MEMÓRIAS COMO MATERIAIS DE
CRIAÇÃO NO CONTEXTO DO DRAMA
Wagner Monthero1
Resumo
Abstract
O
nosso olhar sobre o mundo à nossa volta.
espaço para a realização No âmbito desta prática, as imagens
das primeiras sessões visuais funcionaram como intimações3 do
deste experimento2 foi imaginário e foram materializadas por
preparado com o objetivo meio de formas. Nesta etapa do trabalho
de estimular o imaginário a emergência das singularidades pôde
e a capacidade perceptiva dos participantes. ser observada pela diversidade de formas
Quatro grandes varais contendo um criadas a partir de uma mesma imagem.
conjunto aproximado de 100 imagens visuais No trânsito entre imagem e imaginário,
extraídas de revistas diversas delimitaram a imagem que se configura como um
o espaço de trabalho. Estas imagens de signo provoca as memórias de cada ator e
caráter variado (pessoas, gestos, paisagens, através da materialização é transformada
objetos) foram utilizadas como ponto em símbolo. Nesta forma resultante estão
de partida para os processos de criação. implicadas as subjetividades.
A dinâmica de relação dos atores- Para Bergson, os dados fornecidos
participantes com as imagens iniciou-se pelos sentidos funcionam como signos
com a observação das mesmas. Após um destinados a evocar antigas lembranças,
primeiro contato com as imagens através e como tal, podem inclusive deslocar a
da observação, os atores foram instruídos realidade da percepção. Isto implica que
a materializá-las no corpo, percebendo não existe uma percepção ideal, nem
corporalmente este estímulo e transformando impessoal, ela é sempre influenciada por
cada imagem observada em uma forma. estes “acidentes individuais” do passado,
Da etapa de materialização passou-se à conforme sugere o autor.
etapa de seleção: a partir de todas as formas Neste sentido, o fato de uma mesma
materializadas cada ator selecionou 10 delas imagem ganhar formas e contornos
para compor uma sequência. diferenciados poderia exemplificar
A teoria de Henri Bergson é como estes acidentes individuais do
aqui introduzida, pois me permite o passado definem as qualidades subjetivas
entendimento do papel da percepção e da acrescentadas a esta imagem.
memória nos processos de criação.
Segundo o filósofo, as lembranças
da memória são ativadas no momento Percepção-Memória-Ação
da percepção. “Por mais breve que se
suponha uma percepção, com efeito, ela Se as reflexões sobre percepção e
ocupa sempre uma certa duração e exige memória me permitem relatar as primeiras
consequentemente um esforço da memória” sessões deste experimento, recorro agora
(BERGSON, 2010, p. 31). Desta forma, ao conceito de materiais proposto por
os dados fornecidos pelos sentidos são Matteo Bonfitto para focalizar os processos
misturados aos detalhes das lembranças, de atuação e a construção de ações físicas.
que arquivadas na memória vêm à tona. Cada ator elaborou uma sequência própria
de imagens. Esta estrutura de formas em
1 Wagner Monthero é ator, reingressou na Universidade em potência foi explorada neste processo de
2009 no curso de Teatro da UDESC e atualmente cursa mestrado construção de ações e no decorrer das
na mesma instituição, onde pesquisa atuação em Drama.
etapas seguintes.
2 Este experimento foi realizado no Departamento Artístico
Cultural (DAC) da UFSC, através do projeto Experimentos
Cênicos em Teatro vigente nesta instituição, totalizando 20h 3 Por intimações entende-se aquilo que nos impulsiona à ação
de trabalho, com 15 participantes. Drama, Process Drama ou ou à inércia em relação ao meio no qual estamos inseridos
Drama Education é uma atividade teatral caracterizada pela e do qual participamos voluntária ou involuntariamente
construção coletiva de uma narrativa dramática em cena. (DURAND apud OLIVEIRA, 2011, p. 14).
Na prática relatada, o trabalho com a pré-texto, que pode ser literário (extraído
pesquisa de ações demorou-se por algumas de um texto dramático ou não-dramático),
sessões. Dentro de uma perspectiva de imagético ou áudio-visual funciona como
descobrir possibilidades, as ações foram um roteiro, ou um pano de fundo para
testadas quanto ao deslocamento de delimitar o desenvolvimento do processo
sentidos e atribuição de novos sentidos e orientar as opções do coordenador.
objetivando a construção de uma partitura. Caracterizado como ponto de partida, guia
Para tal, os atores escolheram uma única a seleção e a identificação das atividades e
ação dentre as várias testadas sobre cada situações a serem exploradas cenicamente:
forma. Neste sentido, a partitura final “O pré-texto opera em diferentes momentos
pode ser considerada como a tradução das como uma espécie de ‘forma-suporte’ para
subjetividades de cada ator. os demais significados a serem explorados
Aberto à potência das descobertas e como tal define a natureza e os limites
e dos achados, cada ator estrutura sua do contexto dramático” (O´NEILL apud
composição pautada no trabalho sobre si CABRAL, 2006, p. 15).
mesmo. O estímulo é o meio através do qual A introdução do contexto pelo
o ator pode lançar-se sobre si em busca do coordenador é a instauração de uma
oculto, em busca de tocar uma qualidade atmosfera que permita o engajamento
de memória que amplia a percepção de si emocional e intelectual dos participantes no
mesmo. As sensações encontradas são re- processo e na história a ser desenvolvida.
elaboradas, re-significadas e re-apropriadas O contexto de ficção está relacionado com a
através da ação. criação de expectativas e o estabelecimento
de tensões que desafiam a participação dos
integrantes do grupo.
No contexto do drama No experimento em questão,
o contexto de ficção e a utilização
O Drama, considerado como um do texto como pré-texto permitiu o
meio de investigação cênica tem como desenvolvimento dos processos de
finalidade a construção de uma narrativa subjetivação iniciados na interação
teatral em grupo. A elaboração desta imagem-memória através da apropriação
narrativa ocorre de forma processual do contexto e do texto pelos sujeitos.
através da efetiva participação de todos os Através do contexto proposto os
integrantes, caracterizando-se como uma atores-participantes interagiram em
forma de arte coletiva. grupos. Este momento de encontro e
O trabalho desenvolvido até então, confronto de individualidades através
consistiu na investigação de procedimentos da criação de cenas permitiu a re-
de atuação centrados na autonomia significação das ações inclusive em
expressiva do ator e na interação de relação aos fragmentos de textos.
suas memórias com imagens visuais. Os O texto escolhido, Nós e Eles, de
processos de criação foram expandidos no David Campton,5 narra a história de dois
contexto do Drama, uma vez que este possui grupos distintos de pessoas que chegam
o potencial de instauração de um ambiente a um lugar e passam a conviver neste
propício ao desenvolvimento dos processos mesmo espaço. A convivência entre os
perceptivos de cada participante. grupos traz a imediata necessidade de
Neste sentido, foram focalizados o pré- divisão do espaço que leva a uma série de
texto no contexto da ficção e a utilização do conflitos. Algumas questões abordadas
estímulo composto.
Um processo de drama normalmente 5 David Campton (1924-2006) dramaturgo inglês que escreveu
se inicia com a escolha do pré-texto e a para o teatro, cinema e rádio e foi considerado um dos
primeiros dramaturgos britânicos a escrever no estilo Teatro
instauração de um contexto de ficção. O do Absurdo (VIDOR, 2010, p. 50).