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Rev Bras Anestesiol

1999; 49: 3: 201 - 212

ARTIGO DE REVISÃO

Obesidade Mórbida: Considerações Clínicas e Anestésicas *


Angélica de Fátima de Assunção Braga, TSA 1, Andréia Cristina Marques Silva 2, Eugesse Cremonesi, TSA 3

Braga AFA, Silva ACM, Cremonesi E – Obesidade Mórbida: Braga AFA, Silva ACM, Cremonesi E – Morbid Obesity: Clinic
Considerações Clínicas e Anestésicas and Anesthetic Considerations

UNITERMOS – DOENÇA: obesidade mórbida KEY WORDS – DISEASE: morbid obesity

obesidade é um problema nutricional com influência A inspeção do paciente fornece estimativa subjetiva, mas
A sócio-econômica, cultural e profissional que vem razoavelmente precisa, do grau de obesidade. Medidas
afetando a população, numa prevalência de 10 a 50% mais objetivas incluem tabelas que relacionam peso e al-
entre os adultos1. Quando muito acentuada a obesidade tura, índices relacionados ao peso e outras medidas an-
leva a importante redução na expectativa de vida e con- tropométricas 7. Os três índices mais utilizados são :
tribui para o sedentarismo e isolamento social 2. Nesta
revisão relacionada ao paciente obeso serão discutidas a) tabelas de peso médio que relacionam peso e altura;
as alterações fisiopatológicas induzidas pela obesidade b) tabelas de peso ideal que indicam o peso que se as-
que acometem todos os sistemas orgânicos, com au- socia à maior longevidade;
mento na morbi-mortalidade, conseqüente ao desenvol- c) índice de massa corporal (IMC) que trata da relação
vimento de doenças concomitantes 2. do peso em quilogramas com a altura em metros ao
quadrado. Este é um pouco mais exato em homens e
CONCEITO DE OBESIDADE apresenta valores normais de 22,4 kg.m-2 7.

Em adultos normais, a gordura corresponde 15 a 18% do Segundo este índice, é considerado obeso o paciente
peso em homens e 20 a 25% do peso em mulheres 3. Ser que apresenta relação peso atual e peso ideal excedendo
obeso significa apresentar uma alta proporção de gordu- 1,1; é ainda obeso mórbido quando esta relação excede
ra corporal 1. Dois diferentes tipos de obesidade são des- 2,0. De acordo com o IMC o paciente é considerado acima
critos: a andróide na qual o tecido adiposo localiza-se pre- do peso quando a relação está entre 25 e 30 kg.m-2 e como
dominantemente no tronco e a ginecóide, na qual a gordu- obesidade verdadeira quando acima de 30 kg.m -2 3
ra localiza-se primariamente nos quadris, nádegas e cin- (Quadro I).
tura 3,4. A obesidade andróide está associada a alto con-
sumo de oxigênio, alta incidência de doenças cardiovas- QUADRO I - Classificação da Obesidade de Acordo com o Índice de
Massa Corporal (kg.m-2)
culares 5, complicações metabólicas, insulino-resistên- IMC
cia, hiperuricemia e dislipoproteinemia 6.
Deficiência de peso < 20
Normal 20 - 25
Excesso de peso 25 - 30
* Trabalho realizado pelo Departamento de Anestesiologia da Faculdade Obesidade Simples 30 - 40
de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, SP
Obesidade Mórbida > 40
1. Professora Doutora do Departamento de Anestesiologia da Faculdade
de Ciências Médicas da UNICAMP Herbert, 1993 6
2. Ex-ME2 do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências
Médicas da UNICAMP ETIOLOGIA E PATOGÊNESE
3. Assessora Científica do Departamento de Anestesiologia da Faculdade
de Ciências Médicas da UNICAMP
Primariamente a obesidade é resultado de um desequilí-
Apresentado em 17 de setembro de 1998 brio entre a ingesta e o gasto energético. Provavelmente
Aceito para publicação em 23 de novembro de 1998
existem muitas causas diferentes para este desequilí-
Correspondência para Dra. Angélica de Fátima de Assunção Braga brio, que podem coexistir em um mesmo indivíduo 7. Estu-
Rua Luciano Venere Decourt, 245 - Cidade Universitária dos recentes comprovaram influência genética na obesi-
13084-040 Campinas, SP
dade. Não só há forte componente genético na quantida-
de de gordura mas também em sua distribuição. É então o
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genótipo que determinará como o indivíduo se adapta a

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uma ingesta energética excessiva. Diversos distúrbios Isto é reflexo do acúmulo de gordura dentro e sobre as pa-
genéticos associam-se à obesidade por mecanismos redes do tórax, da infiltração gordurosa nos músculos da
desconhecidos: as síndromes de Prader-Willi, Laurence- respiração e de alterações posturais, dificultando os mo-
Mon-Biedl, Alstron, Cohen, Carpenter e a doença de vimentos diafragmáticos 2,4,8. O aumento do peso abdo-
Blount 7. minal é o responsável pelas alterações posturais como ci-
A maioria dos estudos sugerem que as pessoas obesas fose torácica, lordose lombar e elevação das pressões in-
comem em excesso 1. Teorias existem afirmando que há tra-torácica e intra-abdominal 2,3. Em virtude destas alte-
uma disfunção dos sinais de retorno que registram a sa- rações, o trabalho respiratório é aumentado, com conse-
ciedade ou que apresentam centros de recepção insensí- qüente diminuição da eficiência dos músculos respirató-
veis a esses sinais; foi também sugerido que o comporta- rios e aumento do consumo de oxigênio 2,4,9.
mento alimentar é aprendido e que a saciedade é respos- As alterações mais importantes são: redução do volume
ta condicionada. Nenhuma foi cientificamente validada 7. de reserva expiratória, da capacidade inspiratória, da ca-
Uma baixa taxa de gasto energético pode predispor à pacidade vital e da capacidade residual funcional, agra-
obesidade. A taxa metabólica em repouso é maior no obe- vadas pela posição supina 2. O volume de reserva expira-
so 1,7, mas se for relacionada a quilocalorias por quilo de tório e a capacidade residual funcional podem ficar redu-
peso corporal apresenta valores inferiores à dos indivídu- zidos de modo que o volume corrente fica abaixo do volu-
os magros. Os obesos gastam mais energia durante a ati- me de oclusão, com posteriores alterações da relação
vidade física enquanto que a elevação da taxa metabólica ventilação-perfusão e franco curto-circuito direito-es-
após alimentação é equivalente à dos magros 7. querdo 2,5,7,10,11. O espaço morto geralmente aumenta e
Algumas alterações metabólicas, traumatismo, infec- pode comprometer 61% do volume corrente 3. Ao contrá-
ções, processos expansivos sobre áreas do hipotálamo rio da PaO2, que é diminuída, a PaCO2 e a resposta venti-
ventro-medial, com conseqüente hiperfagia, podem latória ao CO2 permanecem numa variação normal, refle-
predispor à obesidade. Doenças endócrinas como hipoti- tindo a alta difusibilidade do gás carbônico. No entanto, a
reoidismo, síndrome de Cushing, hipogonadismo, sín- margem de reserva é baixa, levando a acúmulo de gás
drome do ovário policístico, pseudo-hipoparatireoidis- carbônico frente a qualquer agente depressor da respira-
mo, deficiência de hormônio do crescimento e insulinoma ção 4.
são também entidades correlacionadas etiologicamente As vias aéreas também se encontram comprometidas,
à obesidade 1,2,7. Há ainda as causas iatrogênicas por ad- com limitação dos movimentos da coluna cervical e arti-
ministração de drogas psicotrópicas e corticosteróides, e culação atlanto-occiptal, conseqüente à adiposidade
por manipulação cirúrgica envolvendo áreas hipotalâmi- acumulada no queixo, tórax e mamas, ou mesmo na re-
cas 1. gião da coluna cervical. A abertura da boca sofre limita-
ções pela gordura submentoniana. O calibre das vias aé-
ALTERAÇÕES CLÍNICAS E reas é diminuído por abundante tecido mole no palato e
FISIOLÓGICAS ASSOCIADAS faringe. Além disso, a abertura laríngea pode ocupar po-
sição alta e anterior 5.
A obesidade está associada a certo número de desvios da
normalidade no que se refere a parâmetros anatômicos,
fisiológicos e bioquímicos 5. Todos os sistemas orgânicos Sistema Cardiovascular
estão envolvidos em maior ou menor escala, dependen-
do do grau da obesidade. A maioria das doenças cardíacas observadas no pacien-
te obeso surge da necessidade de adaptação ao excesso
Sistema Respiratório de massa corporal e ao aumento da demanda metabóli-
ca. Ocorre infiltração gordurosa no coração, que freqüen-
Devido ao excesso de tecido adiposo metabolicamente temente envolve o ventrículo direito e pode estar associa-
ativo e por aumento do trabalho do tecido de sustentação, do a disritmias e bloqueios de condução, com maior risco
principalmente o muscular, os obesos apresentam eleva- de morte súbita 3. Os seguintes fatores tentam explicar o
do consumo de oxigênio e produção de gás carbônico 3,5 . aumento do risco : a) hipertrofia miocárdica e hipoxemia;
A hipoxemia é comum nestes pacientes devido ao dese- b) hipocalemia resultante de terapia diurética; c) doença
quilíbrio na relação ventilação-perfusão, que se deve a coronariana que é comum no obeso; d) níveis aumenta-
extenso curto-circuito intrapulmonar ou a alta incidência dos de catecolaminas; e) síndrome da apnéia do sono as-
de doenças pulmonares 3. sociada à bradicardia sinusal durante o período de ap-
A complacência pulmonar pode estar reduzida em até néia e taquicardia sinusal após retorno da ventilação e f)
35% do valor normal, tanto na parede torácica quanto no infiltração gordurosa do marcapasso e tecidos de condu-
parênquima pulmonar (defeito ventilatório restritivo) 2,4. ção 3.
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OBESIDADE MÓRBIDA: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ANESTÉSICAS

Nos indivíduos obesos o volume sangüíneo circulante, o associados favorecem a regurgitação com subseqüente
volume plasmático e o débito cardíaco estão aumenta- aspiração para as vias aéreas.
dos 5. O débito cardíaco aumenta cerca de 0,1 ml.min-1 Em 90% dos pacientes com obesidade mórbida o conteú-
para cada quilograma de peso ganho em gordura 2,4. A ati- do gorduroso do fígado está elevado 5. Testes de função
vidade do sistema renina-angiotensina está aumentada e hepática fora dos valores normais é outro achado comum
desempenha algum papel na expansão do volume intra- e, se associados à hipoalbuminemia e baixo tempo de
vascular 3. protrombina deve ser considerada a possibilidade de
Cardiomegalia e hipertensão arterial refletem o aumento doença hepática mais grave 2,3.
do débito cardíaco. O aumento no volume de ejeção leva
à dilatação e hipertrofia compensatória do ventrículo es- Sistema Endócrino e Metabólico
querdo. Esta hipertrofia reduz a complacência ventricular
esquerda que, juntamente com a sobrecarga crônica de Anormalidades endócrinas são freqüentes na obesida-
volume, aumenta a pressão de enchimento e pode levar à de. Homens com obesidade importante apresentam dis-
insuficiência cardíaca 3. creto hipogonadismo hipogonadotrófico com concentra-
Como o débito cardíaco está usualmente aumentado, ções diminuídas de testosterona total, testosterona livre
para que se mantenha a pressão normal, a resistência e hormônio folículo-estimulante 1,7. Associado à queda de
vascular periférica está diminuída e a freqüência cardía- testosterona, há aumento dos níveis plasmáticos de es-
ca mantém-se inalterada 3. Entretanto, hipertensão arte- trogênio e estradiol 1, resultante da maior aromatização
rial é achado freqüente nos pacientes obesos 3,4. Entre os de precursores na supra-renal. Contudo não há alteração
mecanismos possíveis para a hipertensão arterial inclu- na espermatogênese, libido ou potência. Em mulheres
em-se: aumento da atividade do sistema renina-angio- obesas na pré-menopausa não há elevação dos níveis de
tensina-aldosterona, do volume intravascular e do tônus estrogênio, que no entanto se elevam na pós-menopausa
simpático 3. A hiperinsulinemia leva a maior reabsorção pela conversão periférica aumentada de androstenodio-
tubular de sódio e pode também ser um fator desen- na em estrona. Nas mulheres com obesidade do tipo an-
cadeante 7. dróide (troncular) há taxas elevadas de androgênios e
A hipertensão intrapulmonar é comum nos pacientes maiores concentrações de testosterona e estradiol, com-
obesos 3,5. É resultado de uma série de fatores, tais como paradas às observadas no tipo ginecóide.
vasoconstrição causada pela hipoxemia e hipercapnia, Na obesidade desenvolve-se resistência à insulina com
disfunção ventricular esquerda com pressões de enchi- conseqüente hiperinsulinemia 1,2,7. Também há influên-
mento aumentadas, levando a aumento retrógrado nas cia da distribuição de gordura na secreção de insulina; o
pressões pulmonares, aumento do débito cardíaco que tipo andróide apresenta maiores concentrações de insu-
aumenta a pressão no leito vascular pulmonar e policite- lina e glicose frente a uma sobrecarga oral de glicose. Os
mia secundária a hipóxia crônica 3,5,9. altos níveis basais de insulina devem-se primariamente a
A obesidade é considerada risco maior para doença car- um aumento na secreção, mas é observado depuração
díaca isquêmica 3,4. A incidência continua aumentada em hepática para insulina diminuída em obesos 1. Vários es-
relação à população normal, mesmo na ausência de hi- tudos concluíram que tanto o tecido muscular como o adi-
pertensão arterial, hipercolesterolemia, concentrações poso de pacientes obesos respondem menos às ações da
diminuídas de proteínas de alta densidade, altas concen- insulina. Esta resistência poderia estar associada a uma
trações de proteínas de baixa densidade, diabetes melli- diminuição no número de receptores para insulina, mas
tus ou sedentarismo 3. Por todas as alterações, os pacien- os efeitos mais intensos resultam de redução nas respos-
tes obesos hipertensos correm risco maior de insuficiên- tas criadas pela interação insulina-receptor 1.
cia cardíaca congestiva, angina pectoris, infarto do mio- A triiodotironina (T 3) pode estar elevada até limites supe-
cárdio e morte súbita 7,12. riores, ao passo que os níveis de tiroxina e TSH são nor-
mais em pacientes obesos. Na verdade este aumento
Sistema Gastrintestinal está diretamente relacionado à hiperalimentação 1. Outra
alteração existente é o aumento da depuração de T3 e T4.
Devido ao acúmulo de gordura sobre a parede abdominal Níveis sangüíneos de cortisol discretamente reduzidos
presente no obeso, ocorre um aumento linear da pressão podem também estar presentes, por taxas de conversão
intra-abdominal, aumento da secreção de suco gástrico, aumentadas 7. Todavia, na maioria das vezes, há aumen-
prolongamento do tempo de esvaziamento gástrico, maior to na produção de cortisol 1. Apesar disso o ritmo circadia-
incidência de hérnia de hiato e de refluxo gastroesofági- no e os metabólitos urinários mantêm-se preservados 1,7.
co 2. Grande parte dos obesos (75 a 90%, dependendo do O controle hipotalâmico de prolactina e hormônio do cres-
grau de obesidade) apresenta conteúdo gástrico supe- cimento é muitas vezes defeituoso na obesidade, com
rior a 25 ml, com pH menor que 2,5 3,5. Todos esses fatores respostas deficientes à hipoglicemia induzida pela insuli-
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na 7. É bem reconhecida a inabilidade de pacientes obe- É freqüente o aparecimento de veias varicosas e estase
sos para excretar água e sal 1. O metabolismo lipídico venosa. O edema postural é agravado pela insuficiência
apresenta várias anormalidades evidenciadas por eleva- cardíaca presente nestes pacientes, podendo surgir alte-
das taxas de ácidos graxos livres, com depuração dimi- rações tróficas da pele e maior predisposição a trombo-
nuída, produção aumentada de VLDL pelo fígado, produ- flebite e tromboembolismo. A embolia pulmonar é muito
ção aumentada de colesterol e aumento da excreção de mais comum nos obesos do que nos indivíduos de peso
colesterol pelo sistema biliar 1. normal 7.
Os cálculos biliares de colesterol são mais prevalentes na
Outros Sistemas obesidade 1,3,7. Ocorrem provavelmente por produção
aumentada de colesterol nos depósitos adiposos aumen-
Alterações no sistema osteomuscular ocorrem devido à tados, maior excreção biliar de colesterol com conse-
infiltração gordurosa entre as fibras musculares e à hipo- qüente supersaturação na bile. Os obesos correm maior
tonia muscular. É observado aumento de cifose torácica, risco de complicações e morte decorrentes de colecistec-
lordose e cifoescoliose. Pode ainda ocorrer lombalgia por tomia 7.
artrose discal e artrite degenerativa da coluna lombar 2,4. O câncer também mostra associação significante com o
O excesso de tensão ocorre principalmente nas articula- peso. À medida que aumenta o índice de massa corporal,
ções dos membros inferiores e região lombar 7. aumenta a mortalidade por câncer 1. Homens obesos
Como o acúmulo de gordura ocorre em todos os órgãos, apresentam mortalidade mais aumentada por câncer de
os rins do obeso encontram-se também aumentados, cólon, reto e próstata. Em mulheres obesas há risco au-
com fluxo sangüíneo normal ou diminuído 2. mentado de câncer de mama, vesícula biliar, colo de úte-
O amor próprio e a auto-imagem ficam perturbados, sen- ro, endométrio e ovários 1,7.
do comum o prejuízo nas relações sociais 5-7. A imobilida- À medida que se agrava a obesidade, tornam-se comuns
de limita grandemente o trabalho e as atividades recreati- sintomas articulares ligados à osteoartrite 2,7. Os proble-
vas, sendo os obesos muitas vezes discriminados, o que mas de pele são comuns na obesidade, incluindo intertri-
gera raiva e dúvidas em relação a si próprio 6,7. A depres- go em pregas cutâneas redundantes e infecções fúngi-
são e a ansiedade parecem ser mais circunstanciais que cas 7. O pseudo-tumor cerebral (hipertensão intracrania-
endógenas 7. na benigna) é mais comumente encontrado em mulheres
jovens e, com freqüência, obesas 7,14.

DOENÇAS ASSOCIADAS OBESIDADE E GESTAÇÃO

Estatísticas mostram que o excesso de peso está asso- A obesidade associada à gestação impõe sério risco para
ciado à maior mortalidade e morbidade, sendo esta dire- a mãe, para o feto e para o recém-nascido e cria dificulda-
tamente proporcional ao grau de obesidade 1. A taxa de des para o obstetra e o anestesiologista. Durante a gesta-
morte prematura está aumentada em pacientes com 30% ção a ventilação sofre prejuízo ainda maior pelo aumento
de peso excedente e dobra em pacientes com 40% a 60% do útero e das mamas que diminuem a expansão diafrag-
além do peso ideal 3. A taxa de morte súbita sem razão co- mática e torácica, respectivamente. A redução da capaci-
nhecida chega a ser 13 vezes maior em pacientes obesos dade residual funcional e do volume de reserva expirató-
mórbidos. Em estudos prospectivos foi encontrada taxa rio é muito acentuada na obesa grávida, situação agrava-
aumentada de doenças crônicas, muitas delas constituin- da pela posição supina 15. A hipoventilação é sintoma que
do risco de vida 3. acompanha a gestação da mulher obesa, sendo mais im-
A apnéia do sono é 25 vezes mais freqüente em pessoas portante durante o trabalho de parto, quando o esforço
com obesidade mórbida, estando associada com alta muscular contribui para um maior consumo de O2 16.
morbi-mortalidade 7,12,13. O sono noturno é perturbado, A capacidade dos espaços subaracnóideo e peridural,
sendo compensado durante o dia 1,7,13. menor no paciente obeso, é adicionalmente reduzida du-
O diabete mellitus é a doença mais comumente associa- rante a gestação 15. A obesidade associada ao edema,
da à obesidade 2, ocorrendo numa freqüência três vezes presente em grande parte das gestantes, mascaram refe-
maior em relação aos não obesos 7. Ocorre geralmente rências anatômicas, resultando em dificuldade na reali-
sob a forma não-insulino-dependente, não cetótica 2,7. O zação de bloqueios espinhais 17.
diabete clinicamente manifesto só se desenvolve quando A gestação na paciente obesa é comumente considerada
existe herança genética adequada, mas a obesidade, ao de alto risco 16. A incidência de hipertensão essencial é
potencializar a resistência à insulina, aumenta a deman- sete vezes maior que na gestante não obesa 15. Os índi-
da sobre as ilhotas pancreáticas e tende a exacerbar a ces de toxemia são muito maiores na gestante obesa 16,17
propensão à doença 7. e o diabetes ocorre numa freqüência dez vezes maior 2,6.
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OBESIDADE MÓRBIDA: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ANESTÉSICAS

Muitas doenças são mais freqüentes entre obesas: vari- güíneo renal, da taxa de filtração glomerular e da secre-
zes (75% ), acidentes cardiovasculares (17%) e nefropa- ção tubular 3,19. Este efeito é observado principalmente
tias (21%) 16. A obesa, durante a gravidez, apresenta inci- para drogas que não são biotransformadas antes da ex-
dência cinco vezes maior de pielonefrite 2. O tromboem- creção renal 3. A depuração hepática pode estar alterada
bolismo ocorre em grande número de casos 16. O trabalho por litíase biliar ou esteatose hepática 5. Como o fluxo
de parto, independentemente da paridade, é mais prolon- sangüíneo hepático é modificado apenas moderadamen-
gado e o parto é difícil, freqüentemente exigindo o uso de te na obesidade, a depuração de drogas rapidamente me-
forceps 15. O prognóstico do parto é reservado, com fre- tabolizadas não é modificada 3. Níveis elevados de pseu-
qüentes distúrbios na contração uterina e parada de pro- docolinesterase são observados nestes pacientes 5.
gressão do trabalho por distócias de insinuação e situa- A ligação protéica plasmática e as concentrações de al-
ções anômalas do feto 16. O feto é freqüentemente ma- bumina plasmática não estão alteradas significativamen-
crossômico e a incidência de cesarianas é aumenta- te nos obesos. Porém, concentrações plasmáticas de
da 15,16,18. alpha-1-glicoproteína ácida aumentadas e hiperlipide-
mia, um achado freqüente em obesidade, podem afetar a
FARMACOCINÉTICA NO OBESO ligação protéica, reduzindo a fração livre das drogas 3.

A obesidade é associada a mudanças funcionais e da MANUSEIO ANESTÉSICO


composição corporal que podem alterar a distribuição
das drogas 19. São discretas as alterações do volume de O manuseio anestésico dos pacientes obesos apresenta
distribuição, da ligação protéica e da depuração renal e inúmeras particularidades. Além da influência das altera-
hepática 3. ções fisiológicas induzidas pela obesidade, a farmacoci-
Em virtude dos indivíduos obesos possuírem um compar- nética das drogas também se encontra alterada. O reco-
timento adiposo maior que o normal, a proporção de água nhecimento destes problemas e sua influência na condu-
e massa muscular em relação ao peso total é inferior ao ção da anestesia e da cirurgia é essencial para a avalia-
normal 5,19. O volume de distribuição é alterado, sendo a ção e preparo adequados do paciente.
etiologia multicausal, incluindo: menor fração de água
corporal total, maior conteúdo adiposo e de massa corpo- Avaliação Pré-Anestésica
ral magra, alteração da ligação protéica tissular, volume
sangüíneo e débito cardíaco aumentados, organomega- A avaliação pré-anestésica inclui uma revisão da história
lia e aumento das concentrações sangüíneas de ácidos médica, um cuidadoso exame físico, exame detalhado
graxos livres, triglicérides, colesterol e alpha-1-glico- das vias aéreas superiores e investigação laboratorial
proteína ácida 3. adequada 3. O paciente obeso deve ser avaliado com ên-
O volume do compartimento central, local da distribuição fase nas dificuldades que impõe ao anestesiologista 5.
inicial das drogas, não é modificado pela obesidade, mas A história clínica poderá informar a presença de sintomas
o conteúdo absoluto de água corporal, a massa corporal sugestivos de angina pectoris, hipertensão arterial, insu-
magra e a massa tissular adiposa estão aumentados, afe- ficiência cardíaca, infarto do miocárdio, doença pulmo-
tando a redistribuição de drogas polares e lipofílicas 3. nar obstrutiva crônica, dificuldade respiratória, síndrome
Observa-se que drogas lipofílicas como benzodiazepíni- da apnéia do sono, diabetes mellitus ou doença hepáti-
cos e tiopental têm um volume de distribuição aumenta- ca 2,5,9. Devem ser investigados também tolerância a
do, distribuição mais seletiva nos depósitos adiposos e exercícios, reações alérgicas a medicamentos, tabagis-
meia vida de eliminação mais prolongada 5,20. O fentanil e mo, etilismo e uso de drogas, tais como anfetaminas e
o sufentanil são drogas relativamente solúveis em gordu- hormônio tireoidiano 2.
ra, no entanto, enquanto as características farmacociné- É necessário estar alerta às conseqüências das terapias
ticas do fentanil assemelham-se as observadas nos indi- contra a obesidade. Dietas drásticas podem produzir aci-
víduos normais, o sufentanil apresenta grande volume de dose, hipocalemia e hiperuricemia; os líquidos compos-
distribuição. Já o alfentanil mostra volume de distribuição tos de proteínas hidrolizadas podem levar a disritmias
igual em indivíduos obesos e não obesos, porém com ventriculares intratáveis. As complicações metabólicas
uma longa meia vida de eliminação, o que reflete sua re- da anastomose jejuno-ileal incluem hipocaliemia, hipo-
duzida depuração. As drogas hidrofílicas apresentam vo- calcemia, hipomagnesemia, cálculos renais, gota e alte-
lume de distribuição, depuração e meia vida de elimina- rações hepáticas. Anfetaminas, além de poder interferir
ção similares às observadas nos sujeitos normais 5. com a ação de drogas vasoativas, aumentam as necessi-
A biotransformação das drogas pode estar alterada em dades anestésicas quando administradas agudamente,
decorrência de doenças hepáticas 5. A depuração renal ao contrário do que se observa quando são usadas croni-
na obesidade está aumentada pelo aumento do fluxo san- camente, resultando em menor necessidade de anestési-
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co. A fenfluramina, uma droga que inibe o sistema seroto- Amostras para gasometria sangüínea são colhidas com o
ninérgico, pode diminuir tanto as necessidades anestési- paciente sentado e deitado, para eliminar a retenção de
cas quanto a pressão arterial 21. CO2 e ajudar a estabelecer parâmetros para administra-
No exame físico deve-se atentar para alguns pontos em ção de oxigênio no pré e pós-operatório 2,5.
especial. A pressão arterial deve ser medida com man- O estudo radiológico da coluna cervical oferece informa-
guito apropriado à circunferência do braço 2; as extremi- ções topográficas das vias aéreas. Radiografia de perfil
dades devem ser avaliadas quanto à presença de ede- do pescoço em posição normal e em hiperextensão, to-
mas e os locais para acesso venoso 2,5; se houver previ- mografia computadorizada da faringe, hipofaringe e la-
são de punção arterial, um teste de Allen é imprescindível ringe oferecem subsídios para avaliar dificuldades no
na verificação das condições da artéria radial 5. É também manuseio da via aérea 5.
importante a avaliação da distribuição da gordura corpo-
ral 9, identificando-se sempre os pontos de referência na
coluna vertebral, se o bloqueio espinhal for a técnica indi- Manuseio Pré-Operatório
cada 2.
Especial atenção deve ser dispensada às vias aéreas su- Medicação Pré-Anestésica
periores 2. Embora alguns autores afirmem que a obesi-
dade é fraco fator preditivo de dificuldade de intubação 22, A preparação pré-anestésica do paciente obeso é de vital
o anestesista deve estar preparado para prováveis difi- importância e evitar a depressão respiratória é um cuida-
culdades na ventilação sob máscara e na intubação tra- do básico na escolha da medicação pré-anestésica 2. Em
queal 3,23-25. Essas dificuldades devem-se à face gorda, pacientes que apresentam síndrome de apnéia do sono,
ao pescoço curto e gordo e ao acúmulo de gordura na par- os sedativos devem ser evitados. Parada respiratória
te posterior, que limitam o movimento da mandíbula, do pode ocorrer secundariamente à completa obstrução das
pescoço e da cabeça 2,3,5. No exame físico deve ser feita vias aéreas superiores ou a profunda depressão cen-
avaliação das articulações atlanto-occipital e têmpo- tral 13.
ro-mandibular, da movimentação da coluna cervical, do Os opióides podem causar depressão respiratória pro-
grau de abertura da boca e da distância entre a extremida- longada e por isso devem ser usados com cautela ou evi-
de mentoniana e a cartilagem tireóide 2,5. O interior da tados 2,3. A preferência é pelos benzodiazepínicos ou pe-
boca e toda a orofaringe devem ser examinadas para veri- quenas doses de barbitúricos 2. A medicação deve ser fei-
ficar a existência de pregas de tecidos moles 5. ta por via venosa ou oral, uma vez que qualquer tentativa
A investigação laboratorial poderá mostrar alterações de injeção muscular pode resultar na administração do
eletrolíticas, principalmente de potassemia, nos pacien- fármaco no tecido adiposo e absorção imprevisível 3,5.
tes que fazem uso de diuréticos. Na síndrome de Pickwick Nos pacientes morbidamente obesos a incidência de do-
há elevação da hemoglobina e hematócrito 2. Os níveis de enças respiratórias é elevada, os efeitos produzidos pe-
glicose em jejum devem ser obtidos e a urina analisada las drogas que agem sobre o SNC são imprevisíveis e por
para evidenciar presença de corpos cetônicos. Testes ro- isso a medicação pré-anestésica só deve ser administra-
tineiros para avaliação de função hepática devem ser rea- da em ambiente que ofereça segura monitorização 5.
lizados 21. Drogas anticolinérgicas são administradas com a finali-
Eletrocardiograma e radiografia de tórax evidenciam do- dade de reduzir as secreções se houver previsão de intu-
ença isquêmica, hipertrofia ventricular esquerda ou direi- bação em paciente acordado ou com auxílio de laringos-
ta, cardiomegalia e congestão pulmonar 2,3,5. O eletrocar- cópio com fibra óptica 5.
diograma pode apresentar QRS de baixa voltagem, disrit- Devido ao elevado risco de regurgitação, medidas pre-
mias ventriculares e supraventriculares, defeitos de con- ventivas específicas devem ser tomadas 4,5,10,13,21,26.
dução e sinais indicativos de alterações do potássio séri- Sempre que houver suspeita de conteúdo gástrico volu-
co 2. Estas alterações, associadas a história de cardiopa- moso deve se tentar o esvaziamento com auxílio de son-
tia, exigem investigação ampliada 3,5. Muitas vezes é ne- da nasogástrica 5. É recomendado o uso de drogas que
cessário eletrocardiograma de esforço, ecografia, deter- reduzam o volume do conteúdo gástrico e aumentem o
minação da fração de ejeção do ventrículo esquerdo ou pH 2. Os antiácidos e os anticolinérgicos têm valor ques-
cateterização da artéria pulmonar. A avaliação de um car- tionável. Os anticolinérgicos inibem a produção de suco
diologista deve ser solicitada, tanto para a determinação gástrico em grau variável, mas reduzem o tônus da jun-
da magnitude do problema como para melhorar as condi- ção gastroesofágica, diminuindo o esvaziamento gástri-
ções do paciente antes da cirurgia 5. co e aumentando assim a possibilidade de regurgitação.
O estudo da função pulmonar deve ser realizado para A alcalinização com antiácidos aumenta o volume do con-
avaliação diagnostica, terapêutica e melhora da condi- teúdo gástrico e pode não tamponar satisfatoriamente o
ção pulmonar 2. A radiografia de tórax é imprescindível. pH 2.
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Vol. 49, Nº 3, Maio - Junho, 1999
OBESIDADE MÓRBIDA: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ANESTÉSICAS

A administração pré-operatória de um antagonista de re- tas leituras serão obtidas. O ideal é que seja maior que 1/3
ceptor H2, metoclopramida ou ambos deve ser considera- da circunferência do braço ou que cubra 2/3 do seu com-
da na tentativa de aumentar o pH do fluído gástrico e dimi- primento. O uso de manguitos menores pode gerar falsa
nuir seu volume 5. A metoclopramida aumenta a atividade hipertensão 2. De qualquer maneira, as medidas de pres-
do estômago, acelerando o esvaziamento gástrico e au- são arterial obtidas deste modo, além de difíceis, não são
mentando a tonicidade do terço inferior do esôfago, dimi- confiáveis, por isto dá-se preferência à monitorização in-
nuindo assim a possibilidade de ocorrência de refluxo tra-arterial, com exceção de procedimentos simples e de
gastroesofágico 2. Os antagonistas H2 tem se mostrado curta duração. Mesmo quando um grande manguito é
efetivos em aumentar o pH e diminuir o volume gástrico 10. usado, a medida da pressão arterial pode ser ainda 20 a
A ranitidina é superior à cimetidina por sua maior duração 30% maior que aquela obtida com o emprego da cânula
de ação e por não interferir com o metabolismo hepático arterial 3.
de outras drogas. Também apresenta maior potência e Os monitores de rotina devem ser utilizados, incluindo um
boa disponibilidade por via oral 27. A famotidina é preferi- eletrocardiógrafo, oxímetro de pulso, cateter vesical,
da, muitas vezes, pela vantagem de ser eficaz em dose sonda nasogástrica, capnógrafo e estimulador de nervo
única 10,27. periférico 3,10. O monitor cardíaco deve ser usado em to-
dos os pacientes, na derivação V 5 ou equivalente. A moni-
Posicionamento do Paciente Obeso torização nos indivíduos portadores de doença cardio-
vascular é determinada pelo problema específico que
É importante verificar se o equipamento, suporte de cabe- apresentam 5. É muitas vezes recomendado o uso de ca-
ça da mesa cirúrgica e perneiras para litotomia têm condi- teter na artéria pulmonar para avaliar desempenho car-
ções de suportar todo o peso do paciente obeso 5,26 , sen- díaco e necessidades volêmicas a serem repostas 2,5.
do necessário para seu transporte ou transferência da A oximetria de pulso é fundamental ao longo de todo o pe-
cama para a mesa cirúrgica a ajuda de várias pessoas ou ríodo perioperatório, dada a elevada incidência de hipó-
o emprego de equipamentos especializados 26. xia, sendo a gasometria também útil para esse fim 5,10. A
A mudança para o decúbito dorsal eleva o débito cardíaco monitorização da fração expirada de CO2 serve para veri-
em 35% e a pressão da artéria pulmonar em 44% como ficar se a ventilação é adequada e confirmar o correto po-
conseqüência da redistribuição do sangue das partes de- sicionamento do tubo traqueal 5. O volume corrente deve
pendentes do corpo para a circulação geral. O consumo ser monitorizado através de espirômetro acoplado ao
de oxigênio aumenta 11% e o curto-circuito pulmonar ele- ramo expiratório do sistema de anestesia 2.
va-se 18%, em decorrência do precoce fechamento das O cateter vesical é importante para avaliação do débito
vias aéreas 2. A posição supina aumenta a pressão das urinário, servindo também como guia para reposição vo-
vísceras sobre o diafragma, prejudicando a ventilação e lêmica. A hipotermia pode estar presente devido à grande
provocando hipóxia e hipercarbia 26, e induzindo com- superfície corpórea do obeso, principalmente durante
pressão da veia cava e aorta 3. A posição prona também procedimentos longos ou intra-abdominais. Deve-se mo-
não é tolerada, devido ao aumento da pressão abdomi- nitorizar a temperatura através de termômetro retal, eso-
nal. O decúbito lateral é a melhor posição, já que abole os fágico ou timpânico 2.
efeitos mecânicos da parede abdominal 3. De fato, as po- Quando se utiliza um bloqueador neuromuscular do tipo
sições semi-sentada e de decúbito lateral estão associa- adespolarizante, é obrigatória a monitorização da função
das ao menor grau de comprometimento cardiorrespira- neuromuscular com estimulador de nervo periférico 2,5.
tório 2. Os calcanhares, ombros e nádegas dos obesos Ele assegura bloqueio neuromuscular adequado no
devem ser bem acolchoados pelo risco de desenvolvi- per-operatório e a reversão com recuperação completa
mento de escaras 5. Nos obesos mórbidos a distribuição da transmissão neuromuscular ao final da cirurgia. Como
da massa adiposa sobre a mesa é precária. Pode ocorrer uma considerável quantidade de tecido adiposo separa
extensão exagerada do ombro, com risco potencial de le- os eletrodos periféricos do nervo em estudo, uma estimu-
são do plexo braquial, como conseqüência do volumoso lação adequada dificilmente é obtida 5. O uso de eletrodos
coxim gorduroso em região torácica posterior 5, 26. subcutâneos de agulha evitam este problema.

Monitorização Manuseio Per-Operatório

A monitorização deve ser a mais ampla possível 10. Quan- Na fase de indução e manutenção da anestesia há gran-
do a monitorização da pressão arterial é feita com esfig- des riscos e dificuldades 2, sendo com freqüência neces-
momanômetro, o manguito deve ter tamanho adequado, sário o auxílio de um segundo anestesiologista 3. Os prin-
abrangendo 70% do braço 2,3,6,8,10. Se um manguito pa- cipais problemas incluem: dificuldades com acesso ve-
drão de 12 ou 13 cm é utilizado em pacientes obesos, al- noso, problemas mecânicos relacionados ao tamanho e
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BRAGA, SILVA E CREMONESI

peso do paciente, dificuldade de localização dos espaços de residual funcional e o elevado consumo de oxigênio
peridural e subaracnóideo, risco de aspiração de conteú- predispõem o paciente a um rápido decréscimo na PaO2
do gástrico, rápido estabelecimento de cianose durante durante o período de apnéia que acompanha as mano-
apnéia ou obstrução de vias aéreas, rápida desidratação bras de intubação 2,4,5,11,30. Nesse momento é importante
e resposta precária à hipovolemia, dificuldade de obten- a contínua monitorização da saturação de oxigênio 4.
ção de pressão arterial confiável, obstrução das vias aé-
reas após indução, dificuldade de laringoscopia e intuba- Seleção da Técnica Anestésica
ção traqueal, problemas com oxigenação per-operató-
ria, alta incidência de complicações pós-operató- Não está ainda totalmente esclarecida a melhor droga ou
rias 2-5,10,13,24-26. técnica anestésica para um paciente obeso 2,4. A escolha
da anestesia, se geral ou regional, deve levar em conside-
Manutenção de vias aéreas ração a duração, o porte cirúrgico e as condições do pa-
ciente 2.
A não ser em procedimentos extremamente curtos e em A anestesia geral envolve uma série de dificuldades e ris-
pacientes muito bem selecionados, sempre é necessária cos, podendo ser novamente ressaltado o difícil manu-
a intubação traqueal durante a anestesia geral 2,5. Nos seio de vias aéreas, o risco aumentado de aspiração pul-
obesos mórbidos a manutenção de ventilação espontâ- monar, dessaturação rápida, altas pressões de vias aére-
nea com máscara durante anestesia geral é quase impos- as, prolongamento dos efeitos dos agentes venosos e
sível. Isto se deve à dificuldade de adaptação da máscara metabolização aumentada dos agentes voláteis 31. Há
a uma via aérea com alteração anatômica e complacên- ainda alterações do comportamento farmacocinético da
cia torácica diminuída, com conseqüente hipoventilação, maioria das drogas utilizadas em anestesia.
hipoxemia e/ou hipercarbia 5,13,26. Como acontece com outras drogas altamente lipossolú-
As dificuldades de intubação devem ser previstas, com veis, o volume de distribuição do tiopental é de três a qua-
avaliação cuidadosa e definição de riscos na visita tro vezes maior em pacientes obesos. Portanto já é espe-
pré-anestésica. Todo equipamento necessário para ma- rado um prolongado efeito desta droga, pois eles retêm o
nuseio da via aérea deve estar disponível, incluindo câ- tiopental na gordura por muito tempo 3,4,20. Por causa do
nulas oro e nasotraqueais, tubos traqueais com introdu- volume sangüíneo, do débito cardíaco e da massa mus-
tores e lâminas de larigoscópio de tipos e tamanhos varia- cular aumentados, a dose absoluta de tiopental deve ser
dos, assim como broncoscópio ou artefatos de fibra ópti- aumentada em pacientes obesos, mas de qualquer ma-
ca para intubação 3,5. neira essa dose é menor que nos pacientes não obesos,
Em cada caso uma avaliação criteriosa definirá se a tra- quando baseada no peso corpóreo.
quéia deve ser intubada sob anestesia ou com paciente As propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas
acordado 5. Se há previsão de dificuldades, a intubação do propofol indicam que este possa ser um agente apro-
com paciente acordado é aconselhável 3-5,26. A anestesia priado para a indução e manutenção de anestesia em pa-
tópica deve ser adequada e qualquer droga depressora cientes obesos. Há estudos que comprovam que a dose
do sistema nervoso central, para proporcionar conforto de propofol para manutenção da anestesia em pacientes
ao paciente, deve ser utilizada em doses mínimas e seus obesos poderia ser estabelecida com base no peso real
efeitos cuidadosamente monitorizados. Oxigênio deve sem risco de efeitos cumulativos, mas os efeitos hemodi-
ser administrado durante as manobras de intubação. nâmicos de doses tão grandes devem ser ponderados 3.
A intubação nasal às cegas deve ser tentada apenas por Não há nenhuma recomendação clara quanto à dose de
anestesistas muito experientes com a técnica 5. O uso de benzodiazepínicos na obesidade. Sua extensa distribui-
máscara laríngea, mesmo para pequenas cirurgias, está ção na gordura e sua meia-vida de eliminação prolonga-
contra-indicado 28,29. da explicam seus efeitos residuais após o término da tera-
A intubação sob anestesia geral deve ser feita de forma a pia. O volume do compartimento central para o midazo-
evitar a hipoxia e a aspiração de conteúdo gástrico 5. Rá- lam é similar entre obesos e não obesos. Portanto, o mi-
pida indução da anestesia, realização de manobra de dazolam deve ser administrado em maiores doses abso-
Sellick, seguida de pronta intubação com tubo com balo- lutas, mas na mesma dose por quilo de peso 3.
nete, freqüentemente reduz o risco de aspiração pulmo- Os opióides devem ser administrados com grande cuida-
nar 4,5,. Para esse fim é aconselhável o uso de drogas de do por seu conhecido potencial de depressão respirató-
ação ultra-curta como a succinilcolina e o propofol 3. ria 5. Pouco se sabe sobre as alterações farmacocinéti-
A pré-oxigenação é obrigatória em todo paciente obeso 3. cas dos opióides nos obesos. Não há evidências de que o
A pré-oxigenação pode ser a convencional durante três fentanil apresente efeitos prolongados, sugerindo que
minutos com oxigênio ou quatro movimentos respiratóri- possa ser administrado nas doses usuais com base no
os que abranjam a capacidade vital 3,5. A baixa capacida- peso corpóreo total. Quanto ao alfetanil têm sido sugerido
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OBESIDADE MÓRBIDA: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ANESTÉSICAS

tanto doses calculadas de acordo com a massa corpórea inalatórios para biotransformação 20. Os estudos envol-
magra quanto de acordo com o peso corpóreo total 3. O vendo a administração de sevoflurano ora mostram maio-
sufentanil, quando administrado a pacientes obesos, tem res níveis de fluoreto 35, ora não apresentam nenhuma di-
apresentado elevados volumes de distribuição e meia ferença entre pacientes obesos e não obesos, devido à
vida de eliminação, refletindo a alta lipossolubilidade rápida eliminação e baixa solubilidade sangüínea 36. Ape-
deste agente 4,5. sar do aumento do consumo dos anestésicos voláteis nos
Os obesos necessitam de doses mais elevadas de blo- pacientes obesos, não têm sido observadas disfunções
queadores neuromusculares não despolarizantes do que hepática ou renal, provavelmente por não serem atingi-
pacientes normais, mas quando relacionadas a superfí- dos níveis tóxicos 9. De qualquer maneira, considerando
cie corporal são semelhantes 5. As doses destas drogas e que as funções renal e hepática já apresentam alguma al-
de seus antagonistas devem ser calculadas com base no teração, o isoflurano deve ser considerado o agente de
peso real 10. O metabolismo dos bloqueadores neuro- escolha 2,5,20. Também nos obesos é mais elevada a inci-
musculares não despolarizantes pode estar comprometi- dência de hepatite pós-halotano 2,5,37,38.
do, principalmente no obeso mórbido, pela disfunção he- Independentemente da técnica de anestesia, o maior cui-
pática e prejuízo na depuração e excreção renais. Estes dado deve ser dirigido à ventilação. É obrigatória a moni-
pacientes apresentam tempo prolongado de recupera- torização da pressão inspiratória, do volume corrente ex-
ção 20. É recomendado para a succinilcolina doses calcu- pirado, da PETCO2, da SpO2 e dos gases arteriais 3. Na in-
ladas por peso corpóreo total, por aumento de atividade dução da anestesia ocorre um rompimento ainda maior
da pseudocolinesterase plasmática (em proporção direta da relação capacidade residual funcional/volume de
ao peso) e do volume extracelular 3. O pancurônio, por oclusão, com maior deterioração da relação ventila-
ser lipossolúvel, é usado em doses por quilo de peso se- ção/perfusão. O comprometimento da vasoconstrição hi-
melhante à usada nos não obesos 3. O vecurônio apre- póxica pelos gases anestésicos contribui para o agrava-
senta tempo de recuperação prolongado como resultado mento destas alterações 5. Ventilação assistida por siste-
da depuração hepática alterada, maior volume de distri- mas de pressão positiva contínua ou, ainda melhor, o uso
buição e efeito de sobredose, quando administrado com de ventilação controlada deve prevenir a hipoventila-
base no peso total. Sua dose deve ser calculada com ção 13. A FiO2 não deve ser inferior a 0,5 e naqueles com
base no peso corpóreo magro 3,20,32. doenças cardiovasculares ou respiratórias é indicada
O tempo de recuperação do efeito bloqueador neuromus- FiO2 de 1. Grandes volumes correntes devem ser utiliza-
cular do atracúrio não é alterado nos obesos se compara- dos, variando de 15 a 20 ml por quilo de peso ideal 2,3, com
do com não obesos 3,20,32,33. Nenhuma diferença foi en- o objetivo de vencer a baixa complacência do tórax e do
contrada no volume de distribuição, na depuração e na pulmão. O uso de volume corrente elevados (> 20 ml.kg-1)
meia-vida de eliminação. Porém, a concentração de lau- gera pressões inspiratórias perigosas sem melhorar a
danosina foi duas vezes maior nos obesos 33. Deve ser oxigenação arterial, resultando em grave hipocapnia 8.
utilizado na mesma dose por peso total 3. O rocurônio, ad- Deve-se atentar para fatores que influenciam os volumes
ministrado em dose usuais por quilo de peso, apresentou pulmonares. A posição de cefalodeclive ou litotomia e o
menor tempo de instalação do bloqueio e tempo de recu- uso de compressas subdiafragmáticas ou afastadores
peração ligeiramente prolongado. A recomendação ini- podem determinar redução da SpO2 e da PaO2 5,9. Ao final
cial é a administração com base no peso ideal 19. da cirurgia o bloqueio neuromuscular deve estar total-
O óxido nitroso constitui escolha lógica para a manuten- mente revertido. A extubação só deve ser realizada quan-
ção da anestesia em pacientes obesos, por ser insolúvel do o paciente estiver completamente acordado e com ab-
em gorduras, ter um rápido início de ação e curta duração soluto controle das vias aéreas 5.
e por sua limitada metabolização 5. Os obesos metaboli- A anestesia regional envolve redução dos riscos de obs-
zam os anestésicos inalatórios halogenados em maior trução das vias aéreas, aspiração gástrica e dano hepáti-
proporção que os pacientes normais 3-5,9,10,20,21. Os níveis co, mas também oferece uma série de dificuldades 3,5.
sangüíneos de fluoretos, após administração de metoxi- Deve ser anestesia de escolha em procedimentos super-
flurano, halotano e enflurano, e os níveis de brometo após ficiais, desde que tecnicamente possível 9. É ainda vanta-
o halotano são mais elevados 3,5. O enflurano e o isoflura- josa sua associação com anestesia geral. Sua realização
no são metabolizados mais rapidamente a metabólitos exige preparo para anestesia geral em caso de bloqueio
ativos 20. A enzima P450 2E1, que participa de metaboliza- insuficiente ou surgimento de dificuldade respiratória.
ção de grande parte dos agentes inalatórios, apresen- A presença de volumoso panículo adiposo dificulta a
ta-se em altas concentrações e com atividade aumenta- identificação das referências anatômicas e a realização
da em pacientes obesos 34. Outro fator a considerar é o ar- das técnicas de anestesia regional 2,4,5,17. A obesidade
mazenamento dos agentes lipossolúveis em maior pro- aumenta a distância entre a pele e os espaços peridural e
porção, o que proporciona contínua fonte dos agentes subaracnóideo, sendo necessário o uso de agulhas lon-
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BRAGA, SILVA E CREMONESI

gas e às vezes realização da punção em posição senta- de Pickwick ou os que foram submetidos a cirurgias torá-
da 2,5. As dificuldades encontradas não são intransponí- cicas e abdominais maiores estão sujeitos à elevada inci-
veis pois a gordura na linha média dorsal da região lombar dência de complicações respiratórias 3,5,44,45. O período
é menos desenvolvida que a localizada nas porções late- pós-operatório é de grande risco, sendo aconselhável
rais 5. sua admissão em unidade de tratamento intensivo 5 46.
O nível do bloqueio produzido pelos anestésicos locais é Sem dúvida, as complicações respiratórias pós-opera-
imprevisível, com instalação e ascensão insidio- tórias são mais comuns em pacientes obesos do que em
sas 2,4,5,9,10. As doses iniciais de anestésicos locais, para não obesos, sendo que o índice de massa corporal ou tes-
anestesia regional, devem ser reduzidas de 20 a 25% nos te pré-operatório de função pulmonar não são fatores
pacientes obesos 4,5. A compressão da veia cava inferior prognósticos acurados 3. Pelo menos cinco dias após a ci-
pelo peso da massa abdominal (aumento de pressão in- rurgia o paciente obeso apresenta capacidades pulmo-
tra-abdominal) resulta em congestão das veias extradu- nares diminuídas, persistindo neste período o risco de hi-
rais com conseqüente redução do volume do canal espi- poxemia 3,5. Efeitos residuais de muitas drogas, combina-
nhal e espaço peridural e aumento da distribuição inicial dos com o efeito limitador da dor incisional, desencora-
do anestésico 4,39,40. A excessiva gordura peridural contri- jam inspirações profundas, aumentando a ocorrência de
bui também para a compressão do saco dural 39. Os níveis atelectasias 13. Obstrução aguda de vias aéreas superio-
de bloqueio sensorial, somático e muscular são mais ele- res é comum em pacientes obesos mórbidos com síndro-
vados 9,20, mesmo com o uso de bupivacaína isobárica na me da apnéia do sono 3. Cirurgias envolvendo nariz ou fa-
raquianestesia 39,40. ringe aumentam a resistência das vias aéreas superiores
O bloqueio espinhal alto tende a produzir comprometi- por um ou dois dias 13. Os pacientes obesos devem ser
mento respiratório e cardiovascular. Obesos com blo- transferidos para uma unidade de cuidados intensivos,
queio limitado a T5 apresentam poucas alterações dos vo- com adequada monitorização respiratória e sob estreita
lumes pulmonares e gases sangüíneos 5. A sedação deve supervisão. Muitos pacientes podem se beneficiar de um
ser extremamente cuidadosa. O extenso bloqueio simpá- período de apoio ventilatório parcial ou total, para permitir
tico pode resultar em hipotensão arterial 9,10,40. completa eliminação de drogas sedativas e instalação do
Para procedimentos torácicos e abdominais é recomen- melhor método para alívio da dor 13. O suporte ventilatório
dável a associação de anestesia geral com bloqueio peri- é mais freqüentemente necessário em pacientes extre-
dural contínuo 2,3,5,9,26. Esta combinação possui algumas mamente ansiosos ou não cooperativos, com idade supe-
vantagens sobre a anestesia geral isolada, incluindo me- rior a 50 anos, que sejam obesos mórbidos, apresentem
nores doses de bloqueadores neuromusculares, redu- cardiopatia ou retenção de CO2, com tempo operatório
ção da necessidade de opiódes, estabelecimento de pro- prolongado e que desenvolvam febre após cirurgia 3.
fundidade adequada de anestesia com menores concen-
A monitorização respiratória deve ser agressiva na sala
trações de agentes voláteis, extubação traqueal precoce,
de recuperação e incluir oximetria de pulso e análise de
redução de complicações pulmonares pós-operatórias 41
gases arteriais 5,9. O paciente deve permanecer com a ca-
e analgesia pós-operatória mais efetiva e segura 3,5,26. A
beceira elevada entre 30 e 45 graus, principalmente du-
função cardiovascular, porém, apresenta as mesmas al-
rante as primeiras 48 horas, e assim continuar por vários
terações quando comparada à anestesia geral isolada 3.
dias no pós-operatório 2,3,29. Nesta posição a pressão ab-
Outra vantagem é a possibilidade da permanência do ca-
dominal sobre o diafragma é reduzida, a expansão toráci-
teter peridural, permitindo a administração pós-operató-
ca é facilitada e a razão capacidade residual funcional e
ria de anestésicos locais ou opióides.
volume de fechamento é otimizada; a função cardiopul-
Independente do tipo de anestesia regional escolhido a
monar melhora 3. A administração de oxigênio é obrigató-
monitorização deve ser tão cautelosa quanto à utilizada
ria, os gases devem ser umidificados e deve ser iniciada
em pacientes submetidos à anestesia geral. Oxigênio
precocemente fisioterapia respiratória 3,5,9. O paciente
deve ser administrado em todos os pacientes. A função
deve ser mudado de posição a cada duas ou três horas
respiratória deve ser cuidadosamente monitorizada 5.
para evitar escaras de decúbito e complicações respira-
tórias. O uso de técnicas de anestesia regional no per e
Manuseio Pós-Operatório
pós-operatório reduzem a incidência de complicações
respiratórias 5.
Complicações
A incidência de infecções hospitalares é maior no pacien-
O período pós-operatório do obeso mórbido evolui com te obeso 47. Destaca-se a grande incidência de infecção
risco de hipoxemia, depressão cardiorrespiratória e aci- da incisão cirúrgica, quando comparada a pacientes não
dente tromboembólico 2,42,43. Obesos com história prévia obesos 3,4. As causas mais prováveis desse fato são inci-
de doenças respiratórias, com hipoventilação, síndrome sões maiores, tempo operatório prolongado, trauma teci-

210 Revista Brasileira de Anestesiologia


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OBESIDADE MÓRBIDA: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ANESTÉSICAS

dual por tração excessiva, obliteração do espaço morto e treita observação, em ambiente com amplos recursos
inabilidade do tecido adiposo para resistir à infecção 3. para monitorização e manutenção de vias aéreas 5.
Os obesos apresentam elevado índice de trombose ve-
nosa profunda e embolia pulmonar pós-operatória 2,3,5. A CONCLUSÃO
incidência de embolia pulmonar chega a ser duas vezes
maior nos pacientes obesos quando comparados aos A anestesia para pacientes obesos apresenta uma série
não obesos. Os fatores de risco para desenvolvimento de de particularidades relacionadas com alterações respira-
eventos tromboembólicos incluem imobilização prolon- tórias, cardiocirculatórias, metabólicas, posicionamento
gada, policitemia, pressão intra-abdominal aumentada na mesa cirúrgica e muitas outras, sendo portanto um de-
que eleva a pressão na veia cava inferior e causa estase safio para o anestesiologista, que deve ter amplo conhe-
venosa, insuficiência cardíaca e atividade fibrinolítica di- cimento destas alterações e da farmacocinética das dro-
minuída, com aumento das concentrações de fibrinogê- gas. Assim, a atenção deve ser redobrada desde o prepa-
nio 3. Deambulação precoce e movimento ativo das per- ro pré-anestésico até a alta hospitalar. Exigem monitori-
nas não devem ser negligenciados. A sub-heparinização zação per-operatória contínua assim como na recupera-
profilática é bastante apropriada 3,5. O uso de técnicas re- ção pós-anestésica, com o objetivo de se oferecer maior
gionais diminui a incidência de trombose venosa profun- segurança e conseqüentemente diminuir a mor-
da e embolia pulmonar 5. bi-mortalidade peri e pós-operatória. As técnicas anesté-
sicas devem ser selecionadas visando diminuir as altera-
Analgesia Pós-Operatória ções farmacocinéticas e farmacodinâmicas das drogas
empregadas, sendo preferidos os bloqueios regionais,
Adequada analgesia pós-operatória é obrigatória em to- sempre que possível.
dos os pacientes cirúrgicos, revestindo-se de importân-
cia maior no paciente obeso, tornando satisfatória a ca- REFERÊNCIAS
pacidade de respirar, de tossir, de deambular e de mudar
de decúbito 3. Por razões conhecidas, o uso de opiódes 01. Bray GA - Obesity: An Endocrine Perspective, em: De Groot,
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cais como de opióides 2,3,5. O uso de anestésicos locais ou 06. Herbert PN - Doenças Metabólicas - Distúrbios Alimentares,
opióides está associado à recuperação pós-operatória em: Andreoli TE, Bennett JC, Carpenter CCJ et al - Medicina
mais rápida, menor incidência de sonolência, depressão Interna Básica, 3a Ed, Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan,
respiratória e náuseas, permitindo tosse mais vigorosa, 1993; 370-373.
fisioterapia respiratória efetiva, deambulação precoce 07. Pi-Sunyer FX - Obesidade, em: Cecil - Tratado de Medicina
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com rigoroso exercício de pernas e alta hospitalar mais 08. Bardoczky GI, Yernault JC, Houben JJ et al - Large tidal volume
precoce . Tudo isso leva a um pós-operatório mais tran- ventilation does not improve oxygenation in morbidly obese pa-
qüilo, manifestado por maior interesse do paciente em ler, tients during anesthesia. Anesth Analg, 1995;81:385-388.
caminhar e alimentar-se, com menor incidência de colap- 09. Pereira E - Obesidade e Anestesia - Rev Bras Anestesiol,
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