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Proposta de Tese MASI

Dante Artur
3220181

1. Título: LOUD

2. Sumário

O meu projeto final para o mestrado consiste num jogo, estilo visual novel, baseado na
experiência hipersensível ao estímulo de quem se insere no espectro do autismo.
O objetivo principal é representar uma forma alternativa de experienciar o mundo, que
muitas vezes é desconhecida, ou ignorada.
Ao desenvolver este projeto, irei lidar com a problemática da representatividade, a
percepção sensorial e a interatividade.
O jogo irá conter um mapa com vários locais, onde o jogador pode interagir com o
ambiente e traçar o seu percurso.
O desenvolvimento do projeto divide-se em três fases: a programação, a criação de
material audiovisual e a implementação dos mesmos.

3. Palavras-chave

- autismo - hipersensibilidade - percepção - representação - interação -


4. Estado da Arte

a. Representação

A representação social de indivíduos, comunidades, comportamentos e minorias nos


media é um tema que tem sido muito debatido.
Por um lado, a tentativa de inclusão deu origem à prática do tokenismo, mas também
criou um espaço para que comunidades até então desprezadas, pudessem expor a sua
realidade.
Assim, por exemplo, em relação à representação da comunidade autista, um estudo de
2011 revela que, no cinema, aquela se limitava à abordagem sentimental de temas como:
a cura para o autismo, personagens vítimas de abuso ou bullying, o sofrimento de outros
ou a romantização de certas capacidades intelectuais.
Muitos destes filmes concentram-se na representação do exterior e não no ponto de vista
interno das pessoas autistas.
Quando expõem certas dificuldades, tais como a comunicação não verbal, o isolamento
social, a hipersensibilidade… o assunto é maioritariamente abordado pela perspetiva de
familiares.
Já nas narrativas onde o tema é a perspectiva médica e científica, é comum serem
expostas práticas abusivas e datadas.
No meu projeto, não há nenhuma intenção de resolver um problema. O objetivo é expor a
minha realidade como ela é sem cair no erro de apelar ao sentimentalismo e à
condescendência. O que é pedido é apenas disponibilidade para ouvir e tentar
compreender.

b. Percepção

Estímulos sensoriais são informações que são retidas a partir dos cinco sentidos : visão,
audição, paladar, olfato e tato.
Portanto, enquanto temos os cinco sentidos funcionais, estamos constantemente a receber
informação.
Esta capacidade de recolha de informação sensorial que os seres vivos têm, existe para
haver resposta do indivíduo aos estímulos e assegurar a sobrevivência.
As respostas incluem emoções, pensamentos e ações, que habitualmente se dão nesta
mesma ordem.
O estímulo, dependendo da emoção que causa no indivíduo, tem a capacidade de criar
ações.
Podemos ver isto no uso da tortura, nos casos em que o tato é utilizado para obter uma
ação que beneficie o agressor.
Num cérebro típico, existem dois lados, o esquerdo e o direito, que comunicam entre si
para garantir que o ser humano é funcional. O lado esquerdo é responsável pela fala e
compreensão.
O córtex pré frontal, a amígdala e o hipocampo são as zonas onde as emoções são
processadas.
O Tálamo e o córtex visual são responsáveis pelo processamento da informação
sensorial.
Em 2013 realizou-se um estudo na UCLA, “Overreactive brain responses to sensory
stimuli in youth with autism spectrum disorders”, onde se observou que o cérebro autista
tem maior atividade e resposta no tálamo e no córtex visual, como também na zona
associada às emoções.
Isto faz com que exista uma hipersensibilidade emocional e sensorial (o oposto também é
possível).
A hipersensibilidade em relação aos sentidos pode ter uma aparência diferente tanto
internamente (percepção, sensação e emoção), como no exterior (ação).
Internamente, os estímulos sensoriais podem tornar a visão e a audição distorcidas,
fragmentadas. Além disso, também provocam dor física e emocional.
Externamente, as sensações e emoções provocadas pelos estímulos podem resultar em
meltdowns, shutdown completo ou até violência física contra outros ou o próprio.
c. Referências artísticas

i. “The Disintegration Loops”, William Basinski.

“The Disintegration Loops” de Basinski, são álbuns com algumas horas, onde loops de
música se vão repetindo e degradando.
Esta obra nasceu quando o autor tentou salvar gravações que tinha feito em fita
passando-as para formato digital. No entanto a fita estava em mau estado e conforme esta
era reproduzida, a deterioração ia aumentando.
O conceito do loop que conforme vai sendo reproduzido, se vai degradando, é uma
caraterística da obra que se relaciona com o meu projeto pelo aspeto formal.
Nos elementos animados do projeto, o loop é uma manipulação do tempo que dá
continuidade à imagem, evitando cortes abruptos que podem quebrar a imersão.
Além disso, é uma técnica bastante utilizada em animação, porque reduz o número de
frames que são criadas para movimentos cíclicos. Um dos maiores exemplos disso, são os
walk cycles, onde apenas dois passos são animados para criar um loop infinito.
Em relação à degradação do loop, esta característica também é importante para o meu
trabalho, porque a intenção é que conforme o jogador vai interagindo com o espaço e os
estímulos sensoriais presentes, a paisagem se vá degradando.
Esta degradação do espaço vai representar a forma como os estímulos sensoriais podem
progressivamente afetar o estado mental e físico de quem é hipersensível.

ii. “Glitchometry”, Daniel Temkin.

Esta obra foi criada pelo processo de importar imagens para um programa de áudio e
aplicar efeitos. Os efeitos são aplicados aos canais de cor transformando-os.
Este processo é algo que não permite controle absoluto sobre os resultados.
Aqui o poder de decisão dá- se apenas na escolha de permitir que o programa, os efeitos e
o algoritmo decida por nós.
No meu trabalho, a relação ou resposta entre som e imagem é essencial, porque a
animação das imagens é algo que depende da dinâmica sonora. Após a animação inicial,
o som transforma-se em keyframes que guiam o movimento da imagem.

5. Objetivos

O objetivo principal do projeto é retratar a experiência diária das pessoas autistas num
mundo onde os estímulos sensoriais são constantes e extremos.
Infelizmente, a representação do autismo nos media é sempre “feita para os outros e não
para nós”.
Esta frase é a forma como a comunidade autista descreve a sua representação nos media.
Não há qualquer tentativa de inclusão na produção dos objetos e as críticas são ignoradas,
porque o objetivo é criar uma narrativa que apele à população alística.
Normalmente, a representação social serve para normalizar características humanas, para
que a minoría se sinta incluída e se relacione com a narrativa dos objetos audiovisuais.
No entanto, a representação do autismo nos media faz exatamente o oposto.
As histórias contadas são as dos pais que “sofrem” com os seus filhos que têm autismo, de
personagens que continuam a reforçar estereótipos e mitos como: o génio, o nerd, o
esquisito que existe apenas como a “punch line”.
Ao realizar este projeto a perspetiva é de alguém que vive esta experiência. É o real e não
a percepção externa dos ignorantes.
Portanto, para além de ser uma forma de informar e consciencializar, é também uma forma
de ganhar controlo sobre um assunto e história que me pertence, mas que no entanto me é
constantemente roubada.
Em termos práticos, o objetivo é conseguir conciliar e criar harmonia entre técnicas
mistas.
O 2D, o 3D, o som e a programação foram campos que explorei durante a licenciatura e o
mestrado. Ao incluí-los e interligá-los, espero conseguir representar o meu caminho de
aprendizagem durante os últimos anos.
Em relação ao suporte, escolhi fazer um jogo para tornar a experiência mais pessoal e
interativa. Ao invés de ser uma janela que deixa espreitar para dentro deste mundo, a parte
interativa vai permitir que o jogador entre nele.

6.Descrição Detalhada

Este projeto foi algo que comecei a desenvolver no início do mestrado, portanto é algo que
já conta com bastante material desenvolvido.
No seu estado atual, o jogo contém 7 cenários de interior e 4 cenários de exterior, tendo
cada um deles 2 versões. A versão pacífica e a versão distorcida.
As diferenças dão-se pela distorção da forma, cor, música de fundo e outros efeitos
sonoros. Existem também mais dois que não sofrem essa mutação por serem locais
considerados seguros.
Dependendo da escolha de percurso, o jogo resulta em 2 fins diferentes.
Cada um desses fins é acompanhado por ilustrações que contam o fim da história.
Em relação à estética visual, cada espaço é baseado em épocas ou movimentos artísticos
tais como: o barroco, o impressionismo, pop art, cubismo analítico.
Estas referências são abordadas de um ponto de vista formal, por exemplo: o cenário
baseado no barroco contém características da arquitetura da época, do impressionismo
retirei o tipo de texturas que têm origem no trabalho da linha na pintura, a pop art foi
referenciada pelo tratamento gráfico da volumetria e do cubismo retirei a distorção da
forma e a bicromia presente durante a sua fase analítica.
Em geral, estas referências foram utilizadas na forma dos objetos, na iluminação, ou no
tipo de texturas, para auxiliar na materialização das sensações e diversificar cada espaço.
O objetivo a partir daqui é continuar a trabalhar os cenários, o som, o mapa do jogo, os
fins e outros mecanismos de interação.

a. Cenários

Os cenários atuais foram desenvolvidos em 3D. Para cada um deles, tirei proveito dos
materiais que compõem os objetos tridimensionais, de forma a criar diversidade entre
cada paisagem. A partir daí, cada imagem passou por um processo de animação digital
para evidenciar a distorção.
Partindo dessa base, a intenção agora é continuar a trabalhar a distorção ou degradação
do espaço de forma a ter mais do que duas variantes e a expandir os locais para que possa
haver um efeito de panorâmica guiada pelo jogador, para simular a tridimensionalidade
do espaço.

b. Som

Cada cenário é acompanhado por música e alguns efeitos sonoros, dependendo da


degradação do espaço.
Como um dos objetivos em relação à imagem é simular tridimensionalidade, o som irá
fazer o mesmo.
Portanto a intenção será trabalhar a música, os efeitos sonoros e a sua relação com o
espaço de forma a criar uma paisagem sonora e uma experiência mais imersiva.
Fora do espaço do jogo, vai ser também necessário expandir o sound design da interface.

c. End screens

Na versão mais recente do jogo, os end screens existem apenas como ilustrações que
representam a última ação que levou ao game over ou à vitória.
Alguns estão mais desenvolvidos e outros reutilizam sprites, o que pode influenciar
negativamente a ambição de explorar tudo o que o jogo tem para oferecer.
Para os end screens, o objetivo é criar pequenas cutscenes com ilustrações animadas que
acompanhem a descrição do fim da ação.
Cada uma delas vai ser diferente mediante o percurso e o local onde o jogador se
encontra.
Estas cutscenes diversas são para serem integradas num mecanismo de objetivos onde o
jogador pode ver todos os fins que alcançou.
d. Mecanismos de interação

Dentro do sistema de panorâmica dos cenários, vão existir objetos singulares para
inspecionar e interagir.
Esta interação vai resultar num mecanismo de itens que pode influenciar os
acontecimentos e dar acesso a novos locais.
Certos itens vão recuperar HP, para que o jogador possa continuar a sua viagem sem
"morrer".
Isto vai requerer que um sistema de estatísticas e pontuação seja posto em prática.
A intenção aqui é que, conforme o jogador vai interagindo com estímulos sensoriais vá
perdendo pontos até "morrer".
Para evitar que isso aconteça, vai ser necessário ter consigo os itens que restaurem o HP
ou o protejam do ambiente.
Para além disso, vai também ser necessária a implementação de um tutorial inicial que
informe o jogador de como todos os mecanismos funcionam.
Na parte de world building, está prevista a criação de um mapa onde o jogador pode
visualizar todos os locais que visitou e os restantes.

e. Interface

A interface atual é apenas uma template pré-existente que foi modificada para
corresponder à estética escolhida.
Portanto, para criar um objeto único e individual vai ser necessária a construção de uma
nova interface, onde irei criar novos assets e programá-los a partir de um design prévio.

Tendo em conta que a programação de novos mecanismos pode ser algo complexo que
requer testes e sessões extensas de troubleshooting, este vai ser o ponto de partida. Ou
seja, a primeira fase de desenvolvimento será criar o esqueleto do jogo com assets
provisórios que mais tarde serão substituídos pelos materiais finalizados. Este esqueleto
irá contar com todos os mecanismos do jogo, com o mapeamento dos locais e da história.
Após esta parte concluída irei avançar com o desenvolvimento da imagem e do som,
onde irei ilustrar, animar e transformar todos os elementos dos cenários, menus e
cutscenes finais. Com o material audiovisual concluído, segue então a fase de
implementação dos mesmos no jogo.

7. Cronograma

OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO JANEIRO

Mapeamento do Jogo Programação Programação Programação

Implementação de
1ºs Assets para demo
Assets/Testes

FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO

Assets Implementação de
Assets Assets Assets

JUNHO

Testes

Build Final
8. Bibliografia

Anjay MA, Palanivel V, Palanivel J, “Beyond stereotypes: a historical analysis of how


autism spectrum disorder is depicted in movies”, 1962–2010. Archives of Disease in
Childhood 2011;96:A44.

Bogdashina, O, Casanova, M, “Sensory Perceptual Issues in Autism and Asperger


Syndrome, Second Edition: Different Sensory Experiences - Different Perceptual
Worlds”. 2016, Jessica Kingsley Publishers.

Bader O, Fuchs T, “Gestalt Perception and the Experience of the Social Space in Autism:
A Case Study”, 2022.

Wright J, “Cognition and behavior: Autism brains heightened to senses”, Janeiro de 2014.
Carey Rossi, “The Autistic Brain”, 2022.

Green SA, Rudie JD, Colich NL, Wood JJ, Shirinyan D, Hernandez L, Tottenham N,
Dapretto M, Bookheimer SY. “Overreactive brain responses to sensory stimuli in youth
with autism spectrum disorders”. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 2013.

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