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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

MESTRADO EM GÉNERO E DESENVOLVIMENTO

Módulo – Género e Economia.

Tema: Impacto do trabalho não remunerado no crescimento do PIB

Discente:

Hélio Pelembe

Docentes:

Prof Dra. Gracinda Mataveia

Prof Dra. Merry Mondlane

Maputo, Setembro de 2022


Introdução

O presente trabalho é feito no âmbito da cadeira de género e economia do curso de


mestrado em género e desenvolvimento da faculdade de letras e ciências sociais da
universidade Eduardo Mondlane. Neste trabalho irei refletir sobre o impacto do trabalho
não remunerado no crescimento do PIB, tendo como ponto de abordagem os impactos
que os dados podem trazer na vida cotidiana das mulheres.

Nesta ondem, o presente trabalho evidencia as actividades realizado por homens e


mulheres, no âmbito das famílias, e identifica aonde está concentrada a maior parte
desse trabalho, além de medir isso monetariamente. Numa perspetiva crítica destes
discursos, a minha análise esta centrada na discussão sobre, o papel económico das
mulheres actravez do trabalho produtivo, família e bem-estar, bem como a ausência da
ideia de poder no discurso Económico dominante e as limitações daí decorrentes para
compreensão de problemáticas fundamentais como a da distribuição de rendimentos e
de bem-estar.

Objetivo

Refletir sobre o impacto do trabalho não remunerado no crescimento do PIB.

Conceptualização

O PIB é considerado o indicador que representa de maneira mais completa uma


economia, o seu cálculo se dá através do somatório, em valores monetários, dos bens e
serviços produzidos por um país (dentro do país), de acordo com Vasconcelos e Garcia
(2009). É importante ressaltar que no cálculo do PIB são considerados somente os bens
e serviços finais, para evitar que um mesmo produto seja contabilizado duas ou mais
vezes (LOURENÇO e ROMERO, 2002), que o define como o indicador síntese de uma
economia.

Segundo estudo realizado por Fernandes (2017) a questão do emprego está hoje
colocada como a principal dificuldade enfrentada pelo modo de produção capitalista. As
recentes modificações pelo qual tem passado o mercado de trabalho têm exigido dos
trabalhadores cada vez mais, uma melhor qualificação, para poder se manter
empregado.

Em 1952, graças ao trabalho de Richard Stone e sua equipe, a Organização das Nações
Unidas (ONU) apresentou a primeira metodologia de cálculo das Contas Nacionais ou
System of National Accounts 1952 (SNA). Essa primeira proposta tinha por objetivo
padronizar o cálculo do produto, a fim de analisar o comportamento dos
macroagregados keynesianos e ter um instrumento que possibilitasse a realização de
comparações internacionais. O SNA original sofreu duas grandes modificações, em
1968 e em 1993, com vistas a incorporar tanto novas demandas dos formuladores de
políticas econômicas quanto as novas características do mundo globalizado.

No entanto, como aponta Nordhaus (2000), desde a sua concepção, os Sistemas de


Contas Nacionais são incompletos e enganosos, porque omitem todo um universo de
atividades fora do mercado e, portanto, parcela significativa da produção, tais como o
trabalho não remunerado, o valor do tempo de lazer, os investimentos em capital
humano e o meio ambiente. O trabalho não remunerado é composto por toda uma gama
de atividades que garantem a reprodução social do sistema. Trata-se do cuidado das
crianças, das tarefas domésticas e do cuidado com idosos ou doentes. Ignorar o trabalho
não remunerado cria distorções quanto à avaliação da real capacidade produtiva de um
país e reforça o descaso com aqueles que o executam, mulheres na sua maioria.

A divisão do trabalho entre os gêneros

A contribuição da mulher ao produto gerado da economia já se fazia presente na


economia rural dos séculos XVIII e XIX (Coleman, 1997). A economia colonial
daquele período era desenvolvida em uma série de comunidades que mantinham
recursos de produção comuns, o que permitia às fazendas de uma
determinada área geográfica compartilharem algumas ferramentas essenciais de
trabalho. O trabalho conjunto da unidade familiar, por outro lado, pode contribuir para
a economia de tempo ou dinheiro, de forma mais ampliada do que o trabalho individual,
aumentando a produção per capita familiar.

Coleman (1997:42) relata que suas pesquisas mostram que no período, anteriormente ao
desenvolvimento da manufatura, o trabalho produtivo da mulher na agricultura era
quase a metade do trabalho e da produção necessária das áreas rurais, embora
houvesse uma nítida fronteira entre o que seria a divisão do trabalho entre os
gêneros.

Invisibilidade das mulheres na económico capitalista.

No campo das ciências sociais, a ciência econômica é a mais dominada pelos homens e
a que apresenta maior resistência em incorporar a questão das mulheres. Embora a
análise feminista venha penetrando no campo da economia, esta continua sendo a
ciência social menos permeável aos desafios propostos pelo feminismo. Os esforços
realizados pelas economistas feministas em tratar do tema das mulheres não se
reverteram no sentido de que o gênero como categoria de análise tenha transformado os
estudos econômicos e alterado seus pressupostos fundamentais.

Em dois períodos distintos na década de 1930, com os estudos sobre as diferenças


salariais entre mulheres e homens e, posteriormente, com os trabalhos sobre a produção
doméstica e o uso do tempo nos anos de 1960 e 1970 os estudos sobre as desigualdades
entre mulheres e homens estiveram centrados nas dinâmicas do mercado ao invés de
enfocarem o papel da dimensão de gênero e das desigualdades nas relações de poder.

O conceito de construção social de gênero e seu vínculo com a análise econômica ainda
não havia surgido. Foi nas décadas de 1970 e 1980 que cresceu a influência do
feminismo sobre as análises econômicas. Suas contribuições têm-se dirigido a distintas
áreas, incluindo tanto as análises históricas, como as teóricas e as empíricas. Na década
de 1950 as mulheres começaram a ingressar maciçamente no mercado de trabalho.

O indivíduo participa da força de trabalho sempre que o salário de mercado exceder seu
salário de reserva, entendido como sendo o quanto o indivíduo exige de remuneração
adicional para abrir mão de uma hora de lazer, quando não está trabalhando. Para os
neoclássicos o salário de reserva tem um papel crucial na determinação da entrada ou
não no mercado. O aumento na renda dos outros membros do domicílio e do número de
adultos tende a aumentar o salário de reserva da mulher, levando a uma menor
possibilidade de sua participação no mercado de trabalho. Análise estritamente
econômica (Benería, 2004:26).

Trabalho não remunerado


As concepções econômicas convencionais, assim como as estatísticas nacionais
utilizadas para o desenho das políticas macroeconômicas, não consideram e nem
contabilizam o universo da economia do cuidado não remunerado, devido ao fato de
esta não estar orientada para o mercado. Como o fruto desse trabalho é praticamente
invisível, ele também não é objeto de políticas públicas, e a inclusão das necessidades
daqueles que o efetuam na elaboração dos orçamentos públicos é praticamente
inexistente. Na realidade, a ausência do trabalho não remunerado nas contas nacionais e
a elaboração de orçamentos cegos a gênero são as duas faces da mesma moeda.

O ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho desde os anos 60 não pode
estar significando uma reorganização das atividades com os cuidados do lar entre os
membros da família?

A participação das mulheres no mercado de trabalho tem crescido sem reduzir a


quantidade de trabalho realizado dentro de casa (GPI Atlantic, 2000). As evidências
empíricas revelam que não há transferência por parte das mulheres para outros membros
da família das responsabilidades pela execução das atividades de cuidado da família.

Estudos revelam que, em países desenvolvidos, há um envolvimento maior dos homens


com essas tarefas, decorrente de cargas menores de trabalho remunerado (Luna, 2003).
Quanto à questão institucional, países europeus entendem que o cuidado dos filhos é
responsabilidade dos indivíduos (não apenas da mãe) e também do Estado e das
empresas (OIT, 2003; Gelinski; Ramos, 2004). Esse engajamento de todos os agentes
envolvidos permite a busca de soluções coordenadas, como licenças para qualquer um
dos pais, oferta de creches públicas ou espaços criados pelas empresas para permitir que
os pais possam estar próximos dos filhos. Todos os tipos de trabalho não remunerados
(produção de subsistência, cuidado da família e trabalho voluntário na comunidade)
poderiam ser levados a cabo por homens e mulheres, porém, na maioria dos países, têm-
se constituído socialmente como responsabilidade principalmente de mulheres. Desde a
metade dos anos 80 este fator vem ganhado vais visibilidade nos países desenvolvidos, a
despeito da elevação do tempo de trabalho econômico, tanto para homens quanto para
as mulheres, onde as mulheres têm menos tempo livre que os homens, e o tempo
dedicado à organização familiar é mais intenso entre as mulheres.
Ignorar a relevância do trabalho não remunerado tem duas implicações diretas: a
primeira são os efeitos que a sobrecarga tem sobre a saúde física e emocional das
mulheres, e a segunda é a subavaliação do PIB de cada país.

Contribuição do trabalho não remunerado na economia per-capita.

A produção doméstica tem recebido algum tratamento estatístico no sentido de


incorporá-la às Contas Nacionais, graças à pressão de grupos de mulheres e às diretrizes
emanadas de conferências internacionais.

Gary Becker (1965), propõe recuperar a importância da produção doméstica para a


Economia, através de uma leitura nos termos da qual a família deixa de ser considerada
apenas como unidade de consumo para passar a ser encarada, como unidade de
produção de mercadorias domésticas (household commodities) uma vez que, ainda que
não passe pelo mercado, a resultam de uma função de produção familiar.
Os inputs usados nestas produções são bens adquiridos no mercado mas, também, o
tempo de trabalho nele aplicado pelos membros da família. Em sua concepção a
principal diferença entre o mercado domestico e o mercado empresarial, esta no facto de
os indivíduos, no espaço doméstico, operarem num mercado implícito enquanto, no
espaço empresarial, operam num mercado explícito.

O desenho de cálculos Nacionais de Contas não permite captar o trabalho não


remunerado, no entanto, as contas satélites ao sistema permitem que isso seja possível.

O desenvolvimento de contas satélites provê um jeito de agrupar e organizar dados que


atendem objetos particulares de análise, ao mesmo tempo que mantêm uma ligação com
o âmago das contas nacionais.

As contas satélites focam a sua atenção em setores específicos, como, por exemplo,
transportes, viagens e turismo, e na produção doméstica fora do mercado, apontando
que a percepção da importância do trabalho não pago passa por dois aspectos cruciais.

Em primeiro lugar, o reconhecimento do valor do trabalho não remunerado para a


economia e para o bem-estar social e, em segundo, a alocação do tempo para a
realização das atividades domésticas para cada um dos membros da unidade familiar.
No que se refere à produção doméstica não remunerada, desde os anos 60, alguns países
têm desenvolvido pesquisas de uso do tempo que posteriormente passaram a ser usadas
no cálculo das contas satélites do trabalho não remunerado.

O trabalho de Chandler (2003) sobre o trabalho não remunerado no Canadá usa os dois
métodos. Mostra que aproximadamente dois terços do trabalho não remunerado é
realizado pelas mulheres. Pelo custo de oportunidade para 1986, a média do valor do
trabalho não pago dos homens era de US$ 6.160, contra US$ 10.270 das mulheres (dois
terços a mais do que o masculino), e, pelo custo de substituição, era de US$ 6.830 e
US$ 13.660 respectivamente (praticamente o dobro). Chandler (2003) mostra também
que, em percentual do PIB, o trabalho não remunerado oscila, nas províncias e nos
territórios, entre 35% e 79% pelo custo de oportunidade e entre 25% e 65% pelo custo
de substituição.

A omissão do papel produtivo do trabalho doméstico esta refletido no processo de


produção microeconómico (que estudam os comportamentos económicos dos
indivíduos, famílias e empresas) mas, também, nas abordagens macroeconómicas, ou
seja, aquelas que estudam o comportamento dos agregados económicos de um país,
como o produto nacional, o emprego/desemprego, a inflação, etc.

No que respeita aos indicadores da produção agregada de um país, Produto Interno


Bruto (PIB) ou Produto Nacional Bruto (PNB), que contabilizam apenas bens e serviços
com preço monetário.

Dados da Austrália mostram como estudos sobre o trabalho não remunerado podem
evidenciar inter-relações fundamentais entre ele e o setor de mercado. Por exemplo,
entre 1992 e 1997, caiu a participação das mulheres no total do valor não remunerado, e
a contribuição do valor não remunerado para o PIB também se reduziu, em função de
uma maciça incorporação das mulheres no mercado de trabalho.

No caso dos homens, também há predomínio dessas atividades entre os solteiros,


entretanto, no caso dos homens casados e empregados, há uma alocação de tempo mais
significativa no cuidado com os filhos, enquanto, entre os casados desempregados,
ganha destaque a execução de tarefas como jardinagem, aparar a grama ou lavar a
piscina. A execução de tarefas domésticas varia de intensidade de acordo com a idade
das pessoas e com a sua condição de ter filhos ou não. Ela é mais intensa quando os
filhos são pequenos.

Conclusão

A nos últimos 50 anos a mulher vem ganhando destaque ao mercado laboral, no entanto,
a sua carga de trabalho dentro do lar permanece estável. O trabalho não é contabilizado
sobre tudo da mulher, cria uma distorção, uma vez que a sua condição de invisíbilidade,
não tem como ser objeto de políticas macroeconômicas. Nesse sentido, o escasso
reconhecimento dado ao trabalho não remunerado e a não inclusão do recorte de gênero
na elaboração dos orçamentos públicos são as duas faces da mesma moeda. Avanço
significativo tem sido a elaboração de contas satélites para estimar a contribuição de
setores específicos ao PIB.

No caso do trabalho não remunerado no âmbito doméstico, as metodologias de uso do


tempo permitem outorgar valor às tarefas executadas no lar. Elas são fruto de trabalhos
desenvolvidos desde os anos 60

A observação de algumas sociedades mostra que algumas políticas públicas colocadas


em prática em uma série de países em outras áreas ocasionaram mudanças consideráveis
com a intervenção, enquanto as diferenças entre gêneros com relação a salários e
absorção de trabalho têm sido mais resistentes à mudança. As diferenças de participação
na força de trabalho segundo o gênero, para economia relaciona uma série de fatores
que são válidos para explicar algumas tendências que contribuem, para os diferenciais
encontrados, como: mudanças na mentalidade das sociedades, transformações nas
diferenças entre as classes sociais, mudanças nas condições de trabalho e na intensidade
do esforço de trabalho requerida, aumentos nos benefícios extra-salários (fringe
benefits), mudanças no movimento sindical, aumento da dependência da vida social
em relação ao trabalho, mudanças na distribuição de renda, nos encargos das dívidas,
na riqueza, nos ativos líquidos e nas atividades de lazer.

Particularmente na atualidade, em uma conjuntura em que grande parte de países de


vários níveis de desenvolvimento encontram-se frente a problemas de aumento de
desemprego e de relações mais flexíveis de trabalho, as diferenciações entre os gêneros
na oferta de trabalho adquirem maior peso nas decisões de contratação pelo empregador
e na demanda por trabalho formal e informal

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