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Sumário:
Palavras-chave: (4-6)
Identidade – intimidade – retrato – representação – camadas – tempo
Estado de Arte: (máximo 500 palavras)
Com esta tese quero dar mais visibilidade à censura que eu como pessoa sinto no
meu dia-a-dia. Como membro da comunidade queer, todos os dias sou confrontado com
a luta interna de querer ser eu e ter medo de sofrer à custa disso. Ao criar este retrato em
camadas mostro que todos nós somos feitos pelo nosso passado, pelos nossos interesses,
pelos aspetos mais pequenos e pelos aspetos maiores da nossa vida, e que tudo isso faz
de nós quem somos. Isto é, sempre que nos tentam forçar a esconder uma parte de nós,
estamos imediatamente a perder um pouco da nossa identidade. Ao permitir que o
recetor interaja com o livro, essa relação entre os outros e nós torna-se ainda mais
direta, pois estou a incentivar os outros a interagir com aquilo que me representa e a
levar um pouco disso consigo, literalmente ou não. Esta interação representa a forma
como a nossa identidade é vista aos olhos dos outros.
Para além disso, este projeto também me é importante porque me dá a
possibilidade de representar quem eu sou agora. Existem diferentes versões de mim,
dependendo do tempo, dependendo da perspetiva, e neste livro eu quero representar a
minha versão de mim, quem é o Marco que ainda estudas nas Caldas da Rainha,
podendo assim retratar a minha identidade, a minha intimidade e todas as ligações que
me formam, criando uma nova ligação: a que se cria com o recetor. Durante todo o meu
percurso académico procurei dar formas a conceitos que me são importantes, a
diferentes partes de mim, e tentei responder a questões sobre mim. Para finalizar esta
etapa, gostava de representar a soma de todo esse percurso: vou parar de tentar explicar
e passar a mostrar.
Descrição Detalhada
Como referi na minha sinopse, no meu projeto de tese pretendo criar um livro de
fotografia. Esse livro será dividido em duas partes: uma primeira parte onde irei criar
uma espécie de “atlas” de mim, composto por fotografias feitas por mim, fotografias de
arquivo de momentos, ou coisas que se relacionem comigo como desenhos ou textos
que me retratem de alguma forma; e uma segunda parte composta por apenas
fotografias de partes do meu corpo que representam como eu sou agora. Da mesma
maneira que a primeira metade vai estar repleta de sinais do tempo (por exemplo
fotografias do arquivo familiar, fotografias recentes, desenhos da infância), a segunda
metade também quer abordar essa questão do tempo ao mostrar os sinais que o corpo
produz com o tempo (cicatrizes, estrias, barba, calvície). Enquanto a primeira parte do
livro me ajuda a dar uma representação à minha identidade e à minha intimidade, a
segunda ajuda-me a aceitar que o meu exterior também vai sofrendo alterações ao longo
dos anos: não é só uma descoberta do interior como também uma aceitação do exterior.
O livro vem como sequela do filme que realizei no primeiro ano do mestrado,
“Caminho por Definir”, onde tento definir o que é a intimidade. O que concluí é que a
intimidade é algo que não se deve definir, só se deve sentir. A intimidade está presente
nos momentos de partilha: partilha de tempo, do toque, de palavras, de carinho.
Neste livro, quero tentar mostrar um pouco da minha intimidade sem recorrer à
palavra para o explicar. A fotografia em si só tem muita dificuldade em passar para lá
do literal, pois a única leitura que temos de uma fotografia é com base naquilo que se
vê, no superficial, mas em conjunto com outras fotografias ou com outros tipos de
informação já conseguimos fazer uma leitura para lá do superficial, já conseguimos
criar ligações e detetar padrões, como Lev Kuleshov demonstrou. Kuleshov demonstrou
que ao colocarmos duas imagens lado a lado, criamos algum tipo de ligação entre elas,
como por exemplo uma imagem de uma pessoa triste ao lado de uma imagem de um
prato de sopa dá-nos a ideia de que a pessoa tem fome ou não gosta da sopa. As ligações
que quero criar são mais além das ligações óbvias, serão ligações mais abstratas e
emocionais, isto é, a ligação que eu criar entre duas fotografias muito provavelmente
não será a mesma ligação que outra pessoa criará entre essas mesmas fotografias. As
leituras variarão consoante o tipo de ligação que a pessoa tem ao projeto, às imagens, a
mim; criando assim muitas variáveis possíveis para o tipo de leitura.
A divisão do livro em duas partes serve para que esse caminho pela minha
intimidade seja feito de dentro para fora, isto é, começando pela minha existência, no
meu interior, e terminando no corpo, no meu exterior; mostrando que a verdadeira
intimidade não é a que existe quando o corpo fica nu, mas sim quando a alma é deixada
a nu, como diz Byung-Chul Han no livro “A Sociedade da Transparência”. Para mim,
deixar a alma a nu é despir qualquer barreira e deixar que as pessoas nos vejam como
quem somos, tudo de bom, tudo de mau, tudo de bonito e tudo de feio. Esta divisão tem
outro propósito: o livro não terá as páginas presas à lombada, dando assim a liberdade
ao recetor de alterar a ordem das páginas como desejar e poder ver a folha inteira que
compõe duas páginas em vez de só ver página a página. Ao ver a folha inteira, o recetor
seria confrontado com uma página da primeira parte do livro, com outra página da outra
parte do livro, como está exemplificado em anexo. Estas páginas ao estarem assim
dispostas na mesma folha criam a ligação de que ambas representam uma parte de mim
a níveis diferentes: para retirar uma parte, temos de retirar a outra também; para amar
uma, temos de amar a outra também.
A transição dos meios audiovisuais para os meios somente visuais como o livro
de fotografia serve para criar uma ligação mais direta com os recetores do projeto. Ou
seja, com este tipo de dispositivo eu crio uma ligação direta entre as diferentes partes do
livro ao permitir que o recetor possa interferir diretamente na ordem deste e que possa
pegar numa folha e ver as duas partes lado a lado; mas também cria uma ligação entre
eu, a pessoa retratada, e o recetor através dessa interação deste com o objeto. O tato, a
remontagem, as diferentes interações possíveis (até a nível da instalação que
mencionarei de seguida) criam uma proximidade que o vídeo devido às suas
especificidades técnicas não permite: existiria sempre algo a separar o recetor das
imagens.
Durante o processo de construção da primeira metade do livro terei de dedicar
parte do meu tempo a procurar com os meus pais e outras familiares fotografias do
arquivo familiar para incluir no projeto. Toda essa procura será documentada em vídeo.
Ao procurarmos as fotografias, possivelmente surgirão conversas sobre o passado, sobre
a minha infância, sobre a juventude dos meus pais, e eu gostava de ter esses momentos
documentados para o meu arquivo pessoal e para, se for útil, criar um pequeno vídeo de
“making-off” desta parte do projeto. Da mesma maneira que quero mostrar que somos
feitos por camadas de tempo, também quero mostrar quem estava lá durante a criação
dessas camadas, e talvez perceber que há camadas que se intercetem, que se calhar
tenho mais em comum com as minhas raízes do que achava.
Também penso em realizar uma instalação dando a oportunidade aos visitantes
de poderem levar uma folha do livro consigo. Este ato de retirar uma folha ao livro
levantará questões como “ao retirar uma folha, estou a deixar o livro incompleto?”. Ora,
se o livro é a representação de alguém, ou seja, o retrato de alguém, ao retirar uma folha
estaríamos efetivamente a deixá-lo incompleto fisicamente (ia-lhe faltar uma folha),
mas o que significa para a instalação? Estará agora aquele retrato incompleto, ou estará
aquele retrato a espalhar a sua impressão nos outros? Se o livro ficar vazio, o retrato
também ficou vazio ou elevou-se? Ao tornar o livro parte desta instalação, não só
represento os ideais de identidade, intimidade e retrato (neste caso, autorretrato), como
também represento através da participação as diferentes dinâmicas presentes em
relações sociais. Porém, acho que um dos elementos mais importantes neste tipo de
instalação é o inesperado e a sua abertura: eu sinto que este tipo de ligações e reações
vão acontecer, mas cada pessoa poderá ter uma leitura diferente, poderá ter uma
interação diferente, deixando assim o projeto aberto a ligações nem o artista imaginou.
Com isso dito, também é relevante mencionar que com o desenvolvimento do
projeto eu possa vir a perceber que uma instalação não será o melhor dispositivo para
mostrar o projeto, porém a interação entre o recetor e o objeto será sempre importante,
resta concluir qual a forma ideal dessa interação.
Cronograma e outros Anexos: