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DETERMINAÇÃO DOS ESTÁGIOS DE GELIFICAÇÃO E DE

VITRIFICAÇÃO NA CURA DE UM SISTEMA EPÓXI-AMINA


POR ANÁLISES DIELÉTRICA E DINÂMICO-MECÂNICA

Mariane M. S. P. de Abreu1*, Carlos Y. Shigue1, Pedro C. de Oliveira1, Alain L. M. Robin1, Carlos A. Baldan1-2,
Ernesto Ruppert Filho3

1
Escola de Engenharia de Lorena da USP, Caixa Postal 116, 12.602-810, Lorena-SP – pazmad@gmail.com;
cyshigue@demar.eel.usp.br; oliver@dequi.eel.usp.br, 2 Faculdade de Engenharia, UNESP, Guaratinguetá – SP -
cabaldan@demar.eel.usp.br; 3 Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, UNICAMP, Campinas – SP -
ruppert@fee.unicamp.br

Determination of gelation and vitrification stages of an epoxy-amine system cure by dielectric and dynamic
mechanical analysis techniques

In this work, two experimental methods were used to determine the gelation and the vitrification points of an epoxy-
amine resin system by Dielectric (DEA) and Dynamic Mechanical Analysis (DMA) techniques. The plots of imaginary
impedance Z" from DEA and tan δ from DMA as a function of reaction time showed values that are in good agreement.
The conclusion is the variables depend on the experimental process, and that dielectric analysis technique is an
equivalent measurement technique compared to the dynamic mechanical analysis technique for evaluating the stages of
cure of an epoxydic thermoset system.

Introdução
Quando as resinas epóxi surgiram no final da década de 1940, elas foram classificadas como
“plásticos milagrosos” por serem um sistema reativo de fácil manuseio e processamento, e por
apresentarem diferentes características finais, resultantes da combinação de resina, endurecedor,
catalisador e tratamento térmico. Em suas principais aplicações, como adesivos, isolantes e
impregnantes de compósitos e dispositivos eletro-eletrônicos, confere resistência mecânica,
transparência óptica, elevada rigidez dielétrica e facilidade de manuseio (viscosidade, tempo de
estocagem e de manipulação).
Para converter resinas epoxídicas em um estado termorrígido, um dos componentes mais
utilizados é o endurecedor a base de amina, que desempenha o papel de agente de cura tanto na
etapa inicial de polimerização quanto na etapa de reticulação, quando o polímero atinge suas
propriedades mecânicas finais. Justifica-se seu uso pois este sistema apresenta uma cinética de
reação mais rápida, apresentando boa resistência ao choque térmico e podendo ser curado à
temperatura ambiente [1, 2].
Como em todo o sistema termorrígido, duas estruturas de transição fundamentais podem
ocorrer durante a polimerização: gelificação e vitrificação, sendo indicadores do comportamento
viscoelástico do material (figura 1) [3-5]:
• Gelificação marca a transição de um estado líquido para um estado de borracha, já que a rede
reticular tem propriedades elásticas não presentes em moléculas de baixo peso molecular, e pré-
polímeros lineares ou ramificados. O ponto de gel é definido como a conversão no qual o peso
molecular ponderal médio ΜW diverge, ligações covalentes cruzam-se em uma rede reticulada
insolúvel em qualquer solvente. No ponto de gel, a viscosidade, que até então era constante,
cresce exponencialmente.
• Vitrificação envolve uma transição de um estado líquido ou estado de borracha em um estado
vítreo como uma conseqüência do incremento no peso molecular antes da gelificação, ou um
incremento na densidade de emaranhamento depois da gelificação. O ponto de vitrificação é o
tempo em que o material se solidifica e as reações químicas cessam permitindo apenas
fenômenos de difusão.

Figura 1 Estágios de cura em polímeros termorrígidos: (a) indução, (b) gelificação, (c) vitrificação, (d) cura completa [3].

Para monitorar estas transições, uma das técnicas mais utilizadas é a Análise Dinâmico-
Mecânica (DMA) [3-6]. Para um material sujeito a solicitação mecânica, esta técnica fornece dados
como módulo de armazenamento E’, módulo de perda E” e atrito interno (tan δ = E”/E’). De posse
destas variáveis, obtemos informações sobre a tenacidade, envelhecimento, tempo de vida sob
fadiga, grau de cura e efeito da adição de aditivos ou catalisadores [7, 8]. Num ensaio isotérmico, o
processo de cura de um polímero termorrígido promove mudanças nos valores de E’ e E”, podendo
indicar, através de tan δ, valores de tempo de gelificação (tg) e de tempo de vitrificação (tv),
conforme ilustra o gráfico da figura 2.

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tan δ tg tv tempo

Figura 2 Curva típica de DMA para um polímero termorrígido em ensaio isotérmico, e a indicação dos tempos de gelificação e vitrificação.

Para complementar o estudo de relaxação molecular de polímeros termorrígidos durante a


cura, a análise dielétrica (DEA) é uma técnica apropriada, por ser uma técnica não destrutiva e por
ser utilizada em ensaios in situ fornecendo informações sobre a estrutura molecular durante o
processo de cura [8-10]. A impedância, Z, é definida como a oposição total oferecida a um
dispositivo ou circuito pelo fluxo de corrente alternada a uma dada freqüência. É um importante
parâmetro para caracterizar circuitos elétricos e é representado como uma quantidade complexa no
diagrama de Argand-Gauss, consistindo de uma componente real Z’ e uma componente imaginária
Z”. Segundo Mijovic [10], um caminho alternativo de se determinar tg e tv à medida que o material
cura é através da curva de impedância imaginária versus tempo de cura. Esta curva apresenta dois
patamares, o primeiro relacionado à gelificação, e o segundo relacionado à vitrificação, pois
acompanham as mudanças químicas e físicas presentes na formação do reticulado.
O objetivo deste trabalho foi o de avaliar os estágios de cura de uma resina epoxídica com
endurecedor a base de amina, sob condições isotérmicas, através de comparação entre as técnicas de
Análise Dielétrica e Análise Dinâmico-Mecânica.

Experimental

Material
O material utilizado para análise é composto de resina epoxídica a base de éter diglicidílico
de bisfenol A (DGEBA), diluente reativo (éter o-cresil glicidílico) e endurecedor à base de amina
alifática (poliglicol diamina), fornecidos pela empresa Emerson & Cuming (EUA). Os componentes
foram misturados como recebidos, sem purificação prévia, na proporção estequiométrica de 100
partes em peso de resina/diluente para 28 partes em peso do endurecedor. O diluente reativo confere

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aumento da molhabilidade, maior uniformidade de impregnação e otimização da cinética de reação
da resina epoxídica [2].

Análise dielétrica (DEA)


As amostras foram submetidas a três ensaios isotérmicos, nas temperaturas de 40, 50 e 60°C.
Para realizar os experimentos, foi montado um capacitor de placas planas paralelas, confeccionadas
com duas chapas de circuito impresso de fenolite de 1,5 mm de espessura cada. Suas faces
cobreadas funcionaram como eletrodos do capacitor, e para garantir uma distância fixa entre elas,
foi colocada uma tira retangular de fibra de vidro de 0,2 mm de espessura. O espaço interno entre as
placas foi preenchido com o sistema epoxídico e o conjunto foi então fixado com fita de PTFE.
O capacitor foi conectado em série a um resistor fixo de 1 MΩ, e os terminais dos eletrodos
da amostra conectados ao Analisador de Impedância Solartron modelo SI1260 acoplado a uma
Interface Eletroquímica Solartron modelo SI1287. O aparelho fornece uma tensão eficaz de 1 Vrms,
a uma faixa de freqüência de 0,1 Hz a 100 kHz.

Análise Dinâmico-Mecânica (DMA)


As mesmas temperaturas escolhidas para a análise dielétrica foram adotadas na análise
dinâmico-mecânica. A resina epoxídica logo após a mistura foi colocada sobre uma chapa de fibra
de vidro/epóxi de 0,2 mm de espessura e submetida a ensaios isotérmicos, no Analisador Dinâmico-
Mecânico TA Instruments modelo 2980, no modo de flexão em três pontos, a uma freqüência fixa
de 1 Hz, com coeficiente de Poisson de 0,44. Os corpos-de-prova tinham as seguintes dimensões
(comprimento x largura x espessura): 20,00 x 10,02 x 0,21 mm.

Resultados e Discussão
As figuras 3 a 8 mostram os comportamentos dielétrico e mecânico da resina epoxídica sob
temperaturas de cura de 40, 50 e 60 °C. Como discutido anteriormente, os tempos de gelificação e
de vitrificação são determinados pelos picos de tan δ, na análise dinâmico-mecânica e pelos
patamares da curva da impedância imaginária na análise dielétrica, como demonstrado nas figuras 9
e 10. A tabela 1 mostra os valores de tg e tv para ambas as técnicas e nas diferentes temperaturas de
cura.
Observa-se um comportamento distinto para as curvas de impedância a 40ºC em relação às
temperaturas de 50 e 60ºC, por causa da maior variação da viscosidade com o aumento da
temperatura evidenciado pelo ponto de mínimo na componente imaginária Z" para tempos
próximos a zero. Durante os instantes iniciais, a temperatura da amostra, que inicialmente é a

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ambiente, vai entrar em equilíbrio com a temperatura da estufa onde a amostra está sendo curada.
Após atingir o equilíbrio, o estágio de gelificação tem início, com a correspondente elevação da
viscosidade e da componente Z".
A determinação do ponto de vitrificação pelas curvas de impedância a 10 kHz é menos
evidente do que a determinação do ponto de gelificação, por causa da menor velocidade do
mecanismo de difusão neste estágio. Entretanto, em freqüências de ensaio dielétrico mais baixas, o
tempo de vitrificação fica bem evidenciado, como mostra a figura 10.

0,6 0,6

0,5 0,5

0,4 0,4

Z" (M Ω)
Z' (M Ω)

0,3 0,3

0,2 0,2

0,1 Z' 0,1


Z"
0,0 0,0

0 50 100 150 200 250 300


Tempo (min)

Figura 3 Curvas de impedâncias real e imaginária em função do tempo a 40 °C e freqüência de 10 kHz.

28 44

24 40

20 36

16 32
Z" (Ω)
Z' (Ω)

12 28

8 Z'
24
Z"
4 20

0 16
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Tempo (min)
Figura 4 Curvas de impedâncias real e imaginária em função do tempo a 50 °C e freqüência de 10 kHz,.

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40 1 2 3 40
35 Z'
35
30 Z" 30
25 25

Z" (Ω)
Z' (Ω)
20 20
15 15
10 10
5 5
0 0
0 20 40 60 80 100 120
Tempo (min)

Figura 5 Curvas de impedâncias real e imaginária em função do tempo a 60 °C e freqüência de 10 kHz.

As curvas dos ensaios dinâmico-mecânicos também apresentam os picos característicos dos


pontos de gelificação e vitrificação, além de exibir o mesmo comportamento apresentado pela
componente imaginária da impedância para instante inicial de tempo, isto é,. uma redução do
módulo de perda E" causado pela diminuição da viscosidade por causa da temperatura.

tan δ

35 0,55 12
E'
30 E"
0,50 10
tan δ
25
0,45 8
E" (G Pa)

20
E' (G Pa)

0,40 6
15
0,35 4
10

5
0,30 2

0 0,25 0

0 50 100 150 200 250 300


Tempo (min)
Figura 6 Comportamento dinâmico-mecânico da resina epoxídica sob temperatura de cura de 40°C.

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tan δ

100 0,24 22
0,23 20
90
0,22 18
80
0,21 16

E" (G Pa)
70 0,20 14
E' (G Pa)

60 0,19 12
50 0,18 10
0,17 8
40 E' (MPa)
0,16 6
30 E" (MPa)
0,15 4
tan delta
20 0,14 2
0 50 100 150 200 250 300
Tempo (min)

Figura 7 Comportamento dinâmico-mecânico da resina epoxídica sob temperatura de cura de 50°C.

tan δ

4500 0,14 700


E'
E" 0,12 600
4000 tan δ
0,10 500
3500

E" (M Pa)
0,08 400
E' (M Pa)

3000
0,06 300
2500
0,04 200
2000 0,02 100
1500 0,00 0
0 20 40 60 80 100 120
Tempo (min)
Figura 8 Comportamento dinâmico-mecânico da resina epoxídica sob temperatura de cura de 60°C.

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0,50 tv

0,45

0,40
tan δ
tg
0,35

0,30

0,25

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250 275 300


Tempo (min)

Figura 9 Curva de tan δ a 40 °C em função do tempo no ensaio de DMA, indicando os pontos de gelificação e de vitrificação nos picos de tan δ.

0,5
tv
0,4

0,3
Z" (M Ω)

tg
0,2

0,1

0,0

1 10 100
Tempo (min)
Figura 10 Curva de impedância imaginária Z" em função do tempo a 40 °C e freqüência de 1 kHz, indicando os pontos de gelificação e de
vitrificação no início de cada patamar em Z".

Tabela 1 Ponto de gelificação e ponto de vitrificação da resina epoxídica determinado pelas técnicas DMA e DEA.

DMA DEA
T (°C)
tg (min) tv (min) tg (min) tv (min)
40 67,53 162,30 60,00 170,00
50 31,13 139,50 28,50 120,00
60 28,20 89,90 16,50 85,00

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Os valores encontrados para a tg e tv por meio das duas técnicas não diferem
demasiadamente entre si. Isto comprova a equivalência entre as técnicas DMA e DEA na
determinação dos estágios de cura e de formação da estrutura reticulada para um sistema epóxi-
amina. Entretanto, constatou-se que o tempo de gelificação é mais sensível ao método experimental
por causa da grande variação da viscosidade neste estágio, sendo que a diferença é mais evidente
em temperaturas mais baixas (40 e 50°C). O tempo de vitrificação é governado pela difusão de
espécies moleculares de elevado peso molecular, representado pelo módulo de perda E" no DMA e
pela componente real da impedância Z' no DEA, estão relacionados com a componente viscosa do
estado viscoelástico [4].

Conclusões
Dentre as conclusões deste trabalho, pudemos verificar a correspondência entre as curvas de
tan δ da análise dinâmico-mecânica e a curvas da componente imaginária da impedância Z", na
avaliação quantitativa dos estágios de cura isotérmica de uma resina epóxi-amina, para diferentes
temperaturas de cura. Por ser uma técnica de medição experimentalmente mais simples e versátil,
este estudo nos possibilitará a aplicação da técnica de DEA na avaliação da cinética de cura de
sistemas epoxídicos in situ na preparação de sistemas reativos e compósitos com matriz epoxídica
em condições de "chão-de-fábrica".

Agradecimentos
Os autores agradecem à Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) pelo financiamento
parcial deste trabalho através do projeto “Limitador de Corrente Resistivo Supercondutor”. Mariane
M. S. P. de Abreu agradece ao CNPq pela concessão da bolsa de mestrado.

Referências Bibliográficas
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Dekker, New York, 1988, 285.
2. M. Ali.; A. Hammami. Polym. Comp. 2005, 26, 593.
3. D. K. Hadad in: Epoxy Resins Chemistry and Technology, C. A. May, Ed.; Marcel Dekker, New
York, 1988, 1089.
4. G. Wisanrakkit; J. K. Gillham J. Appl. Pol. Sci. 1990, 41, 2885.
5. J. P. Pascault; H. Sautereau; J. Verdu; R. J. J. Williams, Thermosetting Polymers, Marcel
Dekker, New York, 2002.
6. L. Nuñez-Regueira; C. A. Gracia-Fernández; S. Gómez-Barreiro. Polym. 2005, 46, 5979.

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7. S. V. Canevarolo Jr. in: Técnicas de Caracterização de Polímeros, S. V. Canevarolo Jr., Ed.;
Editora Artliber, São Paulo, 2004, 263.
8. E. F. Lucas, B. G. Soares, E. E. C. Monteiro, Caracterização de Polímeros – Determinação de
Peso Molecular e Análise Térmica, E-Papers Serviços Editoriais, Rio de Janeiro, 2001.
9. S. D. Senturia; N. F. Sheppard Adv. Polym. Sci. 1986, 80, 1.
10. J. Mijovic et al. J. Polym. Sci. B: Polym. Phys. 1996, 34, 379.

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