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Este artigo é uma resposta ao convite feito por Luciana Dias para que
eu assumisse a tarefa de apresentar a Filosofia-Performance (Performance Phi-
losophy): um campo emergente, interdisciplinar e internacional de pensa-
mento, prática criativa e pesquisa; aberto a todos os pesquisadores preocu-
pados com o relacionamento entre performance e filosofia em sentido am-
plo2. Isto é, embora o desenvolvimento do campo possa ser rastreado até a
identificação de uma ‘virada filosófica’ dentro dos Estudos do Teatro e da
Performance (por volta de 2008-2009) – no qual pesquisadores da área pas-
saram a ter um interesse crescente pela filosofia, se envolvendo com esta em
profundidade e foco ainda não vistos dentro do campo – posteriormente se
tornou claro que o crescimento de tal interesse pela relação entre perfor-
mance e filosofia era um fenômeno interdisciplinar maior, advindo não só
da Filosofia mas também de outras disciplinas como Dança, Música e Artes
Visuais, tanto quanto do Teatro e da Performance. Essa ‘virada’ se manifes-
taria não só em algumas publicações chave, como também num leque de
outras atividades incluindo conferências, festivais e edições especiais dedica-
das ao tema em revistas. Em 2012, fui integrante de um grupo formado por
11 pessoas que fundou a associação profissional e a rede de pesquisa, tam-
bém chamada Performance Philosophy network, em parte devido ao reconhe-
cimento do fato de que os últimos 15 anos testemunharam esse aumento
sem precedentes de interesse internacional e interdisciplinar na relação entre
performance e filosofia. Porém, ao mesmo tempo, o lançamento da Filoso-
fia-Performance foi também uma espécie de ato performativo em si mesmo,
na medida em que, simultaneamente, procurou trazer um novo campo à
existência por meio do ato de nomeá-lo como tal.
Introduzir o campo emergente da filosofia-performance é uma tarefa
complexa – não menos porque é, e tem sido desde o começo, um empreen-
dimento coletivo. Como meu colega Theron Schmidt observou, seria cer-
tamente um engano pensar que qualquer voz singular (tal como a minha)
pudesse encapsular ou falar pelo campo per se. Como tal, esta introdução
somente deve ser lida como uma introdução entre outras; um relato parcial
a ser considerado em conjunto com outros que possam perceber e articular
o campo – suas preocupações, contextos, intuições e limitações – de manei-
ras notadamente distintas e por meio de divergentes vocabulários. Embora
O que é filosofia-performance?
Desde que surgiu pela primeira vez por volta dos anos 2011/2012, o
termo e o campo da ‘filosofia-performance’ alcançaram (se esta for a palavra
correta) um grau de reconhecimento – tanto institucional quanto mais am-
plamente comunitário – como uma área de pesquisa. Escrevendo em 2015,
meus colegas norte-americanos Wade Hollinghaus e Will Daddario (2015,
p. 51) descreveram a filosofia-performance como “ainda se consolidando
como disciplina, tentando determinar o que é e o que pode fazer”, enquan-
to Andrés Fabián Henao Castro a chama de “uma disciplina em seus pri-
Além da Aplicação
Como parte desse “balanço geral”, vale a pena levar em conta tanto o
que se poderia dizer que o campo positivamente alcançou ou que ofereceu,
ao mesmo tempo que se reflete sobre suas limitações e sobre as perspectivas
trazidas por seus críticos (incluindo os atos internos de autocrítica do cam-
po). Do lado positivo, Kirkkopelto sugere que, no contexto da emergência
da pesquisa artística,
[...] a filosofia-performance abre um campo no qual a performance, os cria-
dores e os performers podem fazer contato com o pensamento filosófico sem
a defesa de disciplinas intermediárias e em diálogo igual com elas, aprender a
pensar em seus próprios termos e serem compreendidos pelos outros. É por
isso que poderia, e frequentemente também deveria, constituir a forma mais
concreta de pensar que 1) ocorre no nível da prática da performance, com
seus arranjos materiais, corporais e institucionais, e a referida luta ou jogo de
poder que esses arranjos implicam; 2) leva em consideração o amplo leque
Notas
1
Retiro esta frase da recente discussão de Jon McKenzie sobre a relação da filo-
sofia-performance com questões de institucionalização e, especificamente, legi-
timidade institucional (McKenzie apud Street; Alliot; Pauker, 2017, p. 123).
McKenzie também usa essa noção para aludir à dupla tendência da performan-
ce como prática ao mesmo tempo normativa e de resistência: “A performance
refere-se, assim, às práticas mais normativas e às mais experimentais, até trans-
gressoras da vida contemporânea: está em dois lugares ao mesmo tempo. Co-
mo pensá-la? No entanto, esse borrão de instabilidade tem sido o núcleo ou o
cristal em torno do qual eu construí – e pratiquei – uma impossível teoria geral
da performance”. (McKenzie apud Street; Alliot; Pauker, 2017, p. 85).
2
Para esta definição inicial, juntei várias definições existentes da filosofia-
performance, conforme apresentadas na introdução à série de livros sobre filosofia-
performance <https://www.palgrave.com/gp/series/14558>, na revista Performan-
ce Philosophy Journal <http: //www.performancephilosophy.org/journal> e na rede
Performance Philosophy <http://performancephilosophy.ning.com>.
3
Para outras introduções ao campo, leitores interessados podem procurar por
Inter Views in Performance Philosophy: Crossings and Conversations (2017) edi-
Referências
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Este artigo inédito, traduzido por Luciana da Costa Dias, também se encontra
publicado em inglês neste número do periódico.
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